Acessibilidade / Reportar erro

A falência e Ronaldo Duarte: agenciamentos a partir do cinema de um diretor perseguido1 1 Uma prévia desta pesquisa foi apresentada no GT Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual no 32 Encontro da Compós – Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação.

A falência and Ronaldo Duarte: agency based on a film and a persecuted director during the military dictatorship in Brazil

Resumo

O artigo parte do curta-metragem A falência, de Ronaldo Duarte, ganhador da edição de 1967 do Festival Brasileiro de Cinema Amador do Jornal do Brasil, e da noção de agenciamento, buscando compreender os processos de produção e circulação do filme. Seguindo os caminhos das imagens, investigamos os motivos da censura do curta-metragem e a trajetória do cineasta, preso e torturado durante a ditadura militar. O percurso metodológico alia análise fílmica e o uso de fontes documentais diversas, mostrando os desafios enfrentados por jovens cineastas começando a sua trajetória profissional em meio ao período de censura e perseguição pelos agentes do Estado no país.

Palavras-chave
A falência ; cinema amador; ditadura militar; censura

Abstract

From the short film A falência, by Ronaldo Duarte, winner of the 1967 edition of the Amateur Film Festival organized by Jornal do Brasil, and, based on the notion of agency, this article investigates the film’s production and circulation processes. Following the paths of the images, we investigate the reasons for the film’s censorship and the trajectory of the filmmaker, who was imprisoned and tortured during the military dictatorship. The methodological approach combines film analysis and the use of various documentary sources, showing the challenges faced by young filmmakers starting out on their professional careers amid a period of censorship and persecution by the country’s state agents.

Keywords
A falência ; amateur cinema; military dictatorship; censorship

A falência (1967), de Ronaldo Duarte, foi um filme diretamente afetado pela censura e pela perseguição da ditadura militar brasileira. O curta-metragem de 16 minutos foi filmado em 16mm nas imediações e dependências da Fábrica de Tecidos Confiança, no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro2 2 A fábrica foi a inspiração para a canção “Três apitos”, de Noel Rosa. . Fundada ainda no século XIX, a Confiança fecha as portas em meio à crise econômica dos anos 1960, que levou ao desaparecimento de centenas de empresas brasileiras e ao desemprego de cerca de 200 mil operários em todo o país. Ronaldo Duarte, engenheiro e cineasta, produziu e dirigiu o curta-metragem que, apesar de contemplado com os prêmios de melhor documentário e melhor trilha sonora na 3ª edição do Festival Brasileiro de Cinema Amador (FBCA) do Jornal do Brasil (JB) em 1967, teve a circulação proibida pelos censores e ainda hoje é pouco conhecido no país.

Tivemos acesso ao filme em 2020. Pedro Duarte, filho de Ronaldo Duarte, nos cedeu uma cópia digitalizada que mantinha guardada em casa com outras lembranças do pai3 3 A descoberta do filme se deu quando Pedro Duarte, durante um curso sobre audiovisual, compartilhou a informação de que tinha uma cópia de A falência. . A localização de A falência foi o ponto de partida para o encontro entre duas pesquisas em andamento. Uma delas expressa o interesse pelas relações entre o cinema e a ditadura militar por meio da busca e análise de filmes produzidos no período que foram perdidos, esquecidos ou que sobreviveram por conta de rotas clandestinas de imagens criadas por cineastas, críticos e preservadores (Blank e Machado, 2020BLANK, Thais; MACHADO, Patrícia. “Musas insubmissas: Estudo de “Inês” (1974), um filme de coletivo sobre uma presa política brasileira”. Revista Eco-Pós, 23(3), 34–54, 2020.; Blank e Machado, 2020BLANK, Thais; MACHADO, Patrícia. Em busca de um método: entre a estética e a história de imagens domésticas do período da ditadura militar brasileira. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 43, n. 2, 2020.). A outra traz um estudo sobre as diversas manifestações do cinema amador no decorrer da história do cinema brasileiro. Mostramos em artigos anteriores (Foster, 2021FOSTER, Lila. Matizes da cultura jovem: imagens e imaginários em torno do Festival de Cinema Amador JB/Mesbla. Estudos Históricos, v. 34, p. 30-53, 2021.; Foster, 2023FOSTER, Lila. O primeiro ano do Festival de Cinema Amador JB/Mesbla (1965). Revista Famecos, v. 29, p. e41527, 2022. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/41527. Acesso em: 6 mar. 2023.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
) como se estruturou o Festival Brasileiro de Cinema Amador, cuja primeira edição aconteceu em 1965 no Rio de Janeiro. Em seus seis anos de existência, o festival foi importante para a trajetória de diversos jovens cineastas que viriam a atuar profissionalmente.

Muitos filmes também traziam na sua temática e estética uma relação de crítica e enfrentamento aos primeiros anos da ditadura. Mesmo que o FBCA tenha sido marcado desde o início pelo contexto político e social pós instauração da ditadura militar, e que tenha projetado filmes eminentemente críticos ao estado das coisas no país, o primeiro curta a ser efetivamente censurado no festival foi A falência. Nosso objetivo neste artigo é recuperar a história do filme a fim de compreender os motivos que levaram à interferência da censura na circulação da obra e nos festivais em que foi inscrita. Nesse contexto, interessa investigar a trajetória do cineasta Ronaldo Duarte, que enfrentou dificuldades no desenvolvimento das suas atividades cinematográficas depois de ter sido preso e torturado um ano após a censura de A falência, como mostraremos adiante.

Figura 1
Ronaldo Duarte é vencedor do Festival Brasileiro de Cinema Amador. Jornal do Brasil, 11 de novembro de 1967.

Como traço de união entre esses dois modos de atuação das pesquisas mencionadas estão a busca por filmes e documentos desaparecidos, a pesquisa centrada em arquivos públicos e pessoais, além da atenção aos acasos e a abertura ao que há de imprevisível nessa procura. Reportagens publicadas na imprensa da época, relatórios da polícia política, críticas cinematográficas, entrevistas, cartas testemunhais e filmes guardados no ambiente doméstico compõem o escopo do material a ser analisado. Esta abordagem levanta questões que vão além do prisma da análise fílmica e propõe uma abertura de novas searas dentro das pesquisas sobre o cinema no Brasil.

Nossa proposta consiste em mapear redes de relações criadas a partir desse filme produzido na ditadura e investigar o contexto de produção e a recepção desejada, buscando compreender quais foram as intenções e como se deu a atuação do cineasta. Essa abordagem oferece uma visão de perto das estratégias usadas por Ronaldo Duarte e demais envolvidos na produção e circulação dos filmes durante o período de repressão para lidar com a interseção dos campos cinematográfico e político. Seus modos de imaginar o contexto social vivido, amplamente moldado pelo espírito da época, falam sobre as esperanças e desilusões em torno da prática profissional. Nesse sentido, nos interessa pesquisar a trajetória do cineasta antes e depois da produção do curta-metragem, incluindo uma breve análise dos filmes produzidos posteriormente. Os processos de produção e a trajetória de Ronaldo Duarte apontam para fatores importantes para a compreensão da censura na época e os percursos de cineastas que começaram suas trajetórias no cinema amador. Soma-se a isso o fato de os filmes de Rogério Duarte nunca terem sido analisados, habitando uma espécie de sombra do cinema brasileiro. Acreditamos que os curtas possam trazer questões importantes para a história do cinema brasileiro a partir de outros campos que não o cinema ficcional de longa-metragem.

Ao pesquisar as imagens produzidas no período da ditadura militar, o trabalho começa com a busca das fontes audiovisuais e textuais que se encontram dispersas em diferentes acervos, públicos e particulares. A perseguição dos censores, a dispersão dos filmes e as dificuldades nas políticas de preservação audiovisual no país colocam problemas específicos que devemos enfrentar quando lidamos com as pesquisas desse gênero no Brasil: por conta do excesso de lacunas na busca pelas fontes, muitas vezes a coleta dos vestígios é uma questão de sorte e acaso, como aconteceu no nosso encontro com A falência e os outros filmes do cineasta. A pesquisa demanda a necessidade de mapear, investigar, entrevistar, coletar e sair em busca dos objetos de estudo, que são encontrados em diferentes locais, ao longo do tempo e de um percurso errante, atravessado por desvio de rotas e surpresas encontradas no caminho. Além de lançar algumas hipóteses sobre os motivos da interdição do filme, neste artigo propomos enfatizar a noção da imagem como agente, verificando os processos de agenciamento em jogo na busca e na articulação entre as imagens, os documentos, os aparatos, as instituições, os atores sociais, os arquivos pessoais e os discursos envolvidos em torno de A falência.

A defesa da imagem como agência é tomada do campo dos estudos visuais. Desde os anos 1970, a partir de uma abordagem interdisciplinar, os estudos visuais passam a operar com as imagens não apenas como representação e registro, mas interessados “no modo como elas atravessam as próprias relações sociais que as constituem” (Lissovsky e Mauad, 2021LISSOVSKY, Maurício; MAUAD, Ana Maria. Imagens selvagens. In: BLANK, T. e P., Isabella (org.). Revista Estudos Históricos, v. 34, n. 72, 2021. Cultura Visual, 2021. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/reh/article/view/82890. Acesso em: 15 out. 2023.
https://periodicos.fgv.br/reh/article/vi...
, p. 226). Com base nessa premissa, o historiador Maurício Lissovsky aponta que entender a imagem como agente é colocar questões sobre “o campo das instituições, dos percursos, das trajetórias, das inserções na vida social e familiar, nos usos da imprensa, da política e etc.” (Idem, 2021, p. 226). O historiador Paulo KnaussKNAUSS, Paulo. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 12, jan./jun., 2006. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. Acesso em: 15 out. 2023.
https://seer.ufu.br/index.php/artcultura...
acrescenta ainda que pensar no conjunto de práticas em torno da produção das imagens torna possível “sua capacidade de conter significado” na medida em que “os sentidos de toda imagem são múltiplos e podem ser recriados a cada novo olhar” (2006, p. 115).

A noção de agência colabora ainda para uma metodologia que parte de um desejo de investigação que contempla os acasos, as mudanças de rumo, as trajetórias incertas, as especulações e a abertura para o que escapa de uma lógica de causa e efeito: “Os agentes dão início a ações que são causadas por eles próprios, por suas intenções, e não pelas leis da física do cosmos” (Gell, 2020GELL, Alfred. Arte e agência. São Paulo: Ubu Editora, 2020., p. 45). Partindo dessas premissas, seguiremos os caminhos de A falência investigando os agenciamentos produzidos em torno do filme, os processos de causalidade e casualidade que envolvem sua circulação e sobrevivência, buscando compreender como a história do diretor Ronaldo Duarte pode contribuir para um conhecimento mais aprofundado das relações entre cenas alternativas de circulação de filmes, como os festivais de cinema amador, os caminhos de profissionalização de jovens cineastas e a ditadura militar no Brasil.

O Festival Brasileiro de Cinema Amador (FBCA) do Jornal do Brasil

Entre 1965 e 1970, o Festival Brasileiro de Cinema Amador agregou a produção de uma geração de jovens cineastas que se iniciavam no mundo do cinema com suas produções rodadas em pequenos formatos (8mm, 9,5mm ou 16mm). A popularização desses equipamentos surgiu como oportunidade para a realização de filmes por jovens que ainda não dispunham de espaços de formação cinematográfica mais consolidados, como os cursos universitários, mas que viviam em meio a uma efervescente cena cultural cinematográfica. No Rio de Janeiro, eram intensas as atividades de cineclubes, dos cursos de formação mantidos pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna e de um circuito de cinemas de arte, como o Cinema Paissandu, que aquecia a cinefilia da juventude da época. O festival foi um importante espaço de circulação para os primeiros curtas-metragens produzidos por uma geração de realizadores que traria nomes como Xavier de Oliveira, Antônio Calmon, Rogério Sganzerla, Andrea Tonacci, entre outros (Foster, 2021FOSTER, Lila. Matizes da cultura jovem: imagens e imaginários em torno do Festival de Cinema Amador JB/Mesbla. Estudos Históricos, v. 34, p. 30-53, 2021.). Se esses últimos nomes são conhecidos dentro da história do cinema brasileiro, muitos outros realizadores, como o engenheiro e cineasta Ronaldo Duarte, permanecem desconhecidos.

Tendo seu início já marcado pela instauração da ditadura militar, muitos são os atravessamentos políticos e estéticos entre os filmes do festival, a crise política que tomava conta do país e a escalada de violência e repressão do regime instaurado. Nesse sentido, podemos pensar em variadas formas de incisão da ditadura em relação ao certame. Desde 1966, realizado no Cinema Paissandu, o FBCA foi ponto de encontro para a juventude da cidade do Rio de Janeiro. Em termos estéticos, muitos filmes deram forma a uma violência perene que parecia tomar conta do cotidiano, como em Olho por olho (1966), de Andrea Tonacci, e O bem aventurado (1966), de Neville D’Almeida, que participaram da segunda edição do festival, em 1966. Nesses curtas, conflitos em curso no tecido social brasileiro invadiam as narrativas por meio de notícias de jornal, além de trazerem uma juventude um tanto à deriva, andando pelas cidades, e cujas narrativas culminavam em violência. Outros filmes vinham a desafiar a moral vigente, como Solo (1969), de Rosa Maria Antuña, cineasta amadora mineira, no qual uma mulher parece se masturbar com uma imagem sacra. Em Um clássico, dois em casa, nenhum jogo fora (1968), de Djalma Limongi Batista, a relação homoafetiva entre dois garotos, Isaías e Antonio, é permeada pelo erotismo, o conflito existencial e a violência de algo que não poderia seguir em paz.

Ações mais diretas, como a reorganização do movimento estudantil por meio da Lei Suplicy, de 1964, que vedava “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”4 4 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4464-9-novembro-1964 -376749-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 17 nov. 2023. , assim como a perseguição ao movimento estudantil marcam o curta capixaba Kaput (1967), de Paulo Torre. Nele, acompanhamos um jovem estudante entre suas leituras, as festas, o uso de drogas e o seu engajamento político. Depois de escrever um artigo sobre a Guerra do Vietnam, o estudante é fichado pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e morto durante uma perseguição policial. O curta-metragem é incisivo na forma em que dá corpo à força da repressão que pairava sobre a juventude e o movimento estudantil da época. Inscrito para a edição de 1967, na cópia existente do filme constam os letreiros de participação no FBCA, mas ele não está na lista de selecionados. Teria sido ele censurado ou somente recusado pelo comitê de seleção?

De acordo com Míriam Alencar, jornalista do Jornal do Brasil que cobria o festival, nas três primeiras edições do FBCA os filmes não eram sujeitos à censura, já que “o próprio Serviço de Censura considerava que a mostra era de caráter eminentemente cultural, onde não havia venda de ingressos, o público recebendo convites para a exibição” (Alencar, 1978ALENCAR, Mirian. O cinema em festivais e os caminhos do curta-metragem no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Artenova e Embrafilme, 1978., p. 106). Essa afirmação se alinha com as pesquisas de Inimá Simões sobre a censura cinematográfica no Brasil, que demonstram uma maior flexibilidade na aplicação da Lei de Segurança Nacional nos primeiros anos do golpe e antes da implementação do Ato Institucional número 5, o AI-5, que intensificou o controle sobre a liberação de filmes (Simões, 1999SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 1999. ). Mesmo que a lei permitisse ao Estado apreender livros e filmes considerados perigosos, entre 1964 e 1967 “filmes censurados ganhavam certificados especiais para circularem no circuito de cineclubes e cinemateca considerados de valor educativo” (Simões, 1999SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 1999. , p. 77).

A partir da terceira edição do Festival, em 1967, o Serviço de Censura de Diversões Públicas decide censurar os filmes do JB “concedendo um certificado provisório, só para os dias de exibição na semana do certame” (Alencar, 1978ALENCAR, Mirian. O cinema em festivais e os caminhos do curta-metragem no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Artenova e Embrafilme, 1978., p. 106). Miriam Alencar descreveu o novo procedimento adotado para a realização do festival: “o autor entrega o filme e nós o apresentamos ao DCDP — Departamento de Censura e Diversões Públicas — que a nosso pedido, destaca um censor especialmente para ver os filmes, em horário previamente combinado, concedendo os certificados de curta validade” (Alencar, 1978ALENCAR, Mirian. O cinema em festivais e os caminhos do curta-metragem no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Artenova e Embrafilme, 1978., p. 106).

Esse procedimento burocrático resultou em desafios significativos para o festival, que em anos anteriores havia promovido a itinerância dos filmes por diversos estados brasileiros. Além da necessidade de passar por uma censura prévia, a centralização do processo de censura no Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP), em Brasília, exigia o envio dos filmes para a avaliação e aprovação antes que pudessem ser exibidos em outras localidades. É nesse contexto que A falência se torna um ponto de referência por ter sido o primeiro filme concorrente a sofrer alguma interdição. Os documentos, os relatos da imprensa e as entrevistas com cineastas e jornalistas não esclarecem de maneira definitiva se A falência ganhou o certificado. De acordo com o depoimento de Ronaldo Miranda, relações públicas do Jornal do Brasil à época,

Até o 3º Festival, os filmes não tinham censura, pois o próprio Serviço de Censura considerava que a mostra era de caráter eminentemente cultural, onde não havia venda de ingressos (...) A partir do 3º Festival, o Departamento de Censura resolveu censurar os filmes do JB, concedendo um certificado provisório, só para os dias de exibição do certame. Em 1967, nós já tivéramos problema. O filme que tirou o 1º lugar, além de arrebatar outros prêmios, A falência, de Ronaldo Duarte, teve a sua exibição proibida e posteriormente foi interditado em todo o Brasil (essa proibição vigora até hoje). O júri foi soberano e o JB não interferiu, sendo os prêmios concedido ao filme

(Alencar, 1978ALENCAR, Mirian. O cinema em festivais e os caminhos do curta-metragem no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Artenova e Embrafilme, 1978., p. 106).

Tal censura prenuncia o início de um período no qual cineastas e produções amadoras e educativas passam a chamar a atenção de censores e chegam a ser proibidos de circular. Apesar do episódio da censura no FBCA, A falência foi enviado, em dezembro de 1968, ao III Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, como veremos adiante.

Além das complexidades burocráticas mencionadas, também é perceptível uma tentativa de adaptação do festival ao período mais intenso de repressão. Entre 1966 e 1968, como já afirmado anteriormente, muitos filmes deram forma aos questionamentos e fizeram forte crítica ao regime estabelecido. Em 1968, foram projetados filmes como Pantera negra (1968), de Jô Oliveira, uma animação pintada à mão e que trazia imagens publicadas em jornais da violência contra a população negra norte-americana e a resistência dos Panteras Negras, e o filme já citado Um clássico, dois em casa, nenhum jogo fora (1968), de Djalma Limongi Batista, considerado um dos primeiros filmes dedicados à temática LGBTQIA+. Nas palavras de Miriam Alencar,

Em 1968, o 4o FBCA foi, para alguns críticos, melhor que os dos anos anteriores. O que se destacou, sem dúvida, foi a grande carga de agressividade que se tornou constante em quase todos os filmes participantes. Também pode ser constatada a predominância de filmes sobre sexo e religião, no sentido de crítica negativa à sociedade de consumo. A maioria de seus 48 filmes eram polêmicos.

(Alencar, 1978ALENCAR, Mirian. O cinema em festivais e os caminhos do curta-metragem no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Artenova e Embrafilme, 1978., p. 98).

A promulgação do Ato Institucional No 5, em dezembro de 1968, intensificou a repressão no âmbito cultural. Segundo relatos dos frequentadores da época, o Cinema Paissandu era o ponto de encontro de muitos opositores da ditadura e, por isso, havia sempre “camburões dos DOPS e agentes infiltrados nas sessões” (Oliveira, 2001OLIVERA, Elmar. [Carta] jul. 2001, Rio de Janeiro [para] Jô Oliveira, Brasília. 9f. História e Memória. Grupo Fotograma. ). Possivelmente como reação a esse novo ambiente, em 1969, o festival passou a aceitar filmes com duração máxima de 90 segundos e circunscritos ao tema Vida, em todas as suas manifestações. No entanto, mesmo com as restrições temáticas, dois filmes foram censurados: Urbano, urbano (1969), de Julio Meireles, e Depois da lua (1969), de Bernardo Vorobow. Vale destacar que na pesquisa realizada nos arquivos da DCDP, no Arquivo Nacional, em Brasília, não foi possível encontrar documentação referente a essas interdições. Em depoimento fornecido por e-mail, Carlos Adriano, companheiro de Bernardo Vorobow, afirmou:

Bernardo me contou que “Depois da lua (ou obrigado, Chacrinha)” foi censurado (e não exibido no festival) por “apologia ao homossexualismo e à guerrilha” (a justificativa oficial do laudo censor). No Rio, testemunhou pichações pedindo “libertem ‘depois da lua”; acho que nas paredes onde exibia o festival. Ele nunca mais achou a cópia; não se sabe se teria ficado no Rio ou em Brasília. Ele me contou da polêmica cena (que o primeiro ator se recusou a fazer): a câmera faz um movimento vertical, do fuzil (fálico; ou metralhadora?), empunhado pelo guerrilheiro, até a boca de um outro homem, ajoelhado aos pés, sugerindo (projetando) a felação

(Rosa, 2019ROSA, Carlos Adriano. Festival de Cinema Amador Jornal do Brasil - Bernardo Vorobow. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: lilafoster@gmail.com, em 02. out. 2019.).

O filme de Vorobow foi inscrito na 5a edição, em 1969. É dessa edição que encontramos os pedidos de liberação de circulação dos filmes para o circuito não comercial, incluindo festivais, clubes de cinema e cineclubes, e alguns relatórios da censura dos filmes participantes do festival. Os certificados comprovam que os filmes foram enviados para Brasília para serem submetidos à avaliação e receberem a autorização para circular. A análise desses documentos revela o caráter subjetivo dos critérios de avaliação e os aspectos que chamavam a atenção dos censores no conteúdo dos filmes. Na ficha para a emissão dos pareceres, além do argumento do filme, cada censor deveria especificar se o filme continha cenas de sexo e classificar as cenas como excitantes, aberrações ou se continham nudez. No que diz respeito às cenas de violência, era relevante determinar se eram sangrentas, superficiais ou sádicas. Além disso, havia o interesse em identificar o uso de palavras de baixo calão e se o filme representava uma ameaça à segurança nacional.

Além dos certificados, houve um aumento na vigilância exercida pela polícia política sobre os filmes. Diante desse quadro, em 1970, uma nova modificação nas regras de inscrição restringe o certame a filmes didáticos e vinhetas do festival. O festival, agora aberto à participação de filmes em 35mm, abandona o termo amador e passa a se chamar Festival Brasileiro de Curta-Metragem, assumindo assim outra feição. Essa transformação coincide com uma diminuição da atividade cineclubista e da demanda pelos filmes que anteriormente circulavam pelo país. Ao longo desse período de seis anos, é possível discernir não apenas as mudanças na gestão do festival, mas também de um cenário cultural que vai se alterando. Em que medida a censura e a repressão afetaram não somente o festival, mas as possibilidades de circulação dos filmes e da trajetória artística e profissional dos jovens cineastas?

A falência

Retornamos aqui ao ano de 1967 e ao curta-metragem A falência. O filme é dividido em quatro sequências que mostram a decadência da empresa e o abandono dos operários: os últimos dias de funcionamento; o interior da fábrica abandonada; o leilão judicial dos bens da empresa; a conversa dos empregados na barbearia da Vila Operária. O interesse pela situação dos operários e do desemprego no país chama a atenção do júri que, representado pelo crítico Alex Viany, justifica a premiação afirmando que A falência apresenta “de maneira objetiva um fato da atualidade brasileira, fornecendo elementos para sua análise crítica, com expressão cinematográfica adequada e eficiente” (Jornal do Brasil, 11 nov. 1967, p. 10).

O curta começa com cenas extremamente líricas de uma operária que segue para o trabalho com Maria Bethânia cantando “Três apitos”, de Noel Rosa. Outros sons não diegéticos invadem o tecido do filme e, como veremos, eles serão um elemento fundamental na constituição de um cenário político no qual a discussão sobre o desmantelamento das forças produtivas e industriais brasileiras se tornam mais evidentes, formando uma espécie de pano de fundo para a crescente precarização da força de trabalho e do operariado brasileiro.

A relação entre esse desmantelamento já visto de uma perspectiva pós-golpe é evidenciada já na primeira cartela do filme. O título A falência vem impresso sobre uma foto do Comício da Central, em 13 de março de 1964. A manifestação em prol das reformas de base arrastou milhares de pessoas para as ruas do Rio de Janeiro, movimentação popular que fazia coro às mudanças em curso no Governo João Goulart. Reforma agrária, urbana e novas configurações para as relações trabalhistas eram alguns dos preceitos do governo do Partido Trabalhista Brasileiro. Pouco tempo depois, a resistência a essas mudanças culminaria no golpe militar de 1964.

Figura 2
A abertura de A falência.

Fotografado pelo jovem Lauro Escorel, após a abertura que situa de forma muito incisiva o posicionamento político do filme, às imagens encenadas e enquadradas de diferentes ângulos da operária que vai para o trabalho seguem cenas documentais da entrada da fábrica de tecidos, a chaminé em funcionamento e as mulheres trabalhando em meio à tecelagem industrial, todas ao som da canção entoada por Maria Bethânia.

A tensão social adentra o filme através das ondas do rádio e das notícias do Repórter Meridional, que são ouvidas na barbearia da Vila Operária. Primeiro, as comemorações da Revolução realizadas em Brasília, o desfile do Exército, as saudações do presidente e a Missa de Ação de Graças realizada na Praça dos Três Poderes. Em seguida, as passeatas de estudantes no Rio de Janeiro, a repressão dos atos estudantis e os relatos de violência contra os manifestantes, principalmente mulheres. Por fim, as palavras do Ministro do Planejamento sobre a onda de falências que tomava conta da cidade, afirmando ser natural que as empresas menos aptas sucumbissem à concorrência e que as demissões em massa pudessem ser consideradas um problema pequeno.

Com essas três notícias, o curta-metragem situa historicamente as tensões do período. Se na banda sonora a voz jornalística do repórter traz um balanço de certa forma imparcial, na imagem vemos as fotografias documentais dos trabalhadores da fábrica em assembleias, portões de fábrica e em negociações no Judiciário, evocando a situação dos trabalhadores da fábrica Confiança que enfrentaram meses de salários atrasados, seguido do fechamento da fábrica e uma árdua disputa na justiça por indenizações.

O pronunciamento do Ministro do Planejamento tenta, portanto, trazer ares de tranquilidade para uma crise instalada dentro da indústria têxtil no período. Com a queda do consumo, matérias nos jornais do ano de 1965 noticiam a crise no setor e o fechamento de diversas fábricas. Os jornais também acompanham a crise da fábrica Confiança e a situação dos seus 1.100 desempregados. A Confiança fazia parte do conglomerado industrial do ex-deputado do Partido Social Democrático (PSD), banqueiro e industrial J.J Abdalla. Nas negociações, em troca dos meses sem receber, o patrão propunha o pagamento em tecidos, deixando milhares de trabalhadores em situação precária. Em matéria dedicada à crise instalada, um relato da situação dos trabalhadores:

Desde segunda-feira, alguns homens e mulheres, a maioria já idosa, têm passado os dias sentados em cadeiras na sede do Sindicato dos Têxteis [...] Quase sempre estão calados ou só conversam entre eles: os homens só fumam quando alguém lhes oferece um cigarro; tanto os homens como as mulheres só fizeram uma refeição no dia anterior, e só se interessam se há alguma novidade. São os antigos empregados da Fábrica Confiança.

Um único problema os une: como conseguir dinheiro para comprar comida para a família? Acostumados a ser enganados pelos antigos patrões e não ser atendidos pelas autoridades, não gostam de falar com quem não seja conhecido ou do sindicato mesmo quando explicam a sua situação, não dizem seus nomes, temerosos de alguma represália, não sabem bem da parte de quem

(Jornal do Brasil, 1º jul. 1965, 1º Caderno, p. 7).

É nesse espaço que Ronaldo Duarte adentra para a filmagem de A falência, centrando a sua atenção no trabalhador e no espaço fabril. Em um relato sobre as filmagens, Duarte afirmou: “O fato de ter feito o filme na vila operária da fábrica falida, convivendo com os ex-empregados que trabalhavam no filme como atores e figurantes trouxe vida nova para aquela comunidade esquecida” (Duarte, 2002DUARTE, Rogerio. [Carta] 29 abr. 2002, Belo Horizonte [para] Ex. Sr. Ministro de Estado de Justiça, Brasília. 13f. Relato de perseguição sofrida durante a ditadura civil-militar e solicitação do reconhecimento de direitos pela Medida Provisória n. 2151.de 2001., p. 8). Na sequência do curta-metragem, grande parte dele é dedicado a acompanhar um homem idoso que ainda vivia nas instalações da fábrica já abandonada. O seu quarto é precário, mas ali ele permanece, talvez sem alternativa. A câmera registra as máquinas paradas e o trabalhador à deriva. Sozinho, ele percorre o antigo espaço de trabalho enquanto os seus passos soam como ecos estridentes. Em meio ao maquinário e aos rolos de fios, ele encena os gestos de trabalho, agora somente como coreografia, destituído do seu valor de troca.

Figura 3
Os trabalhadores e a fábrica em A falência.

A última sequência traz uma parte mais evidentemente ficcional. O ator Renato Borghi, que na época já integrava o elenco de O rei da vela, montado pelo Teatro Oficina, faz as vezes de repórter da Rádio Meridional e cobre o leilão judicial da fábrica para o pagamento das dívidas e indenizações aos trabalhadores. Ele entra nos antigos escritórios da fábrica — um ambiente soturno e desolador, nas suas palavras —, entrevista o juiz que faz o seu pronunciamento em tom formal. Depois de um corte brusco, vemos os antigos trabalhadores na frente da barbearia da Vila Operária. Sentados na calçada, enquanto escutam a transmissão sobre o leilão judicial, reclamam da espera pela resolução dos conflitos, em tom de descrença. Por fim, nas escadarias da entrada da fábrica é lida a resolução judicial e o espólio da fábrica Confiança, e novamente escutamos a canção de Noel na voz de Maria Bethânia.

Em entrevista para Miriam Alencar, na matéria “O cinema dos jovens” (Jornal do Brasil, 22 nov. 1967, p. 5), publicada com outros artistas e cineastas amadores, Ronaldo Duarte indica algumas de suas referências. Três cineastas do cinema novo surgem como destaque: Glauber Rocha, Joaquim Pedro e Leon Hirszman. Para essa geração de jovens cineastas, o cinema novo surgia como produção com a qual se dialogava em termos temáticos e estéticos. A todo momento classificado como documentário, o filme traz elementos encenados e mais evidentemente ficcionais como apontado anteriormente. A definição de documentário parecia recair mais na ideia da crítica de o filme apresentar uma realidade de forma objetiva, nas palavras já citadas de Alex Viany, e de apresentar um caso real: a falência da fábrica Confiança.

Na sua estética, porém, o filme se aproxima de alguns expedientes ficcionais do período. Em termos de diálogo com outros filmes da época, pelo seu lirismo, uso da trilha sonora e dramatização, poderíamos aproximá-lo dos filmes presentes na primeira fase do cinema novo, como o Cinco vezes favela (1961), mais especificamente, o episódio Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade. Nos dois filmes, os diretores se aproximam de uma realidade social filmando in loco: no caso de Couro de gato, o morro do Cantagalo e Pavãozinho; no caso de A falência, na fábrica abandonada. A trilha sonora também traz para o seu centro a música popular, o samba e o samba-canção, aproximando artes que à época buscavam a feição nacional popular da cultura brasileira. Quem encena também pertence ao lugar onde se filma, e nessa confluência entre o lugar filmado e os seus personagens, se constrói um diálogo do filme com o realismo social que marcou alguns filmes do começo do cinema novo.

No que diz respeito à aproximação da realidade a partir da mistura de procedimentos ficcionais e documentais, podemos também aproximar A falência de Manhã cinzenta, de Olney São Paulo, realizado pouco depois. Finalizado em 1969, o média-metragem de 21 minutos é classificado como ficção científica, mas encena torturas e fuzilamentos de estudantes e usa imagens documentais de manifestações que ocorreram no ano anterior no Rio de Janeiro. Trata-se de uma crítica à ditadura militar no momento em que o autoritarismo e as perseguições recrudesciam5 5 Olney São Paulo foi perseguido, preso e torturado por conta do filme, levado em um avião para Cuba por sequestradores do avião Caravelle, em 1969 (Machado, 2016). . Vistos em conjunto, os dois filmes, que sofreram com a censura e com a perseguição política de seus autores, trazem respostas imediatas ao tempo presente, sedimentando em sua estrutura não somente um desejo de reflexão sobre o tempo vivido por meio de estratégias ficcionais, mas também registrando os efeitos das crises econômicas na classe trabalhadora, no caso de A falência, e na repressão de uma juventude que buscava resistir ao recrudescimento da ditadura militar.

Um filme lírico, mas que traz para o seu centro dos dilemas dos trabalhadores da Fábrica Confiança, os relatos sobre a censura de A falência são incertos. No livro de Miriam Alencar sobre o festival constam depoimentos sobre a censura e a determinação do júri em manter a premiação, porém, não existem notícias no Jornal do Brasil sobre qualquer interdição. Depois do FBCA, o filme é selecionado para o Festival de Brasília e é ameaçado novamente de proibição. Desta vez, a notícia da sua possível censura chega aos jornais. Mesmo que extremamente poético, o filme é acusado de subversão muito provavelmente por trazer elementos de crítica a uma crise econômica que se instalara na época. Além disso, assume o lado dos trabalhadores que sofriam com a exploração da sua força de trabalho e com a morosidade da resolução do imbróglio da falência da Confiança.

Para o diretor, foi difícil compreender os motivos da censura: “Mais uma vez na vida eu fiquei sem entender nada. Eu tinha feito um filme documentário, rigorosamente verdadeiro, com o roteiro baseado em notícias publicadas nos jornais” (Duarte, 2002DUARTE, Rogerio. Tropicaos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003., p. 8). Ronaldo Duarte ressalta ainda que “foi preciso a mobilização de todos os participantes do festival, dos críticos de cinema e de até alguns políticos de Brasília para que o certificado fosse finalmente fornecido” (Duarte, 2002DUARTE, Rogerio. [Carta] 29 abr. 2002, Belo Horizonte [para] Ex. Sr. Ministro de Estado de Justiça, Brasília. 13f. Relato de perseguição sofrida durante a ditadura civil-militar e solicitação do reconhecimento de direitos pela Medida Provisória n. 2151.de 2001., p. 8). Como evidencia o comentário de Ronaldo, essa não foi a primeira vez que ele não compreendeu os motivos pelos quais foi perseguido. O filme de Ronaldo nos leva, portanto, a investigar a sua trajetória.

Cineasta perseguido e o cinema, apesar de tudo

Ronaldo Duarte foi preso duas vezes durante o período da ditadura militar. A primeira detenção ocorreu no ano do golpe, em três de julho de 1964, quando foi retirado de casa e conduzido a um quartel nos arredores de Salvador, onde permaneceu detido por 110 dias sem conhecimento dos motivos da prisão. A documentação que localizamos nessa pesquisa, incluindo prontuários e dossiês dos arquivos da polícia política6 6 Os documentos estão localizados no Arquivo Nacional com os seguintes códigos: BR RJANRIO MF.O.PTR.1238 e BRDFANBSB V8.MIC,GNC.PPP.82004781. , indicam que Ronaldo mantinha ligações com líderes esquerdistas, que nutria ideias marxistas e que teria participado de reuniões na casa de líderes do Partido Comunista da Bahia. Essas alegações foram os fundamentos tanto de sua prisão quanto da demissão da Petrobrás, onde trabalhava como engenheiro. Esses eventos tiveram impacto decisivo na vida profissional e artística de Ronaldo Duarte, uma vez que ele não conseguiu mais encontrar emprego na área de engenharia depois que o nome ficou registrado nos arquivos da polícia política.

Se a primeira prisão provocou uma mudança na trajetória de Ronaldo Duarte, a segunda interrompeu um ciclo promissor que se iniciava. Ronaldo Duarte chamou a atenção no cenário cinematográfico quando produziu A falência, o que lhe rendeu os prêmios no FBCA e, logo em seguida, de melhor documentário do Festival de Brasília7 7 Os censores não quiseram emitir o certificado para que A falência fosse exibido no Festival de Brasília, mas cederam por conta da enorme pressão dos participantes do festival. . Como resultado de seu reconhecimento, recebeu convites para colaborar com cineastas renomados da época. No entanto, em 1968, quando trabalhava como assistente de direção de Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, foi sequestrado e levado para a prisão pela segunda vez. A partir desse momento, a carreira em ascensão do cineasta amador foi violentamente interrompida.

Ronaldo e o irmão, Rogério Duarte, foram surpreendidos por agentes do Estado à paisana, em uma rua escura do centro do Rio de Janeiro, quando saíam da missa de sétimo dia do estudante Edson Luís, em março de 1968. O clima na cidade estava pesado e a polícia, que havia proibido qualquer tipo de manifestação política nos espaços públicos, agiu com violência ao final do evento. Mais uma vez, sem saber o motivo da detenção, Ronaldo e o irmão são levados para uma prisão clandestina e, em seguida, transferidos para a Vila Militar, onde foram torturados e ameaçados de morte. Os irmãos foram libertados após imensa pressão de amigos, parentes e da imprensa, que, no dia seguinte ao sequestro, noticiou o desaparecimento com base no testemunho das duas amigas que os acompanhavam.

A reportagem publicada no dia 10 de abril no Jornal do Brasil traz detalhes sobre o sequestro e relata que o cineasta Ronaldo Duarte, “premiado no último Festival Brasileiro de Cinema Amador JB/Mesbla”, e o irmão Rogério, “autor das capas dos últimos discos de Caetano Veloso e Gilberto Gil”, tinham sido presos e levados por uma viatura preta e branca do governo federal seguida por uma viatura com guardas civis. Presos na Vila Militar, os irmãos viveram momentos de agonia, como revelou Rogério: “Durante oito dias fomos submetidos a torturas, espancamento, interrogatório, lavagem cerebral, todo o pacote sistemático de técnicas para desestruturar completamente uma personalidade” (Duarte, 2003DUARTE, Rogerio. Tropicaos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003.).

Após serem libertados, os irmãos denunciaram seus agressores à imprensa e ao Judiciário. Entretanto, os artigos dos jornais e os documentos policiais não esclarecem o motivo específico da prisão. Ronaldo não enfrentou processos legais, mas as sequelas da violência que sofreu afetaram sua vida permanentemente. Após a libertação, o cineasta seguiu para a Bahia para participar, como assistente de direção de Glauber Rocha, das filmagens de O dragão da maldade e o santo guerreiro, mas, por conta do trauma, não conseguiu prosseguir na atividade cinematográfica. A partir desse momento, Ronaldo passou a levar uma vida clandestina, escondendo-se na casa de amigos e familiares e saindo em situações extremamente necessárias: “Durante essa fase tive frequentes crises de insônia e pesadelos, nos quais era novamente capturado pelos torturadores e submetido a fuzilamento... conforme haviam me ameaçado quando me soltaram” (Duarte, 2002DUARTE, Rogerio. Tropicaos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003., p. 4). Com medo de represálias, Ronaldo teve dificuldades de seguir na sua “segunda atividade profissional, a produção cinematográfica, iniciada em 1967” (Duarte, 2002DUARTE, Rogerio. [Carta] 29 abr. 2002, Belo Horizonte [para] Ex. Sr. Ministro de Estado de Justiça, Brasília. 13f. Relato de perseguição sofrida durante a ditadura civil-militar e solicitação do reconhecimento de direitos pela Medida Provisória n. 2151.de 2001., p. 8).

Nesse período, apesar das dificuldades emocionais, o cineasta consegue escrever um projeto sobre as festas populares de verão na Bahia8 8 Durante a apresentação do trabalho em um congresso, a pesquisadora Julia Fagioli nos informou que conhecia o outro filho do Ronaldo, João Ivo. João tinha em casa uma coleção de filmes em DVD realizados pelo pai depois de A falência, entre eles Festas na Bahia de Oxalá e A terra da roda de samba. As imagens digitalizadas dos últimos filmes foram encontradas durante a escrita do presente artigo, apontando para o caráter errante da localização de filmes ainda pouco historiados no Brasil. Até a presente data, não encontramos os materiais originais (35mm e 16mm) dos títulos analisados. . Com o projeto embaixo do braço e de volta ao Rio de Janeiro, vai em busca de produtores e fecha um acordo com a R.F Farias, produtora de Roberto Farias, que forneceria equipamentos, negativos e serviços de revelação. As filmagens de Festas na Bahia de Oxalá aconteceram em 1968 e contou, novamente, com a fotografia de Lauro Escorel. O filme foi montado em uma primeira versão em 1969, no Rio de Janeiro. Com o copião pronto, Duarte volta a Salvador para a gravação da narração, feita por Jorge Amado, e da trilha musical, executada por Dorival Caymmi.

Com o intuito de vender o filme para alguma instituição pública, é organizada uma sessão para convidados, incluindo a presença do prefeito de Salvador à época, Antônio Carlos Magalhães, que se interessa pelo material, marca uma reunião para acertar a negociação. No dia da reunião, depois de duas horas de espera, Duarte recebe a notícia de que a negociação fora interrompida e que Antônio Carlos Magalhães teria dito ao seu assessor: “Você quer me armar uma encrenca com os militares? Esse Ronaldo Duarte é um comunista notório!” (Duarte, 2002DUARTE, Rogerio. Tropicaos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003.). Sem chance de conseguir mais recursos, o filme é finalizado com um empréstimo do Banco da Bahia, e Ronaldo consegue fechar contratos de venda com a TV Educativa da Bahia.

Rodado em 35mm e com uma película Eastmancolor, Festas na Bahia de Oxalá é um curta-metragem de 22 minutos dividido em seis partes: 1) Epílogo, 2) Nossa Senhora do Navegantes – Festa do Ano Novo, 3) Festa dos Reis Magos – Os Pastores da Noite, 4) Lavagem do Bonfim – As Águas de Oxalá, 5) Segunda-Feira Gorda – Carnaval na Ribeira; e 6) 2 de FevereiroA Festa de Yemanjá. A câmera de Lauro Escorel capta com cores vibrantes as festividades tradicionais e sincréticas da cidade de Salvador. São momentos captados no calor das festas populares e que também registram os cantos e as vozes das diversas manifestações culturais da cidade: a capoeira, o samba de roda, os rituais do candomblé e as feiras. O texto e a narração de Jorge Amado evocam um imaginário de democracia racial e religiosa, a beleza das imagens caminha junto com uma narração que enaltece a cidade pela mistura de raças e religiões.

Figura 4
Cenas de “Festas na Bahia de Oxalá” (1969).

Além de um importante registro da cultura soteropolitana, cabe ressaltar aqui o lugar do filme dentro da produção do Estado da Bahia. De acordo com o levantamento da produção do Estado, realizado pelo projeto Filmografia Baiana9 9 Disponível em: http://www.filmografiabaiana.com.br/. Acesso em: 30 out. 2023. , Festas da Bahia de Oxalá figura como um dos nove filmes produzidos no Estado em 1969. Nesse sentido, o mapeamento de cineastas ainda pouco reconhecidos pela historiografia contribui para a composição de filmografias regionais.

Ronaldo Duarte continuou trabalhando com publicidade e cinema durante os anos 1970. Em 1977, realiza o A terra do samba de roda, filmado em 16mm em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, durante as festas de São João. O filme traz imagens da fabricação de charutos, as feiras. A câmera documental em certos momentos cede lugar para a sobreposição de imagens dos festejos, das ruas e do samba de roda, criando texturas e dando contornos mais experimentais à obra. Os letreiros e a narração também trazem os versos do poema “Cachoeira” do artista cachoeirense Luiz Cunha. Dirigido, fotografado, montado e narrado por Ronaldo Duarte, este seria o seu último filme.

Considerações finais

Duas prisões nos anos da ditadura, em 1964 e em 1968, e uma sequência de perseguições e boicotes marcaram a trajetória do engenheiro e cineasta Ronaldo Duarte. Partindo do seu primeiro curta-metragem, A falência, buscamos entender o motivo da sua censura, em 1967, e fomos desvelando camadas da sua relação com o cinema e o regime repressivo vigente no Brasil após o golpe civil-militar de 1964. Neste artigo, mostramos como os caminhos seguidos por um filme pouco conhecido na historiografia do cinema brasileiro revelam uma trama que envolve a censura e a perseguição a cineastas, aos festivais de cinema, cineclubes e curtas-metragens amadores produzidos no período da ditadura militar brasileira

Pensando o filme como agente e analisando os contextos de produção e circulação de A falência, mostramos como documentos e filmes pertencentes a arquivos públicos e privados podem ser tecidos em uma rede que ajuda a dar visibilidade para a complexidade das relações entre arte e política durante um período autoritário. Analisamos os agenciamentos produzidos em torno do filme, buscamos, ordenamos e organizamos as informações encontradas, além de especular o que os arquivos não informavam.

Na trajetória que seguimos, lidando com as lacunas dos arquivos e abertas aos acasos do processo de pesquisa, investigamos documentos públicos sobre Ronaldo Duarte e o filme que realizou, mas também encontramos materiais que estavam guardados no espaço doméstico e foram preservados pela família. A proposta de abertura sobre o que a pesquisa apresenta em seu trajeto enfatiza não tanto a necessidade de responder a uma pergunta inicial — afinal, qual teria sido o motivo da censura de A falência? — mas sim a de descobrir detalhes escondidos pelo regime repressivo, criar relações entre fatos, pessoas e eventos.

Esse percurso de busca não é linear ou até mesmo objetivo, e a pesquisa em arquivos institucionais e cinematecas nem sempre é o que faz com que filmes e personagens possam emergir. Foi o acaso que trouxe o filme A falência para esta pesquisa — e, assim, de volta à circulação. Da mesma maneira que foram as perguntas colocadas, a partir dos vestígios encontrados, o que nos permitiu a localização de documentos importantes para compreender, do ponto de vista daqueles que viveram intensamente o período, as relações pessoais e as tramas entre produção, circulação e resistência dos filmes aqui analisados.

Na atenção para a trajetória de vida de Ronaldo Duarte, tão afetado pela perseguição do regime de vigilância e repressão da ditadura militar brasileira, o que se percebe, mesmo diante de uma vasta documentação, é o peso da arbitrariedade. Todo um sistema jurídico e de vigilância produziu documentos, mas sem que eles de fato nos deem, de forma evidente, os motivos para além de uma ideologia persecutória obcecada pelo ideário da subversão. Mostramos que A falência foi um filme perseguido e censurado, do mesmo modo que o realizador Ronaldo Duarte se tornou um homem marcado por conta da sua presença nos registros da polícia política. Suas tentativas de realização cinematográfica foram boicotadas desde sua entrada no sistema policial como subversivo, no momento da primeira prisão em 1964.

Nesse sentido, apesar da grande quantidade de documentos produzidos pelos agentes da ditadura no Brasil, vimos que ainda faltam informações sobre filmes censurados e cineastas perseguidos. Quais outros filmes produzidos durante o período da ditadura saíram de circulação? Quantos cineastas – especialmente cineastas mulheres — caíram no esquecimento depois de produzir filmes de curta-metragem no período? Desta pesquisa emerge uma vasta filmografia de jovens cineastas começando a trajetória artística e profissional no final dos anos 1960 que ainda precisa ser investigada. Esses serão os próximos passos a serem dados nesta investigação ainda em processo.

  • 1
    Uma prévia desta pesquisa foi apresentada no GT Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual no 32 Encontro da Compós – Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação.
  • 2
    A fábrica foi a inspiração para a canção “Três apitos”, de Noel Rosa.
  • 3
    A descoberta do filme se deu quando Pedro Duarte, durante um curso sobre audiovisual, compartilhou a informação de que tinha uma cópia de A falência.
  • 4
  • 5
    Olney São Paulo foi perseguido, preso e torturado por conta do filme, levado em um avião para Cuba por sequestradores do avião Caravelle, em 1969 (Machado, 2016MACHADO, Patrícia. Imagens que restam: a tomada, a busca dos arquivos, o documentário e a elaboração de memórias da ditadura militar brasileira. Doutorado (Tese em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro, 2016.).
  • 6
    Os documentos estão localizados no Arquivo Nacional com os seguintes códigos: BR RJANRIO MF.O.PTR.1238 e BRDFANBSB V8.MIC,GNC.PPP.82004781.
  • 7
    Os censores não quiseram emitir o certificado para que A falência fosse exibido no Festival de Brasília, mas cederam por conta da enorme pressão dos participantes do festival.
  • 8
    Durante a apresentação do trabalho em um congresso, a pesquisadora Julia Fagioli nos informou que conhecia o outro filho do Ronaldo, João Ivo. João tinha em casa uma coleção de filmes em DVD realizados pelo pai depois de A falência, entre eles Festas na Bahia de Oxalá e A terra da roda de samba. As imagens digitalizadas dos últimos filmes foram encontradas durante a escrita do presente artigo, apontando para o caráter errante da localização de filmes ainda pouco historiados no Brasil. Até a presente data, não encontramos os materiais originais (35mm e 16mm) dos títulos analisados.
  • 9
    Disponível em: http://www.filmografiabaiana.com.br/. Acesso em: 30 out. 2023.

Referências

  • ALENCAR, Mirian. O cinema em festivais e os caminhos do curta-metragem no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Artenova e Embrafilme, 1978.
  • BLANK, Thais; MACHADO, Patrícia. “Musas insubmissas: Estudo de “Inês” (1974), um filme de coletivo sobre uma presa política brasileira”. Revista Eco-Pós, 23(3), 34–54, 2020.
  • BLANK, Thais; MACHADO, Patrícia. Em busca de um método: entre a estética e a história de imagens domésticas do período da ditadura militar brasileira. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 43, n. 2, 2020.
  • Brasil. Comissão Nacional da Verdade Relatório / Comissão Nacional da Verdade. Recurso eletrônico. – Brasília: CNV, 2014. 976 p. – (Relatório da Comissão Nacional da Verdade; v. 1).
  • DUARTE, Rogerio. Tropicaos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2003.
  • DUARTE, Rogerio. [Carta] 29 abr. 2002, Belo Horizonte [para] Ex. Sr. Ministro de Estado de Justiça, Brasília. 13f. Relato de perseguição sofrida durante a ditadura civil-militar e solicitação do reconhecimento de direitos pela Medida Provisória n. 2151.de 2001.
  • FOSTER, Lila. Matizes da cultura jovem: imagens e imaginários em torno do Festival de Cinema Amador JB/Mesbla. Estudos Históricos, v. 34, p. 30-53, 2021.
  • FOSTER, Lila. O primeiro ano do Festival de Cinema Amador JB/Mesbla (1965). Revista Famecos, v. 29, p. e41527, 2022. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/41527 Acesso em: 6 mar. 2023.
    » https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/41527
  • GELL, Alfred. Arte e agência. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
  • GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso e fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • Jornal do Brasil. DOPS recebe ordens para prender mais estudantes que deverão depor em IPM. Rio de Janeiro, 10 abr. 1968. 1º Caderno, p. 2.
  • Jornal do Brasil. O cinema dos jovens. Rio de Janeiro, 22 nov. 1967. p. 5.
  • Jornal do Brasil. O melhor do festival. Rio de Janeiro, 11 nov. 1967. 1º Caderno, p. 1.
  • Jornal do Brasil. Sindicato dos Têxteis pede penhora da fábrica. 01 jul. 1965. 1º Caderno, p. 7.
  • KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 12, jan./jun., 2006. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406
  • LISSOVSKY, Maurício; MAUAD, Ana Maria. Imagens selvagens. In: BLANK, T. e P., Isabella (org.). Revista Estudos Históricos, v. 34, n. 72, 2021. Cultura Visual, 2021. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/reh/article/view/82890 Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://periodicos.fgv.br/reh/article/view/82890
  • MACHADO, Patrícia. Imagens que restam: a tomada, a busca dos arquivos, o documentário e a elaboração de memórias da ditadura militar brasileira. Doutorado (Tese em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro, 2016.
  • OLIVERA, Elmar. [Carta] jul. 2001, Rio de Janeiro [para] Jô Oliveira, Brasília. 9f. História e Memória. Grupo Fotograma.
  • ROSA, Carlos Adriano. Festival de Cinema Amador Jornal do Brasil - Bernardo Vorobow. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: lilafoster@gmail.com, em 02. out. 2019.
  • SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 1999.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2023
  • Aceito
    04 Mar 2024
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP Rua Ministro Godoi, 969, 4º andar, sala 4A8, 05015-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3670 8146 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: aidarprado@gmail.com