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Eric Weil e os limites da democracia em um mundo de tensões

Eric Weil and the limits of democracy in a world of tensions

RESUMO

Este artigo aborda a democracia a partir das contribuições teóricas de Eric Weil, especialmente em seus escritos “Limites da democracia” e “A democracia em um mundo de tensões”. Weil critica definições do termo e busca estabelecer as condições gerais para um sistema político verdadeiramente democrático. O artigo está estruturado em três partes. Primeiramente, discute o panorama atual das percepções das crises democráticas. Em seguida, trata das condições para a participação nos processos democráticos, adotando a concepção weiliana da democracia como um “sistema de livre discussão em evolução”. Por fim, o texto se volta às inconsistências dos discursos que, dentro de um contexto democrático, defendem um Estado autoritário. Esse problema será analisado à luz do “paradoxo da tolerância” de Karl Popper, e com o apoio dos argumentos de Robert Dahl.

Palavras-chave:
Eric Weil; democracia; crise; participação; discussão; autoritarismo

ABSTRACT

This article approaches democracy from the theoretical contributions of Eric Weil, especially in his writings “Limits of Democracy” and “Democracy in a World of Tensions”. Weil criticizes definitions of the term and seeks to establish the general conditions for a truly democratic political system. The article is structured in three parts. First, it discusses the current panorama of perceptions of democratic crises. Next, it deals with the conditions for participation in democratic processes, adopting the Weilian conception of democracy as an “evolving system of free discussion”. Finally, the text turns to the inconsistencies of the discourses that, within a democratic context, defend an authoritarian state. This problem will be analyzed in the light of Karl Popper’s “paradox of tolerance”, and with the support of Robert Dahl’s arguments.

Keywords:
Eric Weil; Democracy; Crisis; Participation; Discussion; Authoritarianism

1 Introdução

Poucos temas têm despertado tanta atenção nos últimos anos quanto a democracia. Essa crescente preocupação não se limita a espaços especializados como ambientes acadêmicos ou fóruns institucionais dedicados ao debate público, mas ocupa um lugar de proeminente até mesmo em ágoras menos formais e menos técnicas como as redes sociais. Em resumo, parece que a discussão sobre essa forma de vida política, que se destaca principalmente como um sistema de livre debate, está presente em todos os lugares.

Evidentemente, não estamos diante de uma situação inteiramente nova, uma vez que a democracia nunca deixou de ser objeto de debate na sociedade ocidental moderna. Não surpreende também que haja uma ampla discussão sobre as próprias condições que possibilitam o debate, especialmente considerando o fato de que essas mesmas condições estão em constante transformação, sempre expostas às vicissitudes e às intempéries da ação humana.

Neste artigo, nós retomaremos a democracia a partir do pensamento de Eric Weil, dando especial atenção aos escritos nos quais o filósofo se ocupa especificamente com o tema, a saber, “Limites da democracia”, de 1950, e “A democracia em um mundo de tensões”, de 19511 1 Embora não constitua de fato um tema recorrente entre os comentadores da obra weiliana, a sua reflexão sobre a democracia tem encontrado maior atenção nos últimos anos, como atestam os trabalhos de Jean-Baptiste Kabisa (2007), Patrice Canivez (2010; 2013), Judikael Castelo Branco (2016; 2018; 2021) e Edoardo Raimondi (2022). . Nesses textos, o autor não só submete à crítica diferentes definições do termo, mas ilustra também aquela que deve ser a tarefa própria do filósofo diante da questão, quer dizer, o esforço para determinar as condições gerais da realização de um sistema político verdadeiramente democrático (Weil, 2021, p. 212WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.).

Retomar os textos de Weil não implica apenas comentá-los décadas depois da sua publicação, mas sim extrair deles instrumentos teóricos relevantes para as discussões atuais em torno da democracia. Nessas discussões, quase todos os participantes, independentemente da perspectiva adotada, parecem concordar em refletir sobre o tema com base nos fenômenos-chave que auxiliam a compreensão das crises democráticas atuais.

Nesta reflexão, a democracia será considerada essencialmente de acordo com a definição de Weil como um “sistema de livre discussão em evolução” (Weil, 2021, p. 219WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.). É a partir dessa noção que abordaremos os problemas que desejamos analisar neste trabalho. In primis, destacamos aspectos essenciais do status quaestionis dos debates atuais. Em segundo lugar, iluminamos as condições para a participação nos processos de tomada decisão coletiva, entendendo-a como elemento central da experiência democrática. Por fim, abordamos um problema atualmente relevante no Brasil: como os defensores da democracia devem responder aos discursos que, supostamente respaldados por mecanismos democráticos, defendem um Estado autoritário. Abordamos essa questão à luz do conhecido “paradoxo da tolerância” de Karl Popper, e as análises de Weil serão acompanhadas pelos argumentos de Robert Dahl, um dos mais eminentes cientistas políticos do século XX e grande pensador da democracia.

2 Status quaestionis: pensar a democracia hoje

Em uma das suas raras notas de rodapé, na Filosofia política, Weil afirma o seguinte:

O termo democracia é de uso tão difícil que quase seria melhor renunciar a ele. Tomado no seu sentido etimológico, ele não corresponde a nenhuma realidade: o povo, oposto às instituições sociais e políticas que lhe dão uma estrutura e a possibilidade de refletir e agir, não existe enquanto unidade e, mais ainda, não decide nada. As decisões, a reflexão, a ação competem às instituições, e é a elas que o termo democracia, na acepção indicada, que não é exclusiva dos filólogos, opõe o povo. É o governo que reflete e age, e pode fazê-lo com o concurso de uma representação do povo, não do povo (mesmo na democracia direta, é uma parte que representa o povo). Se, ao contrário, chama-se democracia a todo governo que goza da adesão dos cidadãos, as diferenças de forma não devem mais ser consideradas, e o governo mais autocrático pode ser mais democrático que um regime constitucional (Weil, 2011WEIL, E. 2011. Filosofia política . Trad. M. Perine. Loyola: São Paulo., p. 211)2 2 Sobre isso, vale considerar a observação de Patrice Canivez (1993, p. 206) acerca da resistência de Weil no que tange a certos termos correntes do pensamento político: “É notável que Weil, em Filosofia política, evite sistematicamente o emprego de termos muito carregados de símbolos ou de valor afetivo (positivo ou negativo). Assim, ele não fala de totalitarismo ou de ditadura, ainda que empregue com frequência este último termo em seus Essais et conférences. Do mesmo modo, o termo democracia comparece poucas vezes na Filosofia política. Tomado em seu sentido etimológico, ele não significa nada se o povo for considerado como massa - porque a massa é incapaz de agir positivamente - e o autor nos remete ao Estado constitucional quando o povo é considerado como uma comunidade organizada. Mas essa observação define a democracia precisamente como Estado constitucional, na medida em que institui uma discussão aberta a todos os cidadãos que, de direito, tomam, dentro dele, parte das decisões política”. Ainda a respeito da escolha do Estado constitucional em Weil, veja-se o texto de Lucien Bescond (1987). .

Fundamentalmente, a observação de Weil repousa sobre o fato de que, em contraste com outros regimes, existe, no que concerne à democracia, um profundo abismo entre os ideais que a animam e as suas realizações históricas. No entanto, isso não impede o autor de enfatizar, em seguida, que ele define a democracia “pela discussão racional e razoável, não por certas instituições legais” (Weil, 2011, p. 267).

Com efeito, nas primeiras linhas de “Limites da democracia”, Weil destaca que todas as demais formas de governo podem ser facilmente descritas a partir de suas características formais, ao contrário da democracia, que permanece como uma realidade opaca, compreendida e indefinida entre um regime político e uma forma de vida social. O termo “democracia” é frequentemente aplicado a diferentes contextos sem muita precisão, como é evidente quando se fala em “monarquia democrática, ditadura democrática, aristocracia democrática” (Weil, 2021, p. 213WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.).

Como já sublinhamos, a definição do termo “democracia” é cercada dificuldades devido ao fato de que uma experiência plenamente realizada dessa forma de governo nunca foi observada em nenhum lugar. Em outras palavras, a democracia está sempre em constante construção, em contínua evolução, sempre in fieri, também por isso permanentemente exposta a crises e a colapsos. Como afirma Newton Bignotto (2022, p. 95BIGNOTTO, N. 2022. Posfácio. In: VILLAS BÔAS, L. A república de chinelos. São Paulo: Editora 34, p. 95-100.), “a democracia está sempre em perigo pois está sempre sujeita à instabilidade do tempo”. Nesse sentido, existem pelo menos dois pontos cruciais a serem considerados: em primeiro lugar, a democracia deve sempre ser vista como um ideal em todos os sentidos que essa palavra carrega, ou seja, como uma ideia e um objetivo a ser alcançado; em segundo lugar, isso implica que a democracia não existe nem se mantém por algum tipo de “graça de estado” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 225), mas por meio de uma série de requisitos, sendo o engajamento de seus defensores e a estabilidade das suas instituições os mais importantes. Podemos ilustrar isso com uma imagem, afirmando que uma democracia é sempre um canteiro de obras, nunca uma construção definitivamente concluída3 3 Imagem que tiramos diretamente da Teoria da religião, de Georges Bataille (2015, p. 17). . Nessa perspectiva, seu caráter inacabado e suas lacunas são mais do que fraquezas ou falhas, na verdade, são condições necessárias para a sua sustentação, pois, caso contrário, cairíamos na tentação de um “estado final”, “definitivo”, no qual a discussão democrática seria impossível ou vazia.

Por todas essas razões, a reflexão sobre a democracia é particularmente complexa e desafia de muitas maneiras aqueles interessados em filosofia política. Em primeiro lugar, o esforço para compreender a democracia não pode se limitar ao exercício conceitual; exige a familiaridade com outras áreas do conhecimento, o que Weil chama, em alguns momentos, de “ciências auxiliares” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 113), como história, estatística, ciências políticas e sociologia4 4 Para uma leitura específica sobre a importância das ciências sociais para o filósofo político, cf. Guibal, 2009, p. 149-203. . Em segundo lugar, é igualmente importante respeitar a perspectiva específica da filosofia política, ou seja, manter o foco na “consideração da vida em comum dos homens segundo as estruturas essenciais dessa vida” (Weil, 2011, p. 17). Em relação ao nosso tema específico, o filósofo se limita a “indicar a natureza da democracia e as condições gerais necessárias para a sua realização” (Weil, 2021, p. 212). Por fim, as próprias condições atuais adicionam nuances que, recentemente, eram estranhas mesmo para especialistas atentos ao assunto. Podemos observar, por exemplo, que em análises mais “clássicas”, como a de Robert Dahl (2012DAHL, R. 2012. A democracia e seus críticos. Trad. P. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes. ), a democracia é confrontada com a guardiania ou com a anarquia, enquanto abordagens mais recentes, especialmente aquelas desenvolvidas a partir de 2016, reconhecem que “a democracia pode entrar em colapso mesmo permanecendo intacta” (Runcinam, 2018, p. 10RUNCIMAN, D. 2018. Como a democracia chega ao fim. Trad. S. Flaksman. São Paulo: Todavia.). Isso fica particularmente claro nos estudos de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. 2018. Como as democracias morrem. Trad. R. Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar .), David Runciman (2018RUNCIMAN, D. 2018. Como a democracia chega ao fim. Trad. S. Flaksman. São Paulo: Todavia.), Yascha Mounk (2019MOUNK, Y. 2019. O povo contra a democracia. Trad. C. Leite, D. Landsberg. São Paulo: Companhia das Letras.) e Adam Przeworski (2020PRZEWORSKI, A. 2020. Crises da democracia. Trad. B. Vargas. Rio de Janeiro: Zahar .), apenas para citar alguns dos mais conhecidos no Brasil.

As pesquisas realizadas por esses e outros proeminentes estudiosos das ciências sociais e políticas assumem a importante tarefa de refletir sobre a democracia, especialmente em sua versão liberal, na transição do século XX, quando ela foi considerada o “fim da história”5 5 Referindo-nos aqui, por exemplo, ao famoso título do livro de Francis Fukuyama (1992). , ao século XXI, no qual a democracia enfrenta desafios relativamente novos. No entanto, ela também está ameaçada por riscos antigos, pois, enquanto no século passado a democracia emergiu vitoriosa sobre seus principais concorrentes, como a derrota do nazifascismo e o esvanecimento do comunismo, atualmente ela enfrenta um retorno de extremismos e fundamentalismos ao primeiro plano da arena política internacional. Essa dinâmica mantém uma relação de retroalimentação com os diferentes processos de “erosão do outro” - tomando aqui em empréstimo os termos de Byung-Chul Han. Para analisar esse cenário, André Singer, Cicero Araujo e Leonardo Belinelli (2021, p. 224-225SINGER, A.; ARAUJO, C.; BELINELLI, L. 2021. Estado e democracia. Rio de Janeiro: Zahar .) sistematizam as abordagens das atuais crises da democracia em três “agrupamentos” distintos, utilizando a dualidade “rápido/lento”:

Colocamos no primeiro grupo, que chamaremos de “fechamento gradual”, autores e obras que sugerem como mais provável a erosão vagarosa, ocasionada por líderes democraticamente eleitos. No segundo grupo, que denominamos “regressão por choque”, estão os que observam sinais de rupturas bruscas e violentas, ocasionadas pela radicalização neoliberal. Identificamos, ainda, um terceiro agrupamento, que nomearemos “interregno indeterminado”, aí se incluem diagnósticos que apontam para a criação de uma espécie de espaço vazio, onde muita coisa pode acontecer, desde reações conservadoras ao capitalismo até saídas progressistas por meio da união da esquerda, trazendo diferentes consequências para a democracia6 6 Nas páginas que antecedem imediatamente a conclusão, em uma espécie de recensão múltipla, Singer, Cicero e Belinelli repassam algumas das principais referências atuais sobre a crise da democracia. A exposição segue precisamente os três tipos de diagnósticos sistematizados. Entre os “gradualistas”, os autores põem os nomes de Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, Adam Przeworski, David Runcinam, Manuel Castells, Pipa Norris e Ronald Inglehart. No segundo grupo, concentrado na perspectiva do “retrocesso por choque”, aparecem Pierre Dardot, Christian Laval, Wendy Brown, William Robinson e Yascha Mounk. O elenco do último agrupamento, do “interregno indeterminado”, conta com Wolfgang Streeck, Nancy Fraser e Boaventura de Sousa Santos (cf. Singer; Cicero; Belinelli, 2021, p. 223-243). .

Evidentemente, as tendências mencionadas levantam um sem-número de questões possíveis à nossa reflexão. Neste artigo, abordamos principalmente dois problemas. Em primeiro lugar, examinamos o problema da participação democrática, isto é, as condições essenciais para o exercício das decisões coletivas. Isso envolve considerar os riscos apontados por Weil, como o excessivo formalismo que permeia as regras do jogo democrático, a crescente especialização da linguagem empregada nas discussões e as pressões sociais e econômicas impostas aos indivíduos modernos. Em segundo lugar, também nos interessa a resposta de Weil ao paradoxo que surge diante da possibilidade da escolha, pela maioria, de um regime autoritário. Em outros termos, buscamos compreender a posição de nosso filósofo em relação ao “paradoxo da tolerância”.

3 Democracia como participação: uma discussão livre, racional, razoável e universal

Para uma primeira abordagem do tema, Weil propõe a definição da democracia como “sistema de governo que resolve os conflitos entre vários grupos (...) por meios não violentos”. Ele acrescenta que nesse sistema, “as decisões políticas são tomadas com a colaboração e sob o controle direto ou indireto de todos os cidadãos, ou pelo menos da maioria deles” (Weil, 2021, p. 185). Em seguida, o filósofo descreve esse controle como sendo exercido por meio da nomeação e da dispensa dos responsáveis pela administração dos assuntos públicos. Portanto, estamos lidando com a democracia representativa, o modelo próprio dos Estados modernos7 7 Sobre a representação política em Weil, veja-se o trabalho de Pedro Dias (2014). .

No entanto, essa definição inicial não demora a expor a sua própria inadequação. Com efeito, Weil elenca três aspectos fundamentais que podemos chamar também de riscos constitutivos dessa primeira definição de democracia.

O primeiro diz respeito ao perigo de um excessivo formalismo nas regras e procedimentos relacionados à nomeação dos responsáveis pelos assuntos públicos, bem como o significado das relações entre “representantes” e “representados”. Resumindo em uma pergunta, até que ponto essas regras podem tornar ilusórios os direitos que deveriam ser protegidos por elas? Até que ponto nossos representantes realmente nos representam? Essas questões se tornaram particularmente urgentes nas últimas décadas, à medida que instâncias tecnocráticas e econômicas passaram a desempenhar um papel cada vez mais determinante nas decisões políticas, resultando em muitos casos na supressão da vontade dos cidadãos afetados por essas mesmas decisões.

Um exemplo desse quadro é o caso da Grécia no início da década passada. As palavras de Habermas (2015HABERMAS, J. 2012. La scandaleuse politique grecque de l’Europe. Disponível em: http://www.lemonde.fr/acces-restreint/idees/article/2015/06/24/6d6b6896666b68c595656763649871_4660360_3232.html . Acesso em: 8 de novembro de 2022.
http://www.lemonde.fr/acces-restreint/id...
), no artigo “A escandalosa política grega da Europa”, resumem bem as circunstâncias:

Os políticos de Bruxelas e Berlim recusam-se a assumir o seu papel de políticos quando se reúnem com os colegas atenienses. Certamente mantêm as aparências, mas, quando falam, fazem-no exclusivamente no seu papel econômico, como credores. Convertem-se, assim, em zumbis: é preciso conferir ao processo tardio da declaração de insolvência de um Estado a aparência de um processo apolítico, suscetível de se tornar objeto de um procedimento de direito privado perante um tribunal. Deste modo, é muito mais fácil negar a sua responsabilidade política.

E conclui: pôr as máscaras de financeiros é o modo de evitar “prestar contas por um fracasso que se traduziu em inúmeras vidas desfeitas, em miséria social e em desespero”8 8 Uma apresentação suficiente da situação política e econômica da Grécia na década passada e uma bela análise dos argumentos de habermasianos são encontradas no artigo de Henrique Ranski (2017). .

A moldura em torno da eleição de Alexis Tsipras e dos caminhos das relações entre a Grécia e os tecnocratas instalados em Bruxelas é bem conhecida e resume o que Mounk (2018, p. 28) sintetiza com termos inequívocos: “a política da zona do euro é o exemplo extremo de um sistema político em que as pessoas sentem ter cada vez menos voz sobre o que de fato acontece”. Exemplo extremo de um sentimento presente em todos os cantos, como demonstram também Daniel Innerarity (2017INNERARITY, D. 2017. A política em tempos de indignação. A frustração popular e os riscos para a democracia. Trad. J. George. Rio de Janeira: Leya. ) e Manuel Castells (2018CASTELLS, D. 2018. Ruptura. Trad. J. d’Avila Melo. Rio de Janeiro: Zahar.).

O segundo risco apontado por Weil tem a ver com o fato de que “os cidadãos podem ser tão ignorantes sobre os negócios públicos que não percebam a importância dos problemas envolvidos nem desejam opinar sobre eles” (Weil, 2021, p. 185). Trata-se, portanto, de um perigo que se situa no âmbito da discussão; para Weil (2021, p. 190WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.), o “método essencial da democracia”. Nesse sentido, a construção weiliana ilumina o abismo que se abre, na democracia representativa, entre o cidadão comum e o político de carreira.

Para compreendermos o quadro no seu conjunto, devemos considerar ainda que o cidadão comum não ignora os termos dos assuntos públicos apenas por preferir dedicar-se aos seus interesses pessoais. Nem todos os cidadãos nessas condições são ίδιῶταιi, quer dizer, desinteressados pela participação dos assuntos públicos. Muitas vezes, isso se dá por uma característica constitutiva da modernidade de nossa sociedade, a saber, a prioridade dada à eficácia. Na prática, isso se traduz na necessidade de se formular em linguagem científica todos os problemas, inclusive os problemas políticos, não sem o risco de reduzi-los a questões técnicas.

Nesse contexto, as decisões políticas se tornam objetos dos especialistas que são os únicos capazes de dominar verdadeiramente a linguagem na qual os problemas são formulados e conhecer as soluções tecnicamente viáveis. Para o cidadão comum, resta apenas reconhecer sua própria ignorância diante de questões de natureza altamente técnica, problemas que efetivamente o deixam desconcertado. Como resultado, mesmo em democracias estáveis, a discussão política, apesar de manter todos os seus aspectos formais, fica restrita a um pequeno número de indivíduos. Em resumo, em uma sociedade como a nossa, moldada pela ciência9 9 Weil abordou diversas vezes o papel da ciência na cultura moderna, aqui, nós remetemos o leitor ao artigo “A ciência e a civilização moderna ou o sentido do insensato” (Weil, 2021, p. 53-85). , “os problemas técnicos se tornaram tão importantes e complexos que a grande maioria dos cidadãos, para não dizer todos, não consegue mais compreender o seu sentido ou o seu alcance” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 189).

No entanto, esse tipo de análise só se completa se observarmos que a sociedade moderna dispõe não somente de uma linguagem para a elaboração dos problemas e de suas soluções, mas também propõe o critério definitivo para as tomadas de decisão: “o progresso material” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 189). Em suma, a democracia pode ser vista “como um sistema de progresso, essencialmente não-violento, definido objetivamente (...) e buscado cientificamente, com o fim de realizar o bem e o contentamento de todos os cidadãos” (Weil, 2021, p. 189-190WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.).

O problema reside no fato de que nem a linguagem científica nem o progresso material, são capazes de abranger completamente o conjunto de questões com as quais lidamos em nossa vida coletiva. Além disso, esses aspectos dificultam, para muitos, senão para a maioria das pessoas, o envolvimento nas discussões que devem anteceder as tomadas de decisão em assuntos públicos. Esse desafio é especialmente relevante em sociedades culturalmente diversificadas, multiétnicas e plurirreligiosas, ou seja, compostas por grupos humanos tão diferentes no âmbito da palavra e do pensamento que dificilmente compartilham, de antemão ou de forma espontânea, hábitos fundamentais de cooperação política e de confiança mútua indispensáveis para a discussão e a participação democrática.

O elenco de Weil indica ainda um terceiro risco, tão prejudicial para a democracia quanto os outros dois. “Pressões sociais, e especialmente pressões econômicas, embora sem nenhuma fundamentação constitucional, podem ser fortes o suficiente para impedir que a maioria dos cidadãos, ou, em todo caso, um grande número deles, expresse abertamente as suas convicções e as próprias preferências” (Weil, 2021, p. 185-186).

Essas pressões desempenham um papel significativo na análise da sociedade moderna, tema abordado na segunda parte da Filosofia política. Nessa seção, o filósofo acompanha a perspectiva weberiana de uma sociedade estruturada em torno do “mundo racional do trabalho” (Weil, 2011WEIL, E. 2011. Filosofia política . Trad. M. Perine. Loyola: São Paulo., p. 139). Em termos gerais, Weil descreve a posição do indivíduo no § 24, que afirma: “na sociedade moderna, o indivíduo se encontra diante de um mecanismo (um sistema de leis) ao qual está submetido e sobre o qual, ao mesmo tempo, se apoia para adquirir um lugar na sociedade” (Weil, 2011, p. 92). Portanto, para compreender as pressões enfrentadas pelo indivíduo, é preciso entender suas condições em relação à concepção de mecanismo social em Weil. Infelizmente, não há espaço aqui para discutir a importância da imagem de mecanismo para a interpretação que Weil faz da modernidade10 10 Para uma visão mais ampla da modernidade em Weil, inclusive destacando a importância da figura do mecanismo, veja-se os trabalhos de Gilbert Kirscher (1992, p. 75-112) e Judikael Castelo Branco (2014). . No entanto, é fundamental destacar que essa noção, quando aplicada à sociedade, reflete a lógica que governa as relações entre diferentes estratos sociais e até mesmo entre os indivíduos e a sociedade como um todo.

Para o que concerne ao nosso tema, as pressões sociais e econômicas mencionadas por Weil podem ser compreendidas a partir de dois níveis distintos de tensão que são constitutivos do mecanismo social moderno. No primeiro nível, torna-se evidente tanto o papel fundamental desempenhado pelo ideal de eficácia na organização social do trabalho, quanto a importância dada à competição entre os indivíduos. De fato, a competição se torna um imperativo, sendo considerada a “única regra de conduta” (Ganty, 1997GANTY, E. 1997. Penser la modernité. Essai sur Heidegger, Habermas et Eric Weil. Namur: Presses Universitaires de Namur., p. 539). O resultado mais patente disso é a tensão presente na lógica da eficácia e na divisão dos recursos sociais entre os que se sentem prejudicados e aqueles que se sentem ameaçados. Essa tensão tem o efeito negativo de gerar desconfiança generalizada, pois o apelo ao sentimento de injustiça e à violência frequentemente leva à deslegitimação do adversário e à descaracterização de sua linguagem, reduzindo-a a uma estratégia. Isso impossibilita a discussão e o diálogo, descartando a razoabilidade e, em casos extremos, até mesmo a racionalidade (cf. Canivez, 2006CANIVEZ, P. 2006. La nozione di giustizia in Eric Weil. In: WEIL, E. Violenza e libertà. Scritti di morale e politica. A cura di Andrea Vestrucci. Milano: Mimesis, p. 135-148.). Nesse sentido, “todo apelo à racionalidade torna-se suspeito, pois os dirigentes dos dois estratos a invocam igualmente [...] como único tribunal competente e chegam, contudo, a vereditos contraditórios” (Weil, 2011, p. 109WEIL, E. 2011. Filosofia política . Trad. M. Perine. Loyola: São Paulo.).

Já no segundo nível de tensão, “o indivíduo é remetido a si mesmo e descobre-se isolado e abandonado” (Weil, 2011WEIL, E. 2011. Filosofia política . Trad. M. Perine. Loyola: São Paulo., p. 109). Diante do mecanismo social e dos seus efeitos, o indivíduo finalmente se percebe, pois, se a sociedade nega a sua individualidade, é na altura dessa negação que ele surge para si mesmo.

A modernidade de nossa sociedade, definida objetivamente como luta progressiva com a natureza exterior, exprime-se no plano da subjetividade como divisão do indivíduo entre o que ele é para si mesmo e o que ele faz e possui, entre o que considera como seu valor e o que deve apresentar como valor aos outros, para a sociedade (Weil, 2011WEIL, E. 2011. Filosofia política . Trad. M. Perine. Loyola: São Paulo., p. 119).

Isso implica que “a sociedade reconhece apenas o resultado mensurável” e que “o indivíduo na sociedade deve sempre medir seu valor específico (social) por este critério”, o que, na linguagem weiliana, indica o tipo de violência próprio dessa sociedade, entendida como “segunda natureza” (Weil, 2011WEIL, E. 2011. Filosofia política . Trad. M. Perine. Loyola: São Paulo., p. 93) tão hostil quanto a natureza exterior ou primeira e capaz de reduzir o indivíduo à mera “força produtiva pressionado pelas circunstâncias” (Weil, 2011, p. 94).

Para Weil, uma consequência incontornável da organização racional do trabalho social e da crescente dependência instrumental que ela instaura entre os indivíduos é a violência sem sentido, expressa na forma de violência cega e irracional. À primeira vista, poderíamos interpretá-la como uma reação à insatisfação material. No entanto, para nosso filósofo, essa violência é sempre mais do que isso. A violência contra a sociedade não está necessariamente ligada ao empobrecimento de uma classe, mas pode estar associada até mesmo ao progresso do bem-estar social. Na verdade, o acesso a esse bem-estar serve sempre como critério para atribuição de valor à vida do indivíduo, mas à medida que esse critério avança sem interrupções ou percalços, o valor do indivíduo diminui sempre que surge um novo bem que ele não pode desfrutar. Além disso, uma vez que o progresso do bem-estar diz respeito a todos os estratos sociais, a reação negativa, a violência cega, não se limita a uma classe específica, mas pode estar presente potencialmente em todas elas. Portanto, é uma forma de reação que confirma a análise de Weil sobre a sociedade moderna como uma estrutura fundamentada em um princípio lógico de negação da liberdade, com o perigo iminente de uma racionalização completa da vida humana11 11 Sobre o risco específico de uma completa racionalização da vida humana, Weil registra num parágrafo especialmente denso da Filosofia política o seguinte: “A perfeita organização racional seria a vitória total do homem sobre a natureza exterior; seria a libertação total do homem com relação à natureza, mas criaria, ao mesmo tempo, um vazio no homem que teria à sua disposição a totalidade do seu tempo. Porém, reduzido a puro ser social, ele não usaria sensatamente esse tempo. A menos que o homem não renuncie a todo sentimento, o que teríamos depois da transformação total da natureza exterior seria o reino do tédio, único sentimento sobrevivente, um tédio que não estaria mais insatisfeito com isto ou aquilo, com tal imperfeição, tal necessidade, tal injustiça social, mas com a própria existência, o que levaria rapidamente à destruição violenta do estado ideal alcançado. Pode-se pensar sem contradição que o homem se liberte de todo sentimento, mesmo do tédio, e a humanidade se transforme num formigueiro. Isto significaria que não haveria mais nem problemas nem filosofia. Dado que esse estado existe entre seres diferentes do homem, ele é concebível e até mesmo observável; mas não é concretamente imaginável como estado humano. Com ele nos encontraríamos numa póshistória sem linguagem sensata e, em última análise, sem linguagem instrumental: avaliar um estado que, por definição, não conheceria nenhum valor é uma atitude contraditória. Em todo caso, para a filosofia — e este é o nosso ponto de partida — esse estado não é desejável: a ausência de pensamento não pode ser um ideal para quem pensa” (Weil, 2011, p. 113). .

Naturalmente, esses sentimentos de injustiça que permeiam a condição do indivíduo nos diferentes níveis de tensão minam as bases de qualquer experiência de confiança mútua necessária para a construção de uma unidade política. Em geral, essas tensões são parte essencial do mecanismo social moderno. No entanto, em sociedades onde as desigualdades socais e políticas são mais profundas, as pressões que impedem os indivíduos de expressarem suas próprias preferências assumem uma dimensão particularmente dramática, muitas vezes resultando em verdadeiras tragédias.

Todavia, é importante lembrar que essas formas modernas de tensão que, de certo modo dão vida e dinamismo ao mecanismo social, não abrangem doas as facetas do problema. Devemos ressaltar o fato de que, em nossas comunidades históricas, também convivemos com outras formas de desigualdade, que são mais tradicionais do que racionais, e que impactam na criação das condições de igualdade política essenciais para o exercício da democracia.

O ponto central é entender que formas extremas de desigualdade resultam invariavelmente na impossibilidade de fazer escolhas pessoais eficazes e livres. Embora “dispositivos administrativos possam compensar a perda de receitas”, não podem fazer muito diante da perda “da escolha pessoal, da liberdade, da dignidade e do amor próprio” (Dahl, 1973DAHL, R. 1973. Après la Révolution. Trad. A. de Mèredieu. Paris: Calman-Lévy., p. 166), sem os quais falar de democracia seria impossível.

Essa lista de riscos é apenas exemplar e está longe de ser exaustiva. Além do excessivo formalismo das regras e dos ritos democráticos, da prevalência da linguagem tecno-científica e das pressões sociais e econômicas, existem inúmeras outras questões igualmente urgentes que podem ser acrescentadas. Optamos por abordar um tema que recentemente voltou ao centro das discussões sobre a democracia: a defesa de alternativas não democráticas ou antidemocráticas, que, paradoxalmente, pretendem amparar-se nas liberdades fundamentais constitutivas da própria democracia.

4 Democracia e o autolimite da liberdade: ou sobre não ter de tolerar o intolerável

Nos últimos anos, temos testemunhado um fenômeno especialmente preocupante no cenário político brasileiro e internacional, não seja exatamente novo: o questionamento explícito do regime democrático, que paradoxalmente reivindica sua própria legitimidade ao ocorrer dentro de um contexto democrático. Em que pese o constrangimento gerado, é lamentável que muitos defensores da democracia evitem enfrentar adequadamente esse problema devido a uma compreensão equivocada do conceito de tolerância.

Na esfera propriamente filosófica, os termos definitivos da questão podem ser considerados no célebre “paradoxo da tolerância”, articulado por Karl Popper, em 1945:

A tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até àqueles que são intolerantes; se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e, com eles, da tolerância. - Nesta formulação, não quero implicar, por exemplo, que devamos sempre suprimir a manifestação de filosofia intolerantes; enquanto pudermos contrapor a elas a argumentação racional e mantê-las controladas pela opinião pública, a supressão seria por certo pouquíssima sábia. Mas deveríamos proclamar o direito de suprimi-las, se necessário mesmo pela força, pois bem pode suceder que não estejam preparadas para se opor a nós no terreno dos argumentos racionais e sim que, ao contrário, comecem por denunciar qualquer argumentação; assim, podem proibir a seus adeptos, por exemplo, que deem ouvidos aos argumentos por serem enganosos, ensinando-os a responder aos argumentos por meio de punhos e pistolas. Deveremos exigir que todo movimento que pregue a intolerância fique à margem da lei e que se considere criminosa qualquer incitação à intolerância e à perseguição, do mesmo modo que um caso da incitação do homicídio, ao sequestro de crianças ou à revivescências do tráfico de escravo (Popper, 1974POPPER, K. 1974. A sociedade aberta e seus inimigos. Trad. M. Amado. Belo Horizonte; São Paulo: Itatiaia; EDUSP., p. 289-290).

Considerando o contexto imediato do esforço de Popper, qual seja, o imediato pós-guerra, a formulação do problema não podia mais ser vista como um mero exercício especulativo. Os regimes totalitários haviam acabado de ensinar a dura lição de que ameaças à democracia podem surgir do seu interior, como um contraponto impossível de descartar (cf. Bignotto, 2022BIGNOTTO, N. 2022. Posfácio. In: VILLAS BÔAS, L. A república de chinelos. São Paulo: Editora 34, p. 95-100., p. 98).

É interessante notar que nas análises mais recentes, a possibilidade do recuo da democracia ao autoritarismo é às vezes descartada com muita rapidez. Sobre isso, Runciman é peremptório:

Não creio que haja chance de estarmos no caminho de volta para os anos 1930. Não estamos vivendo uma segunda onda de fascismo, violência e guerra em escala mundial. Nossas sociedades são diferentes demais (...) e trazemos profundamente arraigado um conhecimento histórico coletivo do que deu errado àquela altura (Runciman, 2018RUNCIMAN, D. 2018. Como a democracia chega ao fim. Trad. S. Flaksman. São Paulo: Todavia., p. 8-9).

No entanto, Runciman e muitos outros cientistas políticos pensam sobretudo a partir da experiência estadunidense, focando nos ataques de Trump e de seus partidários à mais antiga e aparentemente mais estável democracia ocidental. Porém, a edição brasileira do livro de Adam Przeworski traz uma nota de rodapé que destaca a peculiaridade do cenário político brasileiro, ressaltando a questão de um possível retrocesso democrático em direção do autoritarismo. Ao tratar dos elementos inéditos das crises atuais, Przeworski (2020PRZEWORSKI, A. 2020. Crises da democracia. Trad. B. Vargas. Rio de Janeiro: Zahar ., p. 167) sublinha que, hoje, “os militares desapareceram da cena política”, enfatizando inclusive que eles já não são atores políticos nem mesmo na América Latina. É neste ponto preciso que o autor acrescenta a observação de que “a situação atual do Brasil merece atenção a esse respeito”, reconhecendo que a experiência brasileira não compartilha uma importante característica das democracias ocidentais; de fato, uma parcela significativa da população desse país ainda vê os militares como tutores de nossa república.

A visão que privilegia um determinado grupo e lhe confere o poder de decidir em nome de todos ressalta, por exclusão, mais uma característica essencial da democracia que deve ser considerada em sua definição: a democracia é o regime da igualdade política (cf. Dahl, 2007DAHL, R. 2007. Sull’uguaglianza politica. Trad. A. C. Patrono. Bari: Laterza.). Trata-se de uma verdade lapalissada, “mas as verdades evidentes são facilmente esquecidas e negligenciadas” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 104). De fato, os problemas mencionados minam, na sua essência, a possibilidade de estabelecer uma cultura de igualdade. O resultado natural seria a existência de algum tipo de “aristocracia” em oposição às massas desqualificadas, ou seja, de uma elite que possui as melhores condições para controlar os destinos da vida coletiva. E quem não gostaria de ter os melhores governando o Estado?

Retornamos a Platão e à proposta de guardiania? Assim como ele, também preferimos que o melhor piloto conduza nossa viagem e que o médico mais competente cuide de nossa saúde. Ninguém espera que, durante uma cirurgia, o paciente, juntamente com o cirurgião, assistentes sociais, assessores de imprensa e administradores hospitalares, participe das decisões sobre o procedimento a ser realizado. É aparentemente essa lógica que sustenta a ideia do governo dos guardiães, uma constante alternativa à democracia. “Segundo essa concepção, é absurdo imaginar que se possa confiar que as pessoas comuns entendam e defendam seus próprios interesses, quanto mais os interesses da sociedade. As pessoas comuns (...) são claramente desqualificadas para se governar” (Dahl, 2012DAHL, R. 2012. A democracia e seus críticos. Trad. P. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes. , p. 77).

Trata-se de uma visão tão potente que é capaz de agregar, na interpretação de Dahl (2012DAHL, R. 2012. A democracia e seus críticos. Trad. P. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes. , p. 78-82), pensadores tão díspares quanto Platão, Lênin e Skinner. A diferença está entre os que a mantêm como uma fantasia utópica e os que procuraram efetivamente aplicá-la no mundo real.

Até mesmo as monarquias, oligarquias e ditaduras mais cruéis e opressivas tentaram se apresentar como as verdadeiras guardiãs do interesse coletivo. No século XX, o fascismo, o nazismo, o leninismo, o stalinismo, o maoísmo, os regimes militares na Argentina, no Brasil, no Chile, no Uruguai e em muitos outros países, tentaram legitimar seus governos afirmando que os líderes possuíam um conhecimento superior do bem comum e eram genuinamente dedicados ao seu estabelecimento (Dahl, 2012DAHL, R. 2012. A democracia e seus críticos. Trad. P. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes. , p. 96-97).

Nesses casos, o argumento de perfil utilitarista, que aponta para os desastres dessas experiências não deve ser o único, nem o recurso definitivo do democrata. Antes, é fundamental compreender que a democracia repousa sobre um conjunto de direitos inegociáveis entre os quais a liberdade e o autogoverno têm um lugar de destaque.

É a partir dessa perspectiva que devemos confrontar o que deixou de ser uma mera hipótese desde as eleições que levaram Hitler e Mussolini ao poder, tornando-se um Faktum: a possibilidade de se escolher, por meio de processos democráticos, líderes antidemocráticos. Como já dissemos, esse é um tema que nunca esteve inteiramente ausente, mas que nos últimos anos tornou-se particularmente preocupante, acompanhando, por exemplo, os nomes de Donald Trump nos Estados Unidos, Frauke Petry na Alemanha, Marine Le Pen na França e Jair Bolsonaro no Brasil. Eric Weil aborda esse problema de maneira simples: “os procedimentos democráticos mais autênticos (...) podem conduzir à supressão da própria democracia” (Weil, 2021, p. 218WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.). Recordando ainda as palavras Robert Dahl, o tema vem elaborado na forma de pergunta: “será que [as maiorias] poderiam utilizar deliberadamente o processo democrático para substituir a democracia por um regime não democrático?” (Dahl, 2012, p. 271).

Para Dahl, o argumento que sustenta uma tese desse tipo está fundamentado de maneira inadequada. Por um lado, não se sustenta diante da compreensão de que o processo verdadeiramente democrático tem limites morais e institucionais, sem os quais cairia necessariamente em contradição (Dahl, 2012, p. 271). Por outro lado, é crucial entender que em uma cultura política fraca ou hostil à democracia, “é difícil crer que os direitos primários serão preservados por muito mais tempo pelos tribunais ou quaisquer outras instituições” (Dahl, 2012, p. 273).

Por sua vez, a reflexão de Weil aponta para uma direção diferente, procurando retomar a própria definição de democracia em um novo nível argumentativo. Nisso, a democracia se revela fundamentalmente diferente do simples “reino da maioria” que, em mais de uma ocasião, promoveu a perseguição política, social e até mesmo física de grupos étnicos, religiosos e ideológicos minoritários. Com efeito, a história comprova que “uma maioria pode se cristalizar ao redor de um programa de extermínio de todos aqueles que se opõem ou que se opuseram à vitória do pensamento e da paixão majoritários (Weil, 2021, p. 218WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.)12 12 Um trecho de “Limites da democracia” é singularmente iluminante quanto ao espaço e aos direitos das minorias dentro de uma experiência de verdadeira democracia: “Toda medida que exclui da discussão uma parte da nação é não-democrática, ou mesmo antidemocrática. Se nada impede a democracia de excluir temporariamente alguns grupos, mesmo consideráveis - a minoria - do exercício do poder, tudo a proíbe de privá-los da possibilidade de tomar a direção da comunidade, transformando-se em maioria”, de onde conclui: “Chegamos a um fim? Certamente pudemos eliminar a possibilidade inquietante de uma justificativa da não-democracia com o auxílio de métodos democráticos. Se dissemos que a democracia é o reino da maioria concebido para salvaguardar os direitos da minoria, nós a distinguimos suficientemente de todo outro sistema majoritário (porque, no fundo, todo sistema termina por ser majoritário, contanto que suprima toda oposição e consagre todos os seus esforços à ‘educação das futuras gerações’)” (Weil, 2021, p. 218). . Para Weil, a resposta para isso reside na concepção da democracia como “sistema de livre discussão em evolução” (Weil, 2021, p. 219), o que implica necessariamente três corolários.

Em primeiro lugar, na democracia não pode haver verdades definitivas, mas todos os valores são tomados em sua evolução, ou seja, “ninguém pode pretender possuir a verdade, como dogmas dos quais as decisões decorrem por mera dedução. Cada homem, a cada momento, pode ter razão, assim como pode estar errado. Ninguém decide em virtude de um direito divino” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 219).

Em segundo lugar, a discussão democrática sendo essencialmente um exercício livre, a democracia impõe para si mesma um limite que Weil afirma ser um dos mais estritos: “aquele da liberdade que quer se manter como liberdade” (Weil, 2021, p. 220WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.). A ideia de liberdade como um autolimite imposto pela democracia ilustra de maneira categórica o pensamento weiliano a esse respeito. Na verdade, o filósofo se baseia - como denota a escolha do título “Limites da democracia” - na multivalência do vocábulo “limite”. Em todo caso, trata-se sempre de um limite constitutivo da democracia entendida como um sistema de discussão livre, racional, razoável e universal. Logo, a falta de observância desse limite corresponde à impossibilidade de uma experiência verdadeiramente democrática. Como o autor ressalta em várias ocasiões, esse limite não é estático, mas uma ininterrupta construção, como uma marcha que segue os ritmos e os rumos da ação e da compreensão do homem nos domínios da vida coletiva.

Por último, está outro daqueles pressupostos nem sempre formulados, inconscientes e muitas vezes escondidos, a saber, que “a democracia supõe que todos os cidadãos sejam razoáveis” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 221). Numa palavra, ela acredita que eles, deixando-se convencer pela razão, renunciarão à violência.

Mas o que é a razão? A história da filosofia é, em grande medida, o registro das inúmeras e incessantes tentativas de se responder a essa questão. Mas, Weil observa, apesar do esforço de Platão, Tomás, Descartes, Spinoza, Kant e de tantos outros, a humanidade não parece mais razoável ou mesmo menos afeita à violência. Nosso filósofo, então, suspende a pergunta e dirige a atenção para o que se exige de quem quer apresentar as próprias razões: “pede-se que jamais recorra à violência para impor suas concepções nem aja em favor de uma forma de Estado fundada sobre o emprego da violência” (Weil, 2021, p. 221WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.).

Porém, isso não ocorre de forma espontânea e natural, é, antes, fruto de uma escolha livre pela discussão e pela construção de um mundo político no qual essa discussão seja sempre possível. Logo, a democracia, como a filosofia, repousa sobre a liberdade e tem nesta o seu horizonte último de sentido (cf. Castelo Branco, 2018CASTELO BRANCO, J. 2018. Filosofia e democracia em Eric Weil. Pensando, 9(18): p. 104-121.). Trata-se, finalmente, de um livre compromisso em vista da própria liberdade, de um exercício constante que engaja todos os seus defensores em geral e o filósofo em particular, se, como Weil, o considerarmos “educador” e, ademais, concordarmos que sem educação, “falar de democracia (em qualquer acepção que se dê a essa palavra tão controversa) é um escárnio” (Weil, 2021, p. 25WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.).

5 Considerações finais

As primeiras décadas do nosso século impuseram à reflexão política o retorno do termo “crise” associado à “democracia”. Uma vez passado o entusiasmo com o “fim da história”, precocemente entendido e anunciado como a vitória da democracia em sua versão liberal, resta-nos pensar desafios que vão além dos tradicionais modelos alternativos à democracia, isto é, que ultrapassam tanto os totalitarismos quanto os anarquismos que não resistiram ao século XX. Hoje, usando uma metáfora recorrente, atravessamos os riscos de assistirmos ao fim das democracias mantendo, porém, todos os ritos e procedimentos que as caracterizam.

Para considerar parte das questões que se erguem diante desse cenário, retomamos a obra de Eric Weil, em particular dois textos dedicados à temática e publicados ainda no início da década de 1950. Nesses escritos, o autor parte da dificuldade posta à compreensão da democracia pela carência de experiencias históricas que efetivamente realizem o que o termo enuncia. Porém, ao contrário do expediente comum a muitos pensadores interessados no assunto, nosso filósofo não procura simplesmente adjetivar o substantivo em vista de alguma ulterior delimitação13 13 Quanto a esse recurso, lembramo-nos aqui, a título de exemplo, dos conceitos de “democracia radical” de Judith Butler, “democracia anárquica” de Jaques Rancière, “democracia insurgente” de Miguel Abensour, “democracia selvagem” de Claude Lefort, e ainda da “democracia antagonista” de Chantal Mouffe. Um excelente resumo do significado desses adjetivos, em uma leitura centrada na obra de Hannah Arendt, pode ser encontrado no livro de Adriana Cavarero (2019). . Antes, ele se esforça em destacar aquela que, na sua visão, opera como cifra constitutiva da democracia, nomeadamente, a discussão em constante evolução.

É justamente a partir dessa “redescoberta” do valor da discussão que recebem seus contornos definitivos os problemas com os quais nós nos ocupamos neste texto: in primis, os riscos para a livre participação em discussões sobre os assuntos públicos e, em segundo lugar, as contradições inerentes à defesa, dentro de uma democracia, de formas de vida social e política antidemocráticas.

No primeiro caso, Weil salienta as ameaças postas pelo formalismo excessivo das regras, pela super especialização da linguagem e pelas pressões sociais, principalmente econômicas, todas entendidas como condições que, invariavelmente, apartam indivíduos ou grupos da possibilidade de participação em discussões que sejam ao mesmo tempo livres, racionais, razoáveis e universais, sem as quais é impossível falar de verdadeira democracia.

Para o que concerne ao perigo da escolha, em processos democráticos - quer dizer, segundo procedimentos que mantenham, como simulacro, ritos democráticos -, de modalidades de vida política não democrática ou mesmo antidemocrática, como o apelo a regimes autoritários, antecedemos as análises weilianas com os argumentos de Dahl que destacam, entre outras coisas, a substancial relação da democracia com um modo de vida política que valoriza, além do progresso material, a escolha pessoal, a liberdade, a dignidade e o amor próprio.

Weil, por sua vez, aponta para as próprias contradições inerentes à defesa de sistemas autoritários em um contexto democrático. In primis, considerando sempre a discussão como uma “vitrine ideal do sistema democrático” (Bobongaud, 2011BOBONGAUD, S. 2011. La dimension politique du langage. Essai sur Eric Weil. Roma: PUG., p. 159), em uma experiência verdadeiramente democrática, ninguém pode pretender reivindicar possuir a verdade como dogma a partir do qual as decisões possam derivar. Em segundo lugar, o autor lembra a natureza essencialmente livre das discussões, o que implica a liberdade como limite que a democracia se impõe. Vale repetir, é impossível conceber como legítima a vontade de, em um contexto democrático, restringir a livre participação de indivíduos ou grupos nas discussões públicas. Por último, o filósofo destaca o pressuposto subjacente que sustenta toda experiência democrática, ou seja, a suposição de que todo homem está pronto a ser convencido pela razão. Em outras palavras, o postulado de que todo indivíduo que esteja disposto a participar das discussões já tenha já assumido o princípio de que “a discussão é preferível à violência” (Weil, 1993, p. 112WEIL, E. 1993. Essais sur la philosophie, la démocratie et l’éducation. Lille: Presses Universitaires de Lille .).

Para terminar, Weil concebe a democracia como um processo sempre in fieri, “uma marcha rumo à razão, à educação perpétua do homem por si mesmo, para que o homem seja homem plena e verdadeiramente” (Weil, 2021, p. 226WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.). Nunca plenamente realizada, a democracia permanecerá exposta a limites externos e a riscos, mas o autor recorda também que esses mesmos riscos não são definitivos ou insuperáveis, desde que sejam reconhecidos e enfrentados. A defesa da democracia exige, assim, tanto a “coragem da razão”14 14 Le courage de la raison é o título, de kantiana inspiração, do livro que Francis Guibal (2009) dedica à filosofia prática de Weil. quanto o resgate daquilo que Weil denomina “credo da democracia”, quer dizer, a confiança de que “o homem é capaz de criar um mundo humano” (Weil, 2021, p. 226WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT.).

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  • 1
    Embora não constitua de fato um tema recorrente entre os comentadores da obra weiliana, a sua reflexão sobre a democracia tem encontrado maior atenção nos últimos anos, como atestam os trabalhos de Jean-Baptiste Kabisa (2007KABISA, J.-B. 2007. Singularité des traditions et universalisme de la démocratie. Étude critique inspirée d’Éric Weil. Paris: L’Harmattan.), Patrice Canivez (2010CANIVEZ, P. 2010. Democracy and compromisse. In: GABBAY, D.; RAHMEN, S.; THIERCELIN, A. 2011. Approches to legal rationality. London: Springer, p. 97-118.; 2013CASTELO BRANCO, J. 2016. Democracia e linguagem. In: PERINE, M.; COSTESKI, E. (ed.), Violência, educação e globalização. Compreender o nosso tempo com Eric Weil. São Paulo: Loyola, p. 171-190. ), Judikael Castelo Branco (2016CASTELO BRANCO, J. 2016. Democracia e linguagem. In: PERINE, M.; COSTESKI, E. (ed.), Violência, educação e globalização. Compreender o nosso tempo com Eric Weil. São Paulo: Loyola, p. 171-190. ; 2018CASTELO BRANCO, J. 2018. Filosofia e democracia em Eric Weil. Pensando, 9(18): p. 104-121.; 2021CASTELO BRANCO, J. 2021. Modernidade e democracia. Eric Weil e a retomada do diálogo na política. Perspectivas, 6(1): p. 115-135.) e Edoardo Raimondi (2022RAIMONDI, E. 2022. Marxismo e democrazia moderna: una riflessione weiliana. Materislismo Storico, 13(2): p. 357-374.).
  • 2
    Sobre isso, vale considerar a observação de Patrice Canivez (1993CANIVEZ, P. 1993. Le politique et sa logique dans l’oevre d’Eric Weil. Paris: Kimè., p. 206) acerca da resistência de Weil no que tange a certos termos correntes do pensamento político: “É notável que Weil, em Filosofia política, evite sistematicamente o emprego de termos muito carregados de símbolos ou de valor afetivo (positivo ou negativo). Assim, ele não fala de totalitarismo ou de ditadura, ainda que empregue com frequência este último termo em seus Essais et conférences. Do mesmo modo, o termo democracia comparece poucas vezes na Filosofia política. Tomado em seu sentido etimológico, ele não significa nada se o povo for considerado como massa - porque a massa é incapaz de agir positivamente - e o autor nos remete ao Estado constitucional quando o povo é considerado como uma comunidade organizada. Mas essa observação define a democracia precisamente como Estado constitucional, na medida em que institui uma discussão aberta a todos os cidadãos que, de direito, tomam, dentro dele, parte das decisões política”. Ainda a respeito da escolha do Estado constitucional em Weil, veja-se o texto de Lucien Bescond (1987BESCOND, L. 1982. Eric Weil et le choix de l’Etat constitutionnel. In: KIRSCHER, G.; QUILLIEN, J. 1982. Sept études sur Eric Weil. Lille: Presses Universitaires de Lille, p. 57-74.).
  • 3
    Imagem que tiramos diretamente da Teoria da religião, de Georges Bataille (2015BATAILLE, G. 2015. Teoria da religião. Seguida de Esquema de uma história das religiões. Trad. F. Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica. , p. 17).
  • 4
    Para uma leitura específica sobre a importância das ciências sociais para o filósofo político, cf. Guibal, 2009GUIBAL, F. 2009. Le courage de la raison. La philosophie pratique d’Eric Weil. Paris: Le Félin., p. 149-203.
  • 5
    Referindo-nos aqui, por exemplo, ao famoso título do livro de Francis Fukuyama (1992FUKUYAMA, F. 1992. O fim da História e o último homem. Trad. A. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco.).
  • 6
    Nas páginas que antecedem imediatamente a conclusão, em uma espécie de recensão múltipla, Singer, Cicero e Belinelli repassam algumas das principais referências atuais sobre a crise da democracia. A exposição segue precisamente os três tipos de diagnósticos sistematizados. Entre os “gradualistas”, os autores põem os nomes de Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, Adam Przeworski, David Runcinam, Manuel Castells, Pipa Norris e Ronald Inglehart. No segundo grupo, concentrado na perspectiva do “retrocesso por choque”, aparecem Pierre Dardot, Christian Laval, Wendy Brown, William Robinson e Yascha Mounk. O elenco do último agrupamento, do “interregno indeterminado”, conta com Wolfgang Streeck, Nancy Fraser e Boaventura de Sousa Santos (cf. Singer; Cicero; Belinelli, 2021SINGER, A.; ARAUJO, C.; BELINELLI, L. 2021. Estado e democracia. Rio de Janeiro: Zahar ., p. 223-243).
  • 7
    Sobre a representação política em Weil, veja-se o trabalho de Pedro Dias (2014DIAS, P. 2014. Considerações sobre representação política na filosofia de Eric Weil. Cultura, 33: p. 253-269. ).
  • 8
    Uma apresentação suficiente da situação política e econômica da Grécia na década passada e uma bela análise dos argumentos de habermasianos são encontradas no artigo de Henrique Ranski (2017RASKIN, H. 2017. “A escandalosa política grega da Europa” no debate entre individualistas e comunitaristas. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, 5(1): p. 179-200.).
  • 9
    Weil abordou diversas vezes o papel da ciência na cultura moderna, aqui, nós remetemos o leitor ao artigo “A ciência e a civilização moderna ou o sentido do insensato” (Weil, 2021, p. 53-85).
  • 10
    Para uma visão mais ampla da modernidade em Weil, inclusive destacando a importância da figura do mecanismo, veja-se os trabalhos de Gilbert Kirscher (1992KIRSCHER, G. 1992. Figures de la violence et modernité. Essais sur la philosophie d’Eric Weil. Lille: Presses Universitaires de Lille ., p. 75-112) e Judikael Castelo Branco (2014CASTELO BRANCO, J. 2014. A condição do homem moderno no pensamento de Eric Weil. Argumentos, 6(11): p. 190-211.).
  • 11
    Sobre o risco específico de uma completa racionalização da vida humana, Weil registra num parágrafo especialmente denso da Filosofia política o seguinte: “A perfeita organização racional seria a vitória total do homem sobre a natureza exterior; seria a libertação total do homem com relação à natureza, mas criaria, ao mesmo tempo, um vazio no homem que teria à sua disposição a totalidade do seu tempo. Porém, reduzido a puro ser social, ele não usaria sensatamente esse tempo. A menos que o homem não renuncie a todo sentimento, o que teríamos depois da transformação total da natureza exterior seria o reino do tédio, único sentimento sobrevivente, um tédio que não estaria mais insatisfeito com isto ou aquilo, com tal imperfeição, tal necessidade, tal injustiça social, mas com a própria existência, o que levaria rapidamente à destruição violenta do estado ideal alcançado. Pode-se pensar sem contradição que o homem se liberte de todo sentimento, mesmo do tédio, e a humanidade se transforme num formigueiro. Isto significaria que não haveria mais nem problemas nem filosofia. Dado que esse estado existe entre seres diferentes do homem, ele é concebível e até mesmo observável; mas não é concretamente imaginável como estado humano. Com ele nos encontraríamos numa póshistória sem linguagem sensata e, em última análise, sem linguagem instrumental: avaliar um estado que, por definição, não conheceria nenhum valor é uma atitude contraditória. Em todo caso, para a filosofia — e este é o nosso ponto de partida — esse estado não é desejável: a ausência de pensamento não pode ser um ideal para quem pensa” (Weil, 2011, p. 113).
  • 12
    Um trecho de “Limites da democracia” é singularmente iluminante quanto ao espaço e aos direitos das minorias dentro de uma experiência de verdadeira democracia: “Toda medida que exclui da discussão uma parte da nação é não-democrática, ou mesmo antidemocrática. Se nada impede a democracia de excluir temporariamente alguns grupos, mesmo consideráveis - a minoria - do exercício do poder, tudo a proíbe de privá-los da possibilidade de tomar a direção da comunidade, transformando-se em maioria”, de onde conclui: “Chegamos a um fim? Certamente pudemos eliminar a possibilidade inquietante de uma justificativa da não-democracia com o auxílio de métodos democráticos. Se dissemos que a democracia é o reino da maioria concebido para salvaguardar os direitos da minoria, nós a distinguimos suficientemente de todo outro sistema majoritário (porque, no fundo, todo sistema termina por ser majoritário, contanto que suprima toda oposição e consagre todos os seus esforços à ‘educação das futuras gerações’)” (Weil, 2021WEIL, E. 2021. Escritos sobre educação e democracia. Trad. J. Castelo Branco. Palmas: EDUFT., p. 218).
  • 13
    Quanto a esse recurso, lembramo-nos aqui, a título de exemplo, dos conceitos de “democracia radical” de Judith Butler, “democracia anárquica” de Jaques Rancière, “democracia insurgente” de Miguel Abensour, “democracia selvagem” de Claude Lefort, e ainda da “democracia antagonista” de Chantal Mouffe. Um excelente resumo do significado desses adjetivos, em uma leitura centrada na obra de Hannah Arendt, pode ser encontrado no livro de Adriana Cavarero (2019).
  • 14
    Le courage de la raison é o título, de kantiana inspiração, do livro que Francis Guibal (2009GUIBAL, F. 2009. Le courage de la raison. La philosophie pratique d’Eric Weil. Paris: Le Félin.) dedica à filosofia prática de Weil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2023
  • Aceito
    19 Fev 2024
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