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Estratégias de investigação qualitativa

Strategies of qualitative inquiry

RESENHAS

Estratégias de investigação qualitativa* * Resenha do livro: DENZIN, N. K. & LlNCOLN, Y. (Ed.) (1998). Strategies of Qualitative Inquiry. Thousand Oaks, SAGE, 346 p.

Strategies of qualitative inquiry

Mauro Salviati

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua dos Guatás, 250 - Ed. Montreux - apto. 02, Jardim Santa Genebra CEP: 13081060 Campinas, SP Tels. (OXX19) 208.2822 e (OXX19) 9714.1627 E-mail: msalviat@uol.com.br

Cada vez mais os métodos qualitativos de pesquisa têm se firmado como um modelo importante de investigação científica, sobretudo na área das ciências humanas na qual proporcionam uma abordagem mais condizente às características do seu objeto de estudo (o Homem).

Entretanto, o planejamento e a aplicação de métodos qualitativos acabam, por vezes, esbarrando em muitas dificuldades pois constituem formas de investigação mais embasadas na relação pesquisador-sujeito e em aspectos que emergem desta relação, exigindo uma considerável especificidade técnica e teórica para que sejam, da forma mais adequada possível, utilizados os recursos disponíveis e aproveitadas as condições favoráveis para se alcançar os objetivos da pesquisa.

O livro de Denzin & Lincoln pretende, justamente, clarear o campo da investigação qualitativa através de uma exploração ampla e consistente (com forte ênfase na perspectiva histórica) de diversas estratégias deste tipo de pesquisa e suas implicações (possibilidades e dificuldades de uso) na produção de conhecimento científico.

Denzin & Lincoln configuram-se como editores da obra mencionada. O primeiro é professor de comunicação no College of Communications scholare professor de Sociologia na Universidade de lIIinois, autor de vários livros, agraciado com o George Herbert Mead Award oferecido pela Society for the Study of Symbolíc Interaction. A segunda é professora universitária, chefe do departamento de admin istração educacional na Texas A&M Universíty, é também especialista em educação superior, análise organizacional e avaliação de programas.

O livro em questão é o segundo volume de uma série de três, sendo que toda a coleção teve como ponto de partida o Handbook of Oualítative Research (1994) que tem também Denzin e Lincoln como editores. O primeiro volume da série é intitulado The Landscape of Oualítative Research: Theories and Issues e fornece uma visão ampla do campo oriundo da perspectiva teórica em pesquisa qualitativa; o terceiro volume é intitulado Collecting and Interpreting Oualítative MateriaIs e aborda o trabalho com as técnicas de coleta, análise e interpretação de dados qualitativos.

O segundo volume (Strategies of Qualitative Inquiry), como já foi mencionado, propõe destacar as principais estratégias (ou métodos de pesquisa) que os pesquisadores podem fazer uso quando conduzem estudos qualitativos. O livro procura situar que a escolha de tais estratégias de pesquisa se inicia com o delineamento do projeto, ou seja, com a "movimentação" do pesquisador, a partir de uma questão inicial de pesquisa, em direção a um determinado paradigma e, então, para o mundo empírico. Desta forma, pensando e refletindo sobre o planejamento e a execução (estratégias) de tal "movimentação", será possível para o pesquisador orientar a extensão de métodos (estudo de caso, observação participante, pesquisa etnográfica, fenomenologia e práticas interpretativas, grounded theory, método biográfico, método histórico, pesquisa-ação e pesquisa clínica) que podem ser utilizados em um estudo qualitativo.

Para tanto, a obra é composta por 11 capítulos (além do prefácio e da Introdução ao volume), o primeiro deles (lntroduction: Entering the Field of Qualitative Research) é assinado pelos próprios editores (Denzin & Lincoln) e pretende expor uma breve definição do campo da pesquisa qualitativa por meio de uma revisão histórica. Neste sentido são explicitados alguns aspectos sobre a complexidade e a interconexão de termos, conceitos e suposições que envolvem a pesquisa qualitativa, assim como o papel do pesquisador que, neste terreno, visa buscar sentidos e interpretações a fenômenos e experiências humanas.

Enfatizando a pesquisa qualitativa como um lugar de múltiplas metodologias e práticas de investigação, ainda no primeiro capítulo, os autores procuram situar diferentes perspectivas ideológicas (positivismo; pós-positivismo; pós-modernismo) que resultam em diferentes modelos paradigmáticos de pesquisa qualitativa. Para isso, é proposta uma visão de evolução dos métodos qualitativos através da história do século XX. Esta evolução é dividida em cinco momentos: o período tradicional; a fase moderna; os gêneros borrados; a crise de representação e a crise dupla (atual).

O segundo e o terceiro capítulo, respectivamente intitulados The dance of Qualitative Research Design (autoria de Valerie Janesick) e Designing Funded Qualitative Research (autoria de Janice Morse), abordam o início do desenvolvimento de um projeto de pesquisa por meio do seu delineamento que, por sua vez, visa situar o investigador no mundo real. O problema do delineamento é tratado em relação aos seguintes tópicos: (1) Como o delineamento se ligará ao paradigma usado? (2) Quem ou o quê será estudado? (3) Quais estratégias de investigação serão usadas? (4) Quais métodos ou instrumentos serão usados para coletar e analisar os dados?

No primeiro destes capítulos, o delineamento é tratado através de uma linguagem menos estruturada e privilegiando a noção de "movimento" do pesquisador, trazendo à tona, entre outras questões, o tema da "metodolatria" em relação a aspectos tradicionais da abordagem positivista. Janesick discute a essência do delineamento da pesquisa qualitativa usando a metáfora da "dança" pois, a autora considera o trabalho de planejamento da pesquisa qualitativa como uma coreografia na qual três momentos surgem: o aquecimento, c treinemento (que envolve os exercícios de solo) e o descanso. Neste sentido, são examinadas as primeiras decisões de delineamento no início do estudo e as revisões deste delineamento durante o seu desenvolvimento no campo e também ao término da coleta de dados.

No segundo, com uma linguagem mais objetiva, Morse discute o mesmo tema oferecendo uma visão mais voltada às necessidades práticas do pesquisador, principalmente, em relação à escrita de projetos voltados às agências de fomento de pesquisa. Imprimindo uma organização de texto similar à seqüência usada no planejamento e na condução de um projeto de pesquisa, a autora aborda os seguintes estágios: o estágio da reflexão, no qual é discutido o problema inicial de pesquisa e a identificação de um paradigma subjacente; o estágio do planejamento, que envolve a seleção do local onde será desenvolvido o projeto, as principais estratégias de investigação, critérios de validação e o início da escrita do projeto; o estágio da ida ao campo, que necessitará a seleção da amostra e os instrumentos de coleta de dados; o estágio da produção de dados, no qual é enfatizada a necessidade de um asseguramento do rigor; o estágio da saída do campo, momento em que o pesquisador se torna um "nativo" e perde a objetividade para coletar dados e o estágio da escrita final, que envolve a clareza e a coerência da escrita para apresentar os dados de modo a sustentar a discussão.

Os capítulos seguintes descrevem os métodos de pesquisa qualitativa em si. O quarto capítulo, escrito por Robert E. Stake, trata do estudo de caso (Case Studies) e enfoca, principalmente, o fato do estudo de caso não se configurar como uma escolha metodológica e sim como uma escolha de objeto a ser pesquisado. Fala também sobre caso único e múltiplo e aborda questões sobre generalização, seleção, ética, etc ..

O quinto capítulo é escrito por Atkinson & Hammersley e o tema é etnografia e observação participante. Nele os autores se prendem mais a temas que se relacionam às diversidades e diferenças em pesquisa etnográfica. Proporcionam também uma breve revisão histórica sobre o tema e sobre as divergências em torno da noção de cientificidade. Enfatizam ainda que a pesquisa etnográfica se baseia na observação participante e que toda pesquisa social é um tipo de observação participante uma vez que, o mundo social não pode ser estudado estando-se fora dele.

O sexto capítulo (Phenomenology, Ethnomethodology, and Interpretive Practice) é assinado por Holstein & Gubrium. Os autores fornecem um boa visão do pensamento fenomenológico na prática da sociologia a partir das idéias de Schutz que representam uma tentativa de ligação da sociologia com a Filosofia de Husserl e formam a base para o desenvolvimento de práticas etnometodológicas com as contribuições posteriores de Garfinkel. O texto enfatiza as práticas interpretativas que fornecem estruturas e sentidos às experiências cotidianas por meio da noção de um "conhecimento" focalizado e local (contextualizado).

No sétimo capítulo, Strauss & Corbin oferecem uma avaliação sobre Grounded Theory que, entre outras questões, ressalta as similaridades e diferenças com relação a outros métodos qualitativos de pesquisa. Os autores fornecem também uma visão sobre as principais propostas e usos desta metodologia, enfatizando, que se trata de uma metodologia geral para o desenvolvimento de estudos fundamentados em dados sistematicamente coletados e analisados.

O oitavo capítulo é intitulado Biographical Method e é assinado por Louis M. Smith. O autor constrói sua reflexão partindo da idéia de que o método biográfico não pode ser considerado somente como aquele que gera "histórias escritas sobre a vida de uma pessoa", mas sim, como presente em todos os tipos de textos pois, todos os escritos revelam aspectos da vida de outras pessoas, assim como também de quem o escreve (auto-biografia). Desenvolvendo tal reflexão, Smith aborda um pequeno panorama sobre o "domínio do método biográfico", as principais dificuldades e alternativas disponíveis no "fazer biografia" e, também, um pequeno passeio por diversas disciplinas (História, Literatura, Ciências Sociais, Educação) que fazem uso do método biográfico.

Gaye Tuchman escreve o nono capítulo (Historical Social Science: Me thodologies, Methods and Meanings) procurando evidenciar que sempre que se desenvolve um trabalho baseado em documentos históricos (cartas, diário, jornais, textos, etc.) a noção daquele momento histórico está implícita e dá sentido à "moldura" do trabalho, ou seja, todo fenômeno social deve ser estudado em seu contexto histórico. Neste sentido, o autor esboça várias abordagens interpretativas ao material histórico (Marxismo, feminismo, funcionalismo, etc.) que podem orientar a reconstrução do passado em um texto presente.

O décimo capítulo recebe o título: Three Approaches to Participa tive Inquirye é assinado por Peter Reason. Nele, o autor procura enfocar uma determinada visão de mundo que, ao contrário de posturas científicas ortodoxas, busca maior pluralismo e é, essencialmente, participativa. Nesta visão de mundo, o conhecimento científico não é tido como algo produzido independentemente da relação pesquisador-sujeito. Nesta perspectiva, que vê o Ser Humano como co-criador de sua realidade, são permeados os terrenos de três tradições de pesquisa -ação: (1) a investigação cooperativa, (2) a pesquisa-ação participante e (3) a investigação-ação.

O décimo primeiro, e último, capítulo é de autoriade Miller & Crabtree e é chamadoClinical Research. O texto é desenvolvido procurando assinalar que a pesquisa clínica, no âmbito do modelo biomédico, produz um obscurecimento do Ser Humano em suas complexidades biopsicosociais que passa a ser visto como sujeito de uma série de procedimentos laboratoriais e de interesses epidemiológicos. Neste contexto de "muros" que escondem o humano e ajudam a controlar o medo dos profissionais envolvidos, o papel do pesquisador social é o de ouvir as histórias, estabelecer conexões e criar espaços que resgatem a possibilidade da co-participação do paciente em seu processo de tratamento. Os autores ressaltam que a abordagem m ultimetodológica é preferencial e ressaltam o uso da observação partipante, pesquisa-ação e da entrevista clínica.

Finalizando, o livro fornece essencial ajuda e esclarecimentos a quem se interessa pelo aprofundamento no campo da pesquisa qualitativa. Apesar de tratar de forma introdutória os principais métodos ou estratégias de pesquisa, o livro possui caráter denso na composição das idéias e, em alguns capítulos, também na estrutura de linguagem, o que pode dificultar para leitores que estejam iniciando seu contato com o tema. Por outro lado, talvez o melhor jeito de se envolver com um tema novo seja começar por textos que privilegiem o contexto histórico e paradigmático deste tema e que possuam a preocupação com o campo das "noções e conceitos" mais que com o pragmatismo operacional, isto, sem dúvida, o livro de Denzin & Lincoln proporciona.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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