Open-access A centralidade das políticas de avaliação: apontamentos e perspectivas para uma nova epistemologia

A tendência de valorização dos programas e sistemas de avaliação, observada na América Latina a partir da década de 1990, repercutiu no Brasil e em vários outros países ao redor do mundo. Essa valorização é notada nas formas de avaliação de recursos humanos, na infraestrutura e nas condições de oferta dos cursos nas instituições de Educação Básica e Superior.

Conforme apontado por Afonso (2009), a valorização global das avaliações externas organizadas pelos Estados é caracterizada pelo crescente controle nacional sobre os processos avaliativos. Trata-se de um movimento perceptível em programas e sistemas de avaliação desenvolvidos em diversos países, compartilhando características como a imposição crescente de uniformidade em estilos, práticas, objetivos e o aumento da frequência das avaliações, ampliando, assim, o seu campo de intervenção (Afonso, 2009; Dias Sobrinho, 2008; 2010).

Dessa forma, essa tendência reflete-se nos boletins da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e nos documentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e do Banco Mundial (BM), nos quais se observa um renovado interesse pela avaliação (Gomes; Melo, 2018).

Diante desse movimento global de valorização das políticas de avaliação, com foco na aferição da qualidade das instituições, dos cursos e da aprendizagem dos estudantes, este editorial do periódico Ensaio busca apresentar alguns apontamentos sobre as políticas de avaliação no Brasil, tanto na Educação Básica quanto na Superior.

A avaliação ganhou relevância no cenário educacional a partir da década de 1990 e tornou-se um eixo central das políticas educacionais, o que se expressou claramente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/1996 [Brasil, 1996]) e em várias outras legislações nacionais. Esse novo marco legal redimensionou a Educação escolar e acadêmica por meio de políticas, programas, processos e práticas que se articulam sob diferentes aspectos e dispositivos. Assim, produziu-se uma nova regulação, com maior controle por parte dos gestores dos sistemas, implicando em mudanças significativas na atuação dos profissionais, no cotidiano das instituições e nos resultados obtidos.

Pode-se afirmar que a avaliação assumiu uma centralidade nas políticas públicas, gerando inúmeras repercussões nas práticas de Ensino e aprendizagem, tanto na gestão quanto no trabalho docente. A literatura existente revela a complexidade, a multidimensionalidade e a amplitude da avaliação (Araújo; Oliveira; Santos, 2022; Garcia; Algebaile, 2024; Seabra et al., 2022). Como parte integrante da gestão dos sistemas educacionais e das práticas Ensino e Educação, a avaliação está no centro do campo educativo, atuando como um efeito da globalização, que frequentemente desencadeou processos de competitividade entre diferentes sistemas educativos. Nesse sentido, as mudanças no campo da avaliação proporcionam informações valiosas sobre as tensões enfrentadas por gestores, professores e estudantes.

É importante ressaltar que a política de avaliação educacional no Brasil avançou significativamente nas últimas décadas do século XX. Nesse período, inúmeras iniciativas deram forma a um grande sistema de avaliação, abrangendo todos os níveis e modalidades de Ensino. Entre os principais programas estão o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), entre outros, que constituem um marco no sistema de avaliação da qualidade da Educação brasileira. O maior desafio, entretanto, permanece: utilizar os resultados das avaliações como base para intervenções destinadas a garantir o direito dos estudantes a uma Educação de qualidade (Fernandes; Gomes, 2022; Gomes; Melo, 2018; Tomás; Silveira; D’Albuquerque, 2020).

Nesse contexto, a avaliação externa, como elemento de regulação, está presente nas políticas educacionais nacionais e internacionais, desempenhando um papel importante no sistema educacional. Esse movimento reafirma que a avaliação é um dos motores de transformação das políticas públicas educacionais, apesar da sua complexidade e das contradições nas concepções e práticas que envolve (Seabra et al., 2022; Walker, 2020).

Em consonância com essa perspectiva, estudos no campo da avaliação educacional indicam que as avaliações nacionais classificatórias consolidaram relações de quase-mercado no âmbito educacional, o que impede a construção de um referencial de qualidade e, consequentemente, não promove aprendizagens (Afonso, 2009; Gomes; Melo, 2018).

A reforma do sistema público de Educação, em particular os sistemas e programas de avaliação, tem trazido várias consequências, tais como o estreitamento do currículo, no qual os professores são induzidos a focar apenas nas disciplinas e conteúdos abordados nas avaliações; a indução à competição por melhores resultados, o que reduz a cooperação entre docentes; e a pressão para que os profissionais apresentem bons resultados, levando-os a afastar estudantes com dificuldades de aprendizagem de suas classes. Além disso, a pressão por resultados incentiva as escolas a selecionar ou segregar os estudantes em turmas separadas.

Diante dessas distorções, é necessário defender um sistema de avaliação que considere os diferentes contextos sociais e priorize a participação dos docentes. Um sistema concebido nessa perspectiva não só regula e supervisiona, mas também promove e contribui para a melhoria educacional. Dessa forma, oferece dados que possibilitam a análise do trabalho educacional nas instituições e a definição de políticas e ações por parte dos governos. Ou seja, a avaliação deve ser vista como um processo no qual os profissionais, de forma ativa, analisam o próprio trabalho e têm a oportunidade de desenvolver práticas de avaliação formativa (Gomes; Melo, 2018; Pires; Gomes, 2024).

A avaliação pode ser definida como uma complexa rede de relações estabelecidas entre diferentes sujeitos. Provas e testes que medem a proficiência dos estudantes se tornam verdadeiramente avaliação educacional apenas quando seus resultados são associados a outros fatores, como as características socioeconômicas dos estudantes, suas experiências escolares e acadêmicas, suas motivações para estudar, o ambiente educacional, as condições de infraestrutura da instituição de Ensino, entre outros.

Esse cenário demanda a problematização da Política Nacional de Avaliação da Educação Básica e Superior no Brasil, na América Latina e em outros países, com o objetivo de identificar as contradições nas medidas adotadas nas últimas décadas e os interesses subjacentes. Há, portanto, uma demanda por uma nova epistemologia da avaliação que supere a predominância de um paradigma positivista, baseado na mensuração, que muitas vezes se resume à produção de padrões e rankings, incentivando a competição e ameaçando reduzir a Educação a um segmento do mercado, o que aumenta as desigualdades escolares (Fernandes; Gomes, 2022; Gomes; Melo, 2018; Walker, 2020).

Como mediadores das políticas públicas educacionais, incluindo a avaliação, os professores desempenham um papel crucial na garantia de uma abordagem de avaliação que atenda às necessidades dos estudantes e seja, portanto, formativa, pautada em valores democráticos, éticos e inclusivos.

No que diz respeito ao Sinaes, as pesquisas no campo da avaliação mostram que as políticas do Estado para avaliar a qualidade das Instituições de Educação Superior (IES) e dos cursos de graduação no Brasil são relativamente recentes. Entre as décadas de 1980 e 1990, houve tentativas de criar os primeiros sistemas e programas de avaliação para esse nível de Ensino. Nesse período, algumas iniciativas importantes se destacam, como o Programa de Avaliação da Reforma Universitária (Paru), o trabalho do Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior (Geres) e o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (Paiub).

Essas iniciativas foram importantes para a promoção de uma cultura de avaliação nas instituições e para o fortalecimento do campo da avaliação, ao proporcionarem pesquisas, debates, conhecimento e formação de especialistas que atuaram na formulação de políticas públicas de avaliação a partir da década de 1990.

O primeiro modelo de avaliação implementado pelo Estado brasileiro na Educação Superior foi o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como Provão. Criado em 1995, por meio da Lei no 9.131/1995 (Brasil, 1995), o Provão vigorou até 2003. A partir de 2004, foi substituído pelo Sinaes, que inicialmente buscava superar a concepção tecnicista de avaliação predominante nas políticas educacionais voltadas às IES.

O Sinaes foi implantado em 2004 (Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004 [Brasil, 2004]) com o objetivo de criar um sistema nacional de avaliação capaz de oferecer um diagnóstico das IES, dos cursos e da aprendizagem dos estudantes. Nos documentos oficiais, o Sinaes é descrito como um sistema de avaliação construído com base numa concepção emancipatória e regulatória, buscando o fortalecimento da autonomia universitária (Sousa; Fernandes; Seiffert, 2023).

Dentre os objetivos do Sinaes, destacam-se: melhorar a qualidade da Educação Superior, orientar a expansão de sua oferta, promover o aumento permanente da eficácia institucional e da efetividade acadêmica e social da Educação Superior e aprofundar os compromissos e as responsabilidades sociais das IES (Brasil, 2004).

Os estudos no campo da avaliação mostram que o Sinaes foi concebido distintamente dos exames que o antecederam, com o intuito de superar a concepção tecnicista, fragmentada e limitadora do Provão. A análise dos documentos do Sinaes revela as intenções de construir um sistema nacional de avaliação na Educação Superior ancorado numa concepção mais global e integradora de avaliação.

O Sinaes passou por transformações que o distanciaram de sua proposta inicial. Entre 2004 e 2007, o Sinaes enfatizava mais os aspectos relacionados às instituições do que aos cursos e à aprendizagem dos estudantes. A qualidade educacional que emerge da concepção inicial do Sinaes passa por uma avaliação complexa de várias dimensões das IES, integradas a diversos indicadores de curso e de aprendizagem dos estudantes. Sob a influência da perspectiva social de qualidade, o Sinaes criou um sistema robusto que buscava combinar avaliação interna e externa, utilizando diferentes instrumentos e formulários para contemplar diversas dimensões da avaliação – aspectos objetivos, subjetivos, quantitativos, qualitativos, locais e sistêmicos (Fernandes; Gomes, 2022).

A partir de 2007, o Sinaes se afastou da concepção de qualidade social que lhe deu origem e aproximou-se da concepção de qualidade de mercado, ao introduzir e valorizar indicadores de desempenho e produto na composição dos indicadores de qualidade dos cursos de graduação.

Vários estudos no campo da avaliação demonstram as limitações das provas padronizadas, elaboradas sob uma perspectiva somativa, para aferir a qualidade da Educação. Testes como o Enade têm origem nas políticas de gestão e controle dos campos da administração e da economia, posteriormente incorporados à Educação. A ideia de que a qualidade da Educação pode ser medida apenas pelo desempenho dos estudantes em provas padronizadas, aplicadas no último ano de curso, não encontra sustentação nos estudos críticos. Esses estudos reconhecem a complexidade do fenômeno educacional, do processo de Ensino-aprendizagem, que não se resume apenas aos resultados. Observa-se a permanência de uma lógica reguladora e da concepção somativa de avaliação na Educação Superior, atravessando diferentes governos (Gomes; Melo, 2018; Walker, 2020).

Nesse sentido, um dos principais desafios nas políticas de avaliação da Educação Superior é o resgate e aprimoramento da concepção emancipatória de avaliação, que influenciou a proposta inicial do Sinaes. Essa concepção está comprometida com a qualidade social da Educação, respeitando o processo educacional, a autonomia e a criatividade docente e das instituições (Fernandes; Gomes, 2022; Gomes; Melo, 2018).

Seguindo uma tendência internacional, o Brasil tem promovido a institucionalização de um sistema complexo de avaliação, com forte ênfase nas avaliações externas, utilizadas como instrumentos de aferição da qualidade das IES e dos cursos ofertados. Pode-se afirmar que, no Brasil, predominam a lógica reguladora e a concepção somativa de avaliação, com maior peso dado à avaliação externa, que prioriza o desempenho estudantil (Enade) na composição dos indicadores de qualidade dos cursos e das IES (Fernandes; Gomes, 2022; Sousa; Fernandes; Seiffert, 2023; Tomás; Silveira; D’Alburquerque, 2020).

Coerente com essa perspectiva, este número da Ensaio reflete e expressa o trabalho docente desenvolvido por pesquisadores de diferentes instituições nacionais e internacionais. A coletânea reúne artigos que expõem resultados de pesquisas relevantes e trazem análises críticas sobre políticas públicas, especialmente no campo da avaliação educacional.

Composto por quatorze artigos, o editorial está organizado em dois blocos. O primeiro reúne trabalhos sobre políticas de avaliação na Educação Básica, Superior e na Pós-Graduação. O segundo aborda Temas Emergentes em Políticas Educacionais, explorando diferentes aspectos da temática central. Em cada um dos artigos, observa-se a inter-relação inequívoca entre Educação e políticas públicas.

Pode-se afirmar que os autores, de diferentes instituições do Brasil e de outros países, abordam em seus artigos problemáticas referentes às políticas de avaliação em variados contextos, sendo um tema de interesse constante da academia em âmbito internacional. Além disso, os autores também exploram novos temas emergentes na atual conjuntura. O conjunto de artigos apresenta diferentes referenciais analíticos que os pesquisadores utilizam no desafiante trabalho de revelar, refletir, analisar e propor possíveis mudanças ou políticas alternativas.

O primeiro bloco destaca artigos como o de Adolfo-Ignácio Calderón, intitulado “A avaliação dos projetos para a obtenção de Bolsa de Produtividade em Pesquisa: a aderência às áreas de tecnologias prioritárias do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) à luz do pensamento de Robert Merton”. O autor analisa a influência extrínseca à pesquisa científica na área de Educação, com foco na exigência de alinhamento dos projetos de pesquisa do Programa Bolsa Produtividade em Pesquisa do CNPq às áreas de tecnologias prioritárias entre 2021 e 2023. Os resultados indicam, entre outros aspectos, o consenso sobre a importância do financiamento governamental para o avanço do conhecimento nas áreas de fronteira entre Educação e tecnologia.

Outro artigo, “Desafios para a avaliação e a sustentabilidade da editoria científica em Educação”, de José Luís Bizelli, aborda a relevância dos periódicos científicos como veículos de divulgação e certificação de autoria no debate acadêmico. O autor enfatiza o papel fundamental desses periódicos no Sistema Nacional de Avaliação dos Programas de Pós-Graduação e discute as mudanças ocorridas no Qualis nos últimos quadriênios. Os resultados também ressaltam os desafios da sustentabilidade diante da crise de financiamento público e privado, bem como as possíveis repercussões da Inteligência Artificial no universo editorial.

No artigo intitulado “Orientações governamentais para a prática da avaliação de aprendizagem no cenário pandêmico de Covid-19 no Estado do Paraná”, Joana Paulin Romanowski e Eloise Cristina Teixeira Freitas Brustolin examinam as concepções que orientaram o processo de avaliação da aprendizagem durante a pandemia e suas implicações para a prática pedagógica dos professores. As autoras observam que os documentos governamentais se concentram menos no desempenho e nos resultados obtidos e no cuidado com a produção de relatórios sobre as aulas ofertadas, priorizando o registro das atividades oferecidas e a promoção efetiva da aprendizagem dos estudantes.

Outros artigos, como o de Andrés Chiappe, Edinson Oswaldo Delgado Rivas, Sandra Idrovo Carlier e Fabiola Mabel Sáez Delgado, intitulado “Avaliação da Participação do Estudante no Método do Caso: elementos a considerar para sua incorporação em ambientes digitais”, exploram as complexidades da avaliação no Método do Caso. Os resultados mostram que a participação dos alunos nas sessões plenárias é decisiva para a avaliação, mas é influenciada pela forma como o professor organiza a palavra. O estudo revelou que a participação desigual dos alunos nas sessões afeta as oportunidades equitativas na avaliação.

O manuscrito “Avaliação escolar: o erro precisa levar ao fracasso?”, de autoria de Claudia Ferreira Mendes de Farias Fiori e Inês Barbosa de Oliveira, teve como objetivo investigar os efeitos da compreensão do erro na avaliação da aprendizagem e suas consequências nos processos de Ensino-aprendizagem. Os resultados indicaram dificuldades em conciliar a busca por uma perspectiva formativa de avaliação com a tendência de associar o erro ao fracasso escolar.

Por sua vez, Anderson Luís do Espírito Santo, Naitielly Soria de Moraes e Douglas Josiel Voks, no artigo intitulado “Avaliação da alimentação escolar: um estudo de caso na rede estadual de Ensino de Corumbá-MS”, buscaram avaliar a qualidade da alimentação ofertada a 453 estudantes de escolas estaduais. Os resultados revelaram que o direito à alimentação escolar de qualidade nutricional não está sendo plenamente garantido nas escolas de Corumbá-MS.

No manuscrito “Avaliação da autopoiese e do pensamento complexo”, Elver Sanchez Celis e Lina Rosa Parra Bernal objetivaram, a partir da complexidade, desenvolver novas formas de avaliação no Ensino Superior, baseadas na autopoiese, que possibilitassem a criação de discursos e práticas avaliativas voltadas à bioaprendizagem. Os resultados permitiram visualizar elementos da avaliação como o controle e o poder do professor, os propósitos de gestão memorística e conceitual, o alinhamento com o resultado e o paradigma avaliativo vertical no design e na aplicação.

Andreza Siqueira dos Santos e Henrique dos Santos Pereira, no artigo intitulado “Localização da Agenda 2030: promovendo a igualdade de gênero em Humaitá-AM”, propuseram uma leitura municipalizada parcial da Agenda Global 2030, avaliando o desempenho do município de Humaitá-AM em relação às duas metas do ODS 5. Os indicadores avaliados apresentaram dados concretos e mensuráveis sobre a evolução das conquistas das mulheres no campo político, econômico e social, com maior participação feminina na sociedade humaitaense. Apesar dos efeitos positivos observados, os processos de mudança têm avançado de forma lenta, exigindo uma melhoria substancial na eficácia das políticas voltadas para as mulheres no município.

Finalizando esse bloco, o artigo intitulado “Rumo a um desenvolvimento profissional docente que contemple a desigualdade educacional na América Latina”, de autoria de Denise Vaillant Alcalde e Verónica Zorrilla de San Martín Gründel, propõe uma reflexão sobre a necessidade de uma formação continuada que prepare os professores para enfrentar as crescentes situações de atraso e desigualdade educacional que afetam muitos países latino-americanos, especialmente após a pandemia. A análise dos resultados, tanto dos testes do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Erce) em nível regional quanto dos testes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em nível internacional, revela as grandes desigualdades educacionais que afligem as crianças latino-americanas. Os resultados baseiam-se numa meta-análise de dados bibliográficos a partir do ano 2000, com particular enfoque no período entre março de 2020 e o primeiro trimestre de 2021.

O segundo bloco do editorial reúne artigos sobre Temas Emergentes em Políticas Educacionais. O artigo intitulado “Povos e comunidades tradicionais e práticas educativo-formativas de integração de saberes na Amazônia frente à ruptura do sociometabolismo seres humanos-natureza”, de autoria de Lia Tiriba e Doriedson Rodrigues, enfatiza a necessidade de políticas públicas que promovam práticas educativo-formativas integradoras para enfrentar a ruptura provocada pelo modo de produção capitalista. Trata-se de um estudo que tem como base autores clássicos do materialismo histórico-dialético, referências teóricas e empíricas a atualidade das relações entre seres humanos e natureza e da educação na perspectiva do trabalho e do capital.

Os autores Andreza Barbosa, Márcia Aparecida Jacomini e César Augusto Minto, no manuscrito intitulado “As metas 17 e 18 do PNE (2014–2024) e a valorização do magistério no Brasil”, analisam o cumprimento das metas 17 e 18 do Plano Nacional de Educação, que tratam da equiparação salarial do magistério com os/as demais profissionais de formação equivalente, bem como da existência de planos de carreira e remuneração nas redes de Ensino, discutindo sua adequação. Os resultados sinalizam que, embora a distância entre a média salarial dos/as docentes e dos/as demais profissionais tenha diminuído, isso ocorreu em razão da queda na remuneração dos/as não docentes, ao invés de um aumento para os/as docentes.

Por sua vez, Erik Lionel Felix Asencio, Carmen Sharon Huanca Vilca e Felipe Ostos de la Cruz, no artigo intitulado “Ensinamento histórico a partir da pedagogia decolonial: uma crítica ao que é ensinado no Peru”, objetivam ampliar as perspectivas pedagógicas no Peru, visando a um processo de Ensino-aprendizagem mais coerente e democrático. Os resultados indicaram que a análise do livro-texto de Ciências Sociais revela um conteúdo e um Ensino histórico tradicional, que necessita de uma transformação epistêmica para desconstruir o verticalismo e a universalização ocidental, os quais relegam as historiografias alternativas.

O manuscrito “Um modelo conceptual de parceria familiar com Centros Especializados de Educação Infantil na Indonésia (Paud) no desenvolvimento do potencial das primeiras crianças com base na aprendizagem combinada”, de autoria de Lili Dasa Putri, Muhammad Fahrur Rozi, Ciptro Handrianto e M. Arinal Rahman, objetiva desenvolver o potencial das crianças pequenas com base na aprendizagem combinada. A eficácia do modelo foi avaliada por meio de atividades colaborativas, tanto offline quanto on-line, utilizando diversas tecnologias de informação e comunicação. Os resultados do ensaio foram utilizados para construir o modelo, com base em descobertas empíricas e contribuições dos envolvidos.

Por fim, a Página Aberta, intitulada “Trilhas e desafios da experiência de autoria na escrita científica”, de autoria de Mônica Ramos Daltro, Elisa Rolo Chaleta, Flávia Cristina Silveira Lemos e Dreyf de Assis Gonçalves, problematiza a escrita científica como uma ferramenta essencial para a formação de autoria no cenário da pós-graduação stricto sensu. Os autores discutem os elementos subjetivos inerentes ao processo de formação de pesquisadores e cientistas, posicionando a escrita como um campo fundamental para a construção dessas identidades.

As políticas de avaliação são, portanto, objeto de pesquisa tanto no cenário nacional quanto internacional. Trata-se de um campo que exige investigação contínua sobre as ações que conduzem e regulam o processo educativo no Brasil e em outros contextos internacionais, igualmente marcados pela crise econômica, reestruturações no setor produtivo e redefinições do papel do Estado.

Pode-se afirmar que os artigos deste número da Ensaio destacam os professores como mediadores das políticas públicas educacionais, desempenhando um papel central na garantia de processos de Ensino e avaliação que atendam às demandas dos estudantes e sejam, portanto, formativos, pautados em valores democráticos, éticos e políticos.

Dessa forma, os estudos sobre avaliação demandam uma apreciação crítica dos sujeitos, numa perspectiva de diálogo e confronto. Considera-se fundamental questionar e problematizar as políticas educacionais em vigor, particularmente as de avaliação, desvelando sua essência, natureza, finalidades, efeitos e tensões, e também considerando seu potencial para contribuir na superação de políticas excludentes.

Como se pode observar, este número é um convite para participar do amplo debate estabelecido. Nele, os autores apresentam resultados de pesquisas que problematizam o campo das políticas educacionais, trazendo à tona indagações, reflexões, convergências e divergências. Coerente com essa perspectiva, defende-se a construção de processos de avaliação que se oponham a práticas classificatórias e a instrumentos de exclusão ainda presentes no cotidiano escolar e acadêmico, propondo, em seu lugar, a busca por alternativas que façam da avaliação um processo dialógico e formativo.

Concluindo, espera-se que os leitores deste número se sintam motivados, a partir das contribuições dos autores, a avançarem na produção de novos estudos no contexto das políticas educacionais, enfrentando o desafio de construir essas políticas como instrumentos de conhecimento e de responsabilidade democrática.

Desejo a todos uma ótima e proveitosa leitura!

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    Out 2024
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