Open-access Sentindo o saber. Educação da atenção e medicina de família

Feeling the way to knowledge: The education of attention and family medicine

Resumo

O objetivo deste texto é mostrar, através de diferentes situações etnográficas, como se produz o processo de aprendizado de um médico de família em um contexto específico como é o cotidiano de uma residência em medicina de família e comunidade. Para isso é necessário fazer um percurso que permita entender as características específicas dessa prática em complementaridade com a formação biomédica que os residentes trazem consigo de sua graduação. Fundamentalmente apoiarei minha argumentação em dois conceitos-chave: o de cultura epistêmica, extraído da obra de Karin Knorr Cetina, e o de educação da atenção, de Tim Ingold.

Palavras-chave antropologia; cultura epistêmica; educação da atenção; formação médica

Abstract

This text attempts to show, through various ethnographic situations, the learning process of a family practitioner in the specific context of the daily routine of a residency in family and community medicine. This requires a trajectory that will bring out the specific characteristics of this practice as a complement to the biomedical training residents get during their undergraduate course. My argument is based on two key concepts: Karin Knorr Cetina’s epistemic culture and Tim Ingold’s education of attention.

Keywords anthropology; education of attention; epistemic culture; medical training

Alguns anos atrás fiz uma entrevista com um médico sanitarista argentino que foi um dos criadores das primeiras residências em medicina de família, na província de Buenos Aires, Argentina. Nessa conversa, ele me contava da dificuldade de formar os jovens que queriam ser médicos de família, porque esses não tinham em quem se espelhar. A pergunta que se fazia era: quem será a referência desses jovens se não há médicos de família. Ele sabia que precisava de um médico “especial, com uma área delimitada na sua unidade sanitária, com uma população determinada pela qual ele fosse responsável. Quem poderia ensinar-lhe os problemas de antropologia, de sociologia, de epidemiologia? Não era fácil.” A questão que o mobilizava era: como transmitir um ofício, um saber, se não se dispõe de ninguém como modelo. Em outras palavras, o problema com o que estava lidando era como ensinar uma prática sem poder ver alguém a realizando. Como transmitir um saber que é um fazer? Como transmitir uma habilidade prática?

Ele fazia essa referência sobre os anos 1980, quando começava o processo de implementação das residências em medicina de família (ou generalistas, como se chamavam na Argentina). Naquela época, o problema não era diferente no Brasil, como demonstramos em outro texto (Bonet, 2014a). Entretanto muitos anos se passaram e muita transformação ocorreu nos currículos de medicina e na situação política do campo da saúde pública no Brasil, pois já existem residências em medicina de família e comunidade, que formam os médicos que o meu interlocutor, na entrevista anteriormente referida, estava procurando formar.

O objetivo deste texto é mostrar, através de diferentes situações etnográficas, como se produz o processo de aprendizado de um médico de família em um contexto específico, como é o cotidiano de uma residência em medicina de família e comunidade.1 Para isso é necessário fazer um percurso que permita entender as características específicas dessa prática em complementaridade com a formação biomédica que os residentes trazem consigo de sua graduação. Fundamentalmente apoiarei minha argumentação em dois conceitos-chave: o primeiro, de cultura epistêmica, extraído da obra de Karen Knorr Cetina (1999); e o segundo, de educação da atenção, de Tim Ingold (2010).

Em outras palavras, o meu interesse pode ser expresso como a busca por entender como os preceptores da residência ensinam, e como os residentes aprendem, os modos diferenciais de atenção para que sejam eficazes em contextos de práticas específicos, a exemplo dos centros de saúde ambulatoriais do sistema de saúde.

Modos diferenciais de percepção do mundo

Antes de descrever a rotina de ensino-aprendizagem que encontramos nas residências atuais de medicina de família e comunidade, é preciso explicitar o processo que levou ao posicionamento da medicina de família como um paradigma alternativo ao paradigma ou modelo anatomopatológico no campo da medicina como um todo. Esse processo se relaciona com a conversa que tive com o sanitarista argentino a que me referi no início deste texto, pois a falta de médicos para serem exemplos vivos se explicava em razão da oposição entre o novo paradigma, que estava surgindo, e o modelo hegemônico no campo médico.

Muito se tem escrito sobre o processo de formação da biomedicina ou sobre o paradigma anatomopatológico, e não tenho a intenção retornar esses estudos aqui (Bonet, 2004; Camargo Jr., 1997; Foucault, 1991; Rosen, 1980). Contudo, parece-me importante salientar a ideia de que o século XVIII significou uma ruptura na história da medicina ocidental, porque é nesse momento que se instaura uma episteme médica que se manterá até os dias de hoje.

No século XVIII, a experiência clínica se converteu no olhar anatomoclínico; assim, a verdade provinha da morte, dos cadáveres. Nesse momento, com o paradigma da anatomia patológica, abriu-se o caminho para uma medicina positiva e a associação entre doenças e tecidos. Devemos dizer também que, ao mesmo tempo, iniciou-se a tendência que ocasionaria, no século XIX, o divórcio entre a medicina e a filosofia ou a antropologia médica. O enaltecimento do cientificismo foi responsável pela transformação da medicina na ciência de laboratório do século XIX. A medicina da totalidade, do século XVII, se transformou, pouco a pouco, na medicina dos agentes patogênicos.

O desenvolvimento da anatomia patológica ocorreu conjuntamente à criação de um dispositivo de ensino e tratamento, como passaram a ser os hospitais no século XVIII. A formação médica tem de pôr em contato o futuro médico com os enfermos (ou seria mais acertado dizer que tem de pô-los em contato com a enfermidade?). Tal importância coloca o “hospital” como a instituição socializante fundamental, que, “por sua organização hierárquica e por sua lógica científica, na qual se legitima, assegura a perenidade de sua posição predominante” (Baszanger, 1981, p. 240, tradução minha).

Nos hospitais, a aprendizagem vai acontecer em duas partes:

Uma sobre o leito do enfermo, o professor se deterá o tempo necessário para interrogá-lo devidamente, fará notar aos alunos os sinais diagnósticos e os sintomas importantes da enfermidade; depois [no anfiteatro] o professor continuará com a história geral das doenças observadas nas salas [do hospital]. (Foucault, 1991, p. 108, tradução minha).

A medicina experimental e dos agentes patógenos do século XIX deu continuidade ao processo reducionista do saber médico. Nesse processo, uma ideia foi deixada no caminho: a possibilidade de que as doenças tenham causas sociais. Essa ideia era conhecida na França na primeira metade do século XIX (em 1848, é cunhado o termo “medicina social”). Já na época da Revolução, a saúde começara a ser pensada como um direito dos cidadãos. Com esse objetivo foram criadas as maternidades para mães solteiras e se procurou fazer com que cada distrito tivesse seu médico, sua parteira e sua loja de medicamentos (Rosen, 1980, p. 26). A medicina apresentava, nesses momentos, uma orientação social. Como diz Foucault (1996a, p. 96, tradução minha), “a grande medicina do século XIX já era uma medicina estatizada ao máximo”. O século XIX vê instalar-se uma moral do corpo e uma higiene das habitações; a limpeza será uma obrigação para garantir a boa saúde do indivíduo. A medicina toma o caráter de uma biopolítica (Foucault, 1996b).

Essa situação epistemológica da biomedicina, que é hegemônica até os dias de hoje, passou a ser questionada a partir da década de 1970, quando começa a emergir uma perspectiva populacional para responder aos problemas sanitários. Perspectiva que vai receber uma configuração concreta no modelo da atenção primária de saúde (APS).2 Essas novas ideias da APS encontraram ressonância na proposta de um novo modelo para a medicina, que se oporia ao modelo biomédico, denominado modelo biopsicossocial (Engel, 1977).3

Segundo o discurso dos médicos de família, esse modelo representaria um novo paradigma para a medicina, já que não estaria centrado na doença, mas na totalidade da pessoa; daí que considerem fazer uma medicina centrada na pessoa (Bonet, 2014a).4

Assim, podemos pensar em como diferentes especialidades médicas, sem abandonar completamente o paradigma anatomopatológico, começam a questionar a eficácia resolutiva para alguns dos problemas de saúde, quando se considera a pessoa na sua totalidade e na relação com o ambiente.5

Além desses questionamentos epistemológicos, temos que mencionar as reformas nos sistemas de saúde em relação a uma importância maior da APS e da medicina comunitária que, no Brasil, tomam fôlego na década de 1980, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Embora o SUS seja configurado como uma ampla reforma do sistema de saúde, baseada nos princípios de universalidade, integralidade e territorialização, aos poucos um dos seus eixos foi ganhando destaque. Estou me referindo à Estratégia Saúde da Família (ESF), que, desde 1994, se apresenta como a estrutura da APS no SUS.6

A partir da norma operacional básica 1996 (NOB 96), a ESF se estabelece como um modelo de reestruturação das práticas de saúde, procurando superar “a fragmentação dos cuidados com a saúde derivados da divisão social e da divisão técnica do trabalho em saúde […] [e prestar] serviços com continuidade, no sentido de entender a totalidade das condições que determinam os problemas de saúde” (Cordeiro, 1996, p. 12). As ideias-chave para superar esse modelo segmentário seriam: “uma concepção de saúde relacionada à qualidade de vida; a noção de equipe de saúde; a intervenção desta na família e na comunidade, e ação intersetorial” (Favoreto, 2002, p. 15).

Essa mudança de ênfase no SUS, pela importância crescente da ESF, derivou da necessidade de formar novos profissionais de saúde e, por consequência, foi percebida a exigência de um novo tipo de recurso médico. Atreladas a essa reforma, começaram as mudanças nos currículos das faculdades de medicina (March et al., 2006; Oliveira; Koifman; Marins, 2004) que buscavam inserir os estudantes de graduação, desde os primeiros períodos de formação, nos centros de saúde dependentes da ESF. Essa inserção precoce na APS teria que permitir formar recursos sensíveis às questões que os profissionais de saúde vivenciam fora do hospital. A ideia é que, sem deixar de receber formação para as especialidades hospitalares, também recebam formação para a prática ambulatorial e com uma perspectiva ampliada para a família e a comunidade.

Como os problemas enfrentados na prática familiar e comunitária são diferentes dos enfrentados na prática hospitalar de alta complexidade, e como a perspectiva da medicina de família abrange uma visão da saúde ampliada, ou seja, para além da doença, de modo a operacionalizar uma perspectiva do vínculo e do cuidado, faziam-se necessários novos métodos de ensino para transmitir novas modalidades de trabalho.

Ao mesmo tempo em que se modificavam os currículos das faculdades de medicina, e perante o impulso do Ministério da Saúde no Brasil de levar a cabo a implantação da ESF, aumentavam o número de vagas nas residências de medicina de família e comunidade que já existiam e criavam-se novas residências semelhantes por todo o Brasil.

Percebe-se através deste rápido relato que se estava criando no Brasil uma nova “cultura epistêmica” para o campo da saúde, e que a biomedicina e a medicina de família fazem parte desse campo.

Tomo emprestado de Karin Knorr Cetina (1999) o conceito de cultura epistêmica. No livro que leva o nome de Epistemic cultures, Knorr Cetina se pergunta como a ciência constrói seu conhecimento ou como conhecemos o que conhecemos. O argumento central é que vivemos numa sociedade do conhecimento, isto é, numa sociedade que colocou a ciência em um lugar central para explicar a vida e o cotidiano. Mas a definição de cultura enfatiza o conhecimento como prática, “com estruturas, processos e meios que configuram cenários epistêmicos específicos” (Knorr Cetina, 1999, p. 8, tradução minha).

Uma segunda afirmação fundamental é que cada ciência constrói sua própria cultura epistêmica e, junto com ela, edifica uma maquinaria epistêmica; isto é, um conjunto de convenções e dispositivos organizados, dinâmicos e pensados, parcialmente, por sujeitos. Associados a essas maquinarias, encontramos os temas de conhecimento epistêmicos. É importante sublinhar que essas maquinarias e esses substratos epistêmicos variam ao ser orientados para diferentes fins econômicos, tecnológicos e científicos.

A ideia de maquinarias epistêmicas é enriquecida ao ser associada ao conceito de cultura, porque juntos incluem os símbolos e os significados ligados a esta; entretanto, como a cultura é entendida como relacionada à prática, é ingênuo pensar que ela está isenta de contradições, hesitações e indeterminações. Ou seja, a noção de cultura neste texto remete a uma cultura vivida, no sentido de que esses significados são percebidos e pensados por sujeitos que os submetem a ressignificações práticas (Sahlins, 1988), ou que os submetem a simbolizações diferenciantes, seguindo a proposta de Roy Wagner (2010). Isso quer dizer que os sujeitos permanentemente se encontram em um jogo de simbolizações convencionais e simbolizações diferenciantes que ocasiona uma constante metaforização dos significados dessa cultura epistêmica. Tampouco quero sugerir que os usuários dos serviços estão passivos nesses processos de metaforização, mas que eles intervêm ativamente através do diálogo facilitado com os profissionais.

Knorr Cetina desenvolve o seu argumento para pensar a ciência, especialmente duas ciências: a física das partículas e a biologia molecular. O que estou propondo é usar esse modelo para pensar outro regime de produção de conhecimento, como o de uma residência médica. Sem entrar na discussão de a medicina ser ou não uma ciência (acho essa uma falsa questão ou, no mínimo, uma pergunta mal formulada), considero que as residências médicas – e entre elas as de medicina de família – configuram uma maquinaria epistêmica na qual se produzem práticas de conhecimento que associam práticas concretas em serviços com ferramentas teóricas transmitidas no processo de formação.

Em parte, essas ferramentas teóricas provêm da biomedicina e da anatomopatologia (porque lidam com doenças no sentido biomédico do termo); mas, em parte, se associam a novos recursos técnicos criados para lidar com contextos familiares e culturais específicos, que estão além da dimensão das lesões individuais. Entre esses elementos, podemos mencionar (dentre os que foram acionados nas cenas etnográficas a que me remeterei adiante) o Apgar familiar, escala de resiliência, familiograma, ecomapa, escala de Zarit. Entre os conceitos que nos permitem pensá-los como uma cultura epistêmica, seleciono três fundamentais: pessoa, vínculo e cuidado. Esses três conceitos entram em uma série de relações diferentes de acordo com as histórias e as itinerações de cada família usuária do serviço, mas estão sempre presentes.7 Pessoa, vínculo e cuidado fazem sentido juntos; porque a dimensão do cuidado, ao apontar para a totalidade da pessoa, é possível por ter gerado um vínculo; por sua vez, sem vínculo, o cuidado não tem possibilidades de acontecer, como veremos nas discussões adiante.

Um dos docentes da residência etnografada certo dia me disse: “Acho que encontramos um modo de discutir casos clínicos a partir de uma abordagem da medicina de família.” Ele estava se referindo a como combinar o trabalho em serviço com as ferramentas teóricas, na construção de uma itineração de cuidado de um usuário e de sua família. Desse modo, produzem a cultura epistêmica da residência e do serviço a ela associado, e contribuem para a formação das ferramentas teóricas que constituem a maquinaria epistêmica da medicina de família.

A residência como contexto de aprendizado

A residência em que fiz o trabalho etnográfico está associada a um serviço de medicina de família e comunidade, e sediada em um hospital-escola ligado a uma universidade.8 Embora esteja inserida em um hospital, no qual se realizam atendimentos ambulatoriais no serviço de medicina de família, os residentes cumprem parte da sua atividade cotidiana na malha de clínicas de família, que dependem da secretaria de saúde do município.9 Desse modo, parte da sua carga horária é despendida nos consultórios das clínicas de família, ou em visitas domiciliares dentro da área de cobertura do hospital, quando a situação do usuário ou da família assim o requer.

No cotidiano do hospital, os residentes, além do atendimento em consultório e das visitas domiciliares, recebem aulas teóricas sobre as ferramentas técnicas que empregarão no cuidado dos usuários, suas famílias e a comunidade. Essas atividades de formação se dividem entre os residentes de primeiro e de segundo ano, e são ministradas ou por docentes do serviço, preceptores, ou por professores convidados para temáticas especiais. Finalmente, uma vez ao mês, promovem um encontro em que todo o serviço discute um caso clínico segundo a abordagem familiar e comunitária. Essas discussões clínicas são apresentadas por um residente e pelo preceptor que o acompanhou no atendimento; posteriormente, abrem a discussão em que, coletivamente, tentam responder às dúvidas e, também, sugerir condutas a serem tomadas.10

Como anteriormente mencionado, as atividades de atendimento nas consultas se complementam com as visitas domiciliares aos usuários da área de cobertura que, por diferentes razões, não podem se deslocar até o hospital a fim de receber atendimento do serviço. Essas visitas são efetivadas pelos residentes, geralmente em duplas e, dependendo da complexidade da situação, eles são acompanhados por preceptores e/ou por docentes do serviço. Essa atividade extramuros, além do atendimento, tem como objetivo transmitir/adquirir habilidades para lidar com a visão comunitária, atentando para os problemas populacionais que se apresentam na área de cobertura.

Para alavancar a minha argumentação, apresentarei três itinerações que logrei acompanhar. A primeira é a história de uma idosa que visitei, junto com os residentes e um preceptor, em várias oportunidades; em seguida, narrarei dois “casos clínicos” discutidos nessas reuniões plenárias da residência. O objetivo dessas descrições é mostrar o que acontece nessas situações: um tipo de aprendizado que podemos considerar um processo de educação da atenção, como argumentarei no final do artigo. É óbvio que existem diferenças entre cada uma dessas histórias pelo modo como foram construídas; a primeira delas foi feita a partir de observações da interação entre os profissionais médicos, a paciente e seu marido; as seguintes, a partir de uma apresentação teórica que, embora derive do relacionamento médico-paciente, eu não observei diretamente. Entretanto, o que me interessa enfatizar, nessas situações etnográficas, é o processo de aprendizado e os modos de transmissão. Chamarei cada uma dessas situações relatadas no texto de “cenas etnográficas”.

Cena etnográfica 1

Ana é uma mulher de 74 anos, negra, casada com José, de 83 anos, com quem vive a poucos quarteirões do hospital e, por essa razão, recebem a visita dos médicos-residentes do serviço. Moram em um apartamento de três ambientes em um terceiro piso de um prédio sem elevador, que a antiga patroa de Ana lhes empresta. O apartamento é simples, mas bem cuidado e ordenado. Ela recebe uma aposentadoria mínima e havia parado de trabalhar por causa da doença; seu marido vende guloseimas e refrigerantes num carrinho na esquina do hospital. Faz isso todos os dias, das oito da manhã até às cinco da tarde. Os dois são analfabetos. Têm uma filha que os visita pouco. E Ana tem quatro irmãs, mas somente uma vive no Rio de Janeiro.

Ana tem diabetes e hipertensão, ambas descompensadas; no dia em que fizemos a primeira visita, estava com 11 x 20 de pressão arterial. Além disso, tem glaucoma e cataratas (como consequência dessas doenças está quase cega, vê tudo embaçado). Ana possui uma estatura corporal pequena e uma postura curvada; fala pouco e permanentemente está com secreção lacrimal nos olhos – o que faz com que esteja sempre com um lenço na mão. Por este último traço, foi diagnosticada e tratada, por quase um ano, como depressiva, antes da entrada no serviço de medicina de família.

A visita é feita por dois residentes: um, do primeiro ano da residência, e o outro, do segundo ano. É importante sublinhar que o fato de que um residente seja do primeiro e outro do segundo ano faz com que, entre eles, não exista uma diferença grande na residência e não exista uma hierarquia expressiva.

O motivo da visita foi porque, dois dias antes, Ana tinha caído e não estava conseguindo sair de casa. Segundo o que ela falou, sentou-se na cama e não sentia as pernas; tentou se levantar e caiu. Depois desse episódio, parou de tomar um dos remédios (ela toma seis comprimidos por dia, quatro de manhã e dois à noite). Os médicos perguntaram a José quais remédios Ana estava tomando, porque é ele quem os controla. Em cada uma das caixas dos remédios estava escrito quantos comprimidos Ana deveria tomar, e se era à noite ou de dia.

Os residentes, ao terminar a visita, explicaram novamente a José como ele deveria ministrar os remédios de Ana. Como a pressão dela estava alta, decidem voltar na próxima semana para ver se o quadro mudou, após ela tomar novamente os remédios. Escrevem tudo de novo, em outro receituário, em caixa alta e bem grande. Mas o problema foi que José já sabia a ordem da outra receita e, com essa nova, ficou confuso. Eu sugeri que colassem na receita uma das tampinhas da caixa de cada remédio, ao lado das indicações. Nesse momento, produziu-se um significativo silêncio; os residentes se olharam e ficaram pensando em como resolver aquela situação, que exigia criatividade para solucionar o impasse de saber como lidar com uma paciente quase cega e com um cuidador analfabeto. As dúvidas não estavam centradas nem no diagnóstico, nem na terapêutica (descritos nos livros de medicina), mas era uma questão funcional, da vida, do modo como essa hipertensão arterial e essa diabetes se inserem na história de Ana e José.

Buscando resolver esse impasse, um dos residentes começou a indicar com números cada remédio e, se era para ser tomado de dia, desenhou um sol, e, se à noite, uma lua. Uns momentos depois, perguntaram a José: “Como é esse aí?” José fica olhando a caixa por um instante e faz um gesto de que não sabe. Estava olhando a caixa ao contrário. Como percebi isso, girei a caixa; aí ele explicou o que tinha entendido. Naquele momento, ficou explícito, embora não tinha sido mencionado, que ele não sabia ler.

Nos momentos finais da consulta, sentados à mesa da sala, os dois residentes estavam conversando com Ana e José sobre as indicações para ministrar os remédios. José acenava com a cabeça positivamente, demonstrando que estava entendendo as indicações. Ao despedir-se, um deles pega no braço dela e lhe diz para ficar tranquila e se cuidar.

Quando saímos da casa, um dos residentes me explica que ela está o tempo todo lacrimejando, já que usa colírio porque tem síndrome de olhos secos. Eu comentei que ela começou a lacrimejar quando, ao se despedir, ele lhe tocou o braço.

Voltamos na semana seguinte, com os mesmos dois residentes. José não estava, e Ana desceu para nos abrir a porta. Sobe as escadas lentamente e, quando chega ao apartamento, diz: “Esta escada vai me matar.” O que em certo sentido explicava também porque ela não saía de casa. Sentamo-nos à mesa da sala. Assim que a conversa avança, os residentes vão controlando os remédios. Como na semana passada haviam contado os comprimidos de cada remédio, souberam que ela não tinha tomado corretamente um deles. Os dois profissionais medem a pressão: 11 x 22. É interessante ressaltar que, após um deles medir a pressão, não diz quanto aferiu, mas espera que o outro o faça novamente para comparar os resultados. O que está em jogo, além de saber como está a pressão da Ana, é poder experimentar, medir a pressão de um paciente, isto é, desenvolver essa habilidade.11

Ana pergunta-lhes: “Como estou?”, ao que um deles responde: “A pressão ainda está alta. A senhora não tomou os remédios de modo correto. Esses dois estão bem, mas esses, não.” Ela tinha parado de tomar porque a fazia urinar muito, e ficou com medo, mas não conseguiu explicar de quê. Ela pôs a mão na testa, pensou e disse: “É essa coisa da banana.” Um dos residentes percebeu e esclareceu: “Ana está preocupada com o potássio”; então o outro residente disse: “Há outras coisas que têm potássio, como o tomate, legumes. A senhora gosta dessas coisas?”

As duas primeiras consultas foram no final de maio; em agosto, acompanhei outra visita, dessa vez com um dos preceptores. Isso marca uma diferença em relação às outras duas consultas, porque entre o residente do primeiro ano e o preceptor existe uma distinção hierárquica, fundada em que o segundo tem vários anos de experiência no serviço e na especialidade.

Semanas antes, Ana tinha ido fazer a cirurgia de catarata, mas não a fez porque, ao aferir sua pressão arterial, no centro cirúrgico, constataram que estava alta. Na visita, ela não consegue parar de falar da intervenção cancelada. O preceptor lhe pergunta o que sentiu, e ela respondeu: “Meu coração disparou. Ligaram para me dizer que iam me operar, e depois, no centro cirúrgico, me disseram que não. É horrível, não podem fazer isso. Fiquei com uma angústia aqui dentro [disse tocando-se o peito].”

Nessa visita, apareceu um componente muito importante em relação à saúde no Brasil: a dimensão religiosa. Todas as terças à noite, Ana e José vão à Igreja Universal. Nas terças, reza-se a oração de libertação, a oração da saúde. Ela disse que, quando vai, se sente bem, mas, como é longe, parou de ir. O preceptor lhe indagou: “Não é importante ir e fazer a oração da saúde?” Ela lhe replicou que sim, mas que é longe. O preceptor lhe perguntou: “Sua pressão pode ser espiritual?” Ela respondeu: “Pode ser, mas eles dizem que tenho que ir ao médico. Fé mais os remédios. Se a pessoa não tem fé, não sucede nada.” Enquanto aconteceu o diálogo, o preceptor e Ana estavam de mãos dadas o tempo todo; o diálogo era pausado e com voz suave. Durante todo esse processo, o residente ficou em silêncio; quem conduziu a visita foi o preceptor. Sem estar explícita, havia uma relação hierárquica que se traduzia em um processo de aprendizado, que também não era explicitado, no sentido de que eles não trocaram impressões, mas essas se davam por meio de indícios, através da observação de como o preceptor conduzia a visita.

O preceptor lhe perguntou: “Se medirmos a pressão agora, como lhe parece que vai estar?” Ela respondeu: “Baixa”. Mediram a pressão, primeiro, o preceptor (8 x 19), e depois, o residente (8 x 22). Novamente se repetiu a rotina no processo de medir a pressão, primeiro o preceptor, depois o residente; o preceptor que tomou a pressão não disse o resultado, mas esperou que o residente fizesse a sua medição para compararem.

A última notícia que tive de Ana foi em novembro. Ela ainda esperava pela cirurgia de catarata, que não pudera ser feita porque sua hipertensão não estava controlada. Tinha ido ao hospital para uma consulta, acompanhada por José. A ideia do residente, na consulta, segundo me explicou depois, era fazer com que Ana começasse a pensar na possibilidade de que a intervenção cirúrgica não iria restaurar sua visão completamente e, além disso, queria convencê-la de que deveria começar a caminhar. Sua pressão estava 8 x 16.

Da primeira consulta, em maio, até a última, no início de novembro, passaram-se seis meses; tempo em que Ana conviveu com a pressão alta e com a esperança não realizada de fazer uma cirurgia. Tudo isso vivido como num platô de sofrimento. Em uma apresentação que fizeram na residência sobre esse caso, descreveram como Ana respondia a todas as perguntas, como ria, mas não mencionaram que, quando nada lhe perguntavam, ela ficava com o olhar perdido em algum ponto do chão.

Cena etnográfica 2

Nesta segunda cena etnográfica, vou relatar um caso clínico, apresentado nas reuniões plenárias da residência por uma residente e seu preceptor. Nessas reuniões está presente o conjunto de membros da residência, os professores-médicos do serviço, os preceptores e os residentes dos três anos. Um desses professores me dizia que a ideia dessas reuniões era ter uma possibilidade de discutir casos clínicos segundo o ponto de vista de uma “medicina centrada na pessoa”, que é a que eles praticam. O que se busca é que os residentes adquiram um saber de como construir uma história segundo essa perspectiva particular. A dinâmica é, basicamente, uma apresentação do caso seguida de uma discussão, em que a plateia apresenta suas dúvidas e sugestões de condutas e atividades a serem seguidas. Nessas reuniões participam aproximadamente 30 pessoas – contando os residentes dos três anos, os preceptores e os docentes da residência.

Nessa história que irei etnografar foi apresentada a itineração de um usuário do serviço de saúde de 39 anos. O que me interessa nessa cena etnográfica é mostrar o modo de apresentação e, fundamentalmente, o processo de discussão posterior. A história do usuário é reconstruída na apresentação, com dados obtidos a partir de várias visitas domiciliares, que abrangem um tempo de seguimento de dez meses aproximadamente.

Ariel é um paciente de 39 anos, diagnosticado como hipertenso, tabagista, usuário de drogas e com epilepsia. Mora com o irmão, que tem tuberculose pleural; entretanto, após uma briga entre eles, passou a morar no espaço sob a laje da casa do irmão, que, menos do que um cômodo, é um espaço entre o muro e a rocha do morro, sem janelas, nem ventilação.

Como houve intermitência na administração dos remédios, teve uma crise convulsiva, caiu e fraturou uma vértebra lombar; por causa disso, tem paralisia nos membros inferiores e precisa andar com um andador, além de ter que usar sonda para urinar. O residente pediu um exame de urina que dá positivo;12 começam então a administração de antibiótico e o encaminham para urologia.13 A cultura realizada na urina voltou positiva e sensível para um antibiótico, que ele não tem possibilidade de comprar.

Quando o irmão sai para trabalhar, Ariel fica trancado em casa e come somente se o irmão deixar o almoço preparado e perto dele. Embora tenha começado a fazer fisioterapia (descendo do morro segurando-se pelo corrimão e pedindo ajuda), tem pouca sensibilidade nas pernas e parestesia nos pés (sensação de formigamento).

No início da apresentação, a residente diz que a família tem um índice de vulnerabilidade de tipo 1, mas, posteriormente, informa que, quando desce para o espaço onde Ariel mora, o risco de vulnerabilidade aumenta para 3. Realiza essas medições utilizando uma ferramenta que faz parte da maquinaria epistêmica, denominada Escala de Coelho.14

Adicionando outra ferramenta, a residente constrói um quadro inserindo todos os membros da rede de Ariel. A questão, para a residente que apresenta a itineração de Ariel, é: como organizar o cuidado? Nesse momento há uma troca interessante, porque um dos docentes pergunta se tanto Ariel quanto o irmão são solteiros, se não têm ninguém, se não têm cuidadores. Imediatamente começam algumas piadas sobre a pergunta, além de certo estranhamento, pelo que o docente se explica: “Não é o padrão que dois homens jovens, irmãos, não sejam casados e morem juntos.” Uma residente diz que talvez “nessa sociedade” seja. O docente explicita que isso é um fator que aumenta a vulnerabilidade, porque diminui a rede de cuidados.

A apresentação ruma para questões teóricas sobre uma ferramenta utilizada para medir a escala de resiliência,15 sobre a epilepsia e seus modos de apresentação; sobre a classificação das convulsões; sobre os modos de descrever as diversas crises e como investigá-las; que exames pedir. Na discussão que se seguiu à apresentação, perguntaram sobre a queda que Ariel teve e sua fisioterapia; sobre o tratamento medicamentoso; sobre a relação entre os irmãos; sobre a bexiga neurogênica. Este último tema leva a questão para os exames de urina, as dificuldades de pedir os exames e de como esses se perdem na comunidade. Nesse momento, o docente que perguntara se eles eram solteiros diz que “em um paciente com bexiga neurogênica, a cultura [exame de cultura bacteriana] não era importante”. O urologista está preocupado com o diagnóstico, com a lesão, mas ele não vê a resiliência. “Talvez mandá-lo ao urologista não dê em nada.” E acrescentou: “Vamos esquecer o xixi dele.” Sem explicitar sua intencionalidade, o docente conduz a discussão para as temáticas que interessam ao modo de abordar a questão para a medicina de família (como por exemplo: a resiliência ou as redes sociais frouxas), dizendo, com indícios, os modos diferentes de perceber da biomedicina e da medicina de família.

Depois dessa intervenção, as perguntas mudam novamente, e começam a se orientar para a resiliência: grau de escolaridade; possibilidade de organizar a alimentação (devido ao problema da mobilidade); alguém sugere a possibilidade de conseguir uma cadeira de rodas e uma psicóloga interroga: “Para rodar onde?”

Nesse momento, o mesmo docente da intervenção anterior volta a falar e diz aos residentes que lhes estava faltando mais estranhamento, mais perguntas. E retoma: “Por que não estão casados? Esse estranhamento permite pensar em por que alguém é mais resiliente que outro.” Esta última questão me pareceu interessante porque mostra a função das perguntas aparentemente deslocadas, como aquela de saber se são casados; essa pergunta aparentemente não tinha sentido, daí as piadas, mas essa aparência foi resultado da não explicitação do que estava querendo ser ensinado. Isso só se explicita no final: a necessidade de estranhamento. A prática dos médicos de família os coloca frente ao estranhamento, não de uma bexiga neurogênica, que eles aprendem dos livros, mas de uma situação de resiliência; as dificuldades estavam não nas doenças, mas na situação em que essas doenças se configuravam como um ambiente de sofrimento.

Essa mesma questão apareceu sem ser explicitada quando um residente perguntou para a dupla que estava apresentando por que escolheram aquele caso para a sua apresentação. A residente respondeu: “Porque é um paciente resiliente”; mais interessante foi o comentário do preceptor: “Não existe evidência para isso. A evidência é com paciente hospitalar. Ninguém viu o que a gente viu lá.”16 Essa fala remete ao estranhamento, à falta de livros para captar o ambiente, o mundo da vida. Esse estranhamento os direciona para o engajamento no ambiente (Ingold, 2012, p. 30), necessário para poder fazer medicina de família.

Nessa direção se encaminhavam a pergunta e a proposta do docente; parecia estar ordenando que se espantassem, porque do espanto virá a criatividade para lidar com o mundo. Essa conjunção espanto-ambiente é fundamental para pensar o cuidado, porque essa categoria remete a uma perspectiva abrangente que eles só podem alcançar quando se deixam espantar pelo ambiente.

Cena etnográfica 3

Nesta última cena que irei narrar, o título da apresentação era: “Cuidador”. Pareceu-me interessante como se expôs a questão dos cuidados, os limites do cuidado, e como, na intervenção de uma docente, se manifestou o ensino por indícios ou claves.

O caso clínico relatado começa com o pedido de uma visita domiciliar por parte de uma usuária cadastrada na clínica para a sua mãe, de 78 anos, que estava acamada com sequelas de acidente vascular cerebral, com diabetes melito, insulinodependente e hipertensão. A paciente encontrava-se acamada, sem interação, e com uso de sonda nasoentérica para alimentação. Quem cuida da mãe é a filha, Julia, que está presente na visita domiciliar, e que realiza de quatro a cinco medições diárias de pressão arterial, glicemia e temperatura. O residente informa que, durante a visita, a filha mostrou-se “inquieta e questionadora” acerca da melhora da mãe. O residente perguntou à filha sobre o que aconteceria se sua mãe melhorasse, ao que a filha respondeu: “Seria a melhor coisa do mundo”; ou o que aconteceria se a mãe falecesse, ao que ela retornou: “Não quero pensar nisso.” O interesse do residente era que a filha começasse a pensar na possibilidade do falecimento da mãe. Após essa consulta, organizam um plano de trabalho, de cuidado e acompanhamento, com fonoaudióloga e nutricionista.

Entretanto, rapidamente fica claro na apresentação que a preocupação do residente não era a mãe, mas sim a cuidadora, a filha. Daí a pergunta que faz em um momento: “E a Julia?” A questão apontava para saber como podiam cuidar dela. Marcaram uma consulta para Julia na clínica. Ela foi à consulta, “saindo do ambiente domiciliar”, acrescenta o residente. O discurso de Julia, quando chega à consulta, é: “Vim porque vocês [a equipe de saúde] falaram que não estou bem. Todos falam isso.”17 Julia tem 52 anos, é solteira e se queixa de insônia, perda de memória e indisposição. Segundo a apresentação do residente, Julia relatou que, antes do AVC da mãe, tinha variados afazeres e atividades de lazer, mas agora se sente cansada e que não sabe o que fazer.

Para relatar a situação familiar de Julia, que está recheada de conflitos com a família da mãe, o residente utiliza quatro ferramentas da maquinaria epistêmica: o familiograma, o ecomapa, o Apgar familiar e a escala de Zarit (que mede a sobrecarga do cuidador). Essas ferramentas mostram uma rede social estreita, sem muitos amigos, e com um Apgar familiar que indica uma elevada disfunção familiar.18

Através do relacionamento com a equipe de saúde e com a clínica, o residente percebe que a usuária demonstra maior abertura para falar sobre a possibilidade de morte da mãe; entretanto, diz que continuará tendo o cuidado da mãe como a sua principal atividade. Daí que o residente termina a sua apresentação com a questão do que fazer, através da interrogação: “E agora?” Essa pergunta pode ser assim traduzida, a partir da discussão que se seguiu à sua apresentação: como cuidar da cuidadora que não pede para ser cuidada?

A primeira docente a falar indaga sobre o estado geral da mãe: sobre se tem uma lesão cerebral grande, se tem escaras (por estar longo tempo acamada); se Julia apresentou um conflito anterior com a mãe, se apresenta sentimento de culpa. Com essas perguntas, está tentando perceber o porquê de Julia abrir mão da sua vida para cuidar da mãe. E o interessante é que, depois de todas essas perguntas e diante desse quadro, questiona: “Você acha que fez alguma coisa?” A isso, o residente responde: “Acho que fiz porque a Julia ganhou mais abertura para falar da sua relação com a mãe.”

Uma segunda intervenção, de uma psicóloga que participa das reuniões, direciona-se para a ideia de disfuncionalidade familiar e para o uso dessas ferramentas epistêmicas: “O que você faz com esses números que obteve [ao utilizar as escalas de Zarit e o Apgar familiar]? Servem para planejar alguma coisa?” Nesse momento, o preceptor (que completa a dupla de autores do caso clínico, embora sempre quem fala seja o residente) intervém: “Julia não tem ideia de quanto a sua situação é ruim. Marcos [o residente], com o uso desses instrumentos, buscou sensibilizá-la mostrando os números.” Segundo esses números extraídos das ferramentas epistêmicas, a paciente estava com um alto grau de estresse, embora não percebesse. E foi isso que o médico tentou demonstrar-lhe.

A psicóloga interpõe: “Temos que pensar em quais são os ganhos da posição na qual Julia se colocou.” Nesse momento, a primeira docente retoma a palavra para enfatizar o bom trabalho que o residente tinha feito “utilizando instrumentos objetivos” para descrever a realidade familiar de Julia. Desse modo, orienta sobre como se deve analisar um caso clínico que envolve dolências que estão além das doenças físicas.

Nesse momento, outra das docentes, também psicóloga, intervém contando uma história da sua prática. Ela relata o caso de uma senhora que cuidava da filha, que tinha uma deficiência. Sempre cuidou dela até que sofreu uma queda em um momento em que a estava carregando. Ela cobriu a filha com o corpo para que não se machucasse. A psicóloga e a senhora fazem planos terapêuticos, mas esta última não os cumpre; nesse momento, a psicóloga usou a metáfora das máscaras do avião, que caem quando se produz a despressurização da cabine, e disse para ela: “O que você faz?” Ela respondeu: “Ponho a máscara na minha filha e depois em mim.” A isso a psicóloga retrucou: “Você não vai conseguir fazer isso. Tem que botar em você primeiro para poder botar nela.” E a senhora então se dá conta: “Quer dizer que para cuidar da minha filha tenho que estar bem?” A psicóloga termina a sua fala dizendo que as recomendações têm que fazer sentido para a usuária, para que, assim, alcancem o efeito terapêutico.

O que me interessou nessa situação relatada foi que a psicóloga não disse para o residente o que ele devia fazer, mas o que ela fez; contou uma história sem falar da moral da história. No final, ficou claro para o grupo que participava da sessão que estava mostrando um caminho para criar um vínculo com Julia, mas sem dizer isso de forma explícita, apenas através de uma história.

Em seguida, uma residente pede a palavra e questiona sobre o proceder dos colegas e da especialidade. Ela argumenta que se Julia não tinha pedido ajuda para ela própria e sim para a sua mãe, por que medicá-la? Por que transformá-la em paciente? Segundo essa residente, se Julia não tinha pedido ajuda para si é porque “não era o tempo dela, da família, temos que pensar na autonomia do paciente. Por que vamos falar para Julia que ela tem que sair de casa?” Ela própria responde criticamente dizendo que “a medicina de família faz isso”. Esse era um questionamento fundamental, e que apontava ao coração da prática da medicina de família, por essa razão uma das médicas docentes responde à questão do porquê se inserir na situação-problema e passar a cuidar de Julia. Ela argumenta que “não é uma intromissão, é uma resposta a um pedido da Julia”. E arremata: “Se eu não tenho uma abordagem familiar, o que vou fazer lá? Temos que criar a demanda, temos que estar presentes e não ser omissos.”

Outro dos docentes complementa dizendo que “Julia pediu e ele [o residente] só está respondendo à demanda. Estamos discutindo até onde vamos. Colocar isso para ela não é um problema do médico, é da relação. Eu acho que está fazendo um bom trabalho, porque está ajudando a cuidar. Ele está criando um vínculo.”

Essa discussão, após a apresentação, adicionou vários conceitos que já se tornaram parte do fazer dos residentes envolvidos, como a abordagem familiar e a necessidade de criar vínculo para que se ative o cuidado. Os conceitos em si, vínculo e cuidado, não apareceram analisados, mas guiavam a discussão. A questão de saber até onde devemos avançar, na busca de cuidado relacionada à autonomia do usuário, coloca em discussão a totalidade da cultura epistêmica da medicina de família. Porque discute a relação de não só responder à demanda e não ser omissos, mas põe em jogo os conceitos de vínculo e cuidado. E posiciona o cuidado como uma dimensão central na medicina de família.

Como diz Joan Tronto (2009), o cuidado é uma dimensão central nas nossas vidas, porque passamos grande parte do nosso cotidiano ou cuidando de outros ou sendo cuidados. Ao propor uma ética do cuidado, Tronto defende que essa ênfase no cuidado gera um deslocamento dos conceitos de autonomia-dependência para o de interdependência, e este último conceito aponta para a relação, faz com que o cuidado ganhe uma dimensão moral e uma dimensão política (Tronto, 2009, p. 125). Com essas duas dimensões, o cuidado é uma prática; a ética do cuidado, como Tronto a entende, não é um conjunto de princípios, mas uma atitude prática em relação ao outro. Isso é o que estava em jogo na discussão posterior à apresentação do residente, mas foi em grande parte discutido de um ponto de vista prático, metodológico, respondendo à pergunta sobre o que fazer, com a qual o residente terminou a sua apresentação. Em outras palavras: podemos pensar que a resposta foi a de buscar mostrar um caminho ou indicar o que tem que se olhar. Aquilo que Ingold (2010) chama de educar a atenção.

Aprendizado e modos de educação da atenção

Essas cenas etnográficas nos mostram como se produz um processo de aprendizado que, necessariamente, pelo tipo de proposta da medicina de família, se faz na prática. Aquilo que os residentes aprendem, o saber que é transmitido para eles nas aulas, é, ao mesmo tempo, utilizado na sua prática cotidiana. Aprender é um aprender a ver, a ouvir e a sentir o usuário no seu ambiente.

O processo de criação de uma cultura, para Ingold (2010), é o de produção de um ambiente que produz a cultura; por essa razão, diz o autor, a criação de uma cultura se dá dentro de um processo de evolução, e a história seria aquele processo pelo qual as pessoas constroem seus ambientes (Ingold, 2010, p. 17). Na minha argumentação, portanto, o processo de criação da cultura epistêmica da medicina de família na residência é o de criação das habilidades para operar nesse ambiente; o que não quer dizer que as mesmas habilidades deverão ser usadas em outros ambientes em que se constrói “outra” medicina de família. Não estou afirmando que as culturas epistêmicas sejam completamente diferentes em todos os ambientes; a maquinaria epistêmica se transmite pelos livros e artigos científicos (que são praticamente os mesmos nos diversos ambientes de ensino e aprendizagem); mas essa maquinaria é inserida em diferentes práticas e ambientes, porque cria habilidades distintivas. Essa maquinaria é enacted, é construída no ato de ser experimentada, e, portanto, vivida (Mol, 2002, p. 33).19

Essas habilidades são distintivas porque não se trata de um conhecimento comunicado, mas, como diz Ingold (2010, p. 19), “trata-se de um conhecimento que eu mesmo construí seguindo os mesmos caminhos dos meus predecessores e orientado por eles […] trata-se de uma redescoberta orientada”. Essa redescoberta orientada é uma educação da atenção; é um copiar dirigido que envolve improvisação e criatividade. É a imitação prestigiosa de Mauss (2003, p. 405). Os dois residentes fazem isso quando, na visita domiciliar, têm que improvisar como ministrar os remédios para Ana; é o que o preceptor mostra quando fala pausado e de mãos dadas com ela. O preceptor está mostrando engajamento, proximidade, que é o que repetem os residentes quando se olham e pensam em como resolver a administração dos remédios. A questão não era o intervalo e a dosagem dos remédios (isso eles sabem), mas o ponto fulcral era como Ana e José iriam resolver (junto com eles) o problema de diferenciar e, portanto, ministrar os remédios. Os residentes tiveram que descobrir isso eles mesmos; o que o preceptor lhes mostrou foi o engajamento.

Encontro a mesma situação na análise da segunda cena etnográfica, quando o preceptor diz que não tem evidências para a resiliência percebida no ambiente específico de Ariel e de seu irmão. O interessante é que a proposta foi a de criar estranhamento para possibilitar o engajamento.

Esse engajamento, que Ingold (2012, p. 47) chama de principle of togetherness, pode ser traduzido por: correspondência, união, proximidade ou intimidade. Isso é: cuidado. E o cuidado não pode ser ensinado lendo um livro; tem de ser experimentado na prática imitativa através de um processo de educação da atenção. Assim, a educação da atenção é um processo de “sintonia fina ou sensibilização” (Ingold, 2010, p. 21) ou de realimentação (Bateson, 1982, p. 174). Bateson, para explicar a realimentação, entendida como um processo de autocorreção, utiliza o exemplo do atirador com um rifle; o ato de apontar e atirar é um processo de autocorreção que se desenvolve em uma única ação, na qual a informação coletada corrige as ações futuras. Igualmente, quem poda as árvores tem, a cada golpe, o posicionamento do machado corrigido em um processo corretivo total que envolve a árvore, o machado e o homem. Nesse sistema, pequenas diferenças produzem grandes diferenças em uma situação posterior. Assim, o atirador e o lenhador criam suas habilidades em um processo de aprender na prática, modificando, nesse processo, a sua corporalidade.

Quando o residente na terceira cena etnográfica se pergunta “o que fazer?”, ele apontava para a prática, apontava para um conhecimento situado em um ambiente; do mesmo modo como fez o docente, ao dizer “vamos esquecer o xixi”, como uma metáfora de “vamos esquecer os exames, e pensar no ambiente de Ariel”, para o qual, como sugeriu o preceptor, não há evidência.

O conhecimento na prática é reencontrado na fala da psicóloga ao contar como fez, com a metáfora da despressurização do avião, para que a usuária entendesse a importância de se cuidar para cuidar dos outros. O que ela estava dizendo para o grupo é “eu fiz desse jeito”.

Ingold (2010, p. 21) salienta a importância de “pegar o jeito da coisa”, e, para isso, é fundamental o mostrar; demonstrar para alguém como se faz. Daí que esse é um conhecimento dirigido. Os docentes e preceptores da residência criam situações nas quais os residentes são instruídos a cuidar; mas não se ensina a cuidar dizendo que tem que tocar o paciente, senão fazendo-os ver, ouvir e experimentar que o tocar é significativo nesse contexto de cuidado. Aprende-se vendo os resultados do tocar.

O que os docentes e preceptores fazem é fornecer pistas que “guiam [o noviço] até significados que jazem no coração do mundo mesmo […] as pistas são chaves que destravam as portas da percepção […] [e] através desta progressiva aquisição de tais chaves as pessoas aprendem a perceber o mundo que as rodeia” (Ingold, 2000, p. 22, tradução minha).

Nesse processo de educação da atenção, para aprender a percepção do mundo da cultura epistêmica da medicina de família, o saber e o sentir são pistas que não se transformam em uma oposição (Bonet, 2004), mas em modos corporificados de perceber os usuários nos seus ambientes.

Referências

  • 1BASZANGER, I. Socialisation professionnelle et contrôle social. Revue Française de Sociologie, Paris, v. 22, n. 2, p. 223-245, 1981.
  • 2BATESON, G. Espíritu y naturaleza Buenos Aires: Amorrortu, 1982.
  • 3BONET, O. Saber e sentir: uma etnografia sobre a aprendizagem da biomedicina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.
  • 4BONET, O. Malhas de sofrimentos. Caminhos de cuidado no novo modelo de atenção à saúde. Ciência Hoje, São Paulo, v. 52, n. 308, p. 22-25, 2013.
  • 5BONET, O. Os médicos da pessoa: um olhar antropológico sobre a medicina de família no Brasil e na Argentina. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014a.
  • 6BONET, O. Itinerações e malhas para pensar os itinerários de cuidado. A propósito de Tim Ingold. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p: 327-350, 2014b.
  • 7CAMARGO JR., K. R. A biomedicina. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 45-69, 1997.
  • 8CARVALHO, I. C. de M.; STEIL, C. A. Percepção e ambiente: aportes para uma epistemologia ecológica. Remea, Rio Grande, v. esp., p. 59-79, 2013.
  • 9CORDEIRO, H. O PSF como estratégia de mudança do modelo assistencial do SUS. Cadernos da Saúde da Família, v. 1, n. 1, p. 10-15, 1996.
  • 10ENGEL, G. The need for a new model: a challenge for biomedicine. Science, New York, v. 196, n. 4286, p. 129-136, 1977.
  • 11FAVORETO, C. Programa de Saúde da família no Brasil: do discurso e das práticas. 2002. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva)–Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
  • 12FOUCAULT, M. El nacimiento de la clínica México: Siglo XXI, 1991.
  • 13FOUCAULT, M. La crisis de la medicina o la crisis de la antimedicina. In: FOUCAULT, M. La vida de los hombres infames La Plata: Altamira, 1996a. p. 67-84.
  • 14FOUCAULT, M. Historia de la medicalización. In: FOUCAULT, M. La vida de los hombres infames La Plata: Altamira, 1996b. p. 85-105.
  • 15INGOLD, T. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, 2000.
  • 16INGOLD, T. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 6-25, 2010.
  • 17INGOLD, T. Ambientes para la vida: coversaciones sobre humanidad, conocimiento e antropología. Montevideo: Trilce, 2012.
  • 18KNORR CETINA, K. Epistemic cultures: how the science make knowledge. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
  • 19MARCH, C. et al. O currículo de medicina da Universidade Federal Fluminense: revisitando uma experiência. In: PINHEIRO, R.; CECCIM, R. B.; MATTOS, R. A. de. Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ: Cepesq: Abrasco, 2006. p. 259-309.
  • 20MAUSS, M. As técnicas do corpo. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 401-422.
  • 21MOL, A. The body multiple: ontology in medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.
  • 22NATHAN, T. L’influence qui guérit Paris: Odile Jacob, 2001.
  • 23OLIVEIRA, G. S.; KOIFMAN, L.; MARINS, J. J. N. A busca da integralidade das práticas de saúde e a diversificação dos cenários de aprendizagem: o direcionamento do curso de medicina da UFF. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. de. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Hucitec: IMS-UERJ: Abrasco, 2004. p. 307-319.
  • 24ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
  • 25SAHLINS, M. Islas de historia Barcelona: Gedisa, 1988.
  • 26TRONTO, J. Moral boundaries: a political argument for an ethic of care. New York: Routledge, 2009.
  • 27VIANA, A. L.; QUEIROZ, M. S.; IBANEZ, N. Implementação do Sistema Único de Saúde: novos relacionamentos entre os setores público e privado no Brasil. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 3, p. 17-32, 1995.
  • 28WAGNER, R. A invenção da cultura São Paulo: Cosac & Naif, 2010.
  • 1
    A pesquisa é realizada com o apoio do CNPq e da Faperj.
  • 2
    A atenção primária de saúde é proposta pela primeira vez pela Organização Mundial de Saúde, em 1978, na conferência de Alma-Ata, Cazaquistão.
  • 3
    Escapa ao objetivo deste artigo realizar a historiografia desse modelo. Meu interesse neste momento é mostrar a episteme que vai guiar o processo de ensino e aprendizado dos médicos de família.
  • 4
    Camargo Jr. (1997) se opõe à ideia de que este modelo biopsicossocial represente um novo paradigma para a medicina, na medida em que não constitui uma oposição, porque a biomedicina teria uma “fluidez teórica” para absorver “rupturas” epistemológicas sem que se abandone o saber anatomopatológico.
  • 5
    Por essa necessária relação com ambiente e por sua busca da ênfase nas relações mais do que nos sujeitos, poder-se-ia pensar que a medicina de família estaria próxima e poderia representar, dentro do campo da saúde, o que Carvalho e Steil (2013) denominam epistemologias ecológicas. Para uma exposição mais detalhada da epistemologia da medicina de família, ver Bonet (2014a).
  • 6
    A Estratégia Saúde da Família tem como eixos fundamentais a promoção, prevenção e atenção à saúde da população, sob os princípios de territorialização, integralidade e cuidado (Bonet, 2014a; Viana; Queiroz; Ibanez, 1995).
  • 7
    Utilizo a ideia de itineração para fazer referência aos caminhos seguidos por cada sujeito e cada família na busca de cuidados. A categoria, normalmente utilizada nos estudos de antropologia da saúde, é a de itinerários terapêuticos, mas prefiro itineração porque o termo remete a um movimento para frente e que envolve criatividade e improvisação. A itineração não conecta pontos, mas consiste em um sistema aberto de improvisações (porque acontecem no desenrolar da ação) e ao longo do qual a vida é possível (Bonet, 2014b).
  • 8
    Por questões de ética em pesquisa, não inserirei mais dados sobre a residência e o hospital.
  • 9
    Desenvolvi a ideia de malha para indicar a rede de saúde como um modo de incorporar a perspectiva do usuário e suas improvisações; para uma maior explicitação dessa ideia, ver Bonet (2013).
  • 10
    Nas clínicas da família, os residentes são acompanhados por preceptores aos quais apresentam suas dúvidas e que eventualmente vão com eles às consultas domiciliares. A relação é de um preceptor para cada quatro residentes.
  • 11
    Essa experimentação é importante para “fazer a mão”, embora pelo estágio da carreira em que ambos se encontravam já tivessem experiência sobre essa técnica.
  • 12
    Dar positivo significa que apresentou alterações, no caso em análise explicitou a presença de uma bactéria.
  • 13
    Ariel foi à consulta no serviço de urologia, mas não fez os exames solicitados, nem voltou à consulta seguinte.
  • 14
    A escala de Coelho é uma escala que permite medir o grau de risco em que se encontra uma determinada família e assim decidir a quais famílias devem visitar em primeiro lugar. A pontuação varia entre risco 1 (risco menor) e 3 (risco máximo), segundo determinadas características (por exemplo: um membro acamado ou com deficiência física ou mental, ou desnutrição grave, tem uma pontuação de 3; desemprego tem pontuação de 2 e analfabetismo, membro menor a seis meses, hipertensão, diabetes têm pontuação de 1).
  • 15
    Como utilizado nesses contextos, a resiliência seria a capacidade da pessoa de se recuperar de situações de adversidade para manter um funcionamento positivo com o meio ambiente.
  • 16
    Está comparando a sua prática, ou “o que eles viram lá”, com a medicina baseada em evidência.
  • 17
    Tobie Nathan (2001, p. 25) argumenta que pacientes desse tipo colocam o terapeuta em um paradoxo porque “demandam cuidado afirmando que não estão doentes”, ou, ao menos, que estão doentes sem seu conhecimento.
  • 18
    Explicar detalhadamente essas ferramentas escapa aos objetivos do texto, mas podemos dizer que Apgar é um acrônimo com as primeiras letras das seguintes palavras: Adaptation-Partnepship-Growth-Affection-Resolve. Um Apgar baixo (em uma escala de 0-4) mostra baixa adaptabilidade a novas situações e requer intervenções apropriadas. A escala de Zarit mostra o grau de sobrecarga dos cuidadores em uma escala de 0-88, avaliando 22 itens que descrevem como a pessoa está sendo afetada pela situação do cuidado. No caso de Julia, foi de 61 pontos, o que expressa uma sobrecarga intensa.
  • 19
    Mol (2002) utiliza a ideia de enact para se referir ao processo de construir os conhecimentos na prática; para isso, as ciências sociais têm desenvolvido a ideia de performance, mas Mol (2002, p. 41, tradução minha) diz: “Cuidadosamente tirei a ideia de performance do presente texto. Uso outro verbo, enact, que não tem referências, e precisamente por isso pode ser tomado da forma mais fresca possível.” O que Mol quer evitar é a carga de ressonâncias que a ideia de performance traz consigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2014
  • Aceito
    05 Jun 2015
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