Open-access Teorias da justiça social e espacial: diálogos com a geografia a partir da década de 1970

Resumo

O debate em torno da justiça vem ganhando lugar na Geografia, principalmente a partir dos anos 1970, com a publicação de duas obras fundamentais: A theory of justice (Rawls, 1971), e Social justice and the city (Harvey, 1973). No marco temporal da década de 1970 até o momento atual e sem pretender ser exaustivo, este artigo apresenta um percurso através dos debates entre diversas teorias e/ou princípios de justiça. Na medida em que muitos processos analisados em Geografia - como a segregação, a marginalização, a exclusão e a diferenciação - revelam injustiças de forte expressão espacial, esta reflexão sobre a justiça oferece ferramentas teóricas e analíticas relevantes para as análises geográficas. Em outros termos, trata-se de estabelecer os contornos desse debate para contribuir com o entendimento da abertura da Geografia a preocupações ético-filosóficas. Nesse sentido, apresenta-se uma visão ampla da justiça, em torno do tripé redistribuição/reconhecimento/espaço, para terminar com considerações sobre o conceito de justiça espacial.

Palavras-chave: Teorias da justiça; Justiça espacial; Geografia; Estudos urbanos

Abstract

The debate around justice has been gaining ground in geography, especially beginning in the 1970s, with two seminal works, A theory of justice (Rawls, 1971) and Social justice and the city (Harvey, 1973). Beginning then, and without pretension of exhaustivity, we propose a journey through the discussions between several theories and principles of justice. As many processes analyzed in geography - such as segregation, marginalization, exclusion, and differentiation - expose injustices with a strong spatial expression, this reflection on justice offers theoretical and analytical tools for geographical analyses. In other words, we intend to establish the outlines of this discussion, to contribute to the understanding of the opening of geography to philosophical and ethics concerns. In that respect, we aim to present a wide vision of justice, around the tripod redistribution, recognition, and space, to finish with considerations about the concept of spatial justice.

Keywords: Theory of justice; Spatial justice; Geography; Urban Studies

Resumen

El debate alrededor de la justicia ha ganado espacio en la geografía, especialmente a partir de los 1970s, con atención a A theory of justice (Rawls, 1971) y social justice and the city (Harvey, 1973). A partir de ahí, y sin pretensión a la exhaustividad, ese artículo pretende presentar un recorrido a través de los debates entre diversas teorías e/o principios de justicia. En la medida en que muchos procesos analizados en geografía - como la segregación, la marginalización, la diferenciación - revelan injusticias de expresión espacial, esta reflexión sobre la justicia ofrece herramientas teóricas pertinentes para los análisis geográficos. En otros términos, se establecen los contornos del debate, para contribuir a la comprensión de las implicaciones de la abertura de la geografía a preocupaciones filosófico-éticas. Así, se presenta una visión amplia de la justicia, articulada alrededor del trípode redistribución, reconocimiento y espacio, para finalmente hacer algunas consideraciones sobre el concepto de justicia espacial.

Palabras clave: Teorías de la justicia; Justicia espacial; Geografía; Estudios urbanos

Résumé

Le débat autour de la justice a progressivement gagné du terrain dans la Géographie, principalement à partir des années 1970, avec la publication de deux œuvres fondamentales: A theory of justice (Rawls, 1971) et Social justice and the city (Harvey, 1973). Dans ce cadre temporel, des années 1970 jusqu’à aujourd’hui, et sans prétendre à l’exhaustivité, cet article présente un itinéraire au travers des débats entre plusieurs théories et/ou principes de justice. Dans la mesure où de nombreux processus analysés en Géographie - comme la ségrégation, la marginalisation, l’exclusion et la différentiation - révèlent des injustices de forte expression spatiale, cette réflexion sur la justice offre des outils théoriques et analytiques pertinents pour les analyses géographiques. En d’autres termes, il s’agit d’établir les contours de ce débat afin de contribuer à la compréhension de l’ouverture de la Géographie à des préoccupations éthiques et philosophiques. En ce sens, nous présentons une vision ample de la justice, autour de la triade redistribution/ reconnaissance/ espace, pour ensuite formuler des considérations autour du concept de justice spatiale.

Mots clés: Théories de la justice; Justice spatiale; Géographie; Études urbaines

Introdução

Muitos processos e conceitos mobilizados nas pesquisas sobre as relações entre espaço e sociedade visam explicar situações desiguais e diferenciadoras, ressaltando sua dimensão social e espacial: segregação, diferenciação e fragmentação (socioespaciais), discriminação, exclusão, marginalização, gentrificação etc.

Este artigo faz alguns apontamentos sobre o debate teórico e ético em torno da questão da justiça - com a hipótese de que entender as grandes linhas desse debate pode enriquecer as análises geográficas que discutem situações e processos injustos ou sobre as quais não há consenso. Embora o debate não seja novo - particularmente em nível internacional -, acreditamos que a apresentação de diversas teorias da justiça não seja tão abundante em língua portuguesa.

Em outras palavras, levar em conta esse debate significa confrontar e trazer diversas teorias de justiça e/ou princípios éticos e morais (que orientam as definições da justiça) na Geografia, para aprofundar a análise de certos processos e conceitos, levantando outros tipos de questionamento: o que é injusto? Por que é injusto? Para quem é injusto? Em que escalas é injusto? Onde é injusto?

A resposta a essas perguntas quase sempre revela o caráter polissêmico e conflituoso da questão da justiça, porque argumentar ou justificar o caráter injusto de determinado processo geográfico exige posicionamento do ponto de vista ético e filosófico. Com esse intuito, cabe dizer que a diversidade de concepções em torno da ideia de justiça não deslegitima o tema como ferramenta teórico-analítica para a Geografia. Ao contrário, permite fundamentar e explicar as implicações ideológicas dos conceitos e hipóteses adotados pelos pesquisadores.

Aqui, esse exercício adota um recorte temporal que contempla principalmente o período dos anos 1970 até o atual momento, quando a noção de justiça tem sido paulatinamente abordada pela Geografia. Ao menos duas obras justificam retrocedermos à literatura da década de 1970. Sobre critérios de “objetividade” e “cientificidade”, uma parte da Geografia evitou o tema da justiça, raramente debatendo a contradição entre crescimento econômico e equidade (Brennetot, 2011). Esse posicionamento muda com a publicação de Social justice and the city, livro no qual David Harvey (1973), trata de desvendar os “mecanismos escondidos” das desigualdades e posicionar-se contra o positivismo da disciplina geográfica. A obra Theory of justice, de John Rawls (1971), também representa um ponto de partida para a discussão geográfica em torno da justiça: nessa teoria, o princípio do maximin (dar mais aos que menos têm) orienta até hoje muitos princípios e programas que visam a equidade por meio da redistribuição e da reparação, como o Bolsa Família, no Brasil.

Esse exercício de aproximação dos contornos do debate sobre a justiça é relevante na medida em que as diferentes concepções da justiça se encontram, também, impregnadas em espaços, objetos, ações e atores que os geógrafos pesquisam.

O artigo organiza-se de seguinte maneira: no item a seguir, propõe-se um ponto de partida que distingue as noções de desigualdade e de diferença, por um lado, e igualdade e equidade, por outro; logo, aborda-se a concepção da justiça como equidade (a concepção rawlsiana) contra a visão utilitarista; por fim, apresentam-se teorias do pensamento marxista colocando os limites do paradigma da (re)distribuição e incorporando o paradigma do reconhecimento e da tolerância.

Desigualdade ou diferença? Igualdade ou equidade? Um ponto de partida para o debate da justiça espacial

Um primeiro passo no tema da justiça consiste em distinguir as diferenças - a priori, “neutras” e “essenciais” - e as desigualdades, que seriam circunstanciais, construídas em função dos jogos de poder presentes em determinada sociedade. Uma diferença pode constituir uma desigualdade se virar critério para um tratamento distinto (a escravidão, por exemplo), e vice-versa, uma desigualdade pode ser naturalizada a ponto de virar uma diferença (os nobres, por exemplo) (Barros, 2006). Falta, contudo, abordar a dimensão ética, imprescindível nesse debate.

A desigualdade é uma forma particular de diferença entre as pessoas, que não é, a priori, “natural”, sobre a qual se coloca uma preocupação ética (Smith, D., 1994), isto é, quando se verifica um tratamento diferente entre indivíduos ou grupos, embora não existam diferenças morais identificáveis entre eles. Em outras palavras, trata-se de fazer a distinção entre a ideia de justiça como igualdade e a ideia de justiça como equidade. O conceito de equidade admite a existência de desigualdades justas (que podem e devem permanecer) e de desigualdades injustas (que devem ser corrigidas). A dificuldade de atingir uma situação de igualdade “perfeita” ou completa1 também confere um interesse maior à noção de equidade, que permite um tratamento diferenciado entre indivíduos, para combater diferenças injustas. Mas em que critérios éticos basear-se? A questão é conflituosa: quem decide os critérios para avaliar a existência de desigualdades? O que deve ser igual? Como decidem-se os critérios? Por exemplo, a desigualdade criada para idosos e gestantes - que têm assentos preferenciais nos transportes públicos por ser considerados pela sociedade e pelas leis pessoas merecedoras dessa prioridade - é uma desigualdade justa ou deve ser revogada?

As noções de igualdade e equidade encobrem duas visões políticas distintas: para uns, o conceito de equidade é uma abordagem eficaz e concreta de redução das desigualdades; para outros, é um freio à busca da igualdade, porque legitima o que pode ficar desigual, ao definir o que se deve corrigir (Young, 1990). Ou seja, as políticas de redistribuição e compensação são compreendidas por alguns autores como mecanismos que não questionam o sistema capitalista, estruturalmente desigual, já que funciona na base da concentração de riquezas e numa divisão socioespacial injusta do trabalho (Smith, N., 1984; Harvey, 2008).

Alguns autores, no entanto, advogam a superação desse conflito abordando as noções de equidade e igualdade em termos de complementaridade: “a equidade não se opõe à igualdade. Ela pressupõe, ao contrário, a procura de critérios mais exigentes de igualdade” (Fitoussi; Rosanvallon, 19962 apud Paulo, 2006, p. 25). Definição que revela, porém, seu caráter plural e conflituoso. Quem decide o que deve ser corrigido? Como garantir que os critérios escolhidos não estejam determinados pela ordem dominante? Como garantir que alguns grupos, por terem mais visibilidade e poder de reivindicação, não consigam mais reparações do que outros?

Seja definida como equidade, como igualdade, ou ainda, por exemplo, como bem-estar, bem-viver ou direito à cidade, a questão da justiça, pela diversidade das concepções em jogo, mantém vivos debates teóricos (Smith, D., 1994; Gervais-Lambony; Dufaux, 2009; Soja, 2010; Brennetot, 2011; Carlos; Alves; Padua, 2017; Van Den Brule, 2020).

Para traçar uma proposta de genealogia das diferentes correntes que estruturam o debate atual, partimos de duas obras: A theory of justice, de Rawls (1971), que propõe a prioridade do “justo” sobre o “bem”, pondo em xeque os modelos de filosofia política que se baseiam na maximização do bem-estar social, e Social justice and the city, obra em que Harvey (1973) teria sido um dos pioneiros em usar o conceito de justiça, ao analisar o problema geográfico da coabitação social nas cidades.

A ruptura com o utilitarismo: John Rawls e a justiça como equidade

O princípio de equidade rawlsiano frente ao utilitarismo

As primeiras teorias utilitaristas (Bentham, 1789; Sidgwick, 1907) que defendem o maior bem-estar possível para a maioria influenciaram as ciências sociais e os ideais político e econômico de crescimento e desenvolvimento. O utilitarismo promove o bem-estar humano e baseia-se na benevolência generalizada dos indivíduos: “alguém com uma disposição utilitarista agirá para promover o bem-estar imediato ajudando uma pessoa idosa a atravessar a rua, por exemplo, ou pode agir de acordo com regras como a reciprocidade ou o mercado de troca para produzir o melhor resultado em termos de bem-estar” (Smith, D., 1994, p. 59, tradução própria). Nessa abordagem, atinge-se a justiça pela maximização do bem-estar coletivo, considerado a soma das utilidades individuais, ou seja, justiça é o que beneficia a maioria. Por exemplo, o Ótimo de Pareto segue o princípio “do menor sacrifício para o menor número possível de pessoas”. A maneira como devem ser repartidos os recursos, contudo, não é explicitada a partir do momento em que o ótimo é atingido, ou seja, trata-se de um princípio de distribuição que tende a reproduzir o status quo(Smith, D., 1994). Segue sendo o pano de fundo dos regimes urbanos contemporâneos, que afirmam que as políticas de crescimento resultam no maior bem para o maior número de pessoas (Fainstein, 2010).

A força da teoria rawlsiana, contudo, consistiria exatamente no fato de não se basear na teologia, no altruísmo, no pensamento marxista ou num diagnóstico da natureza humana (Fainstein, 2010). Ao contrário das formulações utilitaristas, o bem-estar não poderia se basear na soma das situações individuais, levando Rawls a procurar uma teoria justa “em si” para a sociedade como um todo. Contratualista e transcendental, mais deontológica do que teleológica, sua teoria é chamada “liberalismo igualitário” ou “institucionalismo transcendental” (Smith, D., 1994). Consiste em imaginar, à moda de Rousseau, um contrato social ideal para uma sociedade. Assim, a teoria parte de um contrato entre os indivíduos que deveria ser firmado em uma “posição original”, na qual ninguém teria conhecimento da sua posição social, nem de suas vantagens e habilidades pessoais (Rawls, 1971). Esse contrato daria origem a cinco categorias de “bens sociais primários” desejados por indivíduos racionais nessa situação hipotética: (a) liberdades fundamentais, (b) oportunidades oferecidas aos indivíduos, (c) poderes e privilégios, (d) renda e riqueza e (e) bases sociais do respeito a si. A partir dessas categorias, para Rawls, uma sociedade é justa se respeita três princípios fundamentais: (i) princípio de igualdade de liberdade (garantia de liberdades básicas para todos), (ii) princípio de igualdade de oportunidades (igualdade equitativa de oportunidades) e (iii) princípio de diferença, chamado maximin (apenas as desigualdades que favorecem os mais desfavorecidos devem ser mantidas, ou os que menos têm devem obter mais benefícios).

Este último princípio, afirmando a prioridade da equidade sobre a eficiência, é aquele que mais repercutiu nos campos científico e político. Ao promover a redistribuição, ou seja, a maximização do que pode obter uma pessoa em posição inferior, o maximin resolveria um impasse da teoria utilitarista: o sacrifício de alguns para o bem-estar da maioria.

Como exemplo de aplicação da teoria rawlsiana a um problema geográfico, Bret (2006, 2009) analisa a diferenciação socioespacial do modelo centro-periferia e suas implicações em termos de desigualdade e injustiça. O autor investiga a maneira como o crescimento pode levar a um desenvolvimento com equidade. Segundo ele, a teoria de Rawls ajudaria a resolver coerentemente a seguinte contradição: desenvolvimento é o crescimento com justiça, mas é necessariamente desigual (Bret, 2009). Essa contradição seria resolvida com a aplicação do princípio do maximin: se o centro (motor do crescimento) é capaz de transformar e distribuir sua riqueza, torna-se polo de desenvolvimento, respeitando, portanto, o princípio de reparação. Em outras palavras, para o autor, a justiça como equidade permite consertar desigualdades produzidas pelo crescimento, necessário ao desenvolvimento.

Em resumo, para Rawls, o razoável primaria sobre o racional, o justo sobre “o bem”, e a equidade sobre a eficiência (Maric, 1996, p. 108). Persiste, não obstante, um dilema na justiça redistributiva rawlsiana: como definir os indivíduos ou grupos em situação de desvantagem, aqueles que terão tratamento diferencial?

Os limites da teoria rawlsiana e da equidade como redistribuição

A primeira crítica à teoria rawlsiana é que o conceito de equidade pode, na prática, atenuar injustiças sem questionar o sistema que as produz. Nesse sentido, quando a ideia de equidade é capturada pelas esferas políticas e midiáticas, as políticas de reparação e de redistribuição criam às vezes situações contraditórias, que se refletem, por exemplo, em oxímoros como “capitalismo humano” ou green capitalism. Quanto à posição original de Rawls, para alguns, ela permite tanto “chegar a Marx quanto a Milton Friedman”, mas, em nenhuma hipótese, a soluções liberais ou socialistas (Harvey, 1973). Nessa linha marxista, a pergunta é: para que re(distribuir) em um sistema capitalista, em que predomina o valor de troca e em que a privação, a exploração, a alienação e a escassez dos bens e serviços são inerentes? Nos termos de Harvey (1973, p. 114, tradução nossa): “[...] dizemos que os empregos são escassos quando há muito trabalho por fazer, que o espaço é restrito quando as terras permanecem vazias, que a comida é escassa quando os agricultores estão sendo pagos para não produzir”.

Uma segunda crítica aponta o caráter transcendental, isto é, a abstração teórica e universal de Rawls, que não levaria em conta os contextos históricos e sociais reais. Nesse sentido, vale ressaltar a obra A ideia de justiça (Sen, 2011), que constitui uma das principais críticas à dimensão abstrata3 da teoria rawlsiana: nada garante que, sob a condição hipotética do “véu de ignorância”, os indivíduos não escolheriam outros bens primários que não os de Rawls. Em outras palavras, Sen (2011, p. 87) convida a olhar “os interesses verdadeiramente plurais, e por vezes conflituosos, que afetam a nossa compreensão da justiça”. Assim, é precisamente no ponto em que as análises de Rawls parecem vulneráveis que começa a teoria das capacidades (Maric, 1996), como discutido a seguir. Com relação aos bens primários de Rawls, Sen aponta a falta da reparação de desvantagens (como as deficiências) e/ou das vantagens naturais (o talento, por exemplo). Ou seja, Rawls preocupa-se com uma justa repartição dos meios (bens primários) e Sen com as capacidades individuais de usá-los nas realizações dos fins: não basta ter os direitos, também é preciso ter meios e capacidade de usá-los; é preciso olhar os “resultados” e as “realizações” para além dos contratos e passar dos bens primários à avaliação real das liberdades e capacidades. Dessa forma, o conceito de capabilities implica a capacidade das pessoas converterem os bens primários em bem-estar. Assim, indivíduos precisam de quantidades diferentes de bens sociais para atingir o mesmo bem-estar. Isso decorre do conceito de liberdade de Sen, na interseção entre a “liberdade a”, isto é, a liberdade positiva (que os indivíduos são capazes de atingir concretamente) e a “liberdade de” (ausência de coerção). Nessa visão, a justiça de uma sociedade depende de uma combinação de aspectos institucionais e comportamentais reais. Sen (2011, p. 99) pergunta: “como é então possível identificar instituições ‘justas’ para uma sociedade sem as tornar dependentes do comportamento real das pessoas”? Para achar esse “meio termo”, aborda a justiça com o artifício do “espectador imparcial” de Adam Smith, que permitiria focar nas realizações sociais, nas “oportunidades reais” e não somente nas demandas das instituições e das regras. Segundo Connolly e Steil (2009), contudo, essa teoria tem o mesmo defeito do Western Liberalism (que inclui Rawls), qual seja, o de considerar o indivíduo uma entidade abstrata, universal, atomizada, sem levar em conta suas relações sociais ou especificidades históricas, culturais ou espaciais.

Avançando no debate, apreendemos abordagens marxistas da justiça conectadas com análises no âmbito do capitalismo na sua fase atual e da sociedade urbana - no sentido lefebvreano, pelo qual o urbano prevalece na relação espaço e sociedade (Lefebvre, 1970).

Uma interpretação geográfica da justiça no pensamento marxista: em direção a uma visão ampla das injustiças do capitalismo

Além da obra de Rawls - considerada uma ruptura epistemológica na Filosofia Política (Smith, D., 1994) -, a de Harvey (1973) acusa as análises dessa época de legitimarem a ética liberal. Para ele, a ética “utilitarista” manifestar-se-ia por meio do capitalismo contemporâneo, em que a liberdade individual é erigida prioritariamente, isto é, o direito de uma pessoa realizar seus objetivos com o mínimo possível de barreiras. Para compreender essa ideologia, um trecho de Hayek (1944, p. 78, tradução nossa) é particularmente esclarecedor:

O sistema de propriedade privada é a garantia mais importante de liberdade, não só para aqueles que têm propriedade, mas também para aqueles que não a têm. É só porque o controle dos meios de produção é dividido entre várias pessoas que agem independentemente que ninguém tem um poder completo sobre nós, que nós, como indivíduos, podemos decidir o que fazemos de nós mesmos.4

Abordamos a seguir a contribuição de Harvey ao debate e algumas posteriores, que se inscrevem na continuidade.

O autor propõe uma análise da distribuição espacial, com base em princípios de justiça social, a partir de duas perguntas: “o que estamos distribuindo?” e “entre quem ou o que estamos distribuindo?”. Convém ressaltar que, para Harvey (1973, p. 101, tradução nossa) “a justiça distributiva territorial implica automaticamente em justiça individual”.5 O autor compila princípios6 (Harvey, 1973, p. 100), três dos quais conteriam a essência de justiça social territorial. São eles, em ordem de importância: (i) A necessidade: os indivíduos podem exigir níveis diferentes de benefícios, ou seja, pode existir uma alocação desigual em função da necessidade, (ii) a contribuição ao bem comum: os que têm atividades que beneficiam mais gente têm mais demandas do que os que praticam atividades que beneficiam menos pessoas e (iii) o mérito, não no sentido da “meritocracia”, mas de haver mais direitos para quem enfrenta maiores dificuldades, desafios, na sua contribuição à produção (os trabalhos mais pesados e perigosos, como os mineiros, por exemplo). Quanto ao primeiro critério, Harvey lista as principais necessidades, que podem variar de acordo com a localização espacial: alimentação, moradia, saúde, serviços sociais, de educação e ambientais, bens de consumo, oportunidades de lazer e infraestruturas locais e de transporte. O segundo critério representa, por sua vez, do ponto de vista espacial, o impacto que a alocação de recursos num território pode ter em outro. O terceiro, em sua aplicação geográfica, permite levar em conta as dificuldades ligadas a um território e as possíveis compensações que esses casos podem exigir.

A partir desses três critérios, o autor define a “justiça social territorial” com dois princípios: (i) “A distribuição da renda tem que acontecer de tal forma que: (a) as necessidades da população dentro de cada território sejam supridas, (b) os recursos sejam alocados de tal forma a maximizar o efeito multiplicador inter-territorial e (c) os recursos extras sejam alocados para ajudar a superar dificuldades específicas geradas pelo contexto físico e social”, e (ii) “os mecanismos (institucionais, organizacionais, políticos e econômicos) devem ser organizados para que os benefícios do território com menos vantagens sejam os melhores possíveis”7 (Harvey, 1973, p. 116-117, tradução nossa). É, explicitamente nessas páginas que Harvey incorpora o princípio do maximin de Rawls para “estendê-lo, posteriormente, ao conceito de ‘necessidades’, compatível com a teoria marxista”8 (Brennetot, 2011, p. 120, tradução nossa).

As questões colocadas por Harvey são, de alguma forma, mais assertivas do que sua formulação normativa da justiça social em si. A despeito de propor uma teoria da justiça, o autor formula princípios e perguntas ligadas às formas espaciais que permitiriam maximizar a justiça social e aos mecanismos que poderiam garantir que as regiões mais pobres recebessem mais benefícios e que facilitassem avaliar quais territórios estão em situação de desvantagem, entre outros.

Assim, por um lado, a partir da filosofia marxista, Harvey rejeita o imperativo categórico kantiano9 para apreender a realidade como uma construção social e histórica: a noção de justiça encarnada nos Estados capitalistas reflete o interesse das classes dominantes. No entanto, não descarta a justiça como instrumento, mecanismo no processo de conscientização dos explorados, no seio de conflitos e lutas: “a justiça deve ser essencialmente pensada como um princípio (ou um conjunto de princípios) para resolver reivindicações conflitantes” (Harvey, 1973, p. 97, tradução nossa). Por outro lado, posteriormente, o autor advoga uma justiça social para além do “estreito relativismo”, segundo o qual a moralidade estaria inteiramente inscrita no espaço e no tempo, ou como simplesmente uma questão cultural (Harvey, 1992). Nesse sentido, embora não explicitamente, é possível encontrar princípios morais na teoria marxista. É o caso do conceito de exploração, que implica a apropriação, por parte dos proprietários dos meios de produção, da mais-valia produzida pelos trabalhadores, em forma de renda, lucro ou juros. Em Marx, a apropriação desse excedente não é descrita como injusta em si, mas notam-se termos como “roubo”, “desfalque” ou “assalto”, o que pode ser considerado uma “invocação de normas trans-históricas e não relativas” (Smith, D., 1994, p. 90, tradução nossa). Assim, a exploração, corolário do direito burguês, é vista como vantagem injusta num sistema de (re)distribuição que diz respeito ao acesso aos recursos e aos meios de produção. Daí o critério de “necessidade”, para substituir o “direito burguês”. O “materialismo histórico-geográfico” de Harvey (2008) - que visa mostrar a espacialidade dessa dimensão e compreender geograficamente os mecanismos de reprodução das desigualdades, de exploração e dominação - influenciou a Geografia e os Estudos urbanos. Segundo Brennetot (2011, p. 130, tradução nossa), desde os anos 1990:

[...] uma corrente mais crítica da geografia social, inspirada pelas ideias de David Harvey e de Henri Lefebvre, revisita a noção de justiça espacial para denunciar os excessos geográficos do liberalismo e as discriminações sofridas por certas minorias [...] mas também para propor alternativas à urbanidade, procurando conciliar multiculturalismo e equidade.10

A publicação de Geography and social justice (Smith, D., 1994) defende a centralidade da justiça na Geografia. No mesmo ano, houve a conferência de celebração dos vinte anos de Social justice and the city, que deu origem à publicação do livro The urbanization of injustice (Merrifield; Swyngedouw, 1997). Por sua vez, Fainstein (2010) afirma que teve a ideia de seu livro The just city justamente na conferência de 1994. Nele, a autora advoga a justiça como norma principal para a avaliação das políticas urbanas, uma reação contra a importância dada à competitividade e à dominação das políticas neoliberais (Fainstein, 2010, 2013). As denúncias do crescimento da alienação e das injustiças do capitalismo na sua fase atual, com forte expressão urbana, deram a Young (1990) as bases para a formulação de uma proposta robusta de definição da justiça. É o que veremos, a seguir.

Iris Marion Young e a justiça como falta de opressão e dominação: a integração das injustiças estruturais com a variável cultural

Para a filósofa e cientista política Young (1990), o individualismo assumido pelo paradigma redistributivo obscurece os fenômenos de opressão e de dominação que demandam uma abordagem relacional. Esse paradigma favoreceria o status quo do capitalismo e justificaria os valores e a moral burgueses. Essa moral e as relações de produção e de dominação das sociedades capitalistas produzem injustiças, das quais Young (1990, p. 3, tradução nossa) propõe estudar os sintomas:

Argumento que, em vez de focar na distribuição, uma concepção da justiça deveria começar com os conceitos de dominação e opressão. Uma mudança assim revela temas de tomada de decisão, divisão do trabalho e cultura que pesam sobre a justiça social, mas que são frequentemente ignorados nas discussões filosóficas.11

A autora define a justiça de forma negativa: uma situação ou uma política é considerada justa se não há opressão ou dominação. Referência nos estudos atentos a comunidades e minorias, Young renuncia a uma teoria geral ou universalista da justiça, privilegia uma abordagem centrada nos grupos (e/ou comunidades) como os negros e as populações LGBT, ao invés dos indivíduos, e denuncia as abordagens centradas exclusivamente nas desigualdades socioeconômicas. Ou seja, a decisão “justa” é obtida de forma relacional, a partir da negociação entre grupos que, aliás, são definidos mais por afinidades do que por critérios formais. A diferença que fundamenta a identidade do grupo não é fixa, mas produto das interações. As identidades e as diferenças são contextuais, no pensamento de Young (Gervais-Lambony; Dufaux, 2009).

A teoria de Young (1990) distingue duas famílias de injustiças: a dominação (que impede alguns grupos de fazerem escolhas) e a opressão (que os impede de adquirir os meios para fazer essas escolhas). Esses dois conceitos apoiam-se em valores fundamentais da “perspectiva moral” de Marx, como a liberdade (no sentido da autodeterminação), a comunidade humana (superior ao individualismo) e a autorrealização. A política da diferença, que a autora defende, baseia-se na ausência de opressão das minorias e em seu consequente reconhecimento. A busca por justiça consiste, assim, em lutar contra cinco formas de opressão (Quadro 1): exploração, marginalização, impotência, imperialismo cultural e violência.

Quadro 1-
Formas de opressão segundo Iris Marion Young (1990)

Young insere-se em uma abordagem - como Nancy Fraser (1996, 2004), a seguir - que concorre para inserir considerações culturalistas na análise marxista. De fato, enquanto as três primeiras formas de opressão estão ligadas a relações de poder derivadas da divisão social do trabalho, algumas lutas, como as pautas feministas e raciais, concorreram para evidenciar outras formas de opressão (o imperialismo cultural e a violência). A rigor, podemos imaginar como essas preocupações podem se casar com outras interpretações. Na sociologia, os mecanismos de reprodução das desigualdades, analisados por meio do habitus12 bourdieusiano, por exemplo, encontram um ponto de diálogo com o conceito de imperialismo cultural - no sentido de que alguns grupos têm acesso privilegiado aos códigos e recursos da cultura dominante - ou ainda com a dominação cultural das classes médias, que foram encarregadas de veicular os valores do mundo moderno. Na visão de Lefebvre (1971[1968], p. 48):

Surge uma nova mistificação: as classes médias não terão mais que uma sombra de poder, mais que uma migalha de riqueza, mas é em torno delas que o cenário se organiza. Seus “valores”, sua “cultura” levam vantagem ou parecem levar porque são “superiores” aos da classe operária.

Redistribuição e reconhecimento: a síntese de Nancy Fraser

Os autores, teorias e princípios de justiça apresentados podem ser contraditórios ou complementares. Dentro dos elementos abordados, identificamos algumas tendências e dicotomias: universalismo/normativismo versus relativismo/culturalismo; dimensão estrutural ou transcendental versus dimensão processual (ou relacional); ou, ainda, entre “universalismo ético versus relativismo cultural” (Van Den Brule, 2020, p. 301). O conteúdo desse espectro compartilha uma preocupação frequente da Geografia que procura entender o par desigualdades-diferenças (e as suas soluções mais comuns, respectivamente, a redistribuição e o reconhecimento/tolerância). Nesse sentido, Fraser (1996, 2004) - conhecida pelo conceito de reconhecimento (social, cultural) e de respeito às diferenças - defende que a justiça deve ser atingida a partir da redistribuição e do reconhecimento, simultaneamente: “em suma, não há redistribuição sem reconhecimento”13 (Fraser, 1996, p. 49, tradução nossa).

Essa visão da justiça se constrói sobre a noção de “paridade de participação”: de um lado, o paradigma da redistribuição é centrado nas injustiças socioeconômicas, o que implica focar nos mecanismos de exploração e reprodução das desigualdades; e, de outro, o paradigma do reconhecimento centra-se nas injustiças culturais, produto de modelos sociais de representação, interpretação e comunicação, que têm a ver com dominação cultural, negação de reconhecimento e desprezo.

Fraser (1996) também distingue dois posicionamentos estratégicos (e políticos) da luta contra as injustiças no paradigma da redistribuição: a “redistribuição afirmativa”, cujo objetivo é corrigir uma má distribuição, sem perturbar os mecanismos econômicos e políticos estruturais que criam essas desigualdades e diferenciações injustas; e a “redistribuição transformativa”, cujo objetivo é mudar a estrutura social, o sistema econômico ou a divisão social do trabalho.14 Feitas essas considerações, ainda é necessário apresentar brevemente as implicações do adjetivo “espacial” e da espacialidade no debate sobre a justiça.

Justiça espacial: a importância da dimensão espacial no debate da justiça

A espacialidade e o espaço são diretamente ligados à ideia de justiça e vice-versa. Em outras palavras, a questão da justiça interessa diretamente à Geografia. Para Lévy e Lussualt (2003, p. 531), a associação entre justiça e espaço supõe, por um lado, que o “espaço oferece conteúdo para se definir o que é justo” e, portanto, para se definir o que é injusto. Por outro lado, sugere que “as capacidades de ação sobre o espaço permitem a aproximação a um agenciamento justo”. Nos termos de Ivaldo Lima (2020, p. 130), trata-se de “uma preocupação científica com o justo acesso ao espaço, ou seja, com o uso democrático do espaço, o que equivale a falar no direito ao espaço”. De alguma forma, a defesa e as teorizações do “direito à cidade” (Lefebvre, 1968), da “justiça territorial” e do “direito ao espaço” (Lima, 2020), do “direito à terra” em lutas de caráter campesino e rural, ou do “direito à moradia”, em qualquer parte, são reivindicações de uma justiça a ser conquistada por e pelo espaço.

Por isso, o adjetivo “espacial” da justiça torna-se fundamental. Em seu “Manifesto Diferencialista”, Lefebvre (2020[1970]) sugere que o “direito à diferença” - que dialoga bastante com os paradigmas do reconhecimento e da tolerância - é um elemento fundamental do direito à cidade ou do direito ao espaço. Isso porque o espaço concebido, como produto da ordem dominante, oprime e homogeneíza a vida cotidiana e as práticas espaciais e aniquila as diferenças que se encontram no espaço vivido (Lefebvre, 1970, 1974).

Ainda na questão urbana sobre formas e escalas, o que é preferível? Que formas e modelos urbanos são menos desiguais ou injustos? O que e para quem é injusto? Em que escalas é injusto? Onde é injusto? Todas essas preocupações outorgam ao termo justiça espacial certo conteúdo, a partir da necessidade de procurar a espacialidade das injustiças, para melhor compreendê-las e combatê-las.

A expressão justiça espacial teria aparecido nos anos 1970 (Soja, 2010; Van Den Brule, 2020), mas, até os anos 2000, a expressão e o conceito específico de “justiça espacial” ainda eram escassamente utilizados (Dikeç, 2001). Isso se deve possivelmente ao fato de que o termo espacial no tema da justiça apareceu de forma menos evidente, embora com uma proliferação de expressões que giram em torno do mesmo tema:

A ideia de justiça espacial às vezes aparece como cidade justa, justiça territorial, justiça social e a cidade, justiça ambiental, direito à cidade, equidade territorial, territórios injustos, urbanização injusta, cidade justa etc. (Van Den Brule, 2020, p. 300).

A partir do final dos anos 2000, no entanto, uma série de trabalhos aborda mais especificamente a questão da justiça espacial. A revista Justice Spatiale/Spatial Justice15 (Qui sommes nous?, 2009), por exemplo, promove discussões transdisciplinares e internacionais sobre a relação entre justiça e espaço. A reflexão também avançou com uma série de publicações focadas no urbano e na procura de justiça nas cidades - como The just city (Fainstein, 2010), Searching for a just city (Marcuse; Connolly; Novy, 2009) e Seeking spatial justice (Soja, 2010), ou ainda, contribuição fundamental no Brasil, a obra Justiça espacial e o direito à cidade (Carlos; Alves; Padua, 2017).

Nessas abordagens, o urbano destaca-se na busca de uma definição da justiça, a partir das injustiças e alienações crescentemente visíveis do ponto de vista espacial, na medida em que o espaço se tornou objeto principal da acumulação capitalista contemporânea, no processo atual de urbanização neoliberal e de mercantilização das cidades (Harvey, 1989, 2008; Jonas; Wilson, 1999). Nesses processos que criam injustiças, a dimensão espacial é intrinsecamente embutida: a segregação, a fragmentação, a diferenciação, a marginalização, a periferização das classes populares etc. Nesse sentido, Connolly e Steil (2009) afirmam que a procura por uma cidade justa começa a partir das injustiças da urbanização acelerada e de suas consequências na violência, na insegurança, na pobreza e na exploração, que envolvem divisões múltiplas entre as categorias de classe, gênero e raça e cuja dimensão espacial é fundamental.

Assim, a justiça social torna-se espacial para colocar em diálogo espacialidades e injustiças. A obra La production de l’espace (Lefebvre, 1974) constitui uma base para diversos autores que insistem na dimensão espacial da justiça, com interpretações e atualizações promissoras (Dikeç, 2001; Carlos; Alves; Padua, 2017; Gervais-Lambony, 2017, Soja, 2010; Marcuse; Connolly; Novy, 2009).

Tanto a tripla concepção do espaço (Lefebvre, 1974) quanto a noção de direito à cidade (Lefebvre, 1968) têm ainda hoje desdobramentos pertinentes na reflexão sobre a justiça espacial. Com relação à primeira - com o espaço concebido (do poder, as “representações do espaço”), o espaço percebido (das práticas espaciais) e o espaço vivido (dos “espaços de representação” e do cotidiano) - cabe ressaltar que ainda inspira visões contemporâneas da justiça espacial.

Para Gervais-Lambony (2017), por exemplo, não se trata tanto de ressaltar a espacialidade das injustiças ligadas à redistribuição e ao reconhecimento, mas de considerar o espaço como terceira polaridade, na medida em que sua produção é política e social. Na mesma linha, numa dialética espacial da injustiça, trata-se de estudar a espacialidade da injustiça e a injustiça da espacialidade (Dikeç, 2001). A primeira remete à dimensão espacial da justiça, isto é, implica uma perspectiva espacial para discernir a injustiça “no” espaço. Em outros termos, a organização espacial e a produção do espaço têm impacto no comportamento dos indivíduos, na ação política e no desenvolvimento da sociedade (Soja, 2010). A segunda implica a reprodução das estruturas em vigor, do sistema dominante, isto é, “através do espaço”.

O termo justiça espacial corresponderia, no âmbito do tema da justiça, ao spatial turn reivindicado pelas ciências sociais, recolocando o poder explicativo da espacialidade na produção e na permanência das injustiças. Nos espaços urbanos, elementos ligados ao espaço e aos territórios configuram injustiças espaciais: distintos movimentos, (i)mobilidades, ritmos, tempos, localizações e barreiras físicas e simbólicas. Esses mesmos elementos, não obstante, podem servir para lutar contra injustiças. Na medida em que, na produção do espaço contemporâneo, o próprio espaço é elemento principal de acumulação, é nele que as reivindicações e lutas por justiça se concretizam e expressam, de forma complexa, conflituosa e processual. Poderíamos dizer que é no espaço vivido que se pensam as soluções e, nesse sentido, no: “[...] cotidiano, como lugar das opressões-reduções do espaço cotidiano ao homogêneo [...] -, [e que] é, contraditoriamente, o lugar do desejo que entra em choque com o mundo manipulado das necessidades” (Carlos, 2017, p. 55).

A triplicidade do espaço poderia, por exemplo, aportar profundidade analítica - e espacial -, sendo integrada a marcos interpretativos como o de Young (1990). Com Lefebvre (1968, 1974), poderíamos dizer que a justiça é alcançada quando inexiste dominação, opressão, alienação e fragmentação do(s) espaço(s), indivíduos e grupos sociais. Nesse sentido, o conceito de direito à cidade - a despeito da sua relativa captura pelos mecanismos do Estado - ainda representa um potencial transformador, na dimensão processual e espacial da justiça (Carlos; Alves; Padua, 2017), quando é examinado “à luz de um projeto utópico de construção de uma nova sociedade (urbana) [...] como o negativo do mundo moderno” (Benach, 2017, p. 11).

A “reunião das forças diferenciadoras” na busca da justiça, deve acontecer no vivido (Carlos, 2017), o que exige a produção - da ordem do espaço diferencial (Lefebvre, 1974) -, apropriação e transformação do espaço-tempo, do espaço concebido. Em outras palavras, é no espaço vivido, ou na recuperação desse espaço, que a justiça espacial expressa o seu potencial: o real acima do virtual, o valor de uso acima do valor de troca, o desejo acima da necessidade e as diferenças verdadeiras acima das diferenças impostas. O direito à cidade, o direito à diferença e o direito à resistência (ou à luta) (Dikeç, 2001) são, nesse sentido, pistas interessantes para afirmar a importância da espacialidade no debate sobre a justiça na Geografia.

Conclusão

A pluridimensionalidade da justiça (Gervais-Lambony, 2017), isto é, a compreensão e a distinção entre diferentes visões e abordagens da justiça, permite ricos diálogos com a Geografia. Não se trata apenas de procurar eficiência empírica dos modelos teóricos, mas de adequá-los a certa “operacionalidade ética” (Brennetot, 2010) ou, em outras palavras, de produzir “geografias morais” (Lima, 2020). A confrontação entre diversas concepções da justiça - que também estão presentes na sociedade e no espaço - gerou tentativas teóricas de classificação. É o caso da “geoética” proposta por Brennetot (2010), que agrupa diversos sistemas de pensamento em torno da justiça, permitindo um balanço com quatro grandes “categorias éticas”: (i) propriedade, (ii) equidade, (iii) tolerância e (iv) harmonia.

Essas visões, como vimos, podem ser complementares e/ou contraditórias. O princípio de redistribuição pode combinar-se com o princípio da tolerância e do reconhecimento das diferenças e minorias. A ética da “propriedade”, isto é, a ética neoliberal e mercantil, que preza o direito individual acima do coletivo, contudo, dificilmente é compatível com princípios de equidade e reconhecimento social. Muito mais do que escolher um modelo ou outro - como vimos, existem interpretações da justiça marxistas e liberais, teóricas e processuais, culturalistas e universalistas etc. -, trata-se de defender a ideia de que uma abordagem geográfica deveria explicitar os princípios da justiça a partir dos quais aprecia a realidade e enunciar “racionalmente o conceito de justiça para logo qualificar racionalmente as situações justas ou injustas” (Bret, 2009, p. 17, tradução nossa).

Assim, algumas categorias éticas que sustentam determinadas visões da justiça podem não servir de marco teórico na análise, mas não se pode ignorar sua marca no espaço. Por exemplo, apesar de apresentar-se como neutra e “homogeneizante”, a lógica do espaço concebido (Lefebvre, 1974) produz uma crescente alienação e dominação da vida e dos espaços. Portanto, os princípios morais da ética da propriedade - princípios de liberdade individual, de meritocracia, do crescimento acima da equidade, da maioria acima das minorias e do valor de troca acima do valor de uso - devem ser levados em conta não tanto por sua relevância em termos teóricos, mas porque existem nos espaços, territórios, lutas e discursos que, entre outros, os geógrafos pesquisam.

Por fim, a quarta categoria ética da justiça, não explorada aqui, a harmonia, corresponderia a uma visão que busca a realização e a plena potência da vida humana, a harmonia com a natureza, o bem-estar e a felicidade, e que se traduz em diversos conceitos como a justiça ambiental, ou o buen-vivir.

Para a Geografia, cabe colocar no debate a dimensão espacial e das espacialidades, porque é no espaço que se confrontam essas diferentes visões, que, transpostas à análise de determinadas ações, objetos geográficos, operadores espaciais ou indivíduos, revelam as interações e as lutas em diversas escalas (Legroux, 2016). A nosso ver, além do necessário restabelecimento do conceito do direito à cidade, tendo em vista usos amplos ou manipuladores da ideia original (Carlos; Alves; Padua, 2017), as ideias de unidade e de diferença produzidas (em oposição às diferenças induzidas, manipuladas) (Lefebvre, 1974) parecem oferecer desdobramentos férteis para uma busca da justiça, na teoria, na práxis e no espaço, conjuntamente.

Enfim, cabe dizer que esta revisão do debate ainda precisa de aplicações empíricas para ser enriquecida, seja com a adoção de uma das visões da justiça para o estudo de determinado objeto geográfico, seja com a análise de determinado caso a partir da confrontação dessas diferentes visões

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  • 1
    Engels, por exemplo, em carta em Marx, em 1875, não negava o caráter irredutível de algumas diferenças desiguais: “entre um país e outro, uma província e outra e até entre uma localidade e outra, sempre existirá uma certa desigualdade nas condições de vida, que será possível reduzir a um nível mínimo, mas nunca remover inteiramente” (apud Smith, D., 1994, p. 49, tradução nossa). (“Between one country and another, one province and another and even one locality and another there will always exist a certain inequality in the conditions of life, which it will be possible to reduce to a minimum but never entirely remove”.)
  • 2
    FITOUSSI, J.-P.; ROSANVALLON, P. Le nouvel âge des inégalités. Paris: Seuil, 1996.
  • 3
    Apesar dessas críticas, Rawls imaginou mecanismos mais concretos para reduzir as desigualdades de riqueza por meio de tributação, como instituições fiscais e de redistribuição.
  • 4
    “The system of private property is the most important guarantee of freedom, not only for those who own property, but scarcely less for those who do not. It is only because the control of the means of production is divided among many people acting independently that nobody has compete power over us, that we as individuals can decide what to do with ourselves” (Hayek, 1944, p. 78).
  • 5
    “[…] territorial distributive justice automatically implies individual justice” (Harvey, 1973, p. 101).
  • 6
    (1) Igualdade inerente: todos os indivíduos têm direitos iguais independentemente de sua contribuição, (2) estimação dos serviços em termos de fornecimento e demandas: os indivíduos que precisam de recursos raros e essenciais têm prioridade sobre os outros, (3) necessidade, (4) direitos herdados: os indivíduos têm direitos de propriedade ou outros direitos que lhe foram transmitidos de gerações anteriores, (5) mérito, (6) contribuição ao bem comum, (7) contribuição produtiva verdadeira: os indivíduos que produzem mais benefícios à sociedade – medidos de maneira apropriada – têm mais possibilidades de demanda do que os que trazem menos e (8) esforços e sacrifícios: os indivíduos que fazem um esforço maior ou sofrem maiores sacrifícios com relação às suas capacidades inatas devem receber mais do que os fazem menos.
  • 7
    “I. The distribution of income should be such that (a) the needs of the population within each territory are met, (b) resources are so allocated to maximize interterritorial multiplier effects, and (c) extra resources are allocated to help overcome special difficulties stemming from the physical and social environment. II. The mechanisms (institutional, organizational, political and economic) should be such that the prospects of the least advantaged territory are as great as they possibly can be” (Harvey, 1973, p. 116-117).
  • 8
    “[...] afin de l’étendre, dans un second temps, au concept de ‘besoins’”, lui-même compatible avec la théorie marxiste” (Brennetot, 2011, p. 120).
  • 9
    Baseado num pensamento racional, o imperativo categórico kantiano é fundamentado na razão “pura” dos seres humanos, isto é, num pensamento autônomo, que leva a uma moral independente de justificações morais, religiosas ou políticas.
  • 10
    “[...] un courant plus critique de géographie sociale, inspiré par les idées de David Harvey et d’Henri Lefebvre, réinvestit la notion de justice spatiale pour dénoncer les excès géographiques du libéralisme et les discriminations dont souffrent certaines minorités, […] mais aussi pour proposer des visions alternatives de l’urbanité cherchant à concilier multiculturalisme et équité […]” (Brennetot, 2011, p. 130).
  • 11
    “I argue that instead of focusing on distribution, a conception of justice should begin with the concepts of domination and oppression. Such a shift brings out issues of decisionmaking, division of labor, and culture that bear on social justice but are often ignored in philosophical discussions” (Young, 1990, p. 3).
  • 12
    Do ponto de vista sociológico, o habitus foi popularizado pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002). Trata-se, resumidamente, do comportamento e dos costumes adquiridos por um individuo ou um grupo social e que se encontram profundamente enraizados em sua mente e em seu corpo.
  • 13
    “In short, no redistribution without recognition” (Fraser, 1996, p. 49).
  • 14
    Entre esses dois, a autora identifica um terceiro grupo chamado de non-reformists reform, que procura transformar as estruturas do sistema no longo prazo melhorando progressivamente a justiça nas cidades e nos territórios. Fainstein (2010, 2013), que se situa nesse grupo, propõe uma visão “operacional”, na qual se deve trabalhar com as instituições existentes no contexto atual da urbanização capitalista, nos países democráticos do ocidente. Defendendo-se da crítica marxista segundo a qual as políticas de urbanismo continuarão dentro do “regime capitalista de direitos e liberdades”, a autora argumenta que o sistema pode mudar progressivamente, a partir de pressões contínuas por justiça.
  • 15
    A revista Justice Spatiale/Spatial Justice nasceu com o objetivo de continuar os debates do colóquio Justiça e Injustiças Espaciais (Universidade de Paris-Ouest Nanterre em 2008).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2021
  • Aceito
    20 Dez 2021
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