Acessibilidade / Reportar erro

Análise da influência da endometriose na qualidade de vida

Resumo

Introdução:

A endometriose é um distúrbio que pode atingir amplamente a qualidade de vida (QV) e interferir no âmbito biológico, psicológico, social, marital e familiar.

Objetivo:

Analisar a influência da endometriose na QV de mulheres portadoras dessa patologia.

Métodos:

O estudo foi realizado no período de março a abril de 2018, com dez voluntárias da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, que apresentavam diagnóstico clínico de endometriose. Aplicou-se o Questionário de Qualidade de vida em Endometriose (EHP-30), versão em português, a fim de avaliar a QV em mulheres com endometriose.

Resultados:

Os resultados sociodemográficos mostra-ram uma predominância de mulheres com idade entre 29 e 55 anos, sendo a maioria casada (6) e com colegial completo (5). Sete das dez voluntárias tiveram gestações. Dentre os âmbitos avaliados pelo EHP-30, o questionário central de QV relacionado à dor pélvica teve 79% dos itens comprometendo as participantes. Nos demais questionários, a vida sexual (82%) foi o índice mais afetado, seguido da vida profissional (70%) e infertilidade (58,82%).

Conclusão:

Nas mulheres avaliadas, os aspectos da QV mais influenciados pela dor pélvica relacionada à endometriose foram a sexualidade e a vida profissional, acarretando prejuízos biopsicossociais.

Palavras-chave:
Endometriose; Dor pélvica; Qualidade de vida

Abstract

Introduction:

Endometriosis is a disorder that can significantly affect quality of life (QOL) and interfere in biological, psychological, social, marital and family aspects.

Objective:

To analyze the influence of endometriosis on the QOL of women diagnosed with the disease.

Methods:

The study was carried out from March to April 2018, with 10 volunteers from the Santa Casa de Misericórdia do Pará Foundation, with a clinical diagnosis of endometriosis. The Portuguese version of the endometriosis health profile questionnaire (EHP-30) was applied in order to assess QOL in women with this pathology.

Results:

The sociodemographic results revealed a predominance of women aged between 29 and 55 years, most of whom were married (6) and high school graduates (5). Seven of the ten volunteers had previous pregnancies. Of the aspects evaluated in the EHP-30, 79% of the items associated with pelvic pain in the core questionnaire were present in the participants. In other questionnaires, sexual life (82%) was the most affected index, followed by professional life (70%) and infertility (58.82%).

Conclusion:

The aspects of QOL most impacted by pelvic pain associated with endometriosis in the women evaluated were sexuality and professional life, leading to biopsychosocial trauma.

Keywords:
Endometriosis; Pelvic pain; Quality of life

Introdução

A endometriose (EDM) é uma patologia inflamatória crônica caracterizada pelo crescimento de um tecido histologicamente semelhante ao endométrio fora da cavidade uterina, que acomete vários órgãos, geralmente no peritônio ou na pelve, como ovários e septo retovaginal. É um dos distúrbios pélvicos mais frequentes e sem etiologia definida.11 Pabalan N, Jarjanazi H, Christofolini DM, Bianco B, Barbosa CP. Association of the protein tyrosine phosphatase non-receptor 22 polymorphism (PTPN22) with endometriosis: a meta-analysis. Einstein (Sao Paulo). 2017;15(1):105-11. DOI
DOI...
A prevalência de EDM ainda é desconhecida, mas sabe-se que de 2 a 10% das mulheres em idade fértil podem ser acometidas e que 50% das mulheres que apresentam dor pélvica crônica (DPC) podem ser diagnosticadas com EDM.22 Donatti L, Ramos DG, Andres MP, Passman LJ, Podgaec S. Patients with endometriosis using positive coping strategies have less depression, stress and pelvic pain. Einstein (Sao Paulo). 2017;15(1):65-70. DOI
DOI...
Considera-se que 10% das mulheres em idade reprodutiva, 30 a 50% das mulheres inférteis e 3 a 5 % das mulheres em pós-menopausa podem apresentar EDM.33 Cardoso JV, Machado DE, Ferrari R, Silva MC, Berardo PT, Perini JA. Polymorphisms in VEGF and KDR genes in the development of endometriosis: a systematic review. Rev Bras Saude Matern Infant. 2016;16(3):219-32. DOI
DOI...

A EDM é uma doença que apresenta sintomas variáveis, diversos e não específicos, na maioria dos casos associados à dismenorreia, dispareunia, DPC, infertilidade e queixas urinárias ou intestinais, o que torna o diagnóstico difícil.44 Reis FM, Monteiro CS, Carneiro MM. Biomarkers of pelvic endometriosis. Rev Bras Ginecol Obstet. 2017;39(3):91-3. DOI
DOI...
Os principais sintomas, contudo, são são dores e infertilidade, e existem mulheres que sofrem dores extremas (DPC).55 Minson FP, Abrão MS, Sardá Jr J, Kraychete DC, Podgaec S, Assis FD. Importância da avaliação da qualidade de vida em pacientes com endometriose. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(1):11-5. DOI
DOI...
Acredita-se que a DPC possa causar prejuízos físicos, psíquicos e sociais, assim como qualquer doença crônica, visto que a rotina já estabelecida dessas mulheres pode se limitar e sofrer alterações.66 Lorençatto C, Vieira MJN, Pinto CLB, Petta CA. Avaliação da frequência de depressão em pacientes com endometriose e dor pélvica. Rev Assoc Med Bras. 2002;48(3):217-21. DOI
DOI...

Existe uma preocupação advinda das ciências humanas e biológicas quanto à qualidade de vida (QV), visto que há necessidade de controlar sintomas, diminuir mortalidade e melhorar a expectativa de vida.77 Pereira EF, Teixeira CS, Santos A. Qualidade de vida: abordagens, conceitos e avaliação. Rev Bras Educ Fis Esporte. 2012;26(2):241-50. DOI
DOI...
Sendo assim, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), QV é “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.88 Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saude Publica. 2004;20(2):580-8. DOI
DOI...
Sabe-se que a EDM é um distúrbio que pode atingir amplamente a QV e interferir no âmbito biológico, psicológico, social, marital e familiar. Desta forma, essa pesquisa busca analisar de que forma a EDM pode influenciar a QV de mulheres portadoras dessa patologia e identificar quais aspectos da vida são mais afetados, visto que são poucas as pesquisas científicas realizadas sobre QV em endometriose, apesar de ser uma patologia com ampla prevalência entre a população.

Métodos

Aspectos éticos

Esse estudo foi realizado consoante aos preceitos da declaração de Helsinque e do código de Nuremberg, respeitando-se as Normas de Pesquisa Envolvendo seres Humanos (CNS 466/12) do Conselho Nacional de Saúde,99 Brasil. Resolução n° 466 de 12 de dezembro de 2012. Brasília: Diário Oficial da União; 13 jun 2013. Full text link
Full text link...
e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Plataforma Brasil da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (parecer n. 2.517.800) e da Gerência do Complexo Ambulatorial (GAMB) através do memorando n° 018/2018 - GPES/DEPE.

Desenho, local e período do estudo

Consiste em um estudo do tipo descritivo e observacional transversal, de caráter quantitativo, o qual foi realizado no ambulatório de mulheres da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, no período de março a abril de 2018.

Amostra

A amostra foi composta por dez voluntárias do ambulatório de mulheres da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: idade entre 18 e 60 anos, diagnóstico médico há um ano ou mais de endometriose, com sintomatologia de dor pélvica. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas da pesquisa gestantes, mulheres que apresentaram outra afecção uroginecológica e/ou algum distúrbio psicológico ou físico que não permitisse a aplicação dos questionários por interferir na análise dos dados.

Procedimentos e instrumento de coleta

Entre os meses de março e abril de 2018, em horário estipulado no período matutino ou vespertino conforme disponibilidade das voluntárias e da instituição eleita, realizou-se entrevista, a fim de avaliar a dor pélvica, e analisou-se a QV através do Questionário de Qualidade de Vida em Endometriose (EHP-30, do inglês Endometriosis Health Profile Questionnaire).1010 Mengarda CV, Passos EP, Picon P, Costa AF, Picon PD. Validação de versão para o português de questionário sobre qualidade de vida para mulher com endometriose (Endometriosis Health Profile Questionnaire - EHP-30). Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(8): 384-92. DOI
DOI...

Desenvolvido por Jones e colaboradores em 2001, na Universidade de Oxford,1111 Jones G, Kennedy S, Barnard A, Wong J, Jenkinson C. Development of an endometriosis quality-of-life instrument: The Endometriosis Health Profile-30. Obstet Gynecol. 2001; 98(2):258-64. DOI
DOI...
e traduzido e validado para o português do Brasil por Mengarda em 2008,1010 Mengarda CV, Passos EP, Picon P, Costa AF, Picon PD. Validação de versão para o português de questionário sobre qualidade de vida para mulher com endometriose (Endometriosis Health Profile Questionnaire - EHP-30). Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(8): 384-92. DOI
DOI...
o EHP-30 foi o primeiro método de avaliação da QV relacionado especificamente à endometriose. Buscan-do verificar e mensurar através do autorelato quais aspectos da QV são influenciados por essa patologia, conta com um questionário central, composto de 30 itens e cinco dimensões (dor, controle e impotência, bem-estar emocional, apoio social e autoimagem), e um questionário modular, com 23 itens divididos em seis escalas: relações sexuais, trabalho, relação médico paciente, infertilidade, relacionamento com os filhos e tratamento. Cada escala corresponde a seções assinaladas pelas letras de A a F, respectivamente, sendo cada escala transformada em um escore de 0 a 100, onde zero corresponde a melhor QV e 100 corresponde à pior. Cada item recebe um valor que vai de zero a quatro pontos: nunca = 0, raramente = 1, às vezes = 2, muitas vezes = 3, sempre = 4. Segundo Marqui,1212 Marqui ABT. Uso de questionários para avaliação da qualidade de vida em en- dometriose. Rev Bras Qual Vida. 2014;6(2):104-14. DOI
DOI...
apenas três estudos aplicaram esse questionário, porém comparado ao SF-36, que é o questionário mais utilizado para avaliar QV em endometriose e o mais utilizado para mensurar QV em geral, o EHP-30 revelou-se mais contundente e adequado, já que é específico para a patologia em questão.1010 Mengarda CV, Passos EP, Picon P, Costa AF, Picon PD. Validação de versão para o português de questionário sobre qualidade de vida para mulher com endometriose (Endometriosis Health Profile Questionnaire - EHP-30). Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(8): 384-92. DOI
DOI...
,1313 Mengarda CV. Tradução e validação para o português do Brasil do Endometriosis Health Profile Questionnaire (EHP-30) [master´s thesis]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2006. 147 p. Full text link
Full text link...

14 Marqui ABT. Evaluation of endometriosis-associated pain and influence of conventional treatment: a systematic review. Rev Assoc Med Bras. 2015;61(6):507-18.DOI
DOI...
-1515 Repositório de Instrumentos de Medição e Avaliação em Saúde (RIMAS). EHP-30 [cited 2021 Mar 17]. Available from: http://rimas.uc.pt/instrumentos/19/
http://rimas.uc.pt/instrumentos/19/...

Além disso, a presente pesquisa se diferencia dos demais estudos por avaliar a QV em mulheres com diagnóstico clínico comprovado de endometriose há um ano ou mais, utilizando ferramenta específica para avaliar a patologia retratada.

Análise estatística

Após realizada a pesquisa, compararam-se os dados dos questionários encontrados nas avaliações e tabu-lados em uma planilha do Excel. Em seguida, para a análise dos dados, utilizou-se o programa IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - pacote estatístico para as ciências sociais), onde a escolha dos testes para análise estatística dependeu dos tipos de distribuições encontrados e da homogeneidade das respectivas variâncias. Para admissão de normalidade, utilizou-se o teste Kolmogorov-Smirnov e para com-paração dos dados, aplicou-se o teste estatístico não paramétrico de Spearman. O nível de rejeição da hipótese de nulidade ficou estabelecido em 0,05 ou 5%.

Resultados

Foram selecionadas dez voluntárias com idade entre 29 e 55 anos, a maioria com relacionamento estável. Como dados demográficos para essa pesquisa foram utilizados dois critérios: grau de escolaridade e estado civil. No critério escolaridade, cinco dessas mulheres possuíam colegial completo. Em relação ao estado civil, seis são casadas. Quanto ao número de gestações por intervalo de idade, tem-se que sete das voluntárias tiveram gestações.

Através dos dados apresentados na Tabela 1, obtidos no questionário EHP-30, pode-se concluir que aproximadamente 39% das mulheres tiveram seus afazeres do dia a dia comprometidos devido às dores da região pélvica, mais de 40% tiveram que abdicar de algumas de suas atividades cotidianas em algum momento e apenas 20% nunca tiveram que deixar de realizar suas tarefas por conta da dor.

Tabela 1
Resultados do Questionário de Qualidade de Vida em Endometriose (EHP-30)

Como resultado da entrevista (Tabela 2), oito participantes relataram nível de dor 10 (pior dor imaginável), uma entrevistada tem o nível de dor 8 e uma dor 6, conforme avaliação por meio da escala analógica visual (EVA). Pode-se concluir que tiveram suas vidas afetadas pela dor e que tiveram algum tipo de desconforto nas suas relações sexuais.

Tabela 2
Avaliação da dor

A análise dos dados da Tabela 3 demonstrou que entre as participantes do estudo, sete tiveram gestações, três vivenciaram aborto e seis possuíam filhos vivos.

Tabela 3
Antecedentes obstétricos

Como complicações nos partos, a maioria sofreu episio-tomia e hemorragia pós-parto. Sobre a preocupação das participantes em relação à infertilidade, conclui-se que a maioria das voluntárias não se importava com essa possibilidade, pois já tinham filhos.

Considerando 𝛼 = 0,05 e 𝑛 = 10, não se tem evidências para rejeitar a hipótese de normalidade dos dados de todas as variáveis; ou seja, pode-se concluir que a dor pélvica interfere diretamente nas relações sexuais das mulheres do estudo e que a dor pélvica deixou algumas das participantes frustradas por não terem prazer nas relações sexuais. Pode-se afirmar que a maioria das voluntárias com endometriose teve sua vida profissional comprometida devido à dor pélvica; pelos dados obtidos no questionário EHP-30, cerca de 70% delas. Apenas 30% das participantes referiram nunca terem apresentado problemas laborais devido à dor pélvica advinda da endometriose, 4% raramente queixaram-se, 12% relataram dificuldades algumas vezes, 6% muitas vezes tiveram sua rotina de trabalho comprometida e 48% indicaram que a dor na região pélvica sempre interferiu na vida profissional.

Em relação aos sintomas urinários (Tabela 4), quatro participantes relataram perder urina ao esforço, seis apresentavam infecção urinária de repetição, duas tinham hematúria, oito queixaram-se de sensação de bexiga cheia pós-micção, a maioria apresentava entre três e seis idas ao banheiro durante o dia, oito mencionaram que iam ao banheiro durante a noite e sete sentiam urgência miccional.

Tabela 4
Sintomas urinários

Em relação à síndrome da congestão pélvica (Tabela 5), nove mulheres eram sexualmente ativas e sete sentiam dor durante o ato sexual, o que as faziam evitá-lo. Sete mulheres relataram piora da dor na região pélvica após atividade física, nove mencionaram melhora da dor pélvica em repouso, sete tinham dispareunia, oito queixavam-se de dor ou latejamento após relação sexual, três possuíam dor pélvica migratória e a dor pélvica cessava espontaneamente em apenas quatro mulheres. Apenas uma participante realizou tratamento fisioterapêutico para controle da dor pélvica relacionada à endometriose; as demais, apenas cirurgias e analgésicos.

Tabela 5
Síndrome da congestão pélvica

Discussão

Quando se trata de patologias crônicas, entende-se que são consideradas doenças prolongadas e que não se solucionam espontaneamente.1616 Brasil. Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis: DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2005 [cited 2021 Jun 11]. Available from: https://tinyurl.com/mte3z9kd
https://tinyurl.com/mte3z9kd...
Essas patologias interferem no dia a dia do sujeito, o que consequentemente causa um decréscimo em suas atividades diárias e vitalidade, tal como nas relações familiares, sociais e laborais.1717 Stanton AL, Revenson TA, Tennen H. Health psychology: psychological adjustment to chronic disease. Annu Rev Psychol. 2007;58:565-92. DOI
DOI...

Como demonstrado na presente pesquisa, todos os âmbitos da vida da mulher são prejudicados pela endometriose, podendo interferir amplamente em sua QV ao impedir a realização de atividades cotidianas e afetando suas relações interpessoais. Mesmo nos casos em que influencia pouco e que o aspecto avaliado não interrompe seu cotidiano, a endometriose sempre deixa déficits físicos, psicológicos e sociais. Alguns estudos, como o de Minson et al.,55 Minson FP, Abrão MS, Sardá Jr J, Kraychete DC, Podgaec S, Assis FD. Importância da avaliação da qualidade de vida em pacientes com endometriose. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(1):11-5. DOI
DOI...
relacionam QV com endometriose a fim de identificar seus principais efeitos na QV das mulheres, porém a avaliam de formas diferentes, sendo que um dos instrumentos mais utilizados hoje em dia é o questionário EHP-30.1010 Mengarda CV, Passos EP, Picon P, Costa AF, Picon PD. Validação de versão para o português de questionário sobre qualidade de vida para mulher com endometriose (Endometriosis Health Profile Questionnaire - EHP-30). Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(8): 384-92. DOI
DOI...

Foram encontradas como repercussões dessa patologia que a maioria das mulheres teve sua vida sexual (± 82%) e profissional (70%) afetada, 58,82% preocupavam-se com a infertilidade e, de modo geral, 79% queixaram-se de algum aspecto contido no questionário central. Evidenciou-se que as mulheres portadoras de endometriose apresentam QV reduzida, o que compromete seu cotidiano e especialmente sua atividade laboral. Cerca de 70% das mulheres relataram alguma dificuldade em exercer com eficácia sua profissão, o que acarreta uma série de consequências emocionais como frustração, indisposição, vergonha, preocupação, além de muitas vezes precisarem ausentar-se ou faltar no emprego devido à dor, podendo vir a ter prejuízos financeiros. Conforme explicitado no estudo de Simoens et al.,1818 Simoens S, Dunselman G, Dirksen C, Hummelshoj L, Bokor A, Brandes I, et al. The burden of endometriosis: costs and quality of life of women with endometriosis and treated in referral centres. Hum Reprod. 2012;27(5):1292-9. DOI
DOI...
portadoras de endometriose perdem entre 23 e 24 horas de trabalho por semana pela redução da capacidade para o trabalho, por absentismo devido à dor e/ou internamento hospitalar ou por falta de capacidades cognitivas e psicológicas para desenvolverem as suas tarefas laborais.1919 Denny E. “I never know from one day to another how I will feel”: pain and uncertainty in women with endometriosis. Qual Health Res. 2009;19(7):985-95. DOI
DOI...
,2020 Lövkvist C, Dodd IB, Sneppen K, Haerter JO. DNA methy-lation in human epigenomes depends on local topology of CpG sites. Nucleic Acids Res. 2016;44(11):5123-32. DOI
DOI...
Esta perda de produtividade tem um impacto financeiro, que pode chegar a uma redução de ganhos semanais de 3,5€ em países em desenvolvimento, como a Nigéria, e 400€ em países desenvolvidos, como a Itália.2121 Nnoaham KE, Hummelshoj L, Webster P, d’Hooghe T, Nardone FC, Nardone CC, et al. Impact of endometriosis on quality of life and work productivity: a multicenter study across ten countries. Fertil Steril. 2011;96(2):366-73.e8. DOI
DOI...

O aspecto de maior relevância na QV da amostra pesquisada foi a função sexual, uma vez que a maioria das mulheres relatou evitar a prática de sexo devido à dor e, consequentemente, sentir culpa e frustração. Além disso, quando ainda assim realizavam o ato sexual, não sentiam prazer. Pode-se inferir que pela maioria apresentar relacionamento estável, a cobrança que elas impuseram em garantir satisfação sexual prória e aos parceiros causava quadros de ansiedade e depressão.

Em 1999, Laumann2222 Laumann EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA. 1999;281(6): 537-44. DOI
DOI...
sugeriu que para analisar a função sexual feminina precisa-se estar ciente de que existem diversos fatores relacionados, tais quais ansiedade, depressão, renda, amamentação, menopausa, doenças crônicas, infertilidade, anticonce-pcionais orais e antidepressivos, abuso sexual, estresse, fatores religiosos, relacionamento conjugal, cirurgia, similaridades de doenças neurológica, endócrina, vascular e uroginecológica. Na endometriose, os fatores que ganham ênfase são: infertilidade, cirurgia, ansiedade e depressão.

Assim como no presente estudo, onde foi possível perceber que algumas mulheres tiveram os relacionamentos conjugais afetados pelos sintomas da endometriose, especialmente a dor pélvica, e que isso influenciou negativamente a QV, na pesquisa de De Graaff et al.2323 De Graaff AA, Dirksen CD, Simoens S, De Bie B, Hummelshoj L, D´Hooghe TM, et al. Quality of life outcomes in women with endometriosis are highly influenced by recruitment strategies. Hum Reprod. 2015;30(6):1331-41. DOI
DOI...
muitas mulheres alegaram não conseguir ter relacionamentos afetivos sólidos ou simplesmente não os tinham, pois após a descoberta da doença seus parceiros terminaram o relacionamento.

A diminuição da satisfação sexual pode justificar que 34% das mulheres que possuem endometriose terem relatado que sua vida sexual foi afetada e 19% alegarem que a razão do seu divórcio a doença.2424 Braundmeier AG, Lenz KM, Fazleabas AT. What does diagnosis of endometriosis mean? The patient´s perspective. JFIV Reprod Med Genet. 2016;4(2):1000176. Full text link
Full text link...
Por esses motivos, 50% a 70% das mulheres afirmam que a endometriose prejudicou bastante seu bem-estar, sua condição física e sua vida conjugal e sexual.2525 Chapron C, Santulli P, Cabri P. The pain and daily consequences of living with endometriosis: a qualitative online survey of women in China, France and Russia. J Endometr Pelvic Pain Disord. 2015;7(3):89-94. DOI
DOI...
Devido ao tratamento lento e pouco eficaz, as participantes afetadas referem um aumento da aversão sexual, ocasionando uma diminuição na frequência de relações sexuais e satisfação sexual comprometida pela dispareunia.2626 Montanari G, Di Donato N, Benfenati A, Giovanardi G, Zannoni L, Vicenzi C, et al. Women with deep infiltrating endometriosis: sexual satisfaction, desire, orgasm, and pelvic problem interference with sex. J Sex Med. 2013;10(6):1559-66. DOI
DOI...
Mediante os resultados encontrados no presente estudo, corrobora-se que a QV em endometriose não é apenas a ausência da dor pélvica, mas engloba amplos e variados aspectos da vida da mulher no contexto biopsicossocial que precisam ser considerados a fim de traçar protocolos de tratamento com enfoque nas principais reclamações da paciente, visando sempre proporcionar bem-estar.

Conclusão

Em relação aos resultados obtidos através da aplicação do questionário EHP-30, constatou-se que as mulheres diagnosticadas com endometriose apresentam qualidade de vida comprometida pela dor pélvica, a qual afeta a vida profissional e principalmente a vida sexual dessas mulheres, tendo por consequência impactos negativos nos âmbitos psicológico, físico e social. Uma vez que o presente estudo contou com a participação de uma pequena amostra, não é possível generalizar os resultados alcançados à realidade de todas as mulheres acometidas pela endometriose.

Diante do exposto, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas com número maior de participantes com endometriose que apresentem a dor pélvica como principal sintoma a fim de melhor elucidar quais são as áreas mais afetadas da vida dessas mulheres e, com isso, estabelecer tratamento condizente com as queixas mais relevantes para promover qualidade de vida e intervenção em saúde de modo holístico.

References

  • 1
    Pabalan N, Jarjanazi H, Christofolini DM, Bianco B, Barbosa CP. Association of the protein tyrosine phosphatase non-receptor 22 polymorphism (PTPN22) with endometriosis: a meta-analysis. Einstein (Sao Paulo). 2017;15(1):105-11. DOI
    » DOI
  • 2
    Donatti L, Ramos DG, Andres MP, Passman LJ, Podgaec S. Patients with endometriosis using positive coping strategies have less depression, stress and pelvic pain. Einstein (Sao Paulo). 2017;15(1):65-70. DOI
    » DOI
  • 3
    Cardoso JV, Machado DE, Ferrari R, Silva MC, Berardo PT, Perini JA. Polymorphisms in VEGF and KDR genes in the development of endometriosis: a systematic review. Rev Bras Saude Matern Infant. 2016;16(3):219-32. DOI
    » DOI
  • 4
    Reis FM, Monteiro CS, Carneiro MM. Biomarkers of pelvic endometriosis. Rev Bras Ginecol Obstet. 2017;39(3):91-3. DOI
    » DOI
  • 5
    Minson FP, Abrão MS, Sardá Jr J, Kraychete DC, Podgaec S, Assis FD. Importância da avaliação da qualidade de vida em pacientes com endometriose. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(1):11-5. DOI
    » DOI
  • 6
    Lorençatto C, Vieira MJN, Pinto CLB, Petta CA. Avaliação da frequência de depressão em pacientes com endometriose e dor pélvica. Rev Assoc Med Bras. 2002;48(3):217-21. DOI
    » DOI
  • 7
    Pereira EF, Teixeira CS, Santos A. Qualidade de vida: abordagens, conceitos e avaliação. Rev Bras Educ Fis Esporte. 2012;26(2):241-50. DOI
    » DOI
  • 8
    Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saude Publica. 2004;20(2):580-8. DOI
    » DOI
  • 9
    Brasil. Resolução n° 466 de 12 de dezembro de 2012. Brasília: Diário Oficial da União; 13 jun 2013. Full text link
    » Full text link
  • 10
    Mengarda CV, Passos EP, Picon P, Costa AF, Picon PD. Validação de versão para o português de questionário sobre qualidade de vida para mulher com endometriose (Endometriosis Health Profile Questionnaire - EHP-30). Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(8): 384-92. DOI
    » DOI
  • 11
    Jones G, Kennedy S, Barnard A, Wong J, Jenkinson C. Development of an endometriosis quality-of-life instrument: The Endometriosis Health Profile-30. Obstet Gynecol. 2001; 98(2):258-64. DOI
    » DOI
  • 12
    Marqui ABT. Uso de questionários para avaliação da qualidade de vida em en- dometriose. Rev Bras Qual Vida. 2014;6(2):104-14. DOI
    » DOI
  • 13
    Mengarda CV. Tradução e validação para o português do Brasil do Endometriosis Health Profile Questionnaire (EHP-30) [master´s thesis]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2006. 147 p. Full text link
    » Full text link
  • 14
    Marqui ABT. Evaluation of endometriosis-associated pain and influence of conventional treatment: a systematic review. Rev Assoc Med Bras. 2015;61(6):507-18.DOI
    » DOI
  • 15
    Repositório de Instrumentos de Medição e Avaliação em Saúde (RIMAS). EHP-30 [cited 2021 Mar 17]. Available from: http://rimas.uc.pt/instrumentos/19/
    » http://rimas.uc.pt/instrumentos/19/
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis: DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2005 [cited 2021 Jun 11]. Available from: https://tinyurl.com/mte3z9kd
    » https://tinyurl.com/mte3z9kd
  • 17
    Stanton AL, Revenson TA, Tennen H. Health psychology: psychological adjustment to chronic disease. Annu Rev Psychol. 2007;58:565-92. DOI
    » DOI
  • 18
    Simoens S, Dunselman G, Dirksen C, Hummelshoj L, Bokor A, Brandes I, et al. The burden of endometriosis: costs and quality of life of women with endometriosis and treated in referral centres. Hum Reprod. 2012;27(5):1292-9. DOI
    » DOI
  • 19
    Denny E. “I never know from one day to another how I will feel”: pain and uncertainty in women with endometriosis. Qual Health Res. 2009;19(7):985-95. DOI
    » DOI
  • 20
    Lövkvist C, Dodd IB, Sneppen K, Haerter JO. DNA methy-lation in human epigenomes depends on local topology of CpG sites. Nucleic Acids Res. 2016;44(11):5123-32. DOI
    » DOI
  • 21
    Nnoaham KE, Hummelshoj L, Webster P, d’Hooghe T, Nardone FC, Nardone CC, et al. Impact of endometriosis on quality of life and work productivity: a multicenter study across ten countries. Fertil Steril. 2011;96(2):366-73.e8. DOI
    » DOI
  • 22
    Laumann EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA. 1999;281(6): 537-44. DOI
    » DOI
  • 23
    De Graaff AA, Dirksen CD, Simoens S, De Bie B, Hummelshoj L, D´Hooghe TM, et al. Quality of life outcomes in women with endometriosis are highly influenced by recruitment strategies. Hum Reprod. 2015;30(6):1331-41. DOI
    » DOI
  • 24
    Braundmeier AG, Lenz KM, Fazleabas AT. What does diagnosis of endometriosis mean? The patient´s perspective. JFIV Reprod Med Genet. 2016;4(2):1000176. Full text link
    » Full text link
  • 25
    Chapron C, Santulli P, Cabri P. The pain and daily consequences of living with endometriosis: a qualitative online survey of women in China, France and Russia. J Endometr Pelvic Pain Disord. 2015;7(3):89-94. DOI
    » DOI
  • 26
    Montanari G, Di Donato N, Benfenati A, Giovanardi G, Zannoni L, Vicenzi C, et al. Women with deep infiltrating endometriosis: sexual satisfaction, desire, orgasm, and pelvic problem interference with sex. J Sex Med. 2013;10(6):1559-66. DOI
    » DOI

Editado por

Editora associada:

Ana Paula Cunha Loureiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2021
  • Revisado
    21 Mar 2022
  • Aceito
    11 Maio 2022
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado-Velho -, Curitiba - PR - CEP 80215-901, Telefone: (41) 3271-1608 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: revista.fisioterapia@pucpr.br