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Desafios à gestão sustentável da biodiversidade no Brasil

Challenge for the sustainable management of biodiversity in Brazil

Resumo

O estabelecimento da Convenção sobre Diversidade Biológica, em 1992, impôs ao país a necessidade de discutir e implementar uma série de arranjos político-institucionais adequados a gestão sustentável da biodiversidade. Essa tarefa, ainda em curso no país, visa não somente atender positivamente a CDB, mas também consolidar um projeto que atenda as necessidades nacionais. Neste artigo, apresentamos uma discussão sobre três distintas dimensões fundamentais ao processo de plena gestão sustentável da biodiversidade no país: a dimensão científica (conhecer a biodiversidade), a dimensão política (gerir a biodiversidade) e a dimensão social (repartir os benefícios oriundos da utilização da biodiversidade). O intuito é demarcar alguns dos avanços experimentados no Brasil nos últimos anos, assim como indicar os desafios a serem enfrentados no presente e no futuro.

Palavras-chave:
gestão da biodiversidade; CDB; diversidade biológica

Abstract

The establishment of the Convention on Biological Diversity, in 1992, imposed to the country the necessity to argue and to implement a series of politic-institucional arrangements adjusted to the sustainable management of biodiversity. This task, still in course, not only aims to answer positively the CBD, but also to consolidate a project that takes in account the national necessities. In this article, we present a discussion on three distinct basic dimensions to the process of full sustainable management of biodiversity in Brazil: the scientific dimension (to know biodiversity), the politic dimension (to manage biodiversity) and the social dimension (to distribute the benefits deriving of the use of biodiversity). The intention is to remark some of the advances in Brazil in recent years as well as indicate the challenges to be faced in the present and in the future.

Key Words:
Biodiversity management; CBD; biological diversity

Introdução

A biodiversidade, um neologismo derivado do termo diversidade biológica, pode ser definida em sua forma mais objetiva como a variedade da vida existente em nosso planeta. Este conceito foi cunhado em 1985 por Walter G. Rosen durante a preparação de um congresso cujo relatório final, publicado em 1988, popularizou este vocábulo entre ecólogos e ambientalistas (Barbault, 1997Barbault, R. Biodiversité. Paris: Hachette Superior. 1997. 159p.). Contudo, foi somente sete anos mais tarde, com o estabelecimento da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), durante Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, que a temática da biodiversidade foi efetivamente alçada a categoria dos grandes problemas a serem enfrentados globalmente no século XXI.

A CDB é um instrumento assinado e ratificado por grande parte das nações do planeta. em linhas gerais, ela estabeleceu um novo regime global e um novo código de conduta internacional relativo à conservação dos recursos biológicos, genéticos e dos saberes tradicionais de maneira extremamente abrangente. A CDB assegurou a soberania de cada país sobre os recursos encontrados em territórios sob sua jurisdição e trata a conservação da biodiversidade intrinsecamente associada ao uso sustentável de seus componentes, condicionando o acesso a recursos genéticos à transferência de tecnologias e incorporando a preocupação com os interesses e direitos das populações tradicionais.

Contudo, a CDB é uma convenção-quadro, ou seja, estabelece princípios e regras gerais, mas não estipula prazos nem obrigações específicas. Como aponta Alencar (1995Alencar, G.S. 1995. Mudança ambiental global e a formação do regime para proteção da biodiversidade. (Tese de Mestrado). Universidade de Brasília. 179p.:134), a CDB “estabelece princípios, metas e compromissos globais, criando a moldura para as políticas de proteção da biodiversidade global (...) ficando a decisão, na maior parte dos casos, para ser tomada no interior dos Estadosnacionais e mesmo no nível administrativo local”. Em outras palavras, enquanto a convenção demarca claramente uma instância político-institucional importante para as relações entre os países signatários, cabe a cada membro estabelecer as regras que melhor assegurem a gestão desse patrimônio em seus territórios. Portanto, responder positivamente ao chamado da CDB através de uma boa gestão da biodiversidade, respeitado os princípios e diretrizes estabelecido pela convenção, é um dever de cada nação signatária.

O Brasil, um país de dimensões continentais e detentor de uma das mais extensas bacias hidrográficas do mundo, possui cerca de 13% de toda a biota do planeta segundo as estimativas mais conservadoras (Brandon, K. et al., 2005Brando, K.; Fonseca, G. A. B.; Rylands, A.; Silva, J. M. C. Conservação brasileira: desafios e oportunidades. Megadiversidade 1:7-13, 2005.; Lewinsohn & Prado, 2005Lewinsohn, T. M. & Prado, P. I. How Many Species Are There in Brazil? Conservation Biology, 19 (3): 619-624, 2005.).

O país é considerado megadiverso (Mittermeier et al., 1997Mittermeier, R. A.; P. Robles-Gil; C. G. Mittermeier. Megadiversity: Earth’s biologically wealthiest nations. CEMEX, Agrupacion Serra Madre, S.C., Mexico. 1997.) e, ao lado da Indonésia, pode ser considerado o mais rico do mundo em biodiversidade (Mittermeier et al., 2005Mittermeier, R. A.; Fonseca, G. A. B.; Rylands, A.; Brandon, K. A brief history of biodiversity conservation in Brazil. Conservation Biology, 19 (3): 601-607, 2005.).

Tamanha riqueza e singularidade representam um desafio talvez maior do que aquele imposto aos outros países. Sua gestão envolve uma série de arranjos políticos, econômicos e sociais, fundamentais para que o país possa plenamente beneficiar-se de sua biodiversidade em consonância com os três paradigmas estabelecido pela CDB: conservação, uso sustentável e repartição justa e eqüitativa dos benefícios.

Neste artigo, apresentamos uma discussão sobre três distintas dimensões fundamentais ao processo de plena gestão da biodiversidade: a dimensão científica (conhecer a biodiversidade), a dimensão política (gerir a biodiversidade) e a dimensão social (repartir os benefícios oriundos da utilização da biodiversidade). O intuito é demarcar alguns dos avanços experimentados no Brasil nos últimos anos assim como indicar os desafios a serem enfrentados no presente e no futuro.

Conhecimento e Gestão da Biodiversidade: o quanto conhecemos da biodiversidade brasileira?

Saber exatamente e com acurada precisão o tamanho da biodiversidade brasileira é, certamente, uma tarefa impossível. Contudo, boa parte dos especialistas estão de acordo que uma significativa parcela da biodiversidade planetária está localizada em território brasileiro (Mittermeier et al., 2005Mittermeier, R. A.; Fonseca, G. A. B.; Rylands, A.; Brandon, K. A brief history of biodiversity conservation in Brazil. Conservation Biology, 19 (3): 601-607, 2005.).

Segundo Lewinsohn & Prado (2005)Lewinsohn, T. M. & Prado, P. I. How Many Species Are There in Brazil? Conservation Biology, 19 (3): 619-624, 2005., o número total de espécies existentes no Brasil é estimado em cerca de 2 milhões. Deste total, apenas 10%, ou seja, algo em torno de 200.000 espécies já foram identificadas. No entanto, esse conhecimento não é homogeneamente distribuído entre todos os principais grupos de organismos, como indicado na tabela 1. Para os táxons com maior grau de conhecimento, esse patamar pode atingir cerca de 14% do total mundial enquanto para outros grupos esse conhecimento é praticamente inexistente.

Esta informação impõe ao país um grande desafio: como gerir bem esses recursos com tão baixo nível de conhecimento para determinados grupos? A falta de conhecimento limita sobremaneira as possibilidades de uso sustentável dos recursos bem como a definição de estratégias bem definidas de conservação e acesso.

Quadro 1
Estimativa do tamanho da biodiversidade brasileira. (Fonte: Lewinsohn & Prado, 2005Lewinsohn, T. M. & Prado, P. I. How Many Species Are There in Brazil? Conservation Biology, 19 (3): 619-624, 2005.)
Table 1
Size estimative of the brazilian biodiversity

Figura 1
Percentual das entidades taxonômicas (“OTUs”) em cada grupo quanto a suficiência de número de especialistas no país. (Fonte: Lewinsohn, 2005Lewinsohn, T. M. Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade brasileira - Volumes I e II. Série Biodiversidade nº15. Brasília: MMA, 2005. 520p.)
Figure 1
Percentage of taxonomics entities (“OTUs”) in each group related to the numbers of specialists in Brazil

A superação desse entrave, passa necessariamente por um aumento de nossa capacidade em estabelecer programas que possam reverter esse quadro em médio e longo prazo. Para Lewinsohn (2005)Lewinsohn, T. M. Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade brasileira - Volumes I e II. Série Biodiversidade nº15. Brasília: MMA, 2005. 520p., contudo, em seu estudo sobre o estado do conhecimento da biodiversidade brasileira, o país não está ainda adequadamente preparado para reverter este quadro tendo em vista que para a maior parte das unidades taxonômicas, o país não conta com um número suficiente de especialistas (Figura 1).

Esta deficiência de especialistas, de fato, representa um fator limitante imediato ao projeto nacional de conservação da biodiversidade. Entretanto, esse mesmo estudo ao avaliar a capacidade de reversão desse quadro, demonstrou que o país dispõe de plena capacidade para formar novos taxonomistas para praticamente boa parte das unidades taxonômicas (Figura 2).

A maior parte desses taxonomistas podem ser formados integralmente no país, pelos especialistas atualmente em atividade nas universidade e centros de pesquisa, enquanto uma parcela menor necessitaria de orientação de especialista do exterior ou mesmo ser formado integralmente por uma instituição estrangeira. E, fundamentalmente, com investimentos adequados, isso poderia ser equacionado em curto espaço de tempo. Como ilustra a Figura 3, a maior parte dos taxonomistas poderia ser formada num tempo médio de dois a quatro anos.

Figura 2
Percentual das entidades taxonômicas para os quais um taxonomista pode ser formado no Brasil, no Brasil com orientação do exterior, ou apenas fora do Brasil. (Fonte: Lewinsohn, 2005Lewinsohn, T. M. Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade brasileira - Volumes I e II. Série Biodiversidade nº15. Brasília: MMA, 2005. 520p.)
Figure 2
Percentage of taxonomics entities (“OTUs”) for which a taxonomist can be formed in Brazil, in Brazil with international orientation, or only is outside of Brazil.

Figura 3
Percentual das entidades taxonômicas para os quais um taxonomista pode ser formado no Brasil em 1 a 2 anos, 2 a 4 anos, ou 4 a 10 anos. (Fonte: Lewinsohn, 2005Lewinsohn, T. M. Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade brasileira - Volumes I e II. Série Biodiversidade nº15. Brasília: MMA, 2005. 520p.)
Figure 3
Percentage of the taxonomics entities for which a taxonomist can be formed in Brazil in 1 to 2 years, in 2 to 4 years, or in 4 to 10 years.

Essencialmente o que esses dados indicam é que uma política adequada de formação e contratação de especialistas pode efetivamente modificar o cenário atual onde as lacunas de conhecimento para muitos grupos ainda é grande. Isto é possível tendo em vista que a capacidade instalada atualmente pode efetivamente formar novos profissionais em espaço de tempo relativamente curto. Do contrário, como aponta Lewinsohn (2005)Lewinsohn, T. M. Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade brasileira - Volumes I e II. Série Biodiversidade nº15. Brasília: MMA, 2005. 520p., mantida a taxa atual de espécies identificadas, cerca de 700 por ano, seriam necessários “pelo menos 12 séculos de trabalho para que todas as espécies fossem conhecidas”.

Tabela 2
Principais instrumentos para a gestão da biodiversidade no Brasil
Table 2
Main instruments for the management of biodiversity in the Brazil

A gestão política da biodiversidade no Brasil

A definição de um arranjo político-institucional no Brasil foi condição sine qua non para a organização interna das ações que respondessem positivamente à agenda da CDB. Em linhas gerais, a partir de 1994, com a ratificação da convenção pelo governo brasileiro, uma série medidas foram tomadas com o intuito de estabelecer uma estrutura coordenada no âmbito do governo federal. Estas ações estão sinteticamente listadas no Tabela 2.

A Política Nacional da Biodiversidade (PNB), instituída através do Decreto 4339/02, pode ser considerada um elemento central desse processo de estruturação política, pois estabeleceu um marco legal para a gestão da biodiversidade no país. Sua implementação, dez anos após a adesão do país à CDB, foi fruto de um longo processo de elaboração e consulta ampliada a diversos segmentos da sociedade de forma a garantir uma efetiva representatividade na construção de uma proposta de consenso. Desta forma, a metodologia empregada em sua construção procurou romper com a tradição de estabelecimento de políticas de cima-para-baixo.

A PNB tem como objetivo geral a promoção, de forma integrada, da conservação da biodiversidade e da utilização sustentável de seus componentes, com a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, de componentes do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais associados a esses recursos. Ela reafirma, portanto, essencialmente os mesmos objetivos estabelecidos pela própria CDB. Ela está organizada em sete componentes que representam os eixos temáticos que deverão orientar a sua implementação (Tabela 3).

Um aspecto importante é que cada uma das diretrizes estabelecidas em cada componente deve ser considerada para todos os biomas brasileiros, quando couber.

Se o mérito maior da PNB foi o de estabelecer de forma pragmática e objetiva as diretrizes que deverão orientar o projeto nacional de conservação e gestão da biodiversidade, sua materialização foi definida logo em seguida no Plano de Ação para a Implementação da Política Nacional da Biodiversidade (PANBio).

A implementação do PANBio, em 2006, também seguiu um roteiro pré-estabelecido que envolveu quatro etapas: levantamento de informações, consulta pública, reunião para elaboração do plano e consolidação das ações propostas (MMA, 2006MMA. Diretrizes e prioridades de Plano de Ação para a Implementação da Política Nacional da Biodiversidade. Brasília: MMA/SBF, 2006. 80p.). O resultado é um documento onde são apresentados em detalhes um conjunto de 142 ações prioritárias para a efetiva implementação da PNB. Estas ações estão distribuídas entre os sete componentes da PNB, sendo ainda indicado para cada ação o seu nível de prioridade, viabilidade, prazo para implementação e seus potenciais executores. Cabe agora a Comissão Nacional da Biodiversidade (CONABIO), através de uma Câmara Técnica específica, realizar o acompanhamento da implementação do PANBio. Essa implementação passa necessariamente por uma definição pela Câmara de prazos, metas, fases e atores responsáveis envolvidos na implementação do plano, assim como a criação de um sistema de gestão e a definição de indicadores que possam subsidiar uma avaliação dos resultados obtidos.

Tabela 3
Componentes da Política Nacional de Biodiversidade
Table 3
Elements of the National Policy of Biodiversity

O PANBio é um instrumento que pretende influenciar as ações dos programas do PPA, federais e estaduais, visando o estabelecimento de uma agenda positiva para a gestão da biodiversidade no país que seja compartilhada com a sociedade civil e o setor produtivo. Para tal, seu sistema de gestão prevê uma profunda integração entre os setores envolvidos e interessados na gestão da biodiversidade (Figura 4).

Essa proposta, se ambiciosa em sua essência, busca romper em definitivo com o sectarismo no debate sobre a gestão dos recursos naturais no Brasil, compartilhando responsabilidades e deveres com toda a sociedade.

Gestão com inclusão: repartindo os benefícios oriundos do uso da biodiversidade

A repartição dos benefícios econômicos oriundos do acesso e exploração da biodiversidade é uma questão essencial para a plena implementação da CDB, pois visa garantir que todas as partes envolvidas no processo sejam efetivamente e equitativamente beneficiadas. Sua inclusão no texto da CDB é decorrente, como indica Azevedo (2005Azevedo, C. M. A. A regulamentação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados no Brasil. Biota Neotropica 5(1): BN00105012005, 2005.:2), “da demanda dos países em desenvolvimento, ricos em biodiversidade, que concluíram ser injusta a situação em que ao mesmo tempo em que se permitia o livre acesso aos recursos genéticos, os produtos obtidos a partir desses recursos eram objeto de apropriação monopolística, por meio de patentes, por empresas sediadas, na maioria dos casos, em países desenvolvidos”. Desta forma, ficou configurada a soberania de cada país sobre seus recursos biológicos, estando o seu acesso sujeito às legislações nacionais.

Figura 4
Sistema de Gestão do Plano de Ação para a Implementação da Política Nacional da Biodiversidade. (Fonte: MMA, 2006MMA. Diretrizes e prioridades de Plano de Ação para a Implementação da Política Nacional da Biodiversidade. Brasília: MMA/SBF, 2006. 80p.)
Figure 4
Management System for the Plan of Action for the Implementation of the National Policy of Biodiversity.

No Brasil, a repartição dos benefícios está diretamente ligada a questão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional (MMA/DPG, 2005MMA/DPG. Regras para o acesso legal ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado. Brasília: MMA/DPG, 2005. 22p.). Sua regulamentação foi matéria controversa no legislativo, onde pelo menos três projetos de lei distintos circularam pelo Congresso Nacional entre os anos de 1995 e 2000. O processo legislativo foi interrompido em 2000 com a edição da Medida Provisória nº 2052, em 29 de junho do mesmo ano. Essa MP vigora atualmente sob o número 2186-16/01 e, apesar de “provisória” como indica sua própria designação, ainda aguarda a aprovação de uma Lei específica que regulamente em definitivo essa matéria.

A MP 2186-16/01 define em seu artigo 24 como repartição dos benefícios, “os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, obtidos por instituição nacional ou instituição sediada no exterior, serão repartidos, de forma justa e eqüitativa, entre as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento e a legislação pertinente.”

Ela reconhece o direito das comunidades indígenas e locais sobre os recursos localizados nas áreas por elas ocupadas, assim como o conhecimento a eles associados, ao determinar a exigência de anuência prévia dessas comunidades para qualquer tipo de acesso. Desta forma, buscou-se corretamente incluir as comunidades diretamente afetadas no processo decisório de uso e exploração da biodiversidade.

O artigo 25 da MP prevê que os benefícios decorrentes da exploração econômica de produto ou processo, desenvolvido a partir de amostra do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado, poderão constituir-se de: divisão de lucros; pagamento de royalties; acesso e transferência de tecnologias; licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos; e capacitação de recursos humanos. A forma pela qual a repartição será feita é definida pelas partes envolvidas e indicada como cláusula essencial (art.28) no Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição dos Benefícios a ser celebrado pelas partes envolvidas. Esse contrato, que deve indicar e qualificar com clareza as partes contratantes, requer a anuência do Governo Federal, feita através do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). Ele é a garantia de que o interesse de todos os setores envolvidos no uso da biodiversidade, seja público ou privado, estarão resguardados.

Tabela 4
Autorizações emitidas pelo CGEN para acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado (Fonte: MMA/CGEN, 2007MMA/CGEN. Relação de autorizações emitidas. Disponível em http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=85&idCon teudo=4403 . acesso em 20/03/2007.
http://www.mma.gov.br/index.php?ido=cont...
)
Table 4
Permissions emitted for the CGEN for access to the genetic patrimony and associated traditional knowledge

Com a entrada em vigor da MP em 2000 e a constituição do Conselho de Gestão (decreto 3945/01), que efetivamente iniciou suas atividades em abril de 2002 (Azevedo, 2005Azevedo, C. M. A. A regulamentação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados no Brasil. Biota Neotropica 5(1): BN00105012005, 2005.), finalmente iniciou-se no país o processo de emissão de autorizações para o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Desde 2003, data da expedição da primeira autorização pelo Conselho, já foram emitidas um total de 50 autorizações (Tabela 4).

A maior parte das autorizações concedidas até o momento são para o acesso ao patrimônio genético e com a finalidade de pesquisa científica, ou seja, projetos sem a finalidade de exploração econômica e, portanto, que não resultarão na celebração de contratos para repartição.

Somente 12 projetos de bioprospecção foram autorizados até o momento sendo a grande maioria (sete) em 2006. Esses números indicam claramente que a atividade de bioprospecção ainda está em fase de estruturação no país e a efetiva repartição de benefícios, que poderá gerar os tão almejados ganhos econômicos para as comunidades indígenas e locais, ainda estão distantes de serem uma prática comum no país.

A necessidade de uma legislação definitiva para essa matéria, que garanta uma estabilidade institucional para os projetos e instituições envolvidas, é essencial para a consolidação desta questão no país. Nesse sentido, o próprio CGEN, a pedido do Ministério do Meio Ambiente, constituiu uma Câmara Temática, com representação do governo e sociedade da sociedade civil, para elaborar um anteprojeto de lei a ser encaminhado ao Congresso pelo Executivo Federal, visando finalizar o processo legislativo sobre o tema com a promulgação de uma Lei de Acesso e Repartição de Benefícios (Azevedo, 2005Azevedo, C. M. A. A regulamentação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados no Brasil. Biota Neotropica 5(1): BN00105012005, 2005.). O texto do anteprojeto já finalizado pelo Conselho, está sob análise da Casa Civil para posterior encaminhamento ao Congresso. As principais modificações propostas pelo anteprojeto em relação a MP 2186-16/01 estão sintetizadas no Tabela 5.

Conclusão

A CDB estabeleceu em nível planetário novos arranjos políticos e institucionais ao garantir a soberania de cada país sobre os recursos existentes em seu território. No entanto, o exercício dessa soberania por cada nação impõe o dever de uma boa gestão da biodiversidade sob sua jurisdição. O Brasil, um dos primeiros países a aderir a convenção, vem buscando ao longo dos últimos 15 anos estabelecer um projeto nacional com sólida base normativa, política e institucional, capaz de responder positivamente não somente as demandas da CDB, mas as próprias demandas internas. Esse projeto, em várias ocasiões amplamente debatido e negociado com a sociedade, tem na Política Nacional da Biodiversidade sua principal expressão.

Tabela 5
Principais modificações estabelecidas pelo anteprojeto elaborado pelo CGEN em relação à MP 2186-16/01 (segundo Azevedo, 2005Azevedo, C. M. A. A regulamentação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados no Brasil. Biota Neotropica 5(1): BN00105012005, 2005.)
Table 5
Main modifications established by the preliminary project elaborated by CGEN related to MP 2186-16/01

As ainda imensas lacunas de conhecimento existentes para a biodiversidade brasileira se por um lado restringem nossa plena capacidade de gestão e utilização sustentável, por outro configuram uma oportunidade única de fortalecimento da rede de pesquisadores em atuação no país, com capacidade para preparar e formar toda uma nova geração de pesquisadores aptos não somente a identificar essa biodiversidade como também a buscar aplicações tecnológicas que melhorem a vida de todos. Os objetivos e metas estabelecidos pelo PANBio vão de encontro a essa situação.

Finalmente, a existência de um quadro normativa, embora provisório, que regulamenta o acesso e garante a repartição justa e eqüitativa é um aspecto extremamente positivo e demonstra que o país está procurando estabelecer os marcos regulatórios necessários para a boa gestão da biodiversidade.

Agradecimentos

A todas as instituições que organizam e financiam o Prêmio Jovem Cientista, em especial, Melissa Martins, coordenadora do Prêmio. A profa. Silvia Regina Goi, editora da Revista Floresta e Ambiente.

Referências Bibliográficas

  • Alencar, G.S. 1995. Mudança ambiental global e a formação do regime para proteção da biodiversidade (Tese de Mestrado). Universidade de Brasília. 179p.
  • Azevedo, C. M. A. A regulamentação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados no Brasil. Biota Neotropica 5(1): BN00105012005, 2005.
  • Barbault, R. Biodiversité Paris: Hachette Superior. 1997. 159p.
  • Brando, K.; Fonseca, G. A. B.; Rylands, A.; Silva, J. M. C. Conservação brasileira: desafios e oportunidades. Megadiversidade 1:7-13, 2005.
  • Lewinsohn, T. M. Avaliação do estado do conhecimento da biodiversidade brasileira - Volumes I e II Série Biodiversidade nº15. Brasília: MMA, 2005. 520p.
  • Lewinsohn, T. M. & Prado, P. I. How Many Species Are There in Brazil? Conservation Biology, 19 (3): 619-624, 2005.
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    » http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=85&idCon teudo=4403
  • MMA/DPG. Regras para o acesso legal ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado. Brasília: MMA/DPG, 2005. 22p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2006

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2006
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