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DESPERDÍCIOS E OPORTUNIDADES NA PESQUISA AMBIENTAL BRASILEIRA: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DO GEOPROCESSAMENTO

WASTES AND OPPORTUNITIES OF THE BRAZILIAN ENVIRONMENTAL RESEARCH: THE CONTRIBUTION OF GEOPROCESSING

RESUMO

Este trabalho tenta apresentar uma visão abrangente acerca de algumas importantes relações entre a prática da pesquisa ambiental e o arcabouço conceitual atinente ao processamento eletrônico de dados. Neste contexto, são indicados diversos aspectos relativos a enormes e caros desperdícios, assim como são mencionadas oportunidades de válidas pesquisas ambientais, particularmente no Brasil, onde são agudamente sentidos os efeitos do controle econômico mundial - a tão falada globalização. Alguns novos conceitos são mencionados (são exemplos: geodiversidade e geotopologia) e é colocada a posição de um educador frente à necessidade de continuamente atualizar-se em termos de considerações acerca de educação à distancia e os usos da Internet e das novas tecnologias associadas ao processamento automático de dados.

Palavras-chave
: pesquisa ambiental; geoprocessamento; sistemas geográficos de informação

ABSTRACT

A compreensive view of some important relationships among environmental research practice and the conceptual framework surrounding the use of electronic data processing is tried along this paper. In this regard, several aspects related to enormous and dispendious wastes, as well as to the presence of relevant opportunities of valid environmental research efforts are indicated, particularly in Brazil, where effects of the economic world control - the so-called globalization - are keenly felt. Some new concepts are mentioned (e.g. geodiversity, geotopology) and the position of an educator in relation to the need to continuous updating his methodological asset is indicated by considerations about distance education, the use of the Internet and new data processing technologies.

Key words
: environmental research; geoprocessing; GIS

INTRODUÇÃO

A globalização avassaladora impõe à pesquisa brasileira um caráter reflexo e, em grande medida, dependente do andamento e dos interesses das investigações científicas conduzidas nos paises de maior desenvolvimento econômico. Trata-se de uma situação geradora de algumas dificuldades e mesmo ambigüidades de objetivos. Quanto à dependência, na pesquisa em geral, as afirmações quase dispensam demonstração. Basta verificar a origem dos diplomas de doutorado, até bem recentemente obtidos no exterior, maciçamente. Quanto ao caráter reflexo, apenas parcialmente está ligado à formação de doutores no exterior. Realmente, trata-se de uma situação que tem uma ambigüidade digna de nota. Por definição, fazer pesquisa ambiental em uma área significa obter ganho de conhecimento (informação) acerca da realidade física, biótica e sócio-econômica de um espaço geográfico. Esta informação necessariamente deverá ser extraída de registros de ocorrência (dados) relativos à área em estudo. No caso brasileiro, tais dados, salvo algumas honrosas exceções, tem sido obtidos e tratados por tecnologias importadas e, em muitos casos, não inteiramente dominadas pelos pesquisadores brasileiros (haja vista ao processamento eletrônico de dados), os quais são tentados a produzir e, exaustiva e onerosamente, armazenar os dados e o conhecimento científico de geração e utilização induzidas pelas tecnologias que usam.

No caso brasileiro, ocorre um deslumbramento com as tecnologias importadas que tem levado a uma desvalorização dos esforços dirigidos à produção dos conceitos e métodos que devem reger a utilização das técnicas. Uma das conseqüências imediatas é um desperdício evidente (Xavier-da-Silva, 1995XAVIER-DA-SILVA,J. A pesquisa ambiental no Brasil: uma visão crítica. In: BECKER, Berta, K. (Org.) Geografia e Meio Ambiente no Brasil . São Paulo: Hucitec, 1995. p. 346-370). Consideráveis recursos financeiros são aplicados na geração de bases de dados imperfeitamente construídas e mal dimensionadas, atreladas a unidades territoriais de integração que dificultam a transferência dos dados para outras bases, restritas em suas utilizações de caráter multidisciplinar (as quais são típicas da pesquisa ambiental) por apresentarem taxonomias insuficientemente detalhadas ou, em casos extremos, por serem estritamente idiográficas.

Esta é uma constatação que independe de visões baseadas em juízos de valor, cabendo seu reconhecimento como um primeiro passo para sua superação, por quem assim considerar conveniente. Em outras palavras, não se trata de julgar se esta produção científica reflexa é a única possível, ou se sua prática é, eticamente, correta. Sem apelar para visões jacobinas, cabe pesquisar como a investigação científica, sendo conduzida à reboque das possibilidades oferecidas pelas tecnologias disponíveis, pode tornar-se capaz de produzir, através de questionamentos conceituais ou metodológicos e ampliações de escopo, oportunamente, sem grandes e numerosos desperdícios, os conhecimentos ambientais imprescindíveis à gestão de situações ambientais que, no caso brasileiro, muitas vezes são contundentes, como são as secas nordestinas e a violência urbana.

A situação acima descrita tem sido objeto de tentativas de entendimento e proposições metodológicas (Daly, 1973DALY, H. E. The carrying capacity of our global environment: a book at the ethical alternatives. In: RANDERS, J.; MEADOWS, D. Toward a steady-state economy. São Francisco: W.H.Freeman and Company, 1973., 1996DALY, H.E.B.G. - The Economics of Sustainable Development. Boston: Beacon Press - 1996 - 254 p.; Daly e Cobb-Junior, 1989DALY, H.E., COBB-JUNIOR, J. B. For the common good: redirecting the economy toward community the environmental and a sustainable future. Boston: Beacon, 1989. 482 p., Ebecken, 1998EBECKEN, N.F.F.(Ed.). Data mining. Boston: Witpress, 1998. 448 p., Xavier-da-Silva, 1992XAVIER-DA-SILVA, J. Matriz de objetivos conflitantes: uma participação da população nos Planos Diretores Municipais. In: MACIEL, T. B. O ambiente inteiro: a contribuição crítica da Universidade à questão ambiental. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1992. p. 123 - 134, 2001XAVIER-DA-SILVA, J. Geoprocessamento para análise ambiental. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 2001. 227 p.). Em essência, ela requer do pesquisador um atento desempenho de suas funções, para que não haja excessiva produção de conhecimento de pouca relevância como elemento de apoio à decisão. Vale lembrar que o valor social de uma informação resulta, diretamente, de sua capacidade de apoiar decisões. Conseqüentemente, pode ser idealizado que a produção da informação ambiental não deva ser uma ação restrita ao valor acadêmico da pesquisa, mas sim que esta ação seja efetivada tendo em vista a sua possível utilização social (Cosenza, s.d.COSENZA, C. A. N. Localização industrial: delineamento de uma metodologia para a hierarquização das potencialidades regionais. Rio de Janeiro: COPPE, [ s.d.]. 141 p.). Esta não é, como pode parecer à primeira vista, uma proposição oriunda de um pragmatismo socializante e dogmático. A investigação ambiental pode ser conduzida em atendimento a questionamentos estritamente teóricos, mas tem aplicação direta, axiomaticamente, pela própria natureza das entidades e eventos ambientais, que sempre apresentam os atributos topológicos indiscutíveis de localização, extensão de ocorrência e conexões de toda ordem. Exemplificando anedoticamente, recolher informações sobre a variabilidade da cor das asas de uma espécie de borboleta sempre será um dado sobre a biodiversidade e a geodiversidade (Garay, 2001GARAY, I, Dias, B. (Org.). Conservação da biodiversidade em ecossistemas tropicais: avanços conceituais e revisão de novas metodologias de avaliação e monitoramento. Petrópolis: Vozes, 430 p. 2001, Xavier-da-Silva, 2004XAVIER-DA-SILVA, J. ZAIDAN, R.T. (orgs). Geoprocessamento e Análise Ambiental: Aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 363p.) da área geográfica estudada. Indo além de considerações pitorescas, pode-se afirmar que salientar aspectos relevantes para a aplicação do conhecimento adquirido em uma investigação ambiental apenas a engrandece, sem representar grande esforço adicional, particularmente se forem usadas as modernas técnicas de armazenamento e atualização de dados ambientais (Xavier-da-Silva, 2001XAVIER-DA-SILVA, J. Geoprocessamento para análise ambiental. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 2001. 227 p. e 2004XAVIER-DA-SILVA, J. ZAIDAN, R.T. (orgs). Geoprocessamento e Análise Ambiental: Aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 363p., Moura, 2003MOURA, A.C.M.. Geoprocessamento na gestão e planejamento urbano. Belo Horizonte: Ed. da Autora, 2003. 294 p., Lima e Negrelle, 1998LIMA, R.E.; NEGRELLE, Raquel R.B. (Org.). Meio ambiente e desenvolvimento no litoral do Paraná: diagnóstico. Curitiba: Ed.da UFPR, 1998. 266 p., Negrelle e Lima, 2002NEGRELLE, R.B, LIMA, R.E.. (Org.). Meio ambiente e desenvolvimento no litoral do Paraná: subsídios à ação. Curitiba: NIMAD-UFRP, 2002, 341p.)

No panorama acima, preliminarmente esboçado e precariamente exemplificado, quais as contribuições, positivas e negativas, do Geoprocessamento? Em que medida pode esta tecnologia de origem externa contribuir para o conhecimento ambiental brasileiro? No quadro planetário atual, de contraposição entre a globalização e as reafirmações nacionais de caráter étnico e econômico, deve ser considerada preocupação legítima de qualquer cultura manter um mínimo de coerência com sua herança histórica, sem que sejam esquecidas as oportunidades de utilização de novas tecnologias? No ambiente universitário, como conduzir o ensino do Geoprocessamento, com vistas ao seu uso adequado e, principalmente, útil para a sociedade brasileira? Neste texto serão feitas colocações concernentes a estes e outros aspectos da inserção do Geoprocessamento no quadro da pesquisa ambiental brasileira. Estas colocações, talvez polêmicas, visam apenas gerar reflexões, não devendo ser entendidas como provocações dirigidas a quem quer que seja.

O uso de uma tecnologia não é uma ação inconseqüente. Pelo contrário, sabidamente é um caminho para atrelamentos de toda ordem. Na pesquisa ambiental deveriam entrecruzar-se, harmoniosa e respeitosamente, os conhecimentos oriundos de campos científicos ditos tradicionais, como a Biologia, a Geologia e a Geografia, com a produção e a terminologia de tecnologias poderosas, como são o Sensoriamento Remoto e o Geoprocessamento. É sabido que estas relações entre os campos científicos e as tecnologias não são isentas de ruídos, muitas vezes de nível perturbador, o que traz dificuldades, principalmente, para a inserção dos pesquisadores em um quadro de investigação ambiental integrado, isto é, composto por técnicos e cientistas trabalhando objetivamente na produção de conhecimentos relevantes para a sociedade. Em princípio, aí está um desperdício considerável de recursos, na medida mesma em que são produzidos relatórios e bases de dados de baixa utilização, assim como podem ser desencorajadas interações que associem, em um mesmo nível de respeito, pesquisadores e técnicos.

Uma conseqüência importante deste entrecruzamento impedante é a valorização excessiva do conhecimento estritamente técnico, em detrimento do domínio de conceitos e metodologias. Isto é particularmente verdadeiro no caso da pesquisa ambiental brasileira. Um dos fatores responsáveis por esta situação quase irracional é, perversamente, a inegável alta qualidade da apresentação dos produtos tecnológicos ligados ao Sensoriamento Remoto e ao Geoprocessamento. Não se trata, aqui, de defender produtos de baixa qualidade de apresentação, como poderia argumentar, farisaicamente, alguém interessado em desqualificar estas colocações. É preciso considerar que estas apresentações de produtos, em muitos casos, são dirigidas para a realização de vendas de programas e de inventários de ocorrências de entidades e eventos ambientais, como acontece em relação aos sistemas comerciais de geoprocessamento e na produção de mapas temáticos. Em ambas situações, gastos consideráveis estão associados à alta qualidade do produto comercializado, o que tende a valorizar o lado técnico de sua geração, sendo colocadas em segundo plano, muitas vezes, as contribuições teóricas e metodológicas.

Este direcionamento tem colocado em plano secundário a imprescindível atuação de pesquisadores no equacionamento de problemas ambientais. Passa a ocorrer, entre os administradores de recursos para a pesquisa ambiental, em particular no poroso e vulnerável nível municipal, uma preferência para o relacionamento com técnicos em detrimento do estreitamento de relações com pesquisadores. Em muitos casos, passa-se a exigir destes um desempenho tecnológico e não científico, situação esta que, por vezes, é aceita quase que inconscientemente pelos próprios pesquisadores. Um exemplo atual destas preferências é claramente manifestado em editais oficiais destinados à geração de estudos ambientais, como são as investigações relativas a bacias hidrográficas. Constituem cláusulas destes editais, por vezes, condições tais como numerosos anos de contato com softwares de algum tipo especial (vetoriais, por exemplo). Tais condicionamentos restritivos demonstram, em relação a especificidades eminentemente técnicas e metodológicas, uma capacidade de julgamento de difícil validação e, possivelmente, de origem e propósitos incertos.

Em um processo que pode ser considerado de retro-alimentação, no nível de formação de profissionais, isto é, na universidade, passa a ocorrer a valorização excessiva do conhecimento técnico. Tal excesso leva a um progressivo empobrecimento da capacidade criadora dos chamados ambientalistas, tanto no nível individual como coletivamente. Este é um sério desperdício de esforços, uma vez está envolvida a própria continuidade da pesquisa ambiental, a ser conduzida a partir da formação das novas gerações de pesquisadores. Técnicas e métodos dirigidos ao respeito às idiossincrasias da população, inspeções não tendenciosas da realidade ambiental, uso de procedimentos indutivos na investigação das relações geotopológicas, devem ser caminhos privilegiados para que se torne patente, para os pesquisadores atuais (mestrandos e doutorandos) e futuros (graduação), a necessidade premente de concatenação entre conceitos, métodos e técnicas. É este entrosamento que propicia uma formação em pesquisa adequada, por colocar estes parâmetros básicos da investigação científica em suas posições, separando-os em ordem de importância, necessidade e suficiência. Sem qualquer menosprezo quanto ao conhecimento tecnológico, pode-se afirmar que conhecer uma técnica é uma condição importante e necessária, mas não suficiente. Reconheça-se que esta afirmação é válida também, em certa medida, para os conhecimentos teóricos, os quais, entretanto, têm maior poder para induzir a criação de novos equacionamentos e a busca de soluções inovadoras. Por esta razão precípua, portadores de espíritos indagadores e abertos poderão classificar o entendimento de conceitos e conhecimento de métodos como mais importantes que o estrito domínio de técnicas. Repita-se, para evitar interpretações tendenciosas, que não é possível realizar pesquisas sem dominar técnicas (condição necessária). Fazer de uma pesquisa mera demonstração do uso de técnicas é que pode representar um exagero, se forem insuficientemente considerados os conceitos e procedimentos metodológicos necessariamente envolvidos em qualquer investigação científica.

Alguns encaminhamentos para este problema (Xavier-da- Silva e Souza, 1988XAVIER-DA-SILVA, J.; SOUZA, M.J.L. Análise ambiental. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,1988. 200 p., Xavier-da-Silva, 1993XAVIER-DA-SILVA,J e CARVALHO-FILHO,L.M. Sistemas de Informação Geográfica: uma proposta metodológica. IV CONFERÊNCIA LATINO AMERICANA SOBRE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO/2º SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GEOPROCESSAMENTO. Anais..., São Paulo. EDUSP, 1993. p. 609-628, 2001, 2004XAVIER-DA-SILVA, J. ZAIDAN, R.T. (orgs). Geoprocessamento e Análise Ambiental: Aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 363p.), incluem a ênfase no domínio metodológico, isto é, capacitação para o equacionamento de problemas ambientais (que podem não admitir soluções imediatas, mas que passam a ter um tratamento racional através deste procedimento). Os protopesquisadores, que são neste caso os alunos, sendo informados quanto ao uso e ao valor dos conceitos e métodos disponíveis, ganham habilitação para levantar hipóteses, investigar caminhos e suas possíveis soluções, levando em conta os objetivos estritamente científicos, mas também considerando a relevância social e a exeqüibilidade de suas pesquisas. Vale frisar, mais uma vez, que não se trata, aqui, de desvalorizar a contribuição tecnológica, mas sim de permitir que as possíveis concepções relativas a problemas ambientais se materializem, sem que haja deformações excessivas e indesejadas da realidade ambiental sob estudo. Constitui exemplo direto destas deformações tecnológicas a criação de bases de dados georreferenciados, nas quais as classes envolvidas em cada mapa temático digital são pobres em teor informativo e/ou pouco numerosas, embora o acabamento cartográfico seja primoroso.

Uma conclusão positiva, entretanto, emana deste diagnóstico rudimentar. Reconhecer esta situação complexa representa um estímulo, mostra uma oportunidade, para que se possa produzir conhecimento ambiental útil, no qual sejam minimizadas as probabilidades de produção de relatórios faustosos, prolixos, e maximizadas as possibilidades de construção de zoneamentos exeqüíveis, dinâmicos e corretamente instrumentados para serem apropriados pelos responsáveis pela gestão territorial. Prefeitos, governadores e outros gestores de ambientes não podem continuar na condição atual de, toda vez que necessitem de um estudo ambiental, terem que recorrer a editais de licitação, pois seus corpos técnicos não se acham capacitados a atualizar e utilizar as informações contidas em relatórios oriundos de licitações anteriores.

Estão esboçados acima desperdícios, mas também um desafio e uma oportunidade para a academia. Entretanto, formar quadros profissionais perfeitamente habilitados em suas especialidades, nas condições em que se encontram as universidades brasileiras, é quase uma tarefa ciclópica. Ir além, induzindo os estudantes ao respeito inter-profissional, à isenção quanto a corporativismos excludentes, torná-los capacitados para o trabalho inter-pluri-multi-intra-disciplinar, são proposições pedagógicas de execução nada fácil. Neste ponto o Geoprocessamento, como uma tecnologia indutora de uma nova semiótica, pode representar um papel de integrador dos conhecimentos relativos ao ambiente (Popper, 1974POPPER, K. R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 2ª edição, 1974. 174 p.). Esta contribuição pode assumir um papel relevante e produtivo neste esforço de preparação de profissionais que, como técnicos ou pesquisadores, tencionem dedicar-se aos estudos ambientais. A universidade brasileira, felizmente, tem respondido afirmativamente a esta necessidade. A disciplina Geoprocessamento tem sido adotada em muitos currículos, atendendo aos apelos e questionamentos, formulados de longa data, de muitos pesquisadores. Torna-se necessário, à vista deste incremento no interesse quanto ao Geoprocessamento, fazer alguns esclarecimentos e colocações.

As relações entre educadores e o processamento de dados estão longe de serem agradáveis. Em alguns casos são angustiantes. Em uma visão simplista, os recursos computacionais, em rápida ampliação, podem ser vistos como uma ameaça de desemprego, com o computador substituindo o professor nas tarefas de educação, haja vista ao progresso da chamada educação à distancia. Esta primeira imagem ameaçadora tem sido superada pelo reconhecimento da necessidade da presença do professor, ensinando o uso dos algoritmos e recursos de hardware e sendo, principalmente, essencial para a transmissão do conteúdo conceitual e dos métodos das disciplinas. Embora reconhecendo a importância da participação humana no processo educativo, esta imagem é incompleta quanto ao relacionamento da educação com o processamento de dados. Ela considera os recursos computacionais como meras extensões aceleradoras do contato do homem com os registros de ocorrências (dados), sem dar maior atenção para a percepção do significado deste contato maciço do educador e dos educandos com as representações da realidade contidas nos dados, o que será considerado a seguir.

A atual disponibilidade dos recursos computacionais e de comunicação representa muito mais que a extensão e aceleração da capacidade física de processar dados, a comando de um usuário. Foram atravessados limiares tecnológicos, metodológicos e conceituais que conduzem a novas formas de relacionamento do pesquisador com os dados. Uma nova semiótica, isto é, um novo conjunto de sinais e procedimentos de comunicação, estabeleceu-se, exigindo e criando meios transformação e armazenamento físico dos dados (processadores mais rápidos, memórias centrais e auxiliares de maior capacidade), novas formas de comunicação e armazenamento lógico da informação (as redes planetárias), e novas formas de acesso e exibição dos resultados das transformações efetuadas nos dados (transmissão de imagens e planilhas, teleconferências, animações). Protocolos específicos foram criados (as linguagens de computação), que compreendem, inclusive, formatos de comunicação induzidos e/ou impostos (os sistemas operacionais e de telecomunicação via rede).

Para atender às potencialidades e exigências destes meios, protocolos e formatos de comunicação envolvidos no uso do processamento de dados, é demandada uma educação, até agora informal, dos receptores dos conhecimentos e também de seus emissores, os educadores. Fecha-se, assim, um circuito, no qual a educação e, por necessidade conjuntural, a reeducação do magistério atuante, representam um papel primordial. Como produzir uma educação capaz de atender a este desafio múltiplo de preparar e preparar-se, educar e educar-se, ao mesmo tempo? Como formalizar esta educação dinâmica, atualizada e atualizante? Comparações e metáforas talvez levem à compreensão e equacionamento desta problemática. Com estes objetivos são apresentados e discutidos, a seguir, diversos aspectos ligados ao processo de conservação e transmissão do conhecimento humano.

O processo educativo é essencial para a preservação da cultura dos grupos humanos. Neste processo é sempre registrável a presença de uma memória coletiva, como parte da herança cultural. Os acontecimentos de interesse são ali armazenados, modificados e atualizados por novos, em um constante processo de registro histórico. Nas sociedades primitivas esta memória é criada e mantida através de pinturas rupestres, relatos e celebrações de feitos heróicos, ao lado de atividades lúdicas e artísticas como o esporte e a declamação. O teatro, a criação de poemas e danças, ao lado de muitas outras manifestações culturais, estão registrados, na história de muitos povos da Antigüidade, por artefatos e pela construção de edificações específicas. Com a invenção da escrita, a preservação mais espetacular da memória coletiva transferiu-se para a criação de monumentos e preservação de textos escritos sobre diferentes bases de armazenamento da informação (obeliscos ornamentados, tijolos, papiros, murais esculpidos ou pintados e, já na Idade Média, vitrais e manuscritos iluminados e comentados). Após a invenção da imprensa, o que já se poderia chamar conjunto do conhecimento humano passou a ser, crescentemente, armazenado em livros impressos, gerados por tecnologia e formatações para eles (e com eles) especificamente criadas (Lévy, 1990) e diferentes das técnicas usadas nos manuscritos com iluminuras medievais. A importância do acervo de informação contido na literatura impressa dispensa maiores considerações e deverá persistir por algumas (poucas?) décadas. O próprio volume desta informação impressa já exige que processamento automático de dados seja utilizado para a consulta eficiente deste acervo impresso, como acontece com as bibliotecas.

Um limiar tecnológico e social, entretanto, foi atingido, atualmente, quanto ao acesso à informação. Com o apoio da informática, a leitura de textos e figuras informativas, embora possa ser feita - e crescentemente está sendo - de forma múltipla e não seqüencial, é feita, normalmente, segundo o protocolo tradicional de redação, construção e apresentação, isto é, em vernáculo e segundo símbolos inteligíveis por inspeção visual. É forçoso constatar, entretanto, que o acesso e os meios de armazenamento do acervo do conhecimento humano até agora existente tornaram-se radicalmente distintos dos praticados na clássica consulta a bibliotecas. Hoje está disponível uma rede planetária de comunicação que merece particular atenção quanto ao seu papel como memória coletiva. Para a educação, ela é, ao mesmo tempo, uma formidável base de aprendizagem e um repositório dinâmico e atualizado de informação. É uma demonstração da paradoxal disponibilidade instantânea de conhecimentos infindáveis. Não sendo possível conhecer todo o saber em constante processo de acumulação na rede, ainda assim é possível - e preciso - nela navegar, utilizando suas promessas de informação, até que se consiga chegar ao domínio dos elementos relevantes do conhecimento técnico, científico ou social almejado.

Em termos do usuário, a rede pode ser imaginada como um caleidoscópio, a mudança de ponto de vista gerando uma renovação das possibilidades do ganho de conhecimento que é a informação. Novas árvores de estruturação e busca do conhecimento tornam-se, assim, acessíveis, permitindo diversificação e aprofundamento da consulta em realização na rede. Em mais um paradoxo, pode ser buscado e eventualmente atingido, apenas por um lapso de tempo mínimo, algum limite da imensurável dimensão da rede, em constante interação e ampliação. Sua periferia multi-locacional e mutante facilita a comunicação com o desconhecido e a incorporação de novos dados. Ela mesma é constituída como uma imagem fractal dinâmica em permanente crescimento, modificação e atualização. Sua miríade de usuários - que, na realidade, a constituem - consegue gerar uma poderosa estrutura de disseminação de conhecimentos, capaz de “armazenar” dados, torná-los acessíveis e, em muitos casos, através de procedimentos tornados disponíveis na própria rede, permitir a transformação destes dados em informação. O Geoprocessamento é apenas um destes procedimentos disponíveis. O ensino à distancia baseado na rede é um outro, sendo também um marco desta acessibilidade, de grande importância por tratar-se de todo um processo educativo e não apenas de um conjunto de consultas a registros de ocorrência. À luz destas constatações, pode-se afirmar que nossa memória coletiva, parte essencial do processo educativo e da própria existência humana, está se transferindo para a rede planetária de comunicação. Esta constatação representa uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

Outras modificações substanciais no comportamento humano estão em andamento em função do incremento do uso do processamento de dados. Para que não haja grande risco de ingresso no âmbito do sociologismo especulativo, considere-se apenas as novas características, possibilidades e exigências trazidas para a pesquisa ambiental pelo acesso maciço aos dados.

A percepção humana quanto a fenômenos ambientais é limitada pela relação entre as dimensões e características biológicas do ser humano e as características dos fenômenos ambientais. O homem é pequeno em relação a montanhas e baixadas, tem memória volátil, não divisa, simultaneamente, grande número de formas e cores. Estas limitações são enfrentadas pelos esforços de obtenção de imagens sinópticas e simplificadas da realidade ambiental, das quais são exemplos os produtos cartográficos e de sensoriamento remoto, em geral. Acontece que o uso de modelos digitais setorializados ou simplificados de ocorrências ambientais, exemplificados por imagens de teledetecção orbitais e mapeamentos reproduzidos por cartografia automatizada, está evoluindo para a criação de modelos digitais do ambiente. Estes modelos são representações digitais que se aproximam, em complexidade e abrangência, da multiplicidade de aspectos e fatores convergentes que compõe a realidade ambiental. As bases de dados georreferenciados são, em princípio, uma visão estática de tais modelos digitais do ambiente. Vale salientar, porém, que os sistemas territoriais de informação, também ditos geográficos, compreendem estas bases de dados acopladas a procedimentos de análise espacial e temporal e, conseqüentemente, representam uma extensão dinâmica e considerável da capacidade humana de analisar (decompor) e integrar (recompor e sintetizar) situações ambientais de interesse verificadas no espaço e no tempo. Nesta capacidade de integração e desintegração repousa o arcabouço do poder de investigação da mente humana. Sua instrumentação, feita pelo mencionado tipo de sistema, permite o contato eficiente com a formidável massa de dados ambientais em constante geração. Ganhou a mente humana em capacidade de classificar, explicar, prever e gerir situações ambientais. Neste sentido, o processamento automático de dados, representado neste caso específico pelos sistemas ditos geográficos de informação, pode desempenhar, para a pesquisa ambiental, papel semelhante ao representado pela utilização do telescópio na astronomia ou do microscópio na pesquisa microbiana. Tais sistemas representam uma instrumentação capaz de revolucionar a pesquisa ambiental, trazendo novos conceitos, métodos, técnicas, contribuições estas erigidas em um conjunto de procedimentos e sinais que rege a comunicação da mente humana com os dados ambientais.

A constatação acima, feita por alguns pesquisadores há algum tempo (Burrough, 1986BURROUGH, P.A. Principles of geographical information systems for land resources assessment. Oxford: Oxford University, 1986. 194 p.. Xavierda-Silva, 1982XAVIER-DA-SILVA, J. A digital model of the environment: na effective approach to areal analysis. In: Latin American Conference, International Geographic Union, 1982, Rio de Janeiro. LATIN AMERICAN CONFERENCE, INTERNATIONAL GEOGRAPHIC UNION. Rio de Janeiro: IGU, Anais..., V. 1,1982, p. 17 - 22.), hoje permite afirmar, agora com um pouco mais de respaldo, que está sendo criada uma nova semiótica no relacionamento da mente humana com os dados ambientais. Como exporemos a seguir, se admitidas como partes componentes de uma estrutura de comunicação o gerador (direto ou indireto), o receptor, o meio de transmissão, e o protocolo acordado, explícita ou tacitamente, entre o gerador e o receptor da informação, pode ser feita uma análise das condições físicas segundo as quais, crescentemente, estão sendo realizados os contatos entre os pesquisadores e os dados ambientais.

As redes de comunicação podem ser consideradas emissores indiretos da informação, além de serem parte importante da memória coletiva, conforme já apresentado acima. Os protocolos acordados têm uma natureza dupla. São de caráter técnico (linguagens e formatos especiais), mas também respeitam a herança cultural dos grupos humanos utilizadores da informação, ao utilizar o vernáculo de idiomas reconhecíveis. Por seu lado, o meio de transmissão da informação é dependente da estrutura de telecomunicação preexistente e as modificações nestes meios de transmissão constituem um crucial elemento de decisão quanto incremento do uso das redes. Neste campo, aspectos técnicos se associam densamente com problemas econômicos, tornando as previsões temerárias. Pode ser afirmado, entretanto, que integrações minimizadoras de custos, reunindo as redes de televisão, telefonia e computação, constituem um horizonte razoável. Quanto aos receptores, que são, ao mesmo tempo, os usuários da rede e geradores primários dos dados, sua educação deve estimular o domínio deste contato com a rede, o que não deve ser confundido com o domínio da tecnologia em si. A busca deste domínio, obviamente, não deve (e por seus detentores não é) ser descurada. Esta busca conserva a capacidade crítica e criatividade das pesquisas sobre o assunto. Quanto ao desenvolvimento da capacidade individual de pesquisadores, deve haver atenção especial em evitar a excessiva adoção de estruturas de análise preestabelecidas e tornadas disponíveis na rede. Esta adoção, quando excessiva, prejudica a criação de soluções autóctones, que são essenciais, na pesquisa ambiental em particular, devido tanto às peculiaridades ambientais de cada área geográfica quanto às idiossincrasias dos grupos humanos envolvidos.

Em termos lógicos também tem ocorrido modificações importantes nas relações dos pesquisadores com os dados ambientais. Esta é uma condição inescapável de um relacionamento entre conceitos, métodos e técnicas. Uma tecnologia, ao ser utilizada, gera repercussões no imaginário dos campos científicos envolvidos e nos procedimentos de investigação neles adotados. Estas repercussões significam oportunidades de experimentação, de abertura de novos caminhos, de geração de novas visões da realidade - os decantados paradigmas - que sejam orientadoras, iluminadoras de novas realizações. O que tem mudado na percepção e análise dos dados e das situações ambientais, à luz do incremento do uso do processamento de dados? Algumas destas modificações vêm se realizando há algum tempo e estão se aprofundando. Feliz ou infelizmente, os fundamentos lógicos da investigação científica permanecem válidos e com eles é construído o acervo de conhecimento contemporâneo. Seu uso indica que merecem atenção perfunctória, no mínimo, os parágrafos seguintes, talvez pretensiosamente dedicados a integrar conceitos consagrados em vários campos de pesquisa com o Geoprocessamento.

Identificar e classificar fenômenos registráveis, juntamente com a investigação de possíveis associações entre variáveis constatadas como componentes do problema, em busca de relações causais, constituem passos fundamentais do procedimento científico. Na pesquisa científica, diretamente ligada a medições necessariamente imprecisas que discretizam as dimensões básicas do tempo e do espaço, sempre terão que ser admitidas margens de erro e, conseqüentemente, as relações de causa e efeito terão validade relativa. Esta assertiva é particularmente verdadeira para os estudos ambientais que, para basear decisões muitas vezes prementes e associadas a dados precários, pode admitir margens de erro superiores às obtidas em experimentos controlados. É imediata a exemplificação com desastres ambientais, nos quais a espera por decisões inteiramente fundamentadas, baseadas em margens de erro mínimas, pode custar vítimas.

Consideradas devidamente as ponderações acima, deve-se notar que a percepção científica do ambiente pode ser feita através de um contínuo processo de análises sucessivamente encadeadas, com o qual são identificados, classificados e explicados conjuntos estruturados de entidades e eventos que se julga existir na realidade ambiental. Este procedimento de integração é análogo ao da obtenção trivial de conhecimento, dela diferindo pelo caráter metódico, que é sua própria essência. Resulta na construção de imagens sintéticas com as quais mentalmente opera o cérebro humano. No caso da pesquisa científica, tais arquétipos podem ser denominados modelos.

Na pesquisa ambiental, em particular, conforme já afirmado, os sistemas ditos geográficos de informação podem ser considerados modelos digitais do ambiente, tendo o termo “ambiente” uma conotação adequadamente abrangente, considerando os fatores físicos, bióticos e sócio-econômicos que configuram a realidade ambiental dos territórios sob estudo. Com esta concepção torna-se clara a potencialidade destes modelos para a investigação de fenômenos que tenham expressão territorial. Os dados que utilizam são das mais variadas origens, podendo ser geográficos, geológicos, biológicos, epidemiológicos, econômicos, sociais ou quaisquer outros que tenham o atributo de ocorrência territorial. Eles operam sobre estes dados como estruturas de processamento eletrônico de dados especificamente destinadas à identificação e análise de correlações entre características ambientais (variáveis), podendo considerar, também e diretamente, as relações topológicas das citadas características ambientais, permitindo assim a construção de visões sintéticas - os próprios modelos - que congregam taxonomias e espacialidade. Por serem os modelos entidades que integram os dados, e, ao mesmo tempo, a própria estrutura de análise a ser usada, os sistemas geográficos de informação podem ser conceituados como estruturas de programação (pacotes de programas) que permitem a captura, o armazenamento e atualização dos dados, sua exibição e, acima de tudo, análises e integrações de dados ambientais, consideradas, principalmente, as relações geotopológicas constatáveis. Com este tipo de sistema de informação tornou-se possível examinar a realidade ambiental segundo procedimentos inovadores, radicalmente diferentes dos procedimentos de análise ambiental ditos convencionais ou tradicionais.

A metodologia tradicional de investigação ambiental baseia-se na inspeção de locais identificados como representativos e relevantes para o entendimento do problema ambiental sob análise. De inspeções sucessivas e distribuídas pela área geográfica em estudo resulta a geração de um poder de extrapolação e generalização para o pesquisador, poder este usado para definir extensões territoriais de ocorrência. Mapeamentos pedológicos, geológicos, de aptidão do uso da terra têm sido assim produzidos. Usado judiciosamente, este tratamento de inspeção pontual e generalização tem produzido resultados magníficos de identificação e mapeamento de situações ambientais críticas, podendo ser denominado IPG (inspeção pontual e generalização), para fins de simplificação de referências no presente texto.

É forçoso considerar que o desenvolvimento das técnicas computacionais gerou, para as investigações ambientais, novas possibilidades analíticas. Entre estas deve ser destacada a varredura especificada e minuciosa de uma área geográfica contida em uma base de dados. Esta varredura analítica permite identificar a ocorrência conjugada de numerosos dados, de diferentes naturezas (tipos, escalas, resoluções), em umprocedimento que pode ser denominado integração locacional, uma vez que opera com base no atributo axiomático de localização, inerente a todo dado ambiental. Conforme mencionado anteriormente para efeito de simplificação de referências será usado no presente texto o acrônimo VAIL (varredura analítica e integração locacional) (Xavier-da-Silva, 1997XAVIER-DA-SILVA,J. Metodologia de Geoprocessamento. Revista de Pós-Graduação em Geografia, Rio de Janeiro: UFRJ, V. 1, p. 25-34. 1997 e 2001XAVIER-DA-SILVA, J. Geoprocessamento para análise ambiental. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 2001. 227 p.).

Os procedimentos de varredura analítica e integração locacional (VAIL) podem ser contrastados com os de inspeção pontual e generalização (IPG), de uso tradicional. Enquanto a IPG depende diretamente das capacidades de percepção espacial e de extrapolação do pesquisador, a VAIL depende fundamentalmente da existência de uma base geocodificada e do uso criterioso de algoritmos classificadores disponíveis. Na IPG, o pesquisador, verificando ocorrências (no terreno ou em registros indiretos, como fotos, mapas e telas de monitores), pode cansar-se e deixar, eventualmente, de inspecionar locais relevantes. Na VAIL, com o uso de recursos computacionais, essa possibilidade é inexistente. Apoiada na resolução (física e lógica, isto é, territorial e taxonômica) adotada na base de dados geocodificada, uma varredura completa da área geográfica pode ser executada. Erros ou lacunas na análise espacial desejada somente existirão em função da qualidade da base de dados e não como subproduto do procedimento adotado.

A criação de uma base de dados geocodificados é, em princípio, uma ação direta, demorada, onerosa e que pode ser proveitosa. Pode representar um ônus sem retorno se, como acontece em alguns casos, infelizmente, a geração destas bases for entendida como um fim em si mesmo. Dentro desta visão, têm sido produzidos mapas muito bem acabados, cartograficamente precisos e extremamente decorativos. Na realidade, uma base de dados geocodificados, entendida como um modelo digital de um ambiente específico, pode ser utilizada para análises ambientais, análises estas, por definição, fortemente dependentes da metodologia adotada. Na IPG, a criação de bases de dados (forçosa em qualquer pesquisa ambiental, que não pode prescindir de informar onde e em qual extensão estão ocorrendo os eventos pesquisados) é feita de maneira, em geral, pouco ordenada, sendo gerados conjuntos (às vezes desintegrados) de mapeamentos, relatórios e tabulações convencionais. Na VAIL, ao contrário, é forçoso que os dados estejam organizados para o processamento automático, sejam eles cartográficos (base de mapas temáticos) ou não territorializados (banco de dados convencional). Neste caso, apesar de exigir um esforço de sistematização maior, os benefícios são imediatos. Atualizações com qualquer freqüência tornam-se possíveis. Análises dos dados armazenados para fins correlatos ou distintos da pesquisa original podem ser executadas. Os produtos gerados apresentam-se em uma estruturação que facilita o entendimento entre os vários segmentos alvo (pesquisadores de distintas especialidades, técnicos, administradores etc.), sem perda de qualidade da informação.

Faz-se imprescindível ressaltar, neste cotejo entre as duas metodologias citadas, que o procedimento denominado VAIL não prescinde do trabalho de campo. Pelo contrário, permite que os recursos humanos e materiais disponíveis sejam usados de maneira eficiente, uma vez que o técnico vai a campo para inspecionar locais previamente indicados pela varredura realizada, ficando eliminadas visitas a locais que patentemente não sejam significativos para a verificação da validade de levantamentos de situações ambientais consideradas de interesse. Em síntese didática, pode-se dizer que se vai a campo não para levantar problemas, mas sim para encontrar respostas e cotejar explicações. Para atingir este nível otimizado de relacionamento entre atividades de pesquisa em gabinete (sobre a base de dados geocodificados) e ações de validação de hipóteses baseadas na inspeção da realidade ambiental (saídas a campo), é necessário que o Geoprocessamento seja usado em sua plenitude, ou seja, de acordo com suas maiores potencialidades. Isto significa criar uma estrutura de armazenamento e atualização de dados digitais adequadamente construida. Estas considerações conduzem à conclusão irrecusável de que uma base de dados geocodificados, para ter sua qualidade avaliada, precisa considerar as finalidades de sua onerosa construção e, ao longo de sua criação e utilização, devem ser respeitadas as potencialidades e limitações inerentes à estrutura de dados sendo criada e aos procedimentos metodológicos necessariamente associados ao Geoprocessamento.

Eventualmente interpretações errôneas podem advir da leitura deste texto. Deve ficar claro, de imediato, que não há qualquer sentido depreciativo nas considerações feitas sobre a cartografia e as pesquisas ambientais conduzidas por metodologias tradicionais, que representaram e ainda representam um papel imprescindível na construção do conhecimento humano sobre a realidade ambiental. Basta ter em vista que não existem substitutos tecnológicos inteiramente aceitáveis para os mapas convencionais em termos de portabilidade, conteúdo estético e capacidade de integração de múltiplos aspectos não quantificáveis e de difícil representação gráfica. Assim sendo, deve ser frisado que as idéias subjacentes à presente apresentação estão, altaneiramente, apenas voltadas para a contribuição que novos métodos e técnicas podem representar para o progresso das pesquisas ambientais e, para a correta realização das tarefas de levantamento de dados e montagem de bases de dados geocodificados de certa envergadura.

A cartografia convencional, por tradição, prepara o conjunto de dados a ser contido na base de dados para inspeção visual. Em termos de semiótica, isto é, como forma de comunicação, a cartografia estaria associada à metodologia de inspeção pontual e generalização, embora permitindo uma visão sinóptica da realidade cartografada e, também e felizmente, a montagem de estruturas digitais de varredura (a leitura de mapas por scanners, por exemplo). Os mapas convencionais são feitos para serem lidos pela mente humana, o que é feito por consultas à legenda e às informações adicionais de georreferenciamento neles existentes. A própria construção convencional de uma carta se dá pelo uso da metodologia de inspeção pontual e generalização, haja vista à triangulação e aos nivelamentos topográficos, que dependem de interpolações para a definição da extensão territorial de características planimétricas e altimétricas, registradas pontualmente, aferidas aos seus referenciais geodésicos e interpoladas ou extrapoladas para as áreas adequadas. Este uso continuado e intenso da metodologia de inspeção pontual e generalização associado à um produto destinado à inspeção visual pode, em alguns casos, trazer certa dificuldade quanto ao reconhecimento de necessidades cartográficas ligadas à metodologia de varredura analítica e integração locacional e, em particular, ao uso do Geoprocessamento.

A cartografia automatizada ou digital, se inserida em um sistema de informação, tem que apoiar eficientemente a metodologia de varredura associada ao Geoprocessamento (em qualquer estrutura de armazenamento de dados georreferenciados, seja ela vetorial ou matricial, se executam varreduras em larga escala), ou seja, deve propiciar os meios lógicos e gráficos necessários à análise dos dados digitais armazenados. Isto significa, principalmente, prover os meios e elementos para a execução de exaustivas buscas, no espaço geográfico da base de dados, de associações de características ambientais definidas no espaço taxonômico (de atributos). Como existe uma tradição de preparação das cartas para inspeção visual, pode ocorrer que nos registros digitais da cartografia automatizada fiquem colocados em segundo plano alguns atributos inerentes ao dado ambiental e importantes para o Geoprocessamento. Nestes casos, pode acontecer que tais atributos tenham apenas registros gráficos (geométricos) de suas ocorrências. Os seus conteúdos lógicos, nestes casos, somente são acessíveis a partir de uma saída gráfica, (mapa plotado), na qual a semiótica baseada na interpretação visual poderá atuar para definir o conteúdo lógico e as relações espaciais das entidades ambientais representadas cartograficamente. Cria-se, assim, uma distorção pouco aceitável. Uma estrutura digital onerosa torna-se caudatária, para a análise de seus dados, da produção de saídas gráficas (plotagens) que reproduzam o aspecto do mapa convencional.

Para o Geoprocessamento é fundamental que o dado ambiental seja digitalmente representado de maneira eficiente, isto é, portando seus principais atributos geotopológicos (localização, forma, extensão e conexões) e lógicos (sua qualificação taxonômica). Se esta representação de atributos existir na base de dados, não é necessário um mapa digital de aparência convencional (plotagem) para analisar as características geométricas e lógicas dos dados armazenados. No Geoprocessamento, a própria estrutura digital de armazenamento pode e deve permitir que sejam executados, com eficiência, levantamentos da ocorrência de entidades ambientais e de suas associações/relações. Por exemplo, o Geoprocessamento deve permitir levantar e mapear a localização e extensão de um lote de terreno, definir seus lotes vizinhos e identificar seu proprietário, sem necessidade de mapeamentos intermediários de apoio, isto é, sem recurso à inspeção visual.

Devem ser adotadas e compartilhadas, no Geoprocessamento, metodologias mais participantes, liberadoras da capacidade de interação do pesquisador, indutoras da auto-condução dos aprendizados, propiciadoras da participação dos interessados no processo de análises e sínteses paulatinas que caracteriza a pesquisa ambiental (Xavier-da-Silva, Almeida e Carvalho- Filho, 1996XAVIER-DA-SILVA, J.; ALMEIDA, L.F.B.; CARVALHO-FILHO, L.M. Geomorfologia e Geoprocessamento. In: CUNHA, S.B.; GUERRA, A.J. Geomorfologia: exercícios, técnicas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 283 - 309.). Não se trata apenas de formular textos e esquemas a serem memorizados, exercícios sobre situações testadas e muitas vezes hipotéticas, e da aferição de um amestramento efêmero, através de provas que testam o aprendizado específico das técnicas e não o amadurecimento do profissional. Devem ser testados, em um ambiente interoperativo, (Goodchild, et al. e Gore, 1998GORE, A. The Digital Earth: Understanding our planet in the 21 st Century. Disponível na Internet via URL: http://www.opengis.org/info/pubaffairs/ALGORE.htm. Arquivo consultado em 1998.
http://www.opengis.org/info/pubaffairs/A...
, Hies, 1998HIES. Aplication of GIS to the Decision-support-system for nature conservation in Hokaido: Hokaido Institute of Environmental Sciences, 1998.; Kuhn, 1987KUHN, T.S. As estruturas das revoluções cientificas. São Paulo: Perspectiva, 2ª edição,1987.; Peuquet, 1984PEUQUET, D. J. Toward and integrated approach for designing geographic databases. In: I Conferência Latinoamericana sobre Informática en Geografia, 1984, San Jose (Costa Rica). I CONFERENCIA LATINOAMERICANA SOBRE INFORMATICA EN GEOGRAFÍA. San Jose (Costa Rica), 1984. Anais..., p.428-450..) procedimentos pedagógicos inovadores, inteiramente associados às necessidades de pesquisas sobre situações ambientais realistas, diretamente ligadas aos interesses profissionais presentes ou futuros dos profissionais envolvidos. Um pouco menos explicitamente, é preciso haver teorização sobre o Geoprocessamento e suas relações com a Internet, inteiramente associadas com a aceleração dos avanços tecnológicos e, principalmente, com a capacidade de manejo de grandes quantidades de dados. As disponibilidades técnicas são fontes de inovações metodológicas, e a conjugação de novos métodos e técnicas é caldo de cultura para a geração de novos conceitos.

Atualmente muitas técnicas de Geoprocessamento não estão estruturadas no nível necessário à imediata extração da informação ambiental. Estão erigidas como blocos de construção que geram principalmente novos dados. Entretanto, o que se almeja, com interoperatividade ou sem ela, é ganhar conhecimento e não colecionar novos dados. Este objetivo demanda capacidade de criação de algoritmos capazes de criar a própria informação, isto é, capazes de trazer ganho de conhecimento, e não apenas aptos e eficientes na geração de mapas e gráficos de ótimo acabamento e pouco informativos, ou relatórios recheados de dados.

No Geoprocessamento persistem influências da inspeção visual, metodologia típica da semiótica tradicional. Estas persistências precisam ser dimensionadas e superadas. Algumas técnicas ainda em uso são extensões aceleradoras da capacidade humana de cartografar a presença de uma entidade ambiental. O exemplo imediato, porém não único, é o da digitalização de mapas por cursor, sob comando manual. Quase que inconscientemente, o usuário do Geoprocessamento pode ter sua atenção excessivamente centrada nos procedimentos necessários para a criação da expressão gráfica das entidades. Tal excesso é ainda mais grave quando está a seu cargo, na entrada de dados, a configuração e o registro da informação topológica, indispensável para as análises ambientais. Situações como esta, indutoras da persistência do uso de procedimentos e perspectivas conservadoras, devem ser evitadas, o que vem sendo feito pelo crescente uso de procedimentos de captura por escandimento (“scanning¨) e aumento das facilidades de edição interativa. Certos procedimentos analíticos agem com eficiência na geração da informação, indubitavelmente. É o caso dos que computam os elementos de localização e extensão de eventos e entidades ambientais. Mas a extensão e a localização constituem propriedades axiomáticas destes fenômenos, e como tal devem ser investigadas para que sejam reveladas relações espaciais ou de comportamento conjunto que permitam inferências causais. Tome-se como exemplo o caso de um algoritmo definidor de proximidades (“buffers”). Ele deve permitir a imediata experimentação interativa de diversos níveis de proximidade para qualquer ponto da base de dados, e não se restringir ao cômputo e mapeamento de vizinhanças definidas, em conjunto, quando do início do emprego da técnica. Esta experimentação interativa dará ao usuário a liberdade de analisar as diferenças entre possíveis zonas de influência centradas em diversos pontos, isto é, dará oportunidade para ilações referentes às relações entre lugares, ou seja, sobre possíveis estruturações do espaço geográfico. Aumentando um pouco mais o esforço computacional, com agregação de outros dados, é possível informar ao usuário sobre as probabilidades de ocorrência, nas mesmas localizações, de eventos de interesse (assaltos, por exemplo) e de zonas de proximidades especiais (pequena distância de favelas, por exemplo).

O exemplo acima indica que é para as relações espaciais que a atenção do usuário deve estar voltada, e não para a construção exaustiva, neo-manual, de vários mapas de proximidades ou de qualquer outro tipo de mapeamento visualizável. A atenção da busca deve ser voltada para as propriedades espaciais de entidades retratadas digitalmente na base de dados, e a semiótica tradicional de inspeção visual pode ser usada apenas para facilitar ao cérebro humano o levantamento de hipóteses, ficando a cargo dos procedimentos computacionais suas eventuais validações. A comprovação das hipóteses pode, eventualmente, prescindir de visualizações, caracterizandose, assim, cabalmente, a utilização de uma nova forma de relacionamento entre o usuário e os dados, ou seja, o uso de uma semiótica inovadora baseada no Geoprocessamento.

É intuitivo que o Geoprocessamento representa um conjunto inovador de concepção e tratamento dos dados ambientais. É constatável, de pronto, seu formidável poder de tratar grandes volumes desses dados. É preciso não esquecer, no entanto, que o maior dos desafios atuais é criar novas formas de investigação que explorem simultaneamente estes grandes números - referenciados a vastas áreas e relacionados a variadas terminologias e classificações - e suas disposições territoriais, que são criadas segundo regras de distribuição espacial ainda não inteiramente compreendidas. Criar metodologia que permita esta investigação complexa e seja também interoperativa é um desafio duplo. É possível que o caminho seja a criação de módulos de geração de informação ambiental. Segundo os postulados da interoperatividade, estes módulos devem ser capazes de operar sobre variados tipos de situações ambientais, de maneira independente de equipamentos, programas, plataformas operacionais e formatos de arquivos. Não devem, entretanto, restringir-se ao retrato de relacionamentos particulares, tais como as correlações entre pares de variáveis ou exclusivas caracterizações do comportamento espacial de uma variável. Estas constatações são importantes, porém devem ser colocadas no contexto do sistema ambiental em que ocorram e a modelagem digital não deve restringir-se a elas. Pelo contrário, deve ambicionar reproduzi-las em termos de suas simbioses, dentro da malha de relacionamentos convergentes que explica as ocorrências e situações ambientais. Como o conhecimento intrínseco destes relacionamentos é tarefa de longo prazo, torna-se razoável modelar simplificadamente o sistema ambiental, sob forma digital, buscando informação sobre os próprios relacionamentos pouco conhecidos. Isto significa criar estruturas de análise ambiental que, com maior ou menor profundidade, possam revelar parcelas do comportamento conjunto de variáveis ambientais.

A modelagem ambiental é um processo complexo de indução/dedução. A criação de modelos gerados a partir de dados coligidos seria um exemplo de procedimento de prospecção, enquanto que a inspeção de relacionamentos e o estabelecimento de inferências seria o exemplo clássico da dedução. Cabe, neste caso, a cansativa afirmação de que a seleção prévia das variáveis participantes de uma análise, ou seja, a composição inicial de um modelo digital do ambiente, é produto de uma inevitável conceituação anterior. No entanto, com este arrazoado tentar inquinar o procedimento de modelagem ambiental por geoprocessamento como excessivamente eivado de raciocínio circular é uma ação deletéria que tenta inutilmente disfarçar nossa ignorância sobre os processos ambientais. Tentar desqualificar este tipo de modelagem exploratória sob a égide de uma pureza de raciocínio científico é jogar fora mais uma possibilidade de obtenção de conhecimento. Trata-se, na realidade, de criar estruturas de análise ambiental por geoprocessamento que permitam e propiciem o tratamento dos dados ambientais segundo um nível de definição de relacionamentos adequado. Estas estruturas devem atuar como sondas exploradoras do espaço ambiental desconhecido e sua ação deve ser centrada na busca do entendimento do comportamento dos sistemas modelados. Uma imagem que pode ajudar no entendimento desta perspectiva é a de estudo de situações ambientais. Estas seriam entidades complexas a serem estudadas. A imagem de uma situação traz consigo as noções de tempo e espaço, considerando ainda uma característica fundamental de todo fenômeno, que é a convergência dos fatores responsável por sua ocorrência. O tratamento, por geoprocessamento, de situações ambientais permite considerar esta convergência.

Muitas definições já foram apresentadas neste texto e seu número será aumentado adiante. Como contribuição para que estas críticas sejam objetivas e válidas, são apresentadas algumas últimas considerações. O verbo definir vem do latim definire, derivado de finis (Webster’s Dic., 1976). Significa, etimologicamente, esclarecer o término de algo, fornecer os limites de uma entidade, marcar uma extensão de ocorrência. À luz destas acepções convergentes, é razoável afirmar que criar uma definição significa estabelecer os limites da validade do conteúdo do termo definido.

No processo de criação de uma definição podem intervir duas tendências opostas, que necessitam serem conciliadas: 1) o intento de incluir mais fenômenos (que podem ser entidades ou eventos), visando abranger todos aqueles que mereçam ser incluídos; 2) a intenção de ser o mais conciso possível, não incluindo fenômenos que desobedeçam às prescrições do pretendido conteúdo da definição. Desrespeitar a primeira tendência significa cometer erros de exclusão, deixando fora da definição fenômenos abrangidos pelo seu conteúdo; desrespeitar a segunda tendência significa cometer erros de inclusão, colocando dentro da definição entidades ou eventos que não são abrangidos pelo seu conteúdo. Trata-se, portanto, de conciliar as qualidades de concisão e de abrangência da definição. Uma definição para a qual se encontrem erros de inclusão e/ou de exclusão é criticável exatamente pela constatação destes erros. Assim sendo, didaticamente, pode-se dizer que a crítica de uma definição pode ser feita pela verificação da ocorrência de inclusões e/ou exclusões indevidas.

O processo de crítica de uma definição (e também o controle de sua construção) não precisa restringir-se ao levantamento de erros de inclusão ou exclusão. É necessário considerar também que as definições devem caracterizar intrinsecamente o fenômeno definido. Não é suficiente apresentar suas propriedades, suas relações, seus aspectos evolutivos (história, origem), ou variedades que possa assumir. Estas características podem ser extremamente importantes, mas não são o fenômeno, que precisa ser caracterizado formalmente. Por exemplo, a relação humana com o vírus da AIDS é de importância vital, porém a relação não é o vírus, que é um ser vivo microscópico e mutante, nem é a infecção, que não é privativa dos seres humanos e representa uma invasão de um organismo por outros entes causadores de reações indesejáveis. Portanto, definir AIDS como uma infecção causada por vírus é uma conceituação excessivamente abrangente. Cabe melhorá-la para atingir toda a especificidade do conceito de Síndrome de Imuno- Deficiência Adquirida, que é um caso pouco freqüente de termo praticamente auto-definidor, pois a AIDS se constitui, em essência, em uma conjugação de incapacidades de reação (síndrome) do sistema imunológico, causada por uma infecção virótica.

Das considerações acima não deve ser depreendido que o ato de definir se constitui em uma tarefa fácil. Pelo contrário, trata-se da pedra de toque da investigação científica, aquele ponto de convergência que permite o esclarecimento do significado pretendido e, conseqüentemente, propicia o debate enriquecedor. Conforme insinuado anteriormente, as definições, permitindo o compartilhar de significados, executam a verdadeira comunicação, e o fazem constituindo-se nas unidades básicas de construção da informação veiculada. À luz destas conceituações, talvez polêmicas, foi neste texto criticado o Geoprocessamento, segundo suas contribuições negativas - os desperdícios associados a sua utilização - assim como em termos de suas contribuições positivas - as oportunidades de melhoria que oferece à pesquisa ambiental brasileira.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Aug-Dec 2004
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