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A conexão entre a intencionalidade e a consciência: um estudo filosófico

The connection between intentionality and consciousness: a philosophical study

La conexión entre la intencionalidad y la conciencia: un estudio filosófico

Resumo

Este artigo aborda a relação entre consciência e intencionalidade, argumentando que essas duas características fundamentais da mente estão intrinsecamente entrelaçadas. A partir da perspectiva da Teoria da Intencionalidade Fenomenal (TIF), exploramos como a intencionalidade afenomenal (não-fenomenal) depende da consciência para sua adequada representação pelos sujeitos, destacando a visão de Dennett sobre uma intencionalidade original e fenomenal. Em seguida, analisamos o argumento transcendental proposto por Searle para o livre arbítrio, que revelou insights valiosos sobre como a racionalidade pode ser experimentada. Ao unir os pressupostos da TIF com a análise do livre arbítrio, sustentamos que a experiência da liberdade de agir está baseada em razões e é mediada pela consciência. Concluímos que a intencionalidade e a consciência não estão separadas como entidades isoladas, mas são interdependentes e complementares. Portanto, compreender essas facetas como elementos integrados é essencial para uma compreensão abrangente da mente. Este estudo contribui para o avanço teórico e conceitual no campo da psicologia da consciência e fornece um arcabouço para pesquisas futuras sobre a interação entre consciência e intencionalidade.

Palavras-chave:
intencionalidade; consciência; intencionalidade fenomenal; separatismo, racionalidade

Abstract

This paper discusses the relationship between consciousness and intentionality, arguing that these two fundamental features of mind are intrinsically interwoven. From the perspective of the Phenomenal Intentionality Theory (PIT), we explore how phenomenal intentionality depends on consciousness for its proper representation by subjects, highlighting Dennett’s view on original phenomenal intentionality. Then, we analyze Searle’s transcendental argument for free will, which has revealed valuable insights into how rationality can be experienced. By combining PIT’s assumptions with the analysis of free will, we argue that the experience of freedom to act is based on reasons and is mediated by consciousness. We conclude that consciousness and intentionality are not separate as isolated entities, but are interdependent and complementary. Therefore, understanding these facets as integrated elements is essential for a comprehensive understanding of mind. This study contributes to the theoretical and conceptual advancement in the field of consciousness psychology and provides a framework for future research on the interaction between consciousness and intentionality.

Keywords:
intentionality; consciousness; phenomenal intentionality; separatism; rationality

Resumen

Este artículo aborda la relación entre conciencia e intencionalidad, argumentando que estas dos características fundamentales de la mente están intrínsecamente entrelazadas. Desde la perspectiva de la Teoría de la Intencionalidad Fenomenal (TIF), exploramos cómo la intencionalidad afenomenal (no fenomenal) depende de la conciencia para su adecuada representación por los sujetos, destacando la visión de Dennett sobre una intencionalidad original y fenomenal. A continuación, analizamos el argumento trascendental propuesto por Searle para el libre albedrío, que ha revelado conocimientos valiosos sobre cómo la racionalidad puede ser experimentada. Al unir los presupuestos de la TIF con el análisis del libre albedrío, sostenemos que la experiencia de la libertad de actuar está basada en razones y está mediada por la conciencia. Concluimos que la intencionalidad y la conciencia no están separadas como entidades aisladas, sino que son interdependientes y complementarias. Por lo tanto, comprender estas facetas como elementos integrados es esencial para una comprensión integral de la mente. Este estudio contribuye al avance teórico y conceptual en el campo de la psicología de la conciencia y proporciona un marco para futuras investigaciones sobre la interacción entre conciencia e intencionalidad.

Palabras clave:
intencionalidad; consciencia; intencionalidad fenomenal; separatismo; racionalidad

1. Introdução

A intencionalidade afenomenal (inconsciente/não-fenomenal) precisa ser representada conscientemente pelos sujeitos. Portanto, argumentamos que as representações a fenomenais são conteúdos mentais intencionais que dependem constitutivamente das características fenomenais da consciência, ou seja, da intencionalidade fenomenal. Isso implica que a consciência não pode ser separada da intencionalidade fenomenal, pois depende dela (HORGAN; TIENSON, 2002HORGAN, Terence; TIENSON, John. The Intentionality of Phenomenology and the Phenomenology of Intentionality. In: CHALMERS, David (Ed.). Philosophy of Mind: Classical and Contemporary Readings. Oxford: Oxford University Press , 2002. p. 520-533.).

A intencionalidade é comumente entendida como a capacidade dos estados mentais de se referirem a algo além de si mesmos. Por exemplo, um pensamento de que “a cerveja do tipo Pilsen é amarela” é sobre a cerveja do tipo Pilsen que é amarela. O mesmo ocorre quando nossa experiência visual atual representa “um copo cheio de cerveja com muita espuma”, pois essa percepção está direcionada para “um copo cheio de cerveja com muita espuma” à nossa frente. Quando um estado mental exibe intencionalidade, podemos considerar que ele instancie uma propriedade intencional, ou seja, uma propriedade que representa algo. Portanto, aquilo que o estado mental representa é propriamente o seu conteúdo, que, nessa perspectiva, é um conteúdo intencional (CRANE, 2009CRANE, Tim. Intentionalism. In: McLAUGHLIN, Brian; BECKERMANN, Ansgar (Ed.). The Oxford Handbook to the Philosophy of Mind. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 474-493.).

A consciência fenomenal, conhecida como “o que é como” dos estados mentais, está intimamente ligada às experiências subjetivas, como percepções, dores, sentimentos emocionais e experiências cognitivas. Esses estados mentais são considerados intencionais, uma vez que se referem a algo além de si mesmos. A intencionalidade fenomenal, por sua vez, é constituída pelos aspectos fenomênicos da consciência (BLOCK, 2007BLOCK, Ned Joel. Consciousness, functionalism and representation. Cambridge: the MIT Press, 2007.; NAGEL, 1974NAGEL, Thomas. What is it like to be a bat? The Philosophical Review, New York, v. 83, n. 4, p. 435-450, 1974.).

A Teoria da Intencionalidade Fenomenal (TIF) argumenta que a intencionalidade é composta pela consciência fenomenal. Isso implica que os estados intencionais fenomenais são instanciados pelos próprios estados fenomênicos do sujeito (MENDELOVICI; BOURGET, 2017bMENDELOVICI, Angela; BOURGET, David. Consciousness and Intentionality. In: KRIEGEL, Uriah (Ed.). The Oxford Handbook of Consciousness. Oxford: In press, 2017a.). Por exemplo, quando representamos visualmente um círculo azul, o estado intencional envolve uma experiência visual desse círculo azul (KRIEGEL, 2013KRIEGEL, Uriah. The Phenomenal Intentionality Research Program. In: ______. (Ed.). Phenomenal Intentionality. Oxford: Oxford University press, 2013. p. 1-26. ). No entanto, também existem estados intencionais afenomenais, meras representações que não estão sendo instanciadas por um organismo. Esses estados intencionais afenomenais são considerados afenomênicos e não possuem qualidade subjetiva, uma vez que não são experimentados por ninguém (MENDELOVICI; BOURGET, 2017aMENDELOVICI, Angela; BOURGET, David. Phenomenal Intentionality . In: ZALTA, Edward, N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017b. Disponível em: Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/spr2017/entries/phenomenal-intentionality . Acesso em: 7 mar. 2017.
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).

Diante disso, se todas as representações mentais conscientes têm um tipo específico de intencionalidade fenomenal, a intencionalidade fenomenal, com suas características qualitativas, não pode estar separada da consciência. Pelo contrário, se a TIF estiver correta, são os estados intencionais fenomenais que fundamentam a existência constitutiva dos estados intencionais afenomenais (KRIEGEL, 2013KRIEGEL, Uriah. The Phenomenal Intentionality Research Program. In: ______. (Ed.). Phenomenal Intentionality. Oxford: Oxford University press, 2013. p. 1-26. ).

No entanto, autores como Horgan e Tienson (2002HORGAN, Terence; TIENSON, John. The Intentionality of Phenomenology and the Phenomenology of Intentionality. In: CHALMERS, David (Ed.). Philosophy of Mind: Classical and Contemporary Readings. Oxford: Oxford University Press , 2002. p. 520-533.) referem-se àqueles que defendem uma autonomia entre intencionalidade e consciência como “separatistas”. Esses separatistas argumentam que não podemos ter uma teoria da consciência em termos de intencionalidade, nem uma teoria da intencionalidade em termos de consciência. No entanto, filósofos como Descartes, Locke, Brentano e Husserl entendiam que consciência e intencionalidade eram inseparáveis em nossa vida mental. No entanto, no contexto da filosofia anglo-americana do final do século XX, a visão separatista tornou-se dominante (HORGAN; TIENSON, GRAHAN, 2007HORGAN, Terence E.; TIENSON, John L.; GRAHAM, George. Consciousness and Intentionality. In: VELMANS, Max; SCHNEIDE, Susan (Ed.). The Blackwell Companion to Consciousness. Malden: Blackwell, 2007.).

Assim, a intencionalidade e a consciência são duas das características mais fundamentais da mente. A intencionalidade é a capacidade de ter estados mentais que se referem a objetos ou eventos no mundo. A consciência é a experiência subjetiva de ser consciente. Por outro lado, o separatismo é a ideia de que a intencionalidade e a consciência são completamente independentes uma da outra, isto é, características que em nada se misturam. Afinal, os separatistas argumentam que a intencionalidade pode existir sem consciência, como no caso de um computador que pode processar informações e gerar saída, mas não tem qualquer experiência subjetiva. A consciência também pode existir sem intencionalidade, como no caso de um sonho que é totalmente subjetivo, mas não tem qualquer referência ao mundo real.

Neste artigo, buscamos refutar o separatismo, argumentando que podemos ter uma teoria da intencionalidade em termos de consciência. Para isso, apresentamos as principais reivindicações da TIF, apoiando-nos na teoria dos sistemas intencionais de Dennett (1989DENNETT, Daniel C. The intentional stance. Cambridge: the MIT Press , 1989.). Afirmamos, como argumentou Kriegel (2013KRIEGEL, Uriah. The Phenomenal Intentionality Research Program. In: ______. (Ed.). Phenomenal Intentionality. Oxford: Oxford University press, 2013. p. 1-26. ), que ao adotarmos uma abordagem intencional pragmática em relação à psicologia popular, estamos, de fato, aceitando a teoria da intencionalidade fenomenal. Isso ocorre porque, como veremos, embora contra-intuitivo, usar a teoria de Dennett (1989) aqui, ainda assim, sem a consciência, não haveria intencionalidade.

Veremos que a teoria dos sistemas intencionais de Dennett (1989DENNETT, Daniel C. The intentional stance. Cambridge: the MIT Press , 1989.) apresenta a intencionalidade como não sendo uma propriedade de estados mentais individuais, mas sim uma propriedade de sistemas de estados mentais. Um sistema intencional é um sistema de estados mentais que está relacionado a objetos ou eventos no mundo. Isto porque Dennett argumenta que existem três tipos de sistemas intencionais: sistemas intencionais redutíveis, sistemas intencionais irredutíveis e sistemas intencionais artificiais. Sistemas intencionais redutíveis são sistemas intencionais que são compostos de outros sistemas intencionais. Sistemas intencionais irredutíveis são sistemas intencionais que não são compostos de outros sistemas intencionais. Sistemas intencionais artificiais são sistemas intencionais que são criados artificialmente, pois Dennett argumenta que a mente humana é um sistema intencional irredutível. Argumenta, portanto, que a mente humana não é composta de outros sistemas intencionais, mas é um sistema intencional único.

Todavia, a teoria da intencionalidade fenomenal argumenta que a intencionalidade é uma propriedade da consciência. Os teóricos da intencionalidade fenomenal argumentam que a intencionalidade depende, ao menos em parte, da consciência.

Forneceremos argumentos em favor da teoria da intencionalidade fenomenal. Um argumento é que a intencionalidade é uma experiência subjetiva. A subjetividade é uma propriedade da consciência, mas não dos estados mentais intencionais. Portanto, a intencionalidade não pode existir sem consciência fenomenal. Outro argumento em favor da teoria da intencionalidade fenomenal é que a intencionalidade é dependente de estados mentais conscientes. Por exemplo, podemos experimentar a intenção de levantar a mão, mas não podemos experimentar a intenção de levantar a mão se não estivermos conscientes. Isso sugere que a intencionalidade é dependente de estados mentais conscientes.

Searle (2007SEARLE, John R. Liberdade e neurobiologia. São Paulo: Unesp, 2007.) apresentou um argumento transcendental em favor do livre arbítrio. O argumento transcendental é um tipo de argumento que tenta mostrar que uma determinada proposição deve ser verdadeira porque se a proposição fosse falsa, então não poderíamos pensar ou falar sobre ela. Assim, como procuraremos mostrar, se o separatismo fosse verdadeiro, então não poderíamos experimentar a aparência de agir livremente com base em razões, o que de fato, experimentamos. Isso ocorre porque a experiência de agir livremente com base em razões é uma experiência subjetiva. Se a intencionalidade e a consciência fossem separadas, então a experiência de agir livremente com base em razões não seria possível, pois seria uma experiência subjetiva que depende de estados mentais conscientes. No entanto, sabemos que podemos experimentar a aparência de agir livremente com base em razões. Portanto, veremos, que nesse sentido, aqui, o separatismo não pode ser verdadeiro.

O artigo apresentará a seguir a intencionalidade e a consciência como não estando radicalmente separadas, mas inter-relacionadas, em partes, no tocante a estados mentais ocorrentes, por exemplo. Isso ocorre porque a intencionalidade só pode existir se os estados mentais que compõem o sistema forem conscientes, e porque a experiência do livre arbítrio só é possível se a intencionalidade e a consciência estiverem relacionadas. Por isso, ao longo do artigo, procuramos deixar claro que a TIF contribui para o campo da filosofia da mente fornecendo uma explicação para a relação entre intencionalidade e consciência. A TIF argumenta que a intencionalidade e a consciência não estão separadas, mas estão inter-relacionadas. Essa explicação tem implicações para nosso entendimento de como a mente funciona.

2. A intencionalidade não fenomenal depende da intencionalidade fenomenal?

A Teoria da Intencionalidade Fenomenal (TIF) argumenta que a intencionalidade mental, a capacidade da mente de se referir a objetos ou estados de coisas no mundo, está intrinsecamente ligada às características da experiência consciente. Em outras palavras, a TIF argumenta que a intencionalidade é fundamentada na consciência fenomenal.

A TIF baseia-se na ideia de que a consciência é uma propriedade fundamental da mente. A consciência não é simplesmente um produto de estados mentais intencionais. Em vez disso, a consciência é uma condição necessária para a intencionalidade.

A TIF argumenta que a intencionalidade é fundada na consciência fenomenal porque a consciência é a única coisa que pode dar significado à intencionalidade. A intencionalidade é a capacidade da mente de se referir a objetos ou estados de coisas no mundo. No entanto, a intencionalidade por si só não nos diz nada sobre o que esses objetos ou estados de coisas são. É a consciência que nos dá esse significado. Por exemplo, quando vemos um objeto vermelho, nossa experiência consciente desse objeto nos diz que é vermelho. A intencionalidade de nossa experiência consciente do objeto nos diz que estamos conscientes de um objeto vermelho. No entanto, é a consciência que nos dá o significado de que o objeto é vermelho.

A TIF argumenta que a intencionalidade é fundada na consciência fenomenal porque a consciência é a única coisa que pode dar significado à intencionalidade. Sem a consciência, a intencionalidade seria simplesmente um conjunto de relações entre estados mentais e objetos ou estados de coisas no mundo. No entanto, com a consciência, a intencionalidade ganha significado. Embora vários autores tenham chamado a atenção para esse ponto, apenas recentemente esse debate tem sido abordado de forma estrita. Flanagan (1992FLANAGAN, Owen. Consciousness Reconsidered. Cambridge: the MIT Press , 1992.), por exemplo, chamou de “essencialismo da consciência” o fato de que o caráter fenomenal da experiência é suficiente e necessário para explicar a intencionalidade. Afinal, como poderíamos saber se estamos representando algo se não formos conscientes?

Além disso, não é necessário adotar uma visão cartesiana, brentaniana ou sartreana de negação do inconsciente para sustentar esse ponto de vista. Searle (1990SEARLE, John R. Consciousness, explanatory inversion and cognitive science. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 13, n. 1, p. 585-642, 1990., 1992SEARLE, John R. The Rediscovery of the Mind. Cambridge: the MIT Press , 1992. ) argumentou que devemos distinguir entre a intencionalidade “intrínseca” e a intencionalidade “derivada”. Embora possamos falar como se artefatos, como termostatos ou computadores, tivessem crenças ou desejos, isso não deve ser entendido literalmente. Nossos atos mentais, como palavras, imagens, diagramas, etc., têm “condições de satisfação” impostas pela nossa interpretação desses objetos ou estados de coisas, mas não possuem intencionalidade intrínseca independente de nossas práticas. Por isso, a intencionalidade intrínseca não é apenas uma figura de linguagem, nem sua posse deriva da postura interpretativa dos outros em relação a nós (SIEWERT, 2017SIEWERT, Charles. Consciousness and Intentionality. In: ZALTA, Edward N. The Stanford Encyclopedia of Philosophy , 2017. Disponível em: Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/spr2017/entries/consciousness-intentionality . Acesso em: 7 mar. 2017.
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).

Seguindo a perspectiva de Searle (1990SEARLE, John R. Consciousness, explanatory inversion and cognitive science. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 13, n. 1, p. 585-642, 1990., 1992SEARLE, John R. The Rediscovery of the Mind. Cambridge: the MIT Press , 1992. ), considerado um dos primeiros defensores da TIF, o caráter fenomenal ou subjetivo dos estados mentais determina a “forma aspectual” desses estados ocorrentes. Essa forma aspectual traz os estados inconscientes para a consciência, enquanto os estados não conscientes, ou seja, a intencionalidade afenomenal, não podem explicar como surge a intencionalidade afenomenal. Portanto, se algumas teorias psicológicas (ciências cognitivas) exigem uma forma de inconsciente tão forte que as representações mentais não possam se tornar potencialmente conscientes, isso é um problema para essas teorias.

Kirk Ludwig (1996LUDWIG, Kirk. On Explaining Why Things Look the Way They Do. In: KATHLEEN, Akins (Ed.). Perception Vancouver Studies in Cognitive Science. Oxford: Oxford University Press , 1996. v. 5, p. 18-60.) também argumentou que não há nada que determine se um estado mental é inconsciente, a menos que esse estado mental consista em uma disposição para ser consciente. Processos mentais que não produzem adequadamente os estados mentais conscientes de alguém não são estados mentais, pois os estados mentais pertencem a um sujeito. Portanto, se os estados mentais não se tornam mentais, eles não pertencem a ninguém. Assim, a consciência parece ser necessária para criar essa unidade mental, trazendo o inconsciente para a consciência, pois, sem isso, não haveria mente. Ludwig argumentou que é equivocado atribuir muitos aspectos do inconsciente como fazem os psicólogos, pois o inconsciente não seria genuinamente mental se não fosse uma disposição para ter determinados estados mentais.

De acordo com essas perspectivas de Flanagan (1992FLANAGAN, Owen. Consciousness Reconsidered. Cambridge: the MIT Press , 1992.), Searle (1992SEARLE, John R. The Rediscovery of the Mind. Cambridge: the MIT Press , 1992. ), Ludwig (1996LUDWIG, Kirk. On Explaining Why Things Look the Way They Do. In: KATHLEEN, Akins (Ed.). Perception Vancouver Studies in Cognitive Science. Oxford: Oxford University Press , 1996. v. 5, p. 18-60.) e outros autores da TIF, argumentamos que não há intencionalidade sem consciência, pois essas características estão unidas. Fica claro que, se realmente houver uma intencionalidade intrínseca, como Searle (1992)SEARLE, John R. The Rediscovery of the Mind. Cambridge: the MIT Press , 1992. defendeu, essa intencionalidade é fenomenal, constituída pelas características subjetivas e qualitativas da experiência consciente. Portanto, a intencionalidade intrínseca afenomenal não pode existir quando consciente, a menos que esteja de alguma forma fundamentada nas características da consciência fenomenal.

Além disso, como explicou Ludwig (1996LUDWIG, Kirk. On Explaining Why Things Look the Way They Do. In: KATHLEEN, Akins (Ed.). Perception Vancouver Studies in Cognitive Science. Oxford: Oxford University Press , 1996. v. 5, p. 18-60.), como poderíamos considerar algo ontologicamente um estado mental se não presumirmos a consciência desse estado? É difícil ver como poderíamos endossar tal ponto de vista. Portanto, a TIF alega que a intencionalidade intrínseca é propriamente a intencionalidade fenomenal (consciente). Na próxima seção, argumentamos que há uma intencionalidade intrínseca e que ela está constitutivamente relacionada à consciência.

3. A intencionalidade fenomenal baseada na ciência cognitiva

Dennett (1989DENNETT, Daniel C. The intentional stance. Cambridge: the MIT Press , 1989.) propõe a Postura Intencional como uma abordagem amplamente aceita nas ciências cognitivas, que não se compromete com a ontologia dos estados mentais intencionais da psicologia popular. Segundo ele, essa postura envolve interpretar o comportamento dos organismos ou artefatos a partir de uma posição adotada em relação à nossa própria interpretação. Ao adotar essa postura, estamos interpretando esses agentes como sistemas intencionais, ou seja, sistemas que se comportam “como se” tivessem racionalidade (DENNETT, 1981DENNETT, Daniel C. True believers: the intentional strategy and why it works. Cambridge: the MIT Press , 1981. Disponível em: Disponível em: https://philarchive.org/archive/DENTB . Acesso em: 12 jun. 2022.
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, p. 72).

Dennett argumenta que a Postura Intencional é útil porque nos permite explicar o comportamento de um grande número de organismos e artefatos, mesmo que não saibamos como esses sistemas funcionam internamente. Por exemplo, podemos interpretar o comportamento de um animal como se ele tivesse um mapa mental do seu ambiente, mesmo que não saibamos como esse mapa é criado ou armazenado. Da mesma forma, podemos interpretar o comportamento de um computador como se ele tivesse crenças e desejos, mesmo que não saibamos como essas crenças e desejos são criadas ou armazenadas.

Dennett também argumenta que a Postura Intencional é precisa porque nos permite prever o comportamento de um grande número de organismos e artefatos com sucesso. Por exemplo, podemos prever que um animal vai se mover em direção a uma fonte de comida, mesmo que não saibamos como o animal percebe essa fonte de comida. Da mesma forma, podemos prever que um computador vai executar um programa, mesmo que não saibamos como o computador entende esse programa. Em conclusão, a Postura Intencional é uma abordagem poderosa para entender o comportamento dos organismos e artefatos. Ela não se compromete com a ontologia dos estados mentais intencionais, mas é útil e precisa.

No entanto, Kriegel (2011KRIEGEL, Uriah. The Sources of Intentionality. Oxford: Oxford University Press , 2011.) questiona como podemos interpretar algo como estando em um estado intencional se a própria interpretação já é um ato intencional em si mesma. A postura intencional de Dennett parece basear sua interpretação útil na intencionalidade de algum outro estado intencional, que por sua vez deriva de uma interpretação de segunda ordem, criando assim uma regressão infinita. Isso leva à necessidade de postular uma classe de estados intencionais privilegiados, a partir dos quais todos os outros estados intencionais se originam (KRIEGEL, 2013KRIEGEL, Uriah. The Phenomenal Intentionality Research Program. In: ______. (Ed.). Phenomenal Intentionality. Oxford: Oxford University press, 2013. p. 1-26. ).

Por outro lado, teóricos da TIF defendem duas afirmações cruciais sobre a intencionalidade. Primeiro, argumentam que há um tipo de conteúdo mental intencional cujo aspecto depende exclusivamente da fenomenologia, ou seja, da experiência consciente do sujeito. Segundo, afirmam a existência de um personagem fenomenal que está intrinsecamente ligado à experiência fenomenal e possui um papel estreito nessa fenomenologia (MENDELOVICI; BOURGET, 2017MENDELOVICI, Angela; BOURGET, David. Consciousness and Intentionality. In: KRIEGEL, Uriah (Ed.). The Oxford Handbook of Consciousness. Oxford: In press, 2017a.b)

Ao combinar essas afirmações, podemos concluir que há um conteúdo intencional cujo aspecto depende apenas da fenomenologia, ou seja, uma intencionalidade que é fundamentalmente fenomenal. Isso ocorre porque, se a consciência é fenomenal, qualquer estado mental consciente também será fenomenal. Esse aspecto fenomenal do conteúdo mental depende apenas de fatores intracranianos estreitos. Os teóricos da TIF chamam esse conteúdo de Intencionalidade Fenomenal (HORGAN; TIENSON, 2002HORGAN, Terence; TIENSON, John. The Intentionality of Phenomenology and the Phenomenology of Intentionality. In: CHALMERS, David (Ed.). Philosophy of Mind: Classical and Contemporary Readings. Oxford: Oxford University Press , 2002. p. 520-533.; HORGAN; TIENSON; GRAHAM, 2004HORGAN, Terence E.; TIENSON, John L.; GRAHAM, George. Phenomenal Intentionality and the Brain in a Vat. In: RICHARD, Schantz (Ed.). The Externalist Challenge. Berlin: Walter De Gruyter 2004. p. 297-318.; 2007HORGAN, Terence E.; TIENSON, John L.; GRAHAM, George. Consciousness and Intentionality. In: VELMANS, Max; SCHNEIDE, Susan (Ed.). The Blackwell Companion to Consciousness. Malden: Blackwell, 2007.).

Portanto, se a TIF estiver correta e existir uma intencionalidade dependente da fenomenologia imposta pela consciência, combinada com a implicação da postura intencional de Dennett, torna-se intuitivamente plausível aceitar que há uma intencionalidade originária, da qual a interpretação da postura intencional deriva. Existe uma instanciação que torna a intencionalidade não-fenomenal em um estado mental “real”. Uma vez que temos acesso apenas aos estados conscientes, tratar os estados inconscientes como se fossem mentais se torna obscuro, pois não estão sendo instanciados em uma mente.

Dessa forma, a intencionalidade não-fenomenal depende da intencionalidade fenomenal, uma vez que esta última participa constitutivamente das características da consciência. Essa união entre intencionalidade inconsciente, não-fenomenal, e as características fenomenais da experiência, a partir da intencionalidade fenomenal, parece dificultar a afirmação de uma separação entre as principais características da mente (intencionalidade e consciência), pois elas parecem estar interligadas. Essa interdependência é evidenciada pela abordagem dennettiana da intencionalidade como uma ferramenta útil para interpretar o comportamento de sistemas que se comportam como se tivessem racionalidade (KRIEGEL, 2013KRIEGEL, Uriah. The Phenomenal Intentionality Research Program. In: ______. (Ed.). Phenomenal Intentionality. Oxford: Oxford University press, 2013. p. 1-26. ).

4. O argumento da experiência do livre arbítrio contra o separatismo

Após apresentarmos a intencionalidade fenomenal como a base de todas as outras formas de intencionalidade na sessão anterior, sustentaremos nosso argumento transcendental sobre o livre arbítrio de Searle (2007SEARLE, John R. Liberdade e neurobiologia. São Paulo: Unesp, 2007.) para mostrar que a razão pode ser experimentada.

Estados mentais intencionais, conhecidos como atitudes proposicionais, refletem um valor de verdade, espelhando uma proposição racional. Por exemplo, acreditar que “a neve é branca” é uma afirmação sobre uma crença que reflete uma proposição racional, “a neve é branca”. Essas proposições não possuem propriedades fenomenais, pois são entendidas como entidades abstratas, distanciando a intencionalidade da consciência (SEARLE, 1983SEARLE, John R. Intentionality: an Essay in the Philosophy of Mind. Cambridge: University Press, 1983.; DENNETT, 1989DENNETT, Daniel C. The intentional stance. Cambridge: the MIT Press , 1989.).

Para demonstrar a união entre intencionalidade e consciência, devemos mostrar que há aspectos subjetivos, qualitativos e fenomenais quando instanciamos um estado mental proposicional, ou seja, quando realizamos uma atividade racional (HORGAN; TIENSON, 2002HORGAN, Terence; TIENSON, John. The Intentionality of Phenomenology and the Phenomenology of Intentionality. In: CHALMERS, David (Ed.). Philosophy of Mind: Classical and Contemporary Readings. Oxford: Oxford University Press , 2002. p. 520-533.). Se houver uma qualidade fenomenal na racionalidade, uma experiência qualitativa sentida em primeira pessoa, então a visão comum de que a racionalidade é uma atitude proposicional, desprovida de intencionalidade fenomenal, estará equivocada. Se essa visão estiver errada, não há separação entre intencionalidade e consciência.

O termo filosófico “livre arbítrio” é usado para descrever uma capacidade particular que supomos que os agentes racionais possuem para escolher entre várias alternativas. Nada melhor do que argumentar contra a separação entre intencionalidade (razão) e consciência (fenomenal) a partir da experiência comum de agirmos livremente com base em razões.

Primeiramente, uma experiência pressupõe um sujeito que a experimente, “sinta-a”, vivencie-a. Em segundo lugar, uma experiência subjetiva implica em uma certa qualidade. Por exemplo, quando sinto fome, tenho uma experiência de insatisfação. Quando percebo as letras que escrevo na tela do meu computador, noto que elas possuem qualidades fenomenais, como serem pretas e estarem sobre um fundo branco que, aliás, está causando certo desconforto visual devido ao tempo que passei em frente à tela (SEARLE, 1992SEARLE, John R. The Rediscovery of the Mind. Cambridge: the MIT Press , 1992. ).

Este termo filosófico “livre arbítrio” parece essencial para a humanidade, pois nos permite tomar nossas próprias decisões sobre como viver nossas vidas. Afinal, há uma longa história de debate filosófico sobre a natureza do livre arbítrio. Alguns filósofos, como David Hume (1711-1778), argumentaram que o livre arbítrio é uma ilusão. Eles argumentam que todas as nossas ações são determinadas por causas anteriores, e que não temos a capacidade de escolher nossas próprias ações. Outros filósofos, como John Stuart Mill (1806-1873), argumentaram que o livre arbítrio é real. Eles argumentam que temos a capacidade de escolher nossas próprias ações, e que essa capacidade é essencial para a nossa moralidade e autodeterminação.

O debate sobre o livre arbítrio é complexo e não há uma resposta fácil. No entanto, há alguns argumentos importantes que podem ser feitos em favor da existência do livre arbítrio. Um desses argumentos é baseado na experiência comum de agirmos livremente com base em razões, de Searle (2007SEARLE, John R. Liberdade e neurobiologia. São Paulo: Unesp, 2007.). Quando tomamos uma decisão, geralmente consideramos várias alternativas antes de escolhermos uma. Por exemplo, se estamos decidindo o que comer para o almoço, podemos considerar várias opções, como um sanduíche, uma salada ou uma pizza. Depois de considerarmos todas as opções, escolhemos uma que achamos que será mais agradável.

Esse processo de tomada de decisão envolve o uso da razão. Temos que ser capazes de pensar sobre as diferentes alternativas e escolher aquela que achamos ser a melhor. Esse processo não é possível se não tivermos a capacidade de escolher livremente entre as diferentes alternativas. Contudo, outro argumento em favor do livre arbítrio é baseado na nossa experiência de consciência. Quando temos uma experiência consciente, somos capazes de senti-la subjetivamente. Por exemplo, quando sentimos fome, temos uma experiência subjetiva de insatisfação. Quando percebemos as letras que escrevemos na tela do nosso computador, notamos que elas possuem qualidades fenomenais, como serem pretas e estarem sobre um fundo branco. Essa experiência subjetiva de consciência é impossível se não tivermos a capacidade de escolher livremente entre as diferentes alternativas. Se nossas ações fossem determinadas por causas anteriores, não teríamos a capacidade de senti-las subjetivamente.

Entretanto, aqui não pretendemos endossar o argumento transcendental do livre arbítrio proposto por Searle (2007SEARLE, John R. Liberdade e neurobiologia. São Paulo: Unesp, 2007.) para lidar com esse problema. Nosso objetivo é usar a suposta solução de Searle para apresentar uma forma de entender como podemos experimentar a aparência de agir livremente, uma experiência baseada em razões. Portanto, se a racionalidade pode ser experimentada quando escolhemos fazer algo com base em razões, isso implica que a intencionalidade não está separada do caráter fenomenal da experiência consciente.

Segundo Searle (2003SEARLE, John R. Rationality in action. Cambridge: the MIT Press , 2003.), a explicação do porquê de nossas ações reflete a experiência do livre arbítrio, e essa experiência é baseada em razões, pois experimentamos um intervalo (GAP) entre nossa intenção de fazer algo e a realização efetiva de nossas ações. Esse intervalo, entre querer, por exemplo, beber uma cerveja e efetivamente tomá-la, nos proporciona a aparência de sermos agentes livres. Assim, se temos uma experiência consciente, portanto, fenomenal em primeira pessoa, de agir com base em razões, isso ocorre porque enunciamos as razões pelas quais agimos por meio de explicações racionais de um “eu” que opera exatamente nesse intervalo (GAP).

É importante observar que a forma lógica das explicações de nossas ações não é determinista, como no caso das explicações físicas do tipo «A causou B». Considere dois exemplos: (físico) «o copo quebrou porque eu o deixei cair no chão». Essa explicação é causalmente suficiente, pois o estado descrito é suficiente para causar o outro estado. No entanto, quando explico que “bebi cerveja porque eu queria matar minha sede”, a explicação é diferente: “um eu racional S (o sujeito da ação) realizou um ato A (bebeu cerveja) e baseou-se em uma razão R (matar sua sede)”.

Diante disso, podemos perceber que, ao fornecer uma explicação para nossas ações, somos obrigados a postular um agente racional além das meras ocorrências envolvidas em nossas explicações sobre o porquê de nossas ações. Há um intervalo entre a intenção e nossa ação consciente, onde esse “eu” racional atua.

Dessa forma, podemos ter uma experiência consciente, em primeira pessoa, que implica em uma qualidade fenomenal nesse agir baseado em razões. Sempre podemos responder à pergunta “por que fizemos algo?” com “porque eu quis”, e nosso querer pode ser explicado com base em razões (SCHOPENHAUER, 1813/1991SCHOPENHAUER, Arthur. De la quadruple racine du principe de raison suffisante (1813). Paris: Librarie Philosofique J. Vrin, 1991.). No entanto, esse “eu” não é logicamente dedutível. Conforme apresentado aqui, de acordo com a perspectiva de Searle, esse “eu” depende de um argumento que é “transcendental”, pois claramente há uma necessidade de um “eu” nos moldes de Kant (1724-1804) para que a racionalidade seja possível. Afinal, sem um “eu”, um agente racional, como a razão poderia ser possível?

Agora, analisando em detalhes porque a experiência do agir, que é baseada em razões, razões essas que dependem constitutivamente de um “eu” consciente para existirem, podemos notar que a intencionalidade não está separada da consciência:

  • a) P: O “eu” consciente compartilha o caráter fenomenal da experiência.

  • b) Q: Não há razão sem um “eu” consciente para fundamentá-la.

  • c) R: As razões dependem constitutivamente do caráter fenomenal da experiência.

  • d) Se R, então não está separada a intencionalidade e a consciência. (R → ~S)

  • e) As razões dependem constitutivamente de um “eu” consciente e fenomenal. (R ^ P)

  • Portanto,

  • f) A intencionalidade não está separada da consciência. (S).

Assim, o argumento expresso em lógica proposicional fica da seguinte forma:

a) P b) Q c) R d) R → ~S e) R ^ P Portanto, f) S.

O argumento apresentado estabelece a conexão entre intencionalidade e consciência, demonstrando que a intencionalidade não está separada do caráter fenomenal da experiência consciente. Com base em premissas fundamentadas, o texto utiliza citações de especialistas como Searle, Dennett, Horgan e Tienson para embasar a argumentação. A formalização do argumento se apoia na existência de aspectos fenomenais na racionalidade, na dependência constitutiva da intencionalidade em relação à consciência e na experiência do livre arbítrio baseada em razões. Essas premissas conduzem à conclusão de que a intencionalidade não está separada da consciência. Assim, o argumento ressalta a interdependência entre intencionalidade e consciência, ampliando a compreensão da experiência humana.

Conclusão

Neste trabalho, examinamos a relação entre consciência e intencionalidade, buscando demonstrar que essas duas características fundamentais da mente estão intrinsecamente entrelaçadas. Inicialmente, exploramos a perspectiva da Teoria da Intencionalidade Fenomenal (TIF), que postula que a intencionalidade nãofenomenal depende da consciência para ser adequadamente representada pelos sujeitos. Sob essa abordagem, destacamos a visão de Dennett, um proeminente pragmatista das ciências cognitivas, que defende a existência de uma intencionalidade original e fenomenal.

Em seguida, apresentamos um argumento transcendental proposto por Searle para o livre arbítrio, que nos auxiliou a compreender a razão como uma experiência consciente. Ao explorar esse argumento, constatamos que a nossa experiência de agir livremente está fundamentada na lacuna existente entre nossas intenções e ações, onde surge um “eu” fenomenal que aparentemente atua de forma livre. Embora não tenhamos adotado integralmente o argumento de Searle para abordar a questão do livre arbítrio, ele nos proporcionou insights valiosos sobre como a racionalidade pode ser experimentada.

Ao unir os pressupostos da TIF com a análise do livre arbítrio proposta por Searle, sustentamos que a experiência da liberdade de agir está baseada em razões. Quando fazemos escolhas, vivenciamos essa lacuna da consciência, conhecida como “GAP”, que nos permite experimentar a sensação de agir de forma livre. Nesse sentido, a consciência desempenha um papel central na experiência do agir livremente.

Assim, reforçamos a nossa convicção de que a intencionalidade e a consciência não estão separadas como entidades distintas e isoladas, mas são interdependentes e inseparáveis. A razão, enquanto fenômeno consciente, parece ser vivenciada pela nossa consciência, que é dotada de um “eu” fenomenal que operacionaliza essas razões. Desse modo, concluímos que a intencionalidade e a consciência são facetas complementares e interconectadas, sendo essencial compreendê-las como elementos integrados e não como entidades dissociadas.

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Editado por

Editora responsável pelo processo de avaliação:

Ana Claudia Lima Monteiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2017
  • Revisado
    04 Abr 2023
  • Revisado
    28 Abr 2023
  • Aceito
    12 Ago 2023
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