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A reprodução de Bourdieu e Passeron muda a visão do mundo educacional

Resumo

Passado meio século, A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, publicada na França em 1970 e no Brasil em 1975, continua sendo uma referência incontornável à pesquisa em sociologia da educação em razão das questões que discute e das categorias teórico-metodológicas que mobiliza para a reflexão crítica das políticas educacionais. Produzida num outro momento histórico e num outro contexto político e educacional, esta obra tem se constituído em referência fundamental aos estudos sobre os sistemas de ensino, ao pôr em xeque a promessa de democratização da educação e a meritocracia escolar. Situar o lugar que a obra ocupa no movimento de circulação de ideias educacionais, notadamente a que ocorre entre a França e o Brasil, é o objetivo deste artigo. Parte-se do pressuposto que as concepções de dominação e reprodução dão sustentação à obra. Assim, para compreender essa complexa e polêmica teoria, que renovou o modus operandi sociológico, faz-se necessário estabelecer uma relação estreita entre as duas concepções, seja em relação à eleição das lentes interpretativas, seja no que concerne à mobilização dos recursos metodológicos e das fontes empíricas. À luz dessa perspectiva, serão apreciadas algumas dimensões que levam a considerá-la como uma obra clássica. Num primeiro momento, serão apresentadas as reflexões gerais da obra; em seguida, serão destacados os indicadores políticos e educacionais que marcaram sua concepção e introdução no Brasil; e, por fim, serão discutidos os aspectos de sua recepção em terras brasileiras, com ênfase para sua contribuição à pesquisa educacional.

A reprodução; Bourdieu e Passeron; Violência simbólica; Pesquisa em educação

Abstract

After half a century, Pierre Bourdieu, and Jean-Claude Passeron’s The Reproduction: Elements for a Theory of the Educational System, published in France in 1970 and in Brazil in 1975, continues to be an essential reference for research in the sociology of education because of the issues it discusses and the theoretical and methodological categories it mobilizes for a critical reflection on educational policies. Produced in another historical moment and in another political and educational context, this work has become a fundamental reference for studies about educational systems, by putting into question the promise of democratization of education and school meritocracy. The aim of this article is to situate the place that Reproduction occupies in the circulation of educational ideas, especially between France and Brazil. It is assumed that the conceptions of domination and reproduction sustain the work. Thus, to understand this complex and controversial theory, which renewed the sociological modus operandi, it is necessary to establish a close relationship between the two conceptions, whether in relation to the election of interpretative lenses, or in relation to the mobilization of methodological resources and empirical sources. In the light of this perspective, some dimensions that lead to consider it as a classic work will be appreciated. First, the general reflections of the work will be presented; then, the political and educational indicators that marked its conception and introduction in Brazil will be highlighted; and, finally, the aspects of its reception in Brazilian lands will be discussed, with emphasis on its contribution to educational research.

Reproduction; Bourdieu and Passeron; Symbolic violence; Research in education

Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.

Italo Calvino

Duas concepções estão na base da teoria das práticas sociais (e educacionais) do sociólogo francês Pierre Bourdieu: dominação e reprodução. Para compreender sua complexa e polêmica teoria, que renovou o modus operandi sociológico a partir do início dos anos 1960 e recolocou esse campo do conhecimento no ranking das ciências, é necessário estabelecer uma relação estreita entre as duas concepções, tanto em relação à eleição das lentes interpretativas quanto à mobilização dos recursos metodológicos e das fontes empíricas. Em outros termos, são as concepções de dominação e de reprodução que dão sustentação à arquitetura teórica edificada por Bourdieu. Daí a importância de partir da compreensão do autor a respeito dessas concepções, que fundamentam, de modo consideravelmente amplo e aprofundado, o conjunto de suas obras (livros, artigos e conferências).

Bourdieu não economizou sua pena – nem seu verbo – para inscrever suas análises de diferentes objetos e temáticas nessa incontornável relação, ressignificada nas sociedades modernas, contribuindo assim para a consolidação de uma sociologia crítica2 2 - No prefácio à obra Pierre Bourdieu: uma sociologia ambiciosa da educação, Valle e Soulié (2019, p. 9) se referem ao autor como o “refundador da sociologia contemporânea”, que tinha em vista desenvolver “uma ‘sociologia geral’ de inspiração durkheimiana e weberiana, articulando notadamente processos de socialização e de legitimação”. . Desde os seus primeiros estudos, desenvolvidos na Argélia3 3 - Ao menos quatro obras foram concebidas a partir do “choque da Argélia”, ou a dolorosa experiência que levou Bourdieu a abandonar a filosofia pela etnologia de terreno, depois pela sociologia: Bourdieu (1958, 1963, 1977) e Bourdieu e Sayad (1964). , ficou evidente que quanto mais diferenciadas as estruturas de uma sociedade, mais dissimulados são os mecanismos de dominação (de indivíduos, de grupos, de classes). Esses mecanismos favorecem a mobilização de estratégias de reprodução (das pessoais e familiares, como as estratégias matrimoniais ou de fecundidade, às institucionais, como as escolares, religiosas ou políticas).

Se nas sociedades pré-capitalistas, como Bourdieu define as estruturas sociais argelinas, são sobretudo as estratégias matrimoniais que asseguram a transmissão de um patrimônio e a preservação de posições sociais, nas sociedades contemporâneas a reprodução da ordem social e a persistência de desigualdades e injustiças são promovidas, essencialmente, pelas estratégias escolares4 4 - Nesse novo modo de reprodução, que caracteriza as sociedades europeias, é o “componente escolar” que faz a mediação entre as gerações: “Com o sistema escolar, introduz-se uma mediação impessoal controlada pelo Estado, regulada pelo Estado, de modo que as famílias devem contar com esse veredicto que não depende mais delas” (BOURDIEU, 2016, p. 737). , que variam segundo o volume e a espécie de capital possuído. Assiste-se assim a “passagem da lógica dinástica da ‘casa do rei’, fundada no modo de reprodução familiar, à lógica burocrática da razão de Estado, fundada no modo de reprodução escolar” (BOURDIEU, 1994BOURDIEU, Pierre. Stratégies de reproduction et modes de domination. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 105, p. 3-12, 1994. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1994_num_105_1_3118. Acesso em: 11 dez. 2019.
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, p. 10).

Percebendo que o postulado de uma igualdade formal entre os alunos torna a instituição desatenta aos impactos das desigualdades reproduzidas pela escola, graças a processos de legitimação e naturalização da ordem social, Bourdieu e Passeron se dedicaram à elaboração de dois estudos de grande impacto sobre as políticas de democratização da educação: o primeiro foi publicado na França em 1964 e no Brasil em 2014, com o título Os herdeiros: os estudantes e a cultura (Les héritiers: les étudiants et la culture); e o segundo foi publicado na França em 1970 e no Brasil em 1975, intitulado A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino (La reproduction: éléments pour une théorie du système d’enseignement).

Nessas obras, os autores dão centralidade às noções de herança5 5 - Sobre a relação entre a herança e sua transmissão na sociologia de Bourdieu, ver: Jourdain e Naulin (2011). , estratégia e reprodução social. A primeira é empregada num sentido amplo, não como patrimônio econômico, mas como patrimônio cultural, pois, além dos bens econômicos, herda-se um sobrenome, um nível cultural, uma rede de relações, assim como bens simbólicos, não se medindo esforços para preservar e mesmo ampliar o patrimônio herdado. Ao empregar a noção de estratégia6 6 - Estratégia é uma noção central na teoria das práticas sociais, estando associada aos modos de dominação. Após sua utilização em A reprodução, Bourdieu volta a empregá-la em La distinction: critique sociale du jugement (1979) e La noblesse d’État: grandes écoles et esprit de corps (1989). Nesta última, ele analisa o campo do poder e suas transformações, fazendo referência às estratégias de fecundidade, sucessórias, educativas, profiláticas, propriamente econômicas, de investimento social, matrimoniais e de sociodicéia. , os autores rompem com o uso recorrente à época, quando se considerava toda estratégia como uma iniciativa consciente de um agente, sendo tomada, portanto, no plano individual7 7 - Bourdieu sempre se sentiu desafiado a buscar respostas para a perpetuação da ordem social. Para tanto, ele entendeu ser necessário recusar a visão “estruturalista”, segundo a qual as estruturas, que portam em si o princípio de sua própria perpetuação, se reproduzem com a colaboração obrigatória dos agentes que a elas estão submetidos, mas também a visão interacionista ou etnometodológica, que vê uma espécie de “criação contínua” nos atos de construção operados pelos agentes a cada momento. . Para Bourdieu e Passeron, a estratégia designa o conjunto de ações ordenadas tendo como horizonte objetivos a serem alcançados a longo prazo, sendo geralmente produzidas pelos membros de um determinado coletivo. Em outras palavras, as estratégias visam transmitir a herança, a fim de reproduzir a posição social ocupada. No entanto, esse modo de reprodução tem por princípio não uma intenção consciente e racional, mas as disposições (os habitus) que tendem espontaneamente a reproduzir as condições de sua própria produção. Para Forquin (1971)FORQUIN, Jean-Claude. Bourdieu (Pierre), Passeron (Jean-Claude) – La reproduction: éléments pour une théorie du système d’enseignement [compte-rendu]. Revue Française de Pédagogie, Lyon, n. 15, p. 39-44, 1971. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/rfp_0556-7807_1971_num_15_1_2009_t1_0039_0000_2. Acesso em: 12 fev. 2020.
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, essas duas obras constroem conceitos relacionais, contrapondo-se às ilusões da “sociologia espontânea”, ao culto do fato bruto ou da experiência imediata, a certas análises fatoriais que estabelecem correlações em sincronia dissimulando os processos de eliminação e os efeitos de carreira, às explicações puramente verbais e à abstração “reificante” dos pseudoconceitos.

Enfim, por se inscreverem num mesmo quadro reflexivo, fruto de uma profícua colaboração entre Bourdieu e Passeron8 8 - Sobre as aproximações e distanciamentos entre os dois sociólogos em termos de inserção acadêmica, ver: Passeron (2005). , a leitura de uma sempre supõe a leitura da outra, haja vista a construção do plano epistemológico, metodológico e político que as fundamenta. Além disso, os conceitos-chave que definem o caráter crítico de A reprodução já haviam sido esboçados em Os herdeiros. Neste texto, todavia, irei me dedicar apenas à apreciação de algumas das dimensões que marcam os 50 anos de A reprodução. Apresentarei primeiramente os aspectos gerais da obra; em seguida, situarei os fatores dos contextos políticos e educacionais em que foi concebida e introduzida no Brasil; e, por fim, mencionarei os elementos que caracterizam sua recepção no Brasil, assim como seu aporte para a pesquisa educacional brasileira.

Desvelando a “lógica secreta” dos sistemas de ensino

A reprodução se apresenta como uma obra mais teórica e mais conceitual que Os herdeiros, e isso desde o subtítulo: elementos para uma teoria do sistema de ensino, embora seu maior impacto venha do título9 9 - Uma abordagem crítica tão radical não passaria sem reações. Merece destaque a manifestação do historiador Antoine Prost (1970), para quem A reprodução não passa de “uma sociologia estéril”, o que a torna profundamente conservadora, pois não aponta nenhum caminho que possibilite a substituição ou a introdução de ações ou reformas. , pois faz apelo ao “paradigma” segundo o qual o sistema de ensino contribui para reproduzir a estrutura social. Interessados ou, mais propriamente, inconformados com a negação ou ocultação da questão sociológica das condições sociais de transmissão dos saberes, Bourdieu e Passeron constroem um modelo que permite compreender o funcionamento e a real função social do sistema de ensino. Desvelar os mecanismos pedagógicos pelos quais a escola contribui para reproduzir a estrutura das relações de classe permite, segundo eles, afirmar que a estrutura do espaço social, próprio das sociedades diferenciadas, é produto de dois princípios fundamentais de diferenciação: o capital econômico e o capital cultural.

Mas como apreender as lógicas de dominação e as estratégias de reprodução social postas em prática pela escola? Para responder a essa questão, Bourdieu e Passeron edificam uma “teoria geral das ações de violência simbólica”10 10 - “Compreende-se que o termo de violência simbólica, que diz expressamente a ruptura com todas as representações espontâneas e as concepções espontaneístas da ação pedagógica como ação não-violenta, seja imposto para significar a unidade teórica de todas as ações caracterizadas pelo duplo arbitrário da imposição simbólica. Compreende-se ao mesmo tempo a dependência dessa teoria geral das ações de violência simbólica (sejam elas exercidas pelo curandeiro, pelo feiticeiro, pelo padre, pelo profeta, pelo propagandista, pelo professor, pelo psiquiatra ou pelo psicanalista) a uma teoria geral da violência e da violência legítima. Dependência de que é testemunha diretamente a substituibilidade das diferentes formas de violência social, e, indiretamente, a homologia entre o monopólio escolar da violência simbólica legítima e o monopólio estatal do exercício legítimo da violência física” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 13). , partindo do pressuposto que a instituição escolar é utilizada como estratégia que visa o monopólio das posições dominantes, pois exerce um papel determinante na distribuição do capital cultural.

A originalidade de A reprodução se evidencia desde sua estrutura, sendo composta de dois livros que, à primeira vista, não parecem se articular11 11 - Os próprios autores reconhecem tratar-se de uma composição “muito desigual” e procuram justificar essa opção: esse “modo de exposição não deve evocar a representação comum da divisão do trabalho intelectual entre as tarefas por etapas do empirismo e um trabalho teórico que tivesse em si mesmo seu começo e seu fim” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 11). . O primeiro livro, Fundamentos de uma teoria da violência simbólica, começa explicando os dois esquemas ali dispostos e tem por função “ajudar o leitor a apreender a organização do corpo de proposições […], mostrando as relações lógicas mais importantes e as correspondências entre as proposições do mesmo grau” (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 18). A constituição dessas afirmações busca inspiração e apoio nas teorias clássicas do fundamento do poder (MARX, DURKHEIM, WEBER), além de se orientar segundo modelos considerados científicos.

Expressões como duplo arbitrário, autoridade pedagógica, trabalho pedagógico, sistema de ensino são ordenadas com base numa espécie de “estenografia de sistemas de relações lógicas”, ou seja, de uma premissa central deriva-se uma análise precisa sobre o modo como o ensino é exercido e percebido. Vários conceitos são introduzidos em A reprodução, a exemplo do conceito de habitus12 12 - São numerosas as publicações, inclusive em português, sobre o conceito bourdieusiano de habitus. Para além dessas, destaco os trabalhos de Corcuff (1999), Lahire (1999) e Bronckart e Schurmans (1999), por abordarem a relação entre sociologia e psicologia. que, embora tivesse sido empregado por Bourdieu no posfácio à obra Architecture gothique et pensée scolastique, do historiador de arte Erwin Panofsky, em 1967, é reelaborado, passando a fazer parte, juntamente com os conceitos de campo e capital, do léxico bourdieusiano13 13 - Num diálogo com Wacquant, Bourdieu (1992, p. 71) observa que “os conceitos têm somente uma definição sistêmica e são concebidos para serem postos em prática empiricamente de maneira sistemática. Noções como habitus, campo e capital podem ser definidas, mas somente no interior do sistema teórico que elas constituem, jamais em estado isolado”. . Segundo Bourdieu e Passeron (2013BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Autonomie du monde enseignant, une illusion. Le Monde Diplomatique, Paris, v. 131, 2013. Disponível em: https://www.monde-diplomatique.fr/mav/131/BOURDIEU/51465. Acesso em: 12 fev. 2020.
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, p. 2),

[...] somente uma teoria adequada do habitus como lugar de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade permite colocar completamente em dia as condições sociais do exercício da função de legitimidade da ordem social que, de todas as funções ideológicas da escola, é sem dúvida a melhor dissimulada.14 14 - É “porque o sistema de ensino tradicional consegue dar a ilusão de que sua ação de inculcação é inteiramente responsável pela produção do habitus culto ou, por uma contradição aparente, que […] ele contribui de maneira insubstituível para perpetuar a estrutura das relações de classe e ao mesmo tempo para legitimá-la ocultando o fato de que as hierarquias escolares que ele produz, reproduzem as hierarquias sociais” (BOURDIEU; PASSERON, 2013, p. 2).

O segundo livro, A manutenção da ordem, ao contrário do primeiro que não apresenta desdobramentos, é composto de quatro capítulos: 1. “Capital cultural e comunicação pedagógica”; 2. “Tradição erudita e conservação social”; 3. “Eliminação e seleção”; e 4. “A dependência pela independência”.

O primeiro capítulo se propõe a apreender a relação pedagógica como uma relação de comunicação, procurando “medir o seu rendimento, [para] determinar os fatores sociais e escolares do êxito da comunicação pedagógica pela análise das variações do rendimento da comunicação em função das características sociais e escolares dos receptores” (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 81). Para levá-lo a efeito, os autores explicitam o modelo teórico adotado e a medida empírica dos percursos do sistema escolar, do ensino primário ao superior, buscando compreender como os alunos passam da classe social de origem a uma outra classe social após várias seleções. Segundo Forquin (1971FORQUIN, Jean-Claude. Bourdieu (Pierre), Passeron (Jean-Claude) – La reproduction: éléments pour une théorie du système d’enseignement [compte-rendu]. Revue Française de Pédagogie, Lyon, n. 15, p. 39-44, 1971. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/rfp_0556-7807_1971_num_15_1_2009_t1_0039_0000_2. Acesso em: 12 fev. 2020.
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, p. 41), Bourdieu e Passeron, tendo como referência resultados empíricos de grande dimensão, confirmam “uma hipótese ao mesmo tempo global e complexa relacionada aos efeitos combinados do capital linguístico e do grau de seleção de cada categoria de estudante sobre suas chances de sucesso e sua probabilidade de sobrevivência escolar em cada nível do curso”.

Uma dupla intenção orienta o segundo capítulo: “Tradição erudita e conservação social”. A primeira visa “interrogar sobre os meios institucionais e sobre as condições sociais que permitem a relação pedagógica de perpetuar-se”, enquanto a segunda, “determinar o que define sociologicamente uma relação de comunicação, por oposição à relação de comunicação definida de modo formal” (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 121). O objetivo é interrogar-se sobre as modalidades da transmissão cultural, tendo em conta os constantes fracassos das medidas pedagógicas postas em prática pelo sistema de ensino. O trabalho dos autores consiste, portanto, em demonstrar que a comunicação pedagógica funciona menos como transmissão de uma cultura qualquer e mais como legitimadora de uma cultura particular, ou seja, os diferentes meios institucionais promovem uma certa “conivência cultural entre a escola e as maneiras (de viver, falar e pensar) características da classe dirigente” (FORQUIN, 1971FORQUIN, Jean-Claude. Bourdieu (Pierre), Passeron (Jean-Claude) – La reproduction: éléments pour une théorie du système d’enseignement [compte-rendu]. Revue Française de Pédagogie, Lyon, n. 15, p. 39-44, 1971. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/rfp_0556-7807_1971_num_15_1_2009_t1_0039_0000_2. Acesso em: 12 fev. 2020.
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, p. 42).

“Eliminação e seleção”, tema do terceiro capítulo, tem por finalidade mostrar que as características e funções internas do exame15 15 - Em 1968, os dois sociólogos publicam um artigo, intitulado: “O exame de uma ilusão”, enfatizando a relação entre “sistema de ensino e sistema de exame”. É a intenção indevida de “mensurar a realidade do sistema de ensino a partir de um ideal trans-histórico e transcultural da igualdade de oportunidades”, operada pelo exame, que permite explicar esse tipo de seleção social, promotora da “passagem de uma seleção fundada nos privilégios de nascimento a uma seleção fundada no exame anônimo e formalmente equitativo” (BOURDIEU; PASSERON, 2019, p. 71-72). em um dado sistema de ensino permitem estabelecer uma hierarquia social e uma hierarquia escolar. Como instrumento neutro, o exame reforça o sentimento de uma escola para todos e legitima sua existência. Para elaborá-lo, os autores praticam uma sociologia histórica, recorrendo ao método comparativo. Eles esclarecem que é graças à

[...] ilusão da neutralidade e independência do sistema escolar em relação à estrutura das relações de classe que se pode chegar a interrogar a interrogação sobre o exame para descobrir o que o exame oculta e o que a interrogação sobre o exame contribui ainda para ocultar ao desviar-se da interrogação sobre a eliminação sem exame. (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 153).

No quarto e último capítulo, “A dependência pela independência”, os sociólogos analisam como se dão as funções do “interesse geral” ou dos fins da educação, que, graças ao caráter genérico, mascaram a verdade objetiva de sua relação com a estrutura das relações de classes. Mais especificamente, “numa sociedade em que a obtenção dos privilégios sociais depende cada vez mais […] da posse de títulos escolares, a Escola tem apenas por função assegurar a sucessão discreta a direitos de burguesia que não poderiam mais se transmitir de uma maneira direta e declarada” (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 218).

Os autores se interrogam sobre as ilusões que a escola produz em relação à autonomia do sistema de ensino e ao seu princípio universal: a igualdade de oportunidades. Ou seja, é a reprodução da ordem social que o sistema de ensino tem como horizonte, de maneira que a pressão exercida pela democratização da educação o coloca em constante estado de crise. Por essa razão,

Conceder ao sistema de ensino a independência absoluta à qual ele pretende ou, ao contrário, não ver nele senão o reflexo de um estado do sistema econômico ou a expressão direta de valores da ‘sociedade global’, é deixar de perceber que sua autonomia relativa lhe permite servir às exigências externas sob as aparências de independência e da neutralidade, isto é, dissimular as funções sociais que ele desempenha e, portanto, desincumbir-se delas mais eficazmente. (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 189).

Como se pode ver, por razões teórico-metodológicas, mas também políticas, A reprodução se torna uma referência incontornável a diferentes sociologias, em particular à sociologia da educação. Trata-se de uma composição poderosa e muito complexa, de uma construção crítica e coerente, graças ao caráter relacional dos conceitos mobilizados, que em nenhum momento perdem de vista o horizonte da empiria. O viés político também atravessa toda a obra como uma chave de interpretação teórica, mostrando que uma verdadeira democratização coloca em dúvida os conteúdos escolares, seus métodos, seus exames, a função da Escola numa sociedade democrática, assim como a atitude dos professores diante dos alunos, da cultura, do sucesso e fracasso escolar.

Enfim, passado meio século, quais as possíveis contribuições das teses formuladas em A reprodução, tendo em vista a pesquisa em sociologia da educação? Que fatores motivam sua (re)leitura? Pode-se responder reconhecendo que se está diante de uma obra clássica: “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (CALVINO, 1991CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 11). Trata-se, portanto, de uma obra que transcende o valor histórico próprio das grandes obras, pois instiga a produção de novas leituras e de novos argumentos críticos. Uma segunda motivação diz respeito à interpretação, ao mesmo tempo estrutural e genética, proposta pelos autores de A reprodução: os sistemas de ensino não escapam aos determinismos sociais, pois priorizam a produção dos seus reprodutores, como num círculo do eterno retorno; ignorando as demandas de democratização, os sistemas de ensino contribuem com muita eficácia para a reprodução da ordem social. Para melhor discutir esse processo, faz-se necessário voltar aos contextos políticos e educacionais francês dos anos 1960 e brasileiro dos anos 1970.

Contextos políticos e educacionais distantes e distintos

Retomar a obra A reprodução supõe buscar no momento histórico que a viu nascer – a França dos anos 1960 – fatores que instigaram seus autores e a tornaram importante para os estudos em educação. Examinar sua divulgação no Brasil dos anos 1970 supõe, por sua vez, situar aspectos contextuais que apontam sua contribuição a um campo de pesquisa ainda incipiente.

Na contramão das políticas proclamadas e vislumbradas

Eventos embalados por forças políticas vindas de diferentes direções não podem deixar de produzir impactos nos mais diversos enjeux de um dado momento histórico. Esse é o caso de Maio de 6816 16 - Segundo Valle (2019, p. 20), “Graças as suas características proteiformes, Maio de 68 permitiu que dissonâncias, acomodadas no sistema de autoridade e nos valores herdados das gerações precedentes, fossem desveladas e confrontadas com comportamentos, modos de ser, de viver e de se relacionar que as [novas] gerações […] desejavam adotar”. . Na França, essa “revolução específica”17 17 - Nesse tipo de revolução, as ações “tendem a subverter a ordem, a aniquilar as relações de força constitutivas de um determinado espaço e a transtornar a estrutura de distribuição que é a estrutura própria desse espaço” (BOURDIEU, 2015, p. 660). teve repercussões imediatas e consequências a médio e longo prazos. Bourdieu e Passeron eram dois jovens normalistas (egressos da prestigiosa École Normale Supérieure) quando as contestações eclodiram. Eles as viveram, presenciaram, sentiram, se entusiasmaram e se decepcionaram. Dois dos seus trabalhos alcançaram visibilidade naquele “momento crítico”18 18 - Bourdieu problematizou Maio de 68 na obra Homo academicus, publicada na França em 1984 e no Brasil em 2011. , tendo contribuído para inflamar os “ânimos” dos que clamavam por mudanças. O primeiro, Os herdeiros (1964), que para alguns comentadores seria uma das causas de Maio de 68, desvela a face perversa das políticas de democratização do sistema de ensino. Sua aparente neutralidade permite transformar diferenças sociais em diferenças escolares, levando à crença de que propriedades adquiridas fora da escola são “dons naturais”.

O segundo, A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas (1999), em colaboração também com Jean-Claude Chamboredon, denuncia a insustentabilidade da pesquisa sociológica em razão das afiliações teóricas, da ausência de rigor metodológico, do pouco interesse pela empiria, enfim, da falta de “espírito científico”, nos termos de Gaston Bachelard (1884-1962). Segundo Valle (2019VALLE, Ione Ribeiro. Contributos de Maio de 68 à sociologia de Pierre Bourdieu. In: WATANABE, Graciella; LEAL, Sérgio Henrique Bezerra de Sousa (org.). Educação, ciências e sociedade: leituras bourdieusianas. Araraquara: Letraria, 2019. p. 18-41., p. 28), “a superação de um número considerável de obstáculos e a adoção de uma série de princípios era [considerada pelos autores como] condição sine qua non para reivindicar plenamente o estatuto de ciência experimental” para a sociologia.

No que concerne à educação nacional, a França vivia um momento de profundas transformações nos sistemas de ensino, tanto na esfera pública quanto privada, resultantes da política adotada nos Trinta Anos Gloriosos19 19 - Para uma visão panorâmica desse período, no que concerne às apostas políticas, aos movimentos populacionais, aos fatores de mudança, ao nível de vida, à saúde e ao trabalho, ver: Fourastié (1979). (1945-1975). Uma das principais evidências dessas transformações pode ser observada no crescimento vertical de matrículas. Entre as décadas de 1960 e 1970 ocorreu uma verdadeira explosão no número de alunos em todos os níveis, fenômeno que exigiu a criação de novos estabelecimentos de ensino, a admissão e formação de um número considerável de professores e o aumento do orçamento destinado à educação.

O entusiasmo diante das chances anunciadas aos adolescentes e jovens e das oportunidades prometidas pela escolarização maciça em curso foi, todavia, quebrado pelos estudos de sociólogos e historiadores da educação20 20 - O período foi marcado por um número considerável de estudos desenvolvidos com a finalidade de demonstrar os limites das políticas de democratização da educação. Ver: Baudelot e Establet (1971) e Prost (1992). . Os herdeiros21 21 - Bourdieu (2002, p. 47), ao se referir retrospectivamente à obra Os herdeiros, diz tratar-se do “primeiro livro em que se expõem os resultados dos trabalhos sobre a educação, sendo uma espécie de raio no céu político. Ele fez muito sucesso, tendo sido lido por uma geração inteira. Ele fez uma espécie de revelação, embora não se dissesse nada de extraordinário: os fatos já eram bem conhecidos da comunidade científica”. , como assinalado anteriormente, inaugura essa onda de críticas: “A cegueira às desigualdades sociais condena e autoriza a explicar todas as desigualdades, particularmente em matéria de sucesso escolar, como desigualdades naturais, desigualdades de dons” (BOURDIEU; PASSERON, 2014BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: UFSC, 2014., p. 92).

Langouët (1994LANGOUËT, Gabriel. La démocratisation de l’enseignement aujourd’hui. Paris: ESF, 1994., 2002LANGOUËT, Gabriel. A escola francesa se democratiza, mas a inserção social torna-se cada vez mais difícil. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, p. 85-106, 2002. Ed. esp. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10260. Acesso em: 9 maio 2022.
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), dentre outros sociólogos, faz um balanço exaustivo do aumento do número de matrículas, mobilizando, além das estatísticas disponíveis, a diversidade de análises que povoou o cenário da pesquisa em educação dos anos 1980. Suas conclusões confirmam que houve um movimento importante de demografização escolar22 22 - “A década 60-70 continua sendo considerada como aquela do esforço maciço de demografização escolar, em particular nos níveis pré-elementares e no 1º e 2º ciclos do ensino secundário, mas também nos ensinos pós-bacharelado” (LANGOUËT, 2002, p. 92). , que nem sempre foi acompanhado de uma verdadeira democratização. Embora tenha registrado progressos, esta avançou muito lentamente. Em outras palavras, a democratização do ensino se manteve muito frágil ao longo dos Trinta Anos Gloriosos, tendo variado segundo as expectativas das categorias socioprofissionais, que se revelaram através da escolha das habilitações: umas, voltadas às trajetórias de maior prestígio, respondiam a demandas das classes mais privilegiadas; outras, centradas nas carreiras mais curtas, destinavam-se às classes desfavorecidas, respondendo às suas necessidades de inserção no mundo do trabalho.

É desse contexto, em que se entrecruzam utopias e desencantamentos, possibilidades e decepções, sucessos e fracassos, que Bourdieu e Passeron retiraram a intuição necessária à vinculação entre educação, política e pesquisa sociológica23 23 - “Bourdieu é provavelmente o mais recente exemplo de uma singularidade francesa, que desenha um cruzamento original entre ciência e política” (FABIANI, 2016, p. 133). . O resultado desse imenso investimento veio a público em 1970, quando é lançada A reprodução, rapidamente alçada à posição de leitura “clássica” da sociologia, graças à dimensão crítica das evidências denunciadas. Todavia, apesar do cerceamento ideológico vigente no Brasil desde 1964, A reprodução é publicada em 1975, num momento em que a intelectualidade brasileira, e particularmente os sistemas de ensino, sofriam as consequências das políticas restritivas do regime autoritário.

O pensamento crítico na contramão do regime ditatorial

Diferentemente das mobilizações políticas e culturais que marcaram a França, a população brasileira foi, em 1964, surpreendida por um golpe militar que instituiu um modelo de Estado autoritário24 24 - O Estado ditatorial buscou fundamentos na Doutrina de Segurança Nacional, ligada às teorias geopolíticas, ao antimarxismo e às tendências conservadoras do pensamento social católico. , cuja base de sustentação se pautou na concentração do poder econômico, político e ideológico. Foram introduzidos programas políticos de diferentes ordens que priorizavam a internacionalização da economia, rompendo com o chamado nacionalismo desenvolvimentista25 25 - A aliança desenvolvimentista tinha como objetivo a “substituição dos padrões e valores, de caráter mais nacionalista, por outros, de caráter mais capitalista, colocando em prática uma nova concepção de economia, com a finalidade de substituir a economia dependente vigente pela economia interdependente” (VALLE, 1996, p. 20). . Esses programas, com características similares a outros aplicados em vários países da América Latina, também tinham por finalidade conter movimentos sociais que vinham ganhando visibilidade nas últimas décadas. As consequências das medidas autoritárias ensejadas por esses programas foram rapidamente percebidas e sentidas em razão da intensificação do controle político-ideológico sobre as classes operárias e as diversas instituições sociais e estatais, em particular os sistemas de ensino.

Um dos primeiros alvos do novo regime foram os princípios pilares da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1961BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 1961.), aprovada em 196126 26 - Segundo Saviani (1988), esta lei representou uma “solução de compromisso” entre as distintas forças sociais, configurando-se como uma “estratégia de conciliação”, cujo objetivo era acomodar, pelo alto, as divergências segundo os interesses da elite. . De imediato, foram redefinidos os princípios de descentralização, autonomia e democracia representativa, visando adequá-los às questões de segurança e unidade nacional e ao processo de desenvolvimento global da nação. À educação foi atribuída uma função cívica, operacionalizada inicialmente por meio da inclusão de disciplinas obrigatórias27 27 - Os objetivos dessas disciplinas eram “inculcar nos alunos e no povo virtudes cívicas, tais como o sentimento de veneração à pátria, o respeito às instituições, o reforço dos valores tradicionais da família, a obediência às leis, a fidelidade ao trabalho e a integração na comunidade. […] todos deviam tornar-se cidadãos sinceros, convencidos e fiéis à execução de seus deveres, em um clima de liberdade e de responsabilidade, de cooperação e de solidariedade humana” (VALLE, 2003, p. 31, grifo nosso). no ensino de 1o e 2o graus (Educação moral e cívica e Organização social e política do Brasil) e no ensino superior (Estudos dos problemas brasileiros). Segundo Valle (2003VALLE, Ione Ribeiro. A era da profissionalização: formação e socialização profissional do corpo docente de 1ª a 4ª série. Florianópolis: Cidade Futura, 2003., p. 30-31),

Ao incluir estas disciplinas, em nome da Doutrina da Segurança Nacional e da integração social, o Estado interferia diretamente na vida cotidiana da escola. Ele determinava as bases conceituais dos conteúdos de aprendizagem e introduzia no interior da unidade escolar estratégias de controle ideológico, meticulosamente elaboradas.

Mas as grandes reformas educacionais ainda estavam por vir, instituídas por meio de decretos: Reforma do Ensino Superior (BRASIL, 1968BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 nov. 1968.) e Reforma do Ensino de 1o e 2o Graus (BRASIL, 1971BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 ago. 1971.)28 28 - Segundo Souza (1981), o Instituto de Pesquisa e de Estudos Sociais (Ipes) se mobilizou em favor do binômio capitalismo e democracia, tendo realizado estudos voltados à adequação do modelo educacional às exigências do modelo de industrialização em curso. Sua vinculação com o regime militar evidencia-se também nas medidas adotadas para a divulgação da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. . Essas reformas introduziram transformações profundas nos sistemas de ensino, fazendo com que os órgãos administrativos da educação se reduzissem a meras instâncias de execução das decisões das esferas federais.

No que concerne à expansão da educação ao longo dos anos 1960 e 1970, os levantamentos demog-ráficos confirmam a persistência de taxas excessivamente baixas de acesso em todos os níveis escolares, revelando perfis diferenciados segundo as regiões do país. Além disso, os sistemas de ensino voltaram-se à instrumentalização das políticas do regime autoritário, como a da profissionalização obrigatória no ensino de 2º grau. Essas políticas, em momento algum, colocaram em perspectiva a democratização real da educação, pautada no princípio da “igualdade de oportunidades”. É desnecessário descrever aqui os (baixos) índices de escolarização, inclusive nos níveis obrigatórios; eles estão disponíveis em múltiplas fontes, das oficiais aos estudos que analisam a evolução desses índices. Destaco apenas, por me parecer o índice que melhor revela a ausência de políticas educacionais voltadas ao acesso à educação, a persistência das taxas de analfabetismo: em 1900, a população analfabeta acima de 15 anos era de 65,3%; esse índice cai para 39,7% em 1960, e 33,7% em 1970. Os dados de 2019 revelam que ainda existem 6,8% de analfabetos no país.

É nesse contexto autoritário, de avanços lentos e regionalmente muito distintos quanto ao processo de escolarização da população, que A reprodução passa a circular no Brasil, a partir de 1975. Traduzida para o português por Reynaldo Bairão e revisada por Pedro Benjamim Garcia e Ana Maria Baeta, a obra foi publicada pela Livraria Francisco Alves, editora do Rio de Janeiro.

Finalizando…

Textos inscritos na perspectiva bourdieusiana começaram a cair nas mãos de pesquisadores brasileiros no início dos anos 1970. Não é intenção levantar aqui a totalidade desses trabalhos. Todavia, destaco, por anteceder A reprodução, a obra A economia das trocas simbólicas (1974), composta de artigos traduzidos pelo sociólogo Sérgio Miceli29 29 - Miceli (1974) prefacia essa obra com um texto de grande qualidade acadêmica: “Introdução: a força do sentido”. , já que um deles trata dos “Sistemas de ensino e sistemas de pensamento” (de 1967). Tem-se também a coletânea Educação e hegemonia de classe: as funções ideológicas da escola, organizada por José Carlos Garcia Durand, em 1979. Nela também constam dois artigos sobre educação: “A comparabilidade dos sistemas de ensino”, de Bourdieu e Passeron (1967), e “As estratégias de reconversão”, de Bourdieu, Boltanski e Saint-Martin (1973).

Mas, seguramente, é A reprodução que introduz a teoria das práticas sociais na agenda da pesquisa brasileira. Por ser considerada a mais radical das críticas aos sistemas de ensino, foi sem dúvida a que mais causou reações. Por essa razão, destacarei alguns trabalhos que fazem referência à sua recepção. Segundo Durand (1982DURAND, José Carlos Garcia. Torcidas de nariz a Bourdieu e Passeron. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 43, p. 52-54, 1982. Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/1558/1557. Acesso em: 15 fev. 2020.
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, p. 52), pesquisadores brasileiros “torceram o nariz a Bourdieu e Passeron”. Ele cita a obra Escola, Estado e sociedade (1977), de Bárbara Freitag, e o artigo “Notas para uma leitura da teoria da violência simbólica” (1979), de Luiz Antônio Cunha. Bento Prado teria sido “o único a acentuar a dimensão positiva do livro, nele localizando o ponto de partida de um processo de desconstrução das representações vulgares acerca das instituições pedagógicas” (DURAND, 1979DURAND, José Carlos Garcia (org.). Educação e hegemonia de classe: as funções ideológicas da escola. Rio de Janeiro: Zahar, 1979., p. 52, grifo do autor). Ele assinala ainda que esse tipo de apropriação fez com que os sociólogos franceses passassem “a ser encarados como autores de uma sociologia – para não usar eufemismos – reacionária, cujo maior perigo estaria em convencer de que a eficácia da ação pedagógica na imposição ideológica da dominação de classe seria nada menos do que total e definitiva” (p. 52).

Mas foi a leitura de Dermeval Saviani (1983)SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1983. que teve a maior repercussão na pesquisa em educação. A classificação da obra como “reprodutivista” ou “crítico-reprodutivista”, em oposição a outro grupo de teorias não-críticas, teve consequências fortemente restritivas à circulação dos estudos bourdieusianos no Brasil. Segundo Catani, Catani e Pereira (2001CATANI, Afrânio Mendes; CATANI, Denice Bárbara; PEREIRA, Gilson R. de M. As apropriações da obra de Pierre Bourdieu no campo educacional brasileiro, através de periódicos da área. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 17, p. 63-85, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782001000200006&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 10 fev. 2020.
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, p. 68), essa classificação não levou em conta o aporte conceitual da obra, tão pouco “a existência das mediações e das autonomias relativas entre os campos”.

Tendo como base o período compreendido entre 1971 e 1999, esses autores elaboraram uma tipologia interessante para caracterizar as diferentes formas de apropriação desse aporte teórico (incidental, conceitual tópica e do modo de trabalho). Em se tratando de A reprodução, principal obra referenciada, os autores observaram que houve uma “apropriação incidental”, ou seja, “é comum o sociólogo ser arrolado nas referências bibliográficas e não aparecer mencionado no corpo do texto; vir referido apenas de passagem, junto com outros autores […], quase sempre de modo classificatório (‘reprodutivista’); surgir em notas não substantivas” (CATANI; CATANI; PEREIRA, 2001CATANI, Afrânio Mendes; CATANI, Denice Bárbara; PEREIRA, Gilson R. de M. As apropriações da obra de Pierre Bourdieu no campo educacional brasileiro, através de periódicos da área. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 17, p. 63-85, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782001000200006&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 10 fev. 2020.
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, p. 65). A constatação desse estudo permite lembrar que um livro muito citado não pressupõe necessariamente que tenha sido lido, muito menos compreendido, pois nem sempre há relação entre os argumentos desenvolvidos e as referências arroladas.

Tendo em vista essas perspectivas, constata-se que as obras de Bourdieu somente passam a circular com força no campo educacional brasileiro a partir dos anos 1990. Desde então, há uma verdadeira explosão no número de traduções de artigos e livros, assim como de análises a respeito do léxico bourdieusiano. Entretanto, o mesmo não ocorreu com a sociologia de Passeron, que se enveredou para outros campos científicos.

Enfim, no que concerne especificamente à apropriação de A reprodução, muitos desafios precisam ser enfrentados em se tratando dos nossos sistemas de ensino. Como fazer chegar aos profissionais da educação esse aporte crítico que questiona a ação, a autoridade e o trabalho pedagógicos levados a efeito pela Escola? Nossa escola, que ainda não se estendeu a toda população, continua impondo arbitrariamente os saberes tidos como necessários, assim como a maneira de transmiti-los e avaliá-los. Métodos e conteúdos escolares permanecem privilegiando uma relação com o saber e uma forma de cultura que favorece as classes econômica e culturalmente dominantes. A escola persiste na transmissão de conteúdos tidos como neutros e não tem procurado compensar as diferenças que favorecem essa aquisição. Na medida em que as oportunidades de escolarização se expandem, o mérito escolar figura como referência essencial de seleção e classificação das novas gerações. As políticas educacionais não têm conseguido, de modo qualificado, combinar o aporte das diferentes ciências (dos conteúdos escolares) com os direitos constitucionais, dadas as condições desiguais de existência da população.

Nesse quadro interpretativo, A reprodução, assim como as obras que a seguiram, provoca no pesquisador o desejo de refutar suas teses, particularmente aquelas que atribuem à escola um lugar central na continuidade política e cultural. O próprio Bourdieu, ao se referir à mensagem de A reprodução como sendo não propriamente profética, entende que, assim como toda profecia, ela propõe uma verdade que balança as estruturas mentais e, portanto, muda a visão de mundo.

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  • VALLE, Ione Ribeiro; SOULIÉ, Charles (org.). Pierre Bourdieu: uma sociologia ambiciosa da educação. Florianópolis: UFSC, 2019.
  • 2
    - No prefácio à obra Pierre Bourdieu: uma sociologia ambiciosa da educação, Valle e Soulié (2019VALLE, Ione Ribeiro; SOULIÉ, Charles (org.). Pierre Bourdieu: uma sociologia ambiciosa da educação. Florianópolis: UFSC, 2019., p. 9) se referem ao autor como o “refundador da sociologia contemporânea”, que tinha em vista desenvolver “uma ‘sociologia geral’ de inspiração durkheimiana e weberiana, articulando notadamente processos de socialização e de legitimação”.
  • 3
    - Ao menos quatro obras foram concebidas a partir do “choque da Argélia”, ou a dolorosa experiência que levou Bourdieu a abandonar a filosofia pela etnologia de terreno, depois pela sociologia: Bourdieu (1958, 1963, 1977) e Bourdieu e Sayad (1964)BOURDIEU, Pierre; SAYAD, Abdelmalek. Le déracinement: la crise de l’agriculture traditionnelle en Algérie. Paris: Les Éditions de Minuit, 1964..
  • 4
    - Nesse novo modo de reprodução, que caracteriza as sociedades europeias, é o “componente escolar” que faz a mediação entre as gerações: “Com o sistema escolar, introduz-se uma mediação impessoal controlada pelo Estado, regulada pelo Estado, de modo que as famílias devem contar com esse veredicto que não depende mais delas” (BOURDIEU, 2016BOURDIEU, Pierre. Sociologie générale: cours ao Collège de France (1983-1986). v. 2. Paris: Seuil, 2016., p. 737).
  • 5
    - Sobre a relação entre a herança e sua transmissão na sociologia de Bourdieu, ver: Jourdain e Naulin (2011)JOURDAIN, Anne; NAULIN, Sidonie. Héritage et transmission dans la sociologia de Pierre Bourdieu. Idées Économiques et Sociales, Chasseneuil-du-Poitou, n. 166, p. 6-14, 2011. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-idees-economiques-et-sociales-2011-4-page-6.htm. Acesso em: 11 fev. 2020.
    https://www.cairn.info/revue-idees-econo...
    .
  • 6
    - Estratégia é uma noção central na teoria das práticas sociais, estando associada aos modos de dominação. Após sua utilização em A reprodução, Bourdieu volta a empregá-la em La distinction: critique sociale du jugement (1979) e La noblesse d’État: grandes écoles et esprit de corps (1989). Nesta última, ele analisa o campo do poder e suas transformações, fazendo referência às estratégias de fecundidade, sucessórias, educativas, profiláticas, propriamente econômicas, de investimento social, matrimoniais e de sociodicéia.
  • 7
    - Bourdieu sempre se sentiu desafiado a buscar respostas para a perpetuação da ordem social. Para tanto, ele entendeu ser necessário recusar a visão “estruturalista”, segundo a qual as estruturas, que portam em si o princípio de sua própria perpetuação, se reproduzem com a colaboração obrigatória dos agentes que a elas estão submetidos, mas também a visão interacionista ou etnometodológica, que vê uma espécie de “criação contínua” nos atos de construção operados pelos agentes a cada momento.
  • 8
    - Sobre as aproximações e distanciamentos entre os dois sociólogos em termos de inserção acadêmica, ver: Passeron (2005)PASSERON, Jean-Claude. Morte de um amigo, fim de um pensador. In: ENCREVÉ, Pierre; LAGRAVE, Rose-Marie (coord.). Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 17-91..
  • 9
    - Uma abordagem crítica tão radical não passaria sem reações. Merece destaque a manifestação do historiador Antoine Prost (1970)PROST, Antoine. Une sociologie stérile: “La reproduction”. Esprit, Paris, v. 398, n. 12, p. 851-861, 1970. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/24263094?seq=1. Acesso em: 17 mar. 2020.
    https://www.jstor.org/stable/24263094?se...
    , para quem A reprodução não passa de “uma sociologia estéril”, o que a torna profundamente conservadora, pois não aponta nenhum caminho que possibilite a substituição ou a introdução de ações ou reformas.
  • 10
    - “Compreende-se que o termo de violência simbólica, que diz expressamente a ruptura com todas as representações espontâneas e as concepções espontaneístas da ação pedagógica como ação não-violenta, seja imposto para significar a unidade teórica de todas as ações caracterizadas pelo duplo arbitrário da imposição simbólica. Compreende-se ao mesmo tempo a dependência dessa teoria geral das ações de violência simbólica (sejam elas exercidas pelo curandeiro, pelo feiticeiro, pelo padre, pelo profeta, pelo propagandista, pelo professor, pelo psiquiatra ou pelo psicanalista) a uma teoria geral da violência e da violência legítima. Dependência de que é testemunha diretamente a substituibilidade das diferentes formas de violência social, e, indiretamente, a homologia entre o monopólio escolar da violência simbólica legítima e o monopólio estatal do exercício legítimo da violência física” (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 13).
  • 11
    - Os próprios autores reconhecem tratar-se de uma composição “muito desigual” e procuram justificar essa opção: esse “modo de exposição não deve evocar a representação comum da divisão do trabalho intelectual entre as tarefas por etapas do empirismo e um trabalho teórico que tivesse em si mesmo seu começo e seu fim” (BOURDIEU; PASSERON, 1982BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982., p. 11).
  • 12
    - São numerosas as publicações, inclusive em português, sobre o conceito bourdieusiano de habitus. Para além dessas, destaco os trabalhos de Corcuff (1999)CORCUFF, Philippe. Le collectif au défi du singulier: en partant de l’habitus. In: LAHIRE, Bernard (dir.). Le travail sociologique de Pierre Bourdieu. Paris: La Découverte, 1999. p. 95-120., Lahire (1999)LAHIRE, Bernard. De la théorie de l’habitus à une sociologie psychologique. In: LAHIRE, Bernard (dir.). Le travail sociologique de Pierre Bourdieu. Paris: La Découverte, 1999. p. 121-152. e Bronckart e Schurmans (1999)BRONCKART, Jean-Paul; SCHURMANS, Marie-Noëlle. Pierre Bourdieu – Jean Piaget: habitus, schèmes et constructions du psychologue. In: LAHIRE, Bernard (dir.). Le travail sociologique de Pierre Bourdieu: dettes et critiques. Paris: La Découverte, 1999. p. 153-175., por abordarem a relação entre sociologia e psicologia.
  • 13
    - Num diálogo com Wacquant, Bourdieu (1992, p. 71) observa que “os conceitos têm somente uma definição sistêmica e são concebidos para serem postos em prática empiricamente de maneira sistemática. Noções como habitus, campo e capital podem ser definidas, mas somente no interior do sistema teórico que elas constituem, jamais em estado isolado”.
  • 14
    - É “porque o sistema de ensino tradicional consegue dar a ilusão de que sua ação de inculcação é inteiramente responsável pela produção do habitus culto ou, por uma contradição aparente, que […] ele contribui de maneira insubstituível para perpetuar a estrutura das relações de classe e ao mesmo tempo para legitimá-la ocultando o fato de que as hierarquias escolares que ele produz, reproduzem as hierarquias sociais” (BOURDIEU; PASSERON, 2013BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Autonomie du monde enseignant, une illusion. Le Monde Diplomatique, Paris, v. 131, 2013. Disponível em: https://www.monde-diplomatique.fr/mav/131/BOURDIEU/51465. Acesso em: 12 fev. 2020.
    https://www.monde-diplomatique.fr/mav/13...
    , p. 2).
  • 15
    - Em 1968, os dois sociólogos publicam um artigo, intitulado: “O exame de uma ilusão”, enfatizando a relação entre “sistema de ensino e sistema de exame”. É a intenção indevida de “mensurar a realidade do sistema de ensino a partir de um ideal trans-histórico e transcultural da igualdade de oportunidades”, operada pelo exame, que permite explicar esse tipo de seleção social, promotora da “passagem de uma seleção fundada nos privilégios de nascimento a uma seleção fundada no exame anônimo e formalmente equitativo” (BOURDIEU; PASSERON, 2019BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. O exame de uma ilusão. In: VALLE, Ione Ribeiro; SOULIÉ, Charles (org.). Pierre Bourdieu: uma sociologia ambiciosa da educação. Florianópolis: UFSC, 2019. p. 35-72., p. 71-72).
  • 16
    - Segundo Valle (2019VALLE, Ione Ribeiro. Contributos de Maio de 68 à sociologia de Pierre Bourdieu. In: WATANABE, Graciella; LEAL, Sérgio Henrique Bezerra de Sousa (org.). Educação, ciências e sociedade: leituras bourdieusianas. Araraquara: Letraria, 2019. p. 18-41., p. 20), “Graças as suas características proteiformes, Maio de 68 permitiu que dissonâncias, acomodadas no sistema de autoridade e nos valores herdados das gerações precedentes, fossem desveladas e confrontadas com comportamentos, modos de ser, de viver e de se relacionar que as [novas] gerações […] desejavam adotar”.
  • 17
    - Nesse tipo de revolução, as ações “tendem a subverter a ordem, a aniquilar as relações de força constitutivas de um determinado espaço e a transtornar a estrutura de distribuição que é a estrutura própria desse espaço” (BOURDIEU, 2015BOURDIEU, Pierre. Sociologie générale: cours au Collège de France (1981-1983). v. 1. Paris: Seuil, 2015., p. 660).
  • 18
    - Bourdieu problematizou Maio de 68 na obra Homo academicus, publicada na França em 1984 e no Brasil em 2011.
  • 19
    - Para uma visão panorâmica desse período, no que concerne às apostas políticas, aos movimentos populacionais, aos fatores de mudança, ao nível de vida, à saúde e ao trabalho, ver: Fourastié (1979)FOURASTIÉ, Jean. Les Trente Glorieuses ou la révolution invisible de 1946 a 1975. Paris: Fayard, 1979..
  • 20
    - O período foi marcado por um número considerável de estudos desenvolvidos com a finalidade de demonstrar os limites das políticas de democratização da educação. Ver: Baudelot e Establet (1971)BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L’école capitaliste en France. Paris: Maspero, 1971. e Prost (1992)PROST, Antoine. L’Enseignement s’est-il démocratisé? Les élèves des lycées et collèges de l’agglomération d’Orléans de 1945 à 1980. Paris: PUF, 1992..
  • 21
    - Bourdieu (2002BOURDIEU, Pierre. Retour sur la réception des Héritiers… et de La reproduction. In: BORDIEU, Pierre. Interventions 1961-2001: science sociale et action politique. Marseille: Agone, 2002. p. 47., p. 47), ao se referir retrospectivamente à obra Os herdeiros, diz tratar-se do “primeiro livro em que se expõem os resultados dos trabalhos sobre a educação, sendo uma espécie de raio no céu político. Ele fez muito sucesso, tendo sido lido por uma geração inteira. Ele fez uma espécie de revelação, embora não se dissesse nada de extraordinário: os fatos já eram bem conhecidos da comunidade científica”.
  • 22
    - “A década 60-70 continua sendo considerada como aquela do esforço maciço de demografização escolar, em particular nos níveis pré-elementares e no 1º e 2º ciclos do ensino secundário, mas também nos ensinos pós-bacharelado” (LANGOUËT, 2002LANGOUËT, Gabriel. A escola francesa se democratiza, mas a inserção social torna-se cada vez mais difícil. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, p. 85-106, 2002. Ed. esp. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10260. Acesso em: 9 maio 2022.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/per...
    , p. 92).
  • 23
    - “Bourdieu é provavelmente o mais recente exemplo de uma singularidade francesa, que desenha um cruzamento original entre ciência e política” (FABIANI, 2016FABIANI, Jean-Louis. Pierre Bourdieu: un structuralisme héroique. Paris: Seuil, 2016., p. 133).
  • 24
    - O Estado ditatorial buscou fundamentos na Doutrina de Segurança Nacional, ligada às teorias geopolíticas, ao antimarxismo e às tendências conservadoras do pensamento social católico.
  • 25
    - A aliança desenvolvimentista tinha como objetivo a “substituição dos padrões e valores, de caráter mais nacionalista, por outros, de caráter mais capitalista, colocando em prática uma nova concepção de economia, com a finalidade de substituir a economia dependente vigente pela economia interdependente” (VALLE, 1996VALLE, Ione Ribeiro. Burocratização da educação: um estudo sobre o Conselho Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 1996., p. 20).
  • 26
    - Segundo Saviani (1988)SAVIANI, Demerval. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1988., esta lei representou uma “solução de compromisso” entre as distintas forças sociais, configurando-se como uma “estratégia de conciliação”, cujo objetivo era acomodar, pelo alto, as divergências segundo os interesses da elite.
  • 27
    - Os objetivos dessas disciplinas eram “inculcar nos alunos e no povo virtudes cívicas, tais como o sentimento de veneração à pátria, o respeito às instituições, o reforço dos valores tradicionais da família, a obediência às leis, a fidelidade ao trabalho e a integração na comunidade. […] todos deviam tornar-se cidadãos sinceros, convencidos e fiéis à execução de seus deveres, em um clima de liberdade e de responsabilidade, de cooperação e de solidariedade humana” (VALLE, 2003VALLE, Ione Ribeiro. A era da profissionalização: formação e socialização profissional do corpo docente de 1ª a 4ª série. Florianópolis: Cidade Futura, 2003., p. 31, grifo nosso).
  • 28
    - Segundo Souza (1981)SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação: o IPES e a política educacional após 1964. Petrópolis: Vozes, 1981., o Instituto de Pesquisa e de Estudos Sociais (Ipes) se mobilizou em favor do binômio capitalismo e democracia, tendo realizado estudos voltados à adequação do modelo educacional às exigências do modelo de industrialização em curso. Sua vinculação com o regime militar evidencia-se também nas medidas adotadas para a divulgação da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.
  • 29
    - Miceli (1974)MICELI, Sérgio. Introdução: a força do sentido. In: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. VII-LXI. prefacia essa obra com um texto de grande qualidade acadêmica: “Introdução: a força do sentido”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2020
  • Aceito
    09 Nov 2021
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