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Vida saudável versus vida aprimorada: tecnologias biomédicas, processos de subjetivação e aprimoramento

Healthy life versus enhanced life: biomedical technologies, subjective processes and enhancement

Resumo

Fenômenos contemporâneos como um crescimento significativo dos campos da medicina sexual e da medicina estética exigem novas investigações empíricas e também aprofundamento de determinados debates teóricos. No contexto das últimas décadas, ganham relevo formas de subjetivação centradas no investimento pessoal via transformações corporais, nas quais o consumo de artefatos biomédicos considerados inovadores torna-se central. Em função da produção de questões advindas desse campo, este artigo discute criticamente alguns vetores conceituais. Categorias analíticas como biomedicalização, farmacologização, modos de subjetivação e aprimoramento são centrais para dar conta de entender os processos em questão. Na mesma direção, é preciso considerar a importância de problematizar as fronteiras entre os investimentos associados à manutenção da saúde e aqueles motivados pelo aprimoramento de si.

Palavras-chave
biomedicalização; processos de subjetivação; teoria antropológica; transformações corporais

Abstract

Contemporary processes as a significant growth in the field of sexual medicine and aesthetic medicine require new empirical research and also the development of certain theoretical debates. In the context of recent decades, ascending forms of subjectivation have been focused on personal investment through bodily transformations, in which the consumption of “innovative” biomedical devices becomes crucial. Due to issues arising in this field, this article critically discusses some conceptual vectors. Analytical categories such as biomedicalization, pharmaceuticalization, and modes of subjectivation and improvement are central for the understanding of the processes involved. In the same direction, we need to consider the importance of questioning the boundaries between the investments associated with the maintenance of health and those motivated by improving themselves.

Keywords
anthropological theory; biomedicalization; body transformations; processes of subjetification

Introdução

Este artigo pretende discutir alguns desenvolvimentos teóricos importantes no campo dos estudos sobre biomedicalização, aprimoramento e processos de subjetivação à luz de questões empíricas particulares.1 1 Este artigo foi elaborado no escopo do projeto “Processos de subjetivação, transformações corporais e produções de gênero via a promoção e consumo de recursos biomédicos” (apoiado pelo CNPq). Atualmente somos bombardeados por notícias relativas a promessas de novos produtos, em especial farmacológicos, destinados a melhorar o desempenho físico e sexual, com significativas marcas de gênero. Se o Viagra é um sucesso de vendas desde seu lançamento em 1998, a busca primordial de boa parte dos grandes laboratórios farmacêuticos desde então tem sido em torno de um remédio análogo para tratar as disfunções sexuais femininas. Entre os mais promissores, conforme as expectativas do mercado, estão os produtos à base de testosterona, que agiria no aumento do desejo feminino, e a recém-aprovada Flibanserina, da família dos antidepressivos, que proporcionaria um relaxamento propício ao desempenho sexual das mulheres. A notícia da possível aprovação do remédio produzido pelo laboratório Sproud Pharmaceuticals em junho de 2015 pela Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos provocou grande alvoroço, até porque o mercado de vendas é estimado inicialmente em mais de 2 bilhões de dólares anuais. No Brasil, foi muito significativa a repercussão em grandes veículos de comunicação, desde redes de televisão a jornais e revistas semanais, além de imensa discussão na internet.2 2 Ver, por exemplo, “Liberação de pílula do desejo sexual feminino avança nos EUA” (2015).

Em setembro de 2014 também houve movimentação em torno da discussão sobre a quebra de patente, nos Estados Unidos, do Androgel, medicamento à base de testosterona, do laboratório Besins Healthcare, cujas vendas já superam a marca de 1 bilhão de dólares por ano.3 3 Conforme o documento “Generic AndroGel availability” ([s.d.]). Embora formalmente indicado apenas para homens, inclusive no Brasil, vários indícios revelam o uso também por mulheres e a promoção do produto para o público feminino por parte de representantes do laboratório. A testosterona tem aparecido como grande trunfo para melhoramento do desempenho físico, estético e sexual das mulheres também por meio de sua prescrição individualizada e operacionalizada pelas farmácias de manipulação e via os implantes hormonais (Sanabria, 201042 SANABRIA, E. From sub- to super-citizenship: sex hormones and the body politic in Brazil. Ethnos: Journal of Anthropology, Abingdon, v. 75, n. 4, p. 377-401, 2010.). Neste último caso, não se pode deixar de fazer referência ao fato de terem sido popularmente divulgados como o “chip do tesão”. Esses implantes subcutâneos contendo testosterona são indicados por alguns médicos para impedir a ovulação e a menstruação, aumentar a libido, proporcionar ganho de massa muscular e diminuição de gordura subcutânea. As chamadas “mulheres chipadas”, muitas delas celebridades populares, passaram, portanto, também a divulgar a existência desse novo dispositivo tecnológico cuja promessa seria resolver várias das demandas assumidas como causas de insatisfação feminina.4 4 Ver, por exemplo, Formenti (2011).

A promoção de discursos públicos em torno da insatisfação feminina e a promessa de resolução via recursos biomédicos aparece também no campo da medicina estética, em especial da cirurgia plástica. Nesse caso, é interessante que se torna central a expectativa da transformação rápida dos corpos, que viria acompanhada de uma forte transformação subjetiva. Nos relatos de mulheres que passaram pela experiência das cirurgias, é frequente a menção à ideia da realização de um sonho, do alcance da feminilidade esperada, da satisfação pessoal e da realização sexual.5 5 Ver, por exemplo, “Silicone nos seios: a melhor das minhas experiências femininas” (2013) e “Eu, Fernanda P, 21 anos – turbinada e feliz da vida” (2011).

Além disso, dados do International Survey on Aesthetic/Cosmetic realizado em 2013 e divulgado em 2014, promovido pela The International Society of Aesthetic Plastic Surgeons (ISAPS) indicam achados importantes. O primeiro deles diz respeito ao fato de o Brasil ter ultrapassado até mesmo os Estados Unidos no número total de procedimentos cirúrgicos notificados, chegando à marca dos 1.491.721, o que corresponde a 12,9% do total mundial. Esse número nos Estados Unidos continua próximo, atingindo 1.452.356 (12,5%). Mas é de se notar que os outros países que seguem na lista realizam um número muito menor de procedimentos, como o México, que aparece com 486.499 (4,2%), e Alemanha, com 343.479 (3,0%). No que refere ao gênero, é espantosa a proeminência feminina. As pacientes mulheres são responsáveis por 9.943.211 (85,7%) dos procedimentos cirúrgicos, em contraste com os 1.656.125 (14,3%) realizados em homens, em 2013. Entre as cirurgias mais procuradas estão lipoaspiração e aumento dos seios.6 6 Cf. ISAPS (2014).

Com base nessas informações, já temos indicativos de que os processos de coprodução e apropriação dos recursos biomédicos com fins de aprimoramento são absolutamente distintos do ponto de vista do gênero e, mais do que isso, ajudam a reinscrever as diferenças em termos corporais, supostamente acentuando características associadas a uma feminilidade desejada para as mulheres, e masculinidade esperada para os homens. Do mesmo modo, as formas de sexualidade prescritas e incentivadas parecem compactuar, em termos gerais, com as normas heterossexuais predominantes em nossa sociedade. Essa diferenciação em termos de gênero e sexualidade tem sido estudada em investigações particulares ao campo da medicina sexual e ao campo da medicina estética, mas uma aproximação tem sido rara.7 7 Para o campo da medicina sexual, ver Loe (2001), Marshall e Katz (2002), Fishman (2004), Giami e Spencer (2004), Marshall (2006), Tiefer (2006), Moynihan e Mintzes (2010), Rohden (2009), Brigeiro e Maksud (2009); Russo et al. (2009, 2011), Faro et al. (2013). No que se refere à medicina estética, consultar Gilman (1999), Bordo (2009), Davis (2009), Fraser (2009), Heys e Jones (2009), Antonio (2008), Edmonds (2014). Para uma análise que aproxima o uso de substâncias farmacológicas, especialmente hormônios, e cirurgias plásticas, recorrer a Edmonds e Sanabria (2014). Em função dos limites deste artigo, não será viável resenhar essas produções. Contudo, suas contribuições serão tomadas aqui como pano de fundo para propor algumas articulações mais singulares com outros campos analíticos.

É preciso também chamar a atenção para outra dimensão reveladora de que estaríamos assistindo à conformação de um fenômeno com características originais. Diz respeito ao caráter publicizado que caracterizaria certas formas de aprimoramento de si baseadas em biotecnologias. Não apenas tem se tornado cada vez mais comum a exposição das próprias transformações corporais, que há algumas décadas pareciam ser apresentadas com mais discrição, quanto tem sido frequente a divulgação de narrativas em livros, revistas, sítios na internet ou entrevistas na televisão. Expressões como “realização pessoal”, “o sonho da minha vida”, “o encontro da minha feminilidade”, “finalmente me senti uma mulher completa” são frequentemente acionadas para ilustrar a razão da procura pelo uso de hormônios ou intervenções estéticas por mulheres, por exemplo. Ao mesmo tempo, uma tradução dessas categorias em termos como “satisfação pessoal”, “qualidade de vida”, “autoestima”, “confiança” aparece nos discursos de médicos/as e instituições ligados a esses campos de intervenções. No que se refere, por exemplo, a publicações de grande circulação e sítios na internet que divulgam produtos e serviços, a presença desses depoimentos tanto das pacientes/consumidoras quanto dos/as médicos/as é constante e parece ter se tornado imprescindível.8 8 No campo da chamada “autoajuda científica”, o recurso aos depoimentos pessoais tem sido uma marca sempre presente, como indicado em Rohden (2012).

A publicização da trajetória envolvendo a busca pela transformação e os próprios investimentos feitos nessa direção parecem ter se convertido em algo capaz de produzir distinção e reconhecimento. Se o consumo de medicamentos para a melhoria de determinadas condições do sujeito e as cirurgias estéticas antes eram vistos como algo que denotava uma percepção de “inferioridade” em relação às normas sociais (Heys; Jones, 200922 HEYES, C.; JONES, M. Cosmetic surgery in the age of gender. In: HEYES, C.; JONES, M. (Ed.). Cosmetic surgery: a feminist primer. Farnham: Ashgate, 2009. p. 1-17.; Martin, 200732 MARTIN, E. Bipolar expeditions: mania and depression in American culture. Princeton: Princeton University Press, 2007.), no contexto atual parecem indicar muito mais o predomínio de uma nova forma de produção de si, via o reconhecimento moral desses tipos de processos de aprimoramento.

É evidente que não se pode generalizar essa suposição, mas sim tomar essas indicações enquanto problemas empíricos que, além de investigações etnográficas, requerem a rediscussão de algumas vertentes teóricas. Obviamente o sujeito produz a si próprio em termos de movimentos de interiorização e singularização e isso não está sendo negado aqui. Porém, o que pretendo é chamar a atenção para como a exposição pública das narrativas pessoais, ou a própria elaboração pública delas, reflete uma maneira de falar sobre isso cada vez mais em voga. Esse tom é especialmente percebido nos discursos que justificam o uso desses artefatos com fins de aperfeiçoamento individual, como forma de dar sentido e respaldo moral à decisão de buscar uma intervenção, muitas vezes envolvendo altos riscos, e que não necessariamente se justificaria em termos de saúde.

No contexto deste artigo, esses dados iniciais servem sobretudo para indicar como tanto o campo de intervenções oferecidas pela medicina sexual quanto aquele propiciado pelas cirurgias estéticas traduzem um imenso interesse das pessoas nesse tipo de recursos e um amplo desenvolvimento institucional e mercadológico. Além disso, também instigam a refletir sobre temas como o acesso a novas tecnologias de intervenção cada vez mais propagadas e suas consequências para os indivíduos, a procura pelo aprimoramento e transformação corporal e subjetiva, a capacidade de buscar o consumo dessas informações e meios de realização pessoal. Em virtude da conformação desse conjunto de questões que dizem respeito a fenômenos bastante contemporâneos, pretendo trazer à tona certos eixos de investimento teórico que têm sido fundamentais para estudar processos como esses. Trata-se de algumas reflexões, por meio da seleção de apenas algumas referências-chave no campo, que giram em torno dos conceitos de medicalização, biomedicalização, farmaceuticalização, aprimoramento e modos de subjetivação. Certamente, são escolhas que não têm nenhuma pretensão exaustiva ou englobante, mas que resultaram da necessidade de pôr em debate as questões bem particulares reportadas acima. A ideia central é discutir até que ponto esses eixos dão conta de fornecer enquadramentos satisfatórios para o entendimento desses problemas ou se não estaríamos frente à necessidade de produzir algumas redefinições de nossos problemas teóricos.

Medicalização da sociedade em cena

Não se podem discutir os fenômenos relativos aos novos usos de artefatos biomédicos e suas consequências para os sujeitos sem fazer referência à importância que tiveram a emergência do diagnóstico como categoria central para entendermos nossa sociedade, assim como as mudanças pelas quais passou a medicina nos últimos séculos. Um dos pilares dessa transformação, ocorrida a partir do início do século XIX, concerne à transferência do foco anteriormente dado ao indivíduo doente para a nova definição das doenças como entidades ontologicamente reais e específicas. Na medida em que as doenças, assim concebidas, tornam-se entidades sociais com as quais se interage cada vez mais quotidianamente, não é de se estranhar a importância que adquire a dimensão do diagnóstico e sua capacidade de incitar fortes tensões políticas. É possível perceber isso ao assistir a diferentes grupos de atores sociais, desde médicos/as a órgãos do governo e ativistas, em longas disputas sobre a adequação de um determinado diagnóstico. Além disso, não se pode deixar de mencionar que a operacionalização do diagnóstico torna-se peça fundamental no estabelecimento de todo o processo de cuidado terapêutico, desde a organização dos sistemas de saúde e o uso de medicamentos à correspondente burocracia associada a esses eventos. Esse processo de interação, ao longo do século XX, tem sido modulado pelas novas tecnologias de mapeamento, prognóstico e tratamento (Rosenberg, 200239 ROSENBERG, C. E. The tyranny of diagnosis: specific entities and individual experience. The Milbank Quartely, New York, v. 80, n. 2, p. 237-259, 2002.).

Para Rosenberg (2002)39 ROSENBERG, C. E. The tyranny of diagnosis: specific entities and individual experience. The Milbank Quartely, New York, v. 80, n. 2, p. 237-259, 2002. a doença passa a existir enquanto fenômeno social a partir do momento em que ocorrem concordâncias acerca de sua percepção e classificação. Essa estabilização da doença serve para estruturar as relações sociais, o que demonstra como o diagnóstico torna-se a chave da experiência da doença, ressignificando-a e demandando respostas socialmente negociadas. A partir da situação ritual característica da interação médico-paciente, são estabelecidos os significados culturalmente acordados para uma experiência, a princípio, individual. A relevância dessa operação está exatamente em “transformar incertezas em narrativas estruturadas” (Rosenberg, 200239 ROSENBERG, C. E. The tyranny of diagnosis: specific entities and individual experience. The Milbank Quartely, New York, v. 80, n. 2, p. 237-259, 2002., p. 238). Rosenberg considera tão importante o crescente papel do diagnóstico na história do Ocidente nos últimos séculos que opta por usar a expressão “tirania do diagnóstico”, reportando à sua indispensabilidade. Segundo o autor:

O diagnóstico é um ritual cognitiva e emocionalmente necessário que conecta profissionais e ideias médicas a homens e mulheres que são seus clientes. Tais ligações entre o coletivo e o unicamente individual são necessárias em qualquer sociedade, e nas nossas o papel da medicina é central para tais percepções e identidades negociadas. O sistema de categorias de doença e diagnósticos é tanto uma metáfora para nossa sociedade quanto um microcosmo dela. (Rosenberg, 200239 ROSENBERG, C. E. The tyranny of diagnosis: specific entities and individual experience. The Milbank Quartely, New York, v. 80, n. 2, p. 237-259, 2002., p. 256, tradução minha).

Resta nos perguntarmos sobre as consequências ou as implicações dessa força do diagnóstico nessa zona de fronteira entre doença/saúde e consumo de aprimoramento que caracterizaria os casos da medicina sexual e estética, trazidos aqui com a intenção de possibilitar a redefinição de um problema conceitual. Certamente o diagnóstico ajuda a transformar incertezas individuais em narrativas estruturadas e socialmente compreendidas por meio da evocação da legitimidade médica e autoridade científica. Porém, cabe perguntar, se nos exemplos aqui tratados nos quais o aprimoramento é a questão central, isso se torna necessário apenas para se conseguir implementar uma forma de tratamento e resolução de problemas individuais nos serviços médicos, inclusive acionando os direitos e regulamentações oficiais, ou ganha também cada vez mais importância nos próprios processos de produção de si que passam a ter no idioma do diagnóstico uma ferramenta fundamental. Para prosseguir nessa linha de problematização, é necessário fazer referência a outros desenvolvimentos centrais nesse campo analítico.

O trabalho de Conrad (19927 CONRAD, P. Medicalization and social control. Annual Review of Sociology, Palo Alto, v. 18, p. 209-232, 1992., 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007.) pode ser apontado como marco importante no debate sobre medicalização não apenas pelas suas contribuições analíticas acerca de certos processos sociais, mas sobretudo pelo seu esforço em termos de conceitualização do fenômeno. Além disso, trata de temas como disfunção sexual e uso de hormônios, que imporiam necessárias conexões com as questões do aprimoramento, consumo, subjetividade, gênero. De acordo com o autor, medicalização é o processo através do qual problemas anteriormente definidos como não médicos passam a ser concebidos e tratados como problemas médicos e caracterizados como doenças ou transtornos. Esse fenômeno abarcaria cada vez mais comportamentos tidos como desviantes e também processos vitais ou condições de vida, como nascimento, envelhecimento, morte, sexualidade, etc. Contudo, uma ressalva feita pelo autor se refere ao fato de que nem sempre os/as médicos/as são agentes centrais ou dotados de mais poder nesse jogo de interesses. Muitas vezes os/as próprios/as pacientes, inclusive, participam ativamente na busca pela medicalização institucionalizada de uma determinada condição, conferindo um caráter ainda mais complexo a esse processo sociocultural.

Conrad (2007)8 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007. analisa os processos de medicalização envolvidos em casos como a recente focalização no homem via andropausa, calvície e disfunção erétil; a expansão do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) de crianças para adultos; e o uso do chamado hormônio do crescimento visando aprimoramento. Em função desses exemplos, torna-se imperativo dar conta de tratar de aspectos que caracterizam o campo mais recentemente (em contraste com seus estudos iniciais na década de 1970), como o emprego da biotecnologia, a conversão dos/as pacientes em consumidores/as e a expansão das organizações voltadas aos cuidados médicos. Seu trabalho tem o mérito de chamar a atenção para o crescente papel das indústrias de fármacos e biotecnologia, especialmente no que diz respeito à demanda por aprimoramento biomédico “para nossas crianças, nossos corpos ou nossas habilidades mentais e sociais” (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 137, tradução minha). No que se refere ao tema do consumo, é perspicaz em citar os casos da cirurgia estética, TDAH para adultos, terapias com hormônio do crescimento e o aumento dos anúncios de fármacos. Sinaliza que os indivíduos convertem-se em consumidores, e não mais em pacientes, e dessa forma têm se tornado peças fundamentais na demanda por serviços de saúde e tratamentos médicos (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 140). Tomando a cirurgia estética como caso exemplar de consumismo na medicina, indica como o corpo tem se tornado um projeto, a partir de diferentes formas e graus de intervenção, e a medicina tem se convertido em um veículo para o melhoramento (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 138).

Quanto a esse aspecto, argumenta que é possível distinguir diferentes faces do aprimoramento biomédico. A primeira seria a normalização, a qual se caracteriza pelo uso dos aperfeiçoamentos biomédicos para levar o corpo a atingir os padrões considerados normais ou socialmente adequados segundo médicos e pacientes. Cita como exemplo as cirurgias estéticas para aumentar ou reduzir o tamanho dos seios, conforme as convenções do que seria considerado normal. A segunda face seria a reparação, na qual as intervenções médicas servem para restaurar ou rejuvenescer o corpo, de acordo com uma condição prévia. Afirma que tanto as cirurgias estéticas quanto o uso do Viagra, por exemplo, podem ilustrar essa busca por restaurar um nível prévio de performance. A terceira corresponde ao aumento ou melhoria dos desempenhos visando competitividade. Nesse caso, são citados recursos como treinamentos rigorosos, dietas e “drogas de escolha” usadas como forma de incrementar a performance (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 86-89).

Em trabalho anterior, Conrad (1992)7 CONRAD, P. Medicalization and social control. Annual Review of Sociology, Palo Alto, v. 18, p. 209-232, 1992. trata da importância de distinguir a medicalização do que denomina saudicização (healthicization). Embora os dois processos associem questões médicas e comportamentais, o autor propõe que

com a medicalização, as definições e tratamentos médicos são oferecidos para problemas sociais ou eventos naturais; com a saudicização, definições comportamentais e sociais são expandidas para eventos previamente definidos biomedicamente (por exemplo, doenças do coração). Medicalização propõe causas e intervenções biomédicas; saudicização propõe causas e intervenções comportamentais e de estilo de vida. Uma transforma o moral em médico, a outra transforma saúde em moral. (Conrad, 19927 CONRAD, P. Medicalization and social control. Annual Review of Sociology, Palo Alto, v. 18, p. 209-232, 1992., p. 223, tradução minha).

Conrad cita como exemplo as preocupações com saúde e fitness e sua associação com a redução de riscos de adoecimento. Apesar de essa distinção ser interessante, no contexto contemporâneo parece ser bem mais complexo delimitar essas circunscrições. Meu argumento é que em práticas envolvendo uso de medicamentos pró-sexuais e cirurgias estéticas, tanto uma condição “natural” ou “normal” (diminuição de desejo ou potência; variáveis contornos corporais ou envelhecimento) é convertida em problema médico quanto, ao mesmo tempo, torna-se uma obrigação moral, em nome da junção entre saúde e bem-estar, corrigir essas condições. Talvez uma pista interessante para situar a produção de Conrad em relação às questões aqui abordadas seja o fato de que permanece uma disjunção entre o campo da saúde/doença, por um lado, e o campo do aprimoramento por outro. E, embora seja evidente que em alguns domínios essa distinção seja importante, no que se refere ao que se está pretendendo tratar neste artigo, o mais produtivo é colocá-la em xeque, desafiando as suas fronteiras.

Além disso, embora Conrad (2007)8 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007. invista bastante na conceitualização do processo de medicalização de forma ampla e em diferentes análises empíricas, as questões pertinentes à produção de subjetividade não são tratadas de forma privilegiada. No capítulo introdutório de seu livro, sintomaticamente em um item chamado “Controvérsias e críticas” (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 10-14), afirma que alguns autores, na esteira deixada por Foucault, têm enfatizado como os discursos da medicina e da saúde têm se tornado centrais para as subjetividades. Mas situa seu próprio trabalho como distinto, embora possivelmente complementar, a essas abordagens:

Estudos da medicalização, como eu e outros entendemos, focam especialmente a criação, promoção e aplicação de categorias médicas (e tratamentos e soluções) para problemas e eventos humanos; enquanto nós estamos certamente interessados nos aspectos sociais da medicalização, nós os vemos como algo que vai além, mas inclui, discurso e subjetividade. (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 13, tradução minha, grifo meu).

Conrad (2007)8 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., portanto, concede lugar às subjetividades, mas ao mesmo tempo admite não priorizar essa dimensão que, ao mesmo tempo, distingue do que seriam os “aspectos sociais” a serem privilegiados. Discurso e subjetividade estariam, de certa forma, em uma ordem menor, ou mais contingente, de objetos a serem tratados. Segundo ele, a tese da medicalização foca duas dimensões: “examina como a medicina e motores emergentes da medicalização desenvolvem e aplicam categorias médicas, e em um grau menor concentra-se em como a população tem internalizado perspectivas médicas e terapêuticas como uma subjetividade presumida” (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 14, tradução minha). Da mesma forma, embora a dimensão de gênero seja citada, enfatizando que “os problemas das mulheres têm sido desproporcionalmente medicalizados” (Conrad, 20078 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007., p. 10, tradução minha) apesar da crescente atenção dada aos homens, a questão não é abordada de forma mais sistemática. Na verdade gênero não aparece como objeto de uma problematização mais intensa que pudesse influenciar o quadro analítico mais geral do autor.

O tom empregado por Conrad (2007)8 CONRAD, P. Medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2007. parece explicitar um momento de passagem entre as análises que podem ser consideradas mais “tradicionais”, envolvendo a medicalização, e a tensão com perspectivas que estariam imprimindo uma nova ênfase no sujeito, no aprimoramento e considerando, de alguma forma, as dimensões do gênero e da sexualidade.

Novos contornos via a biomedicalização

Em certo sentido, o trabalho de A. Clarke et al. (2010)6 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010. caminha na direção das novas abordagens analíticas, por meio do grande empreendimento feito ao definir o novo marco da biomedicalização. Segundo as autoras, a partir de uma vasta pesquisa acerca do panorama norte-americano, podem-se reconhecer três fases fundamentais de transformações na área médica e de atenção à saúde: a primeira corresponde ao período que vai de 1890 a 1945 e é marcada pelo desenvolvimento da medicina alopática, profissionalização e especialização da medicina e profissões afins; a segunda se refere ao período entre 1945 e 1985 e se caracteriza pelo aumento da jurisdição, da autoridade e da aplicação da medicina na vida das pessoas; e a terceira se inicia a partir de 1985 e pode ser descrita como a grande transformação da biomedicina por meio das inovações tecnocientíficas. Esta última fase é definida como biomedicalização da sociedade. Trata-se de um processo complexo, multissituado e multidirecional no qual a medicalização é redefinida em função das inovações advindas com a biomedicina tecnocientífica. A ênfase dada pelo prefixo “bio” corresponde precisamente às transformações de elementos humanos e não humanos que só se tornam possíveis graças às inovações tecnocientíficas. Como exemplo são citadas a biologia molecular, as biotecnologias, a genomização, a medicina dos transplantes e as novas tecnologias médicas (Clarke et al., 20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 162).

O aspecto clínico continua sendo central, especialmente em virtude dos impactos das inovações tecnocientíficas nas novas possibilidades de diagnóstico e tratamento decorrentes de avanços na engenharia biogenética, tecnologias computacionais, desenvolvimento de novas drogas e procedimentos de visualização. Tudo isso gerou grandes consequências em termos políticos e econômicos, como o crescimento vertiginoso do setor de saúde nos Estados Unidos. A concepção da vida em si em matéria a ser controlada e transformada está associada à centralidade dos aspectos biológicos na política e na economia contemporâneas que se convertem em biopolítica e bioeconomia. Para além disso, ocorreu também a conformação de uma nova cultura ou “regime de verdade”, centrada na responsabilização individual. A preocupação com a saúde passa a ser um atributo moral do indivíduo, que precisa estar informado a respeito dos novos conhecimentos, das práticas de cuidado de si, prevenção e tratamento das doenças, e disposto a consumir os recursos agora disponíveis (Clarke et al., 20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010.).

Para as autoras, esse quadro leva a indagar de que forma as pessoas estariam atualmente se engajando com as novas possibilidades postas em cena pela biomedicalização, seja de forma individual (enquanto sujeitos corporificados, em relação aos aprimoramentos, e como usuários/as ou consumidores/as); coletivamente (enquanto movimentos sociais de saúde e grupos de pacientes); e como população (em termos de cidadania biológica e planos de saúde, por exemplo). Um aspecto importante se refere ao fato de que a biomedicalização se dá de forma a aprofundar estratificações em termos de classe, gênero e raça. Nem todos os indivíduos são afetados e têm acesso a esses recursos da mesma forma. Ao mesmo tempo, o processo de biomedicalização recria ou reforça as estruturas de distinção existentes. Além disso, a capacidade ou a agência individual para resistir ou acessar esses processos não pode ser pensada sem uma análise mais consistente das diferenças e constrangimentos sociais envolvidos.

No plano individual, o aprimoramento passa a ser um problema central, mostrando o alargamento das possibilidades de intervenção para além da manutenção da saúde ou reparação do corpo, por meio dos procedimentos cosméticos, próteses, aprimoramento genético ou medicina regenerativa. A procura pelas cirurgias estéticas, que movimentavam cerca de 15 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos, e o amplo mercado de uso de hormônios “antienvelhecimento” ilustram de forma privilegiada a força desse fenômeno. No plano coletivo e populacional, destacam-se as variadas formas por meio das quais as pessoas têm se engajado em grupos a partir dos direitos associadas à saúde. Um conceito-chave aqui é a noção de “cidadania biológica” que surge para dar conta das lutas por direito à saúde e bem-estar desde o final do século XX, a partir da busca pelo reconhecimento de especificidades biológicas particulares e potencialmente agregadoras entre os sujeitos (Clarke et al., 20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 11-14).

Para Clarke et al. (20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 78-82), as transformações de corpos e identidades na era da biomedicalização tornam-se um problema fundamental. Uma dimensão-chave desse fenômeno seria a extensão dos modos de operação da pesquisa médica e prática clínica para atingir o controle sobre os corpos por meio de técnicas que empregariam alterações nas próprias subjetividades. Nesse processo, o corpo deixa de ser visto como relativamente estático ou imutável e enquanto foco de controle, para se converter em algo flexível e suscetível de ser transformado e reconfigurado. Segundo as autoras, passa-se de um processo de normalização para um processo de customização ou personalização associado à instituição das práticas tecnocientíficas como nichos de mercado que sustentam uma “medicina de butique”. Os/as pacientes são consumidores/as que através desses recursos de personalização buscam dar conta de seus projetos individuais por meio de cirurgias estéticas, tecnologias conceptivas ou da promessa de terapias genéticas individualizadas e da farmacogenômica.

É importante salientar que parte da mercantilização e fetichização dos produtos e serviços de saúde tem a ver sobretudo com a importância social atribuída a esses recursos. Nessa direção, a valorização dos desejos associados à customização é concomitante com a promoção, também marcada pela estratificação social, do aprimoramento via estilo de vida. As chamadas drogas de estilo de vida, como o Viagra, seriam reflexo dessa vontade de tratar o envelhecimento. Ao invés dos tratamentos focados no corpo doente e nas doenças, a biomedicalização se caracteriza pelo foco nas mudanças comportamentais e de estilo de vida. Não se trata mais simplesmente de oferecer um controle sobre o corpo por meio das intervenções médicas, mas da transformação do corpo, do self, e da saúde, em determinadas direções que são concebidas como possíveis: “Desse modo, novos eus e identidades (mãe, pai, capaz de andar, de ouvir; pessoa sexualmente potente, bela) tornam-se possíveis. Algumas identidades são procuradas, enquanto outras, não” (Clarke et al., 20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 80, tradução minha).

A partir desse enfoque, Clarke et al. (20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 80-82) caminham na direção de definir com mais precisão o que chamam de “identidades tecnocientíficas”: novos gêneros de identidades baseadas no risco, genômica, epidemiologia e outras tecnociências. O ponto em comum é que essas identidades são construídas através de meios tecnocientíficos aplicados aos corpos diretamente, a histórias ou a produtos corporais, como as imagens, por exemplo. Essas novas subjetividades, possíveis via os recursos da tecnociência, estariam portanto em sintonia com uma governamentalidade biomédica. Uma ressalva importante se refere à necessidade de situar melhor o caráter original dessas identidades. De acordo com Clarke et al. (20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 81), não se trata de dizer que são identidades completamente novas, mas que as aplicações tecnocientíficas permitiram novas formas de acessar e performar identidades existentes. Seria possível reconhecer pelo menos quatro modos pelos quais a tecnociência engendra processos de formação de identidades: a) aplicações tecnocientíficas podem ser usadas para obter algo anteriormente indisponível mas socialmente desejável (como nos tratamentos para fertilidade); b) a biomedicalização impõe novos mandatos e performances que passam a incorporar-se à constituição de si (as subjetividades produzidas pela obrigação de dedicar-se a ser saudável, por exemplo); c) as tecnociências biomédicas criam novas, e redefinem as velhas, categorias de identidades relacionadas à saúde (via as novas técnicas de definição de risco, alguém facilmente pode passar de saudável à doente); d) novos modos de interação tecnocientífica (como a telemedicina) podem gerar o desempenho de novas identidades como paciente ou integrante de uma comunidade, que antes seria impossível.

Esse esquema analítico tenta fugir de concepções mais duras que conjugam identidades e corpo/saúde. A noção clássica de Rabinow (1999)34 RABINOW, P. Artificialidade e Iluminismo. In: RABINOW, P. Antropologia da razão: ensaios de Paul Rabinow. Organização e tradução: João Guilherme Biehl. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999, p. 135-157. de identidades biossociais ou biossocialidades, que sublinha a formação de novos grupos e identidades e práticas individuais decorrentes de novas verdades, parece insuficiente para as autoras. A produção de identidades via os grupos de pacientes, por exemplo, não dá conta de perceber a distância entre a atribuição de uma identidade e sua aceitação. No plano individual, as identidades tecnocientíficas são “tomadas seletivamente”, especialmente quando podem significar acesso a determinados recursos valiosos:

Tal identidade pode ser manipulada como uma identidade “estratégica”, aparentemente aceita para alcançar objetivos particulares, mas (tipicamente em outras situações) pode ser recusada. Tais identidades podem ser também ignoradas em favor de alternativas. Negociações com os processos de biomedicalização estão em curso. (Clarke et al., 20106 CLARKE, A. et al. (Ed.). Biomedicalization: technoscience and transformations of health and illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010., p. 82, tradução minha).

Farmaceuticalização da vida e demandas de aprimoramento

Em paralelo aos investimentos em torno da definição e análise de processos via os conceitos de medicalização e biomedicalização, pode-se acionar também o desenvolvimento mais recente da noção de farmaceuticalização. Sua recuperação no contexto deste artigo se deve ao fato de que pode ajudar a aprofundar algumas das questões mais específicas aqui enfocadas. Em especial, torna-se um conceito importante em virtude de sua vinculação com o fenômeno de criação e expansão do uso das chamadas drogas de estilo de vida e a lógica do aprimoramento individual que esses artefatos põem em cena. O tema geral da produção de subjetividades via as tecnociências ganha contornos mais singulares em decorrência do uso de determinados fármacos.

Em artigo que pretende oferecer uma estrutura analítica para esse campo de estudos, Williams, Martin e Gabe (2011)45 WILLIAMS, S. J.; MARTIN, P.; GABE, J. The pharmaceuticalisation of society? A framework for analysis. Sociology of Health & Illness, Hoboken, v. 33, n. 5, p. 710-725, 2011. ponderam que enquanto a medicalização é a tradução de fatos não médicos em termos médicos, ampliando o campo de atuação da medicina, a farmaceuticalização se refere à “tradução ou transformação de condições, recursos e capacidades humanas em oportunidade para intervenção farmacêutica” (Williams; Martin; Gabe, 201145 WILLIAMS, S. J.; MARTIN, P.; GABE, J. The pharmaceuticalisation of society? A framework for analysis. Sociology of Health & Illness, Hoboken, v. 33, n. 5, p. 710-725, 2011., p. 711, tradução minha). Em termos mais formais, trata-se de “um processo sociotécnico heterogêneo, dinâmico e complexo que é parte de uma construção a longo prazo e contínua do regime farmacêutico, incluindo atividades socioeconômicas distintas e atores diversos como clínicas, pacientes, consumidores e reguladores” (Williams; Martin; Gabe, 201145 WILLIAMS, S. J.; MARTIN, P.; GABE, J. The pharmaceuticalisation of society? A framework for analysis. Sociology of Health & Illness, Hoboken, v. 33, n. 5, p. 710-725, 2011., p. 711, tradução minha). Esse regime iniciou-se ainda no século XIX com o desenvolvimento de produtos farmacêuticos criados a partir de tecnologia baseada na química e consubstanciada em uma pílula. E tem apresentado como dinâmica-chave sua contínua capacidade de expansão comercial, clínica e geográfica. Se por um lado, em relação ao conceito mais geral de medicalização, há uma tentativa de restrição ao uso de fármacos, por outro os autores chamam a atenção para o fato de que a farmaceuticalização potencialmente vai além dos domínios do que seria médico ou medicalizado. O foco aqui são os usos não médicos dos recursos farmacológicos visando estilo de vida e melhorias entre pessoas consideradas saudáveis.

Os autores destacam seis dinâmicas características desse processo: a) redefinição e reconstrução de problemas de saúde a partir de uma solução farmacêutica; b) mudança na relação entre agências regulatórias de Estado e indústria farmacêutica; c) mediação dos produtos farmacêuticos na cultura popular e vida diária; d) criação de novas identidades tecnossociais e a mobilização de grupos de pacientes ou consumidores em torno das drogas; e) uso das drogas para propostas não médicas e criação de novos mercados; f) relação entre inovação e a expectativa de um futuro farmacêutico mais eficaz.

No que se refere à criação de novas identidades, enfatizam o papel ativo de consumidores/as e pacientes que muitas vezes se convertem em verdadeiros/as experts na avaliação dos riscos e benefícios dos medicamentos. As associações e grupos de pacientes que lutam pelos direitos de acesso aos fármacos ilustrariam muito bem esse fenômeno de criação de novas identidades sociais. Contudo, é preciso salientar que o impacto do uso de fármacos na formação de distintas e variadas subjetividades, para além do/a paciente expert ou dos grupos de luta por direitos, não é problematizado pelos autores.

Com relação à questão do uso de fármacos para fins não médicos e a criação de novos mercados, é significativo o destaque dado ao tema do aperfeiçoamento, encarnado na proposta do sujeito se tornar “melhor do que bem”. Consumismo e farmaceuticalização da vida diária estariam associados nesse processo que teria como justificativa o aprimoramento de pessoas saudáveis. Williams, Martin e Gabe (201145 WILLIAMS, S. J.; MARTIN, P.; GABE, J. The pharmaceuticalisation of society? A framework for analysis. Sociology of Health & Illness, Hoboken, v. 33, n. 5, p. 710-725, 2011., p. 718) fazem a importante ressalva de que o desejo do aperfeiçoamento não é algo novo. Mas o que tem mudado são os meios para atingi-lo. E no contexto atual, que envolve também o uso de fármacos, temos que considerar que os limites entre o que constitui uma doença ou transtorno e seus tratamentos e o uso para aprimoramento não são nada evidentes. Além disso, é importante levar em conta segundo os autores, em passagem que sintomaticamente faz uma referência explícita a procedimentos exemplares trazidos neste artigo, que: “A profissão médica, contudo, está agora envolvida em muitas formas de aprimoramento, incluindo cirurgia cosmética e o uso de alguns remédios prescritos (tais como o hormônio do crescimento) para propostas de aprimoramento” (Williams; Martin; Gabe, 201145 WILLIAMS, S. J.; MARTIN, P.; GABE, J. The pharmaceuticalisation of society? A framework for analysis. Sociology of Health & Illness, Hoboken, v. 33, n. 5, p. 710-725, 2011., p. 711, tradução minha). Investigar melhor essas interações, à luz da perspectiva da coprodução (Jasanoff, 200424 JASANOFF, S. States of knowledge: the co-production of science and social order. New York: Routledge, 2004.), que envolve discutir as expectativas de uma sociedade que valoriza a cultura do aprimoramento, seria uma tarefa a cumprir.

Nessa direção, o trabalho de Martin (2006,31 MARTIN, E. The pharmaceutical person. BioSocieties, Cambridge, v. 1, p. 273-287, 2006. 200732 MARTIN, E. Bipolar expeditions: mania and depression in American culture. Princeton: Princeton University Press, 2007.) é uma referência imprescindível. A partir de extensa pesquisa sobre bipolaridade nos Estados Unidos, a antropóloga traça uma argumentação convincente acerca do privilégio dado a determinados tipos de personalidade ou capacidades e a sociedade em questão. Para a autora, a cultura norte-americana teria muito mais afinidade com o comportamento maníaco (em contraste com o depressivo) e isso seria ilustrado pela produção de um mercado que valoriza atitudes energéticas, vibrantes, criativas e produtivas. A articulação entre categorias sociais e culturais e categorias médicas tem sido expressa na compreensão cada vez mais comum de fenômenos quotidianos em termos médicos ou farmacêuticos. E nesse cenário, o aperfeiçoamento passou a ser uma ideia central: não basta mais apenas “regular” ou “normalizar”, mas sim é preciso “melhorar constantemente”. Segundo a análise de Martin, em contraste com uma possível condenação, em meados do século XX, da necessidade de uso de fármacos para se tornar uma pessoa completa, “hoje em dia somos menos sem remédio” (Martin, 200631 MARTIN, E. The pharmaceutical person. BioSocieties, Cambridge, v. 1, p. 273-287, 2006., p. 280, tradução minha, grifo da autora).

Ou seja, é inclusive esperado que as pessoas procurem conhecer e usar os recursos, inclusive farmacêuticos, para atingir determinadas metas de autogestão e desempenho. E esse empreendimento, longe de ser algo condenável, é visto positivamente. Também se agrega valor em função do fato de que frequentemente os remédios são caros, bem como o acesso aos/às médicos/as que podem receitá-los é dispendioso. Ser capaz de dispor desses recursos torna-se em si mesmo uma questão de status. Além disso, é interessante que os/as consumidores/as passam a se relacionar com os remédios com intimidade e se apropriando de certas características “personalizadoras” incorporadas nas pílulas.

Martin (2006)31 MARTIN, E. The pharmaceutical person. BioSocieties, Cambridge, v. 1, p. 273-287, 2006. argumenta que os laboratórios farmacêuticos e suas equipes de marketing têm sido profícuos em atribuir determinadas qualidades ou personalidades aos produtos, e que essas entidades passam também a ser incorporadas pelos/as consumidores/as na sua relação com as pílulas. Pacientes chegam inclusive a ilustrar esse processo com a ideia de que trocar de remédio implica remodelar ou produzir a própria identidade. Outra dimensão importante é a ambivalência da pílula em si, que é reconhecida tanto como uma “pessoa”, tendo personalidade, quanto como um objeto inanimado ou instrumento para pôr fim a um sofrimento. Esse artefato é ambivalente também no que se refere aos seus significados positivos ou negativos, expressos nos chamados efeitos colaterais. Nesse aspecto, é pertinente a sua afirmação de que o que as pessoas comumente fazem é um processo de deslocamento ou purificação em relação aos efeitos negativos. “Tirar da vista” os aspectos perigosos é uma forma de lidar com a ambivalência que permite ingerir cada vez mais medicamentos, transformando os próprios indivíduos em “pessoas farmacêuticas” (Martin, 200631 MARTIN, E. The pharmaceutical person. BioSocieties, Cambridge, v. 1, p. 273-287, 2006.). Um fator importante é que nesse processo entra em cena a relação com as drogas como instrumentos de precisão, que poderiam agir de forma exata para atingir determinados fins. Isso só é possível a partir da crença na potência das moléculas, nesse caso criadas na engenharia de precisão, aspecto discutido mais amplamente por Rose (2007)38 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007..

A questão da promoção e consumo de fármacos é traduzida, nos termos de Marshall (2009)28 MARSHALL, B. Sexual medicine, sexual bodies and the ‘pharmaceutical imagination’. Science as Culture, London, v. 18, n. 2, p. 133-149, 2009., na noção de “imaginação farmacêutica”. Através de estudo da comercialização das drogas para disfunção sexual, que parecem ter acelerado e garantido a confiança nesses investimentos, a autora discute como a imaginação farmacêutica enquadra um leque de possíveis narrativas que têm em comum a suposição de um modelo linear de progresso científico e a passagem das explicações psicológicas para as fisiológicas associadas às soluções farmacêuticas (Marshall, 200928 MARSHALL, B. Sexual medicine, sexual bodies and the ‘pharmaceutical imagination’. Science as Culture, London, v. 18, n. 2, p. 133-149, 2009., p. 134). Trata-se de reconhecer como, no processo de promoção de novos diagnósticos e tratamentos, produzem-se narrativas bastante eficazes que acionam valores e representações sensíveis em determinados contextos culturais. No caso em questão, a “imaginação farmacêutica” teria sido bem-sucedida ao redefinir os cursos da vida sexual em termos dos efeitos das drogas empregadas no tratamento da função sexual.

A base para essa transformação seria a mudança de padrão utilizada para pensar o corpo e suas funções. O binarismo normal/anormal teria sido substituído pelo novo par funcional/disfuncional. Como exemplo, a autora cita que durante muito tempo foi considerado “normal” que a função erétil ou o nível de testosterona declinassem ao longo da vida de um homem. Porém, essa ocorrência passa a ser pensada como “disfuncional”, o que seria “comprovado” pela existência de tratamentos que poderiam melhorar a função em questão. Dessa forma, o “funcional” passa a ser definido pelo que é tratável. O exemplo mais evidente disso seria como o Viagra foi fundamental para instituir a própria categoria da disfunção erétil e, mais recentemente, de como a reposição de testosterona seria o marcador por meio do qual se pode redefinir a andropausa (Marshall, 201029 MARSHALL, B. Science, medicine and virility surveillance: ‘sexy seniors’ in the pharmaceutical imagination. Sociology of Health & Illness, Hoboken, v. 32, n. 2, p. 211-224, 2010.).

Para a autora, seria possível reconhecer quatro dimensões da funcionalidade produzida pela imaginação farmacêutica: 1ª) a funcionalidade não requer qualquer relação com a normalidade: novos padrões redefinem o que é estatisticamente normal como disfuncional em função de ideias culturais; 2ª) a funcionalidade é postulada pela mensurabilidade e padronização: estados funcionais são aqueles passíveis de quantificação e tradução em termos da relação com os efeitos de um medicamento; 3ª) o discurso da funcionalidade desmonta o corpo e o fragmenta em termos de sistemas funcionais e efeito dos medicamentos em tais sistemas: genético, hormonal, neuroquímico, vascular; 4ª) a identificação do estado funcional é caracterizada pela sua adaptabilidade a intervenções e, em decorrência disso, sua vinculação com a criação de bioidentidades: cabe ao cidadão biossocial reconhecer seu estado e adaptar-se às intervenções (Marshall, 200928 MARSHALL, B. Sexual medicine, sexual bodies and the ‘pharmaceutical imagination’. Science as Culture, London, v. 18, n. 2, p. 133-149, 2009., p. 140-141). Em todos esses sentidos, a funcionalidade torna os corpos disponíveis para uma ampla variedade de técnicas de mensurabilidade, padronização e intervenção, deslocando a imagem da biologia, ou da natureza, como algo completamente distinto e oposto à cultura. Ademais, a preeminência da noção de funcionalidade se correlaciona com a exigência de que o indivíduo passe cada vez mais a se responsabilizar pela prevenção ou cuidados de reabilitação de sua condição ideal. Para Marshall (200928 MARSHALL, B. Sexual medicine, sexual bodies and the ‘pharmaceutical imagination’. Science as Culture, London, v. 18, n. 2, p. 133-149, 2009., p. 143), a incorporação dessa demanda, enquanto uma obrigação moral, aproxima-se da autovigilância e gestão de riscos que caracteriza a noção formulada por Rose (2007)38 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007. de “individualidade somática”.

A ampla discussão em torno do papel da indústria farmacêutica no mundo contemporâneo e suas repercussões na definição de saúde/doença por meio do uso de drogas é alvo do trabalho exemplar de Dumit (2012)10 DUMIT, J. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012., intitulado Drogas para a vida: como as companhias farmacêuticas definem nossa saúde (tradução minha). O ponto central da tese do autor é que tem havido um crescente investimento dos laboratórios em promover e tratar as chamadas pré-doenças ou condições de riscos a doenças futuras que deveriam receber uma intervenção precoce. A grande indústria dos ensaios clínicos tem servido especialmente a esse fim, produzindo informações e expectativas direcionadas à ampliação de condições tratáveis e, portanto, expansão de novos mercados. Um novo modelo de saúde, denominado pelo autor de “saúde em massa”, preconiza que o estado normal dos indivíduos seria uma eterna preocupação com o risco ou com aquilo que não se sabe sobre o próprio corpo. Estar assintomático, nesse quadro, não garante tranquilidade. Ao contrário, pode indicar o risco que se está correndo em função da falta de conhecimento sobre as próprias taxas fisiológicas, o que abre mais um campo para a intervenção “precoce” da medicina.

Nessa linha, Dumit (2012)10 DUMIT, J. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012. descreve como o marketing farmacêutico tem se esmerado em produzir estratégias de intervenção eficazes. A partir do momento no qual a dúvida ou insegurança em relação à própria saúde é instaurada, seguem-se novas fases de investimento. A primeira delas é a “conscientização” ou criação de um ambiente receptivo para o novo produto seguido pela operação de “alfabetização” da população sobre a doença e tratamento. Depois que os riscos são apresentados via uma forte moralização dos comportamentos, o sujeito sente-se obrigado a procurar tratamento, inclusive para escapar da acusação de negligência em relação a si próprio. A fase seguinte é a “personalização do risco”, processo pelo qual o risco passa a ser incorporado na história pessoal do indivíduo. A linguagem usada nas propagandas leva à identificação direta com uma determinada situação que pode se traduzir em uma apropriação cognitiva e emocional da mensagem em cena. Em um terceiro momento, temos o “incentivo ao autodiagnóstico” que pretende fazer o/a paciente reagir à informação recebida, por meio do conhecimento, vocabulário, racionalidade e moral apreendidos. Deve então ter condições de aprender a responder, interpretar e agir em função de sua nova condição de paciente em potencial. A quarta estratégia de marketing empregada se refere ao “convencimento do médico”. Espera-se que o/a paciente, de posse de uma nova gramática e com os argumentos corretos, possa convencer o/a médico, por vezes menos “atualizado/a” com os novos recursos, a diagnosticar e prescrever o medicamento desejado. E por fim, haveria os investimentos na “aquiescência”, dedicada a garantir que o/a novo/a paciente seguisse buscando as receitas e comprando os medicamentos, consolidando dessa forma sua condição e a relação com o uso do fármaco.

Dumit (2012)10 DUMIT, J. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012. conjuga essa análise do campo farmacêutico e suas estratégias com as suas consequências em termos de redefinição das experiências individuais em virtude das informações biomédicas, o que descreve em termos de uma autoconstrução objetiva das pessoas (objective self fashioning). Argumenta que se pode identificar a emergência de um novo tipo de sujeito, o “sujeito-paciente”, que atestaria como a apropriação do conhecimento biomédico muda a percepção do indivíduo sobre si mesmo. E que seria possível identificar pelo menos três modos distintos por meio dos quais os indivíduos se relacionam com a experiência biomédica e os estilos de vida farmacêuticos. O primeiro seria aquele do/a paciente-especialista que procura se informar e administrar os próprios riscos. A saúde seria um ideal a ser buscado incessantemente a partir de um estilo de vida saudável e da administração das informações biomédicas. O segundo diz respeito ao “sujeito assustado” que assimila os fatos biomédicos através da pressão e do medo. Para ser saudável, inclusive, seria necessário abdicar dos prazeres da vida que poderiam colocar a saúde em risco. O terceiro modo apresentado se refere à experiência de pacientes que acreditam que é preferível viver melhor mesmo que seja à base dos fármacos. Nesse caso, as drogas seriam uma forma de manter a saúde sem precisar abrir mão de antigos hábitos, mantendo o estilo de vida anterior. Nessa situação, a gerência sobre quando e como tomar o medicamento ficaria cada vez mais a cargo do indivíduo que se torna exemplarmente um/a consumidor/a-paciente.

Dessa forma, Dumit (2012)10 DUMIT, J. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012. nos mostra a importância dos recursos biomédicos nos processos de subjetivação e, em especial, no que se refere ao alargamento da obrigação moral de estar atento às informações e tratamentos disponíveis, construída de maneira muito incisiva pela indústria farmacêutica. A transformação da pessoa em possível paciente e de paciente em consumidor/a são aspectos centrais na forma de nos relacionarmos com a administração da própria vida hoje em dia. E certamente, a associação com um diagnóstico, mesmo que seja um autodiagnóstico, pode servir para justificar uma série de escolhas e atitudes.

Embora esses aspectos da obra de Dumit (2012)10 DUMIT, J. Drugs for life: how pharmaceutical companies define our health. Durham: Duke University Press, 2012. sejam centrais para a discussão aqui produzida, cabe salientar que seu trabalho realça a produção das pré-doenças e o risco como aspectos prioritários. No que diz respeito a práticas mais condizentes com o aprimoramento, a articulação com o risco de doenças é mais longínqua. Em virtude disso, é necessário investir na tentativa de definir algumas especificidades. Não se trata de um distanciamento do fenômeno e da perspectiva teórica apresentada por Dumit, porém de uma modulação analítica. No caso de investimentos em prol do aperfeiçoamento como o uso de fármacos ou de cirurgias estéticas para fins de melhoria do desempenho ou percepção de si, não é o risco ou uma pré-doença que estão em primeiro plano. Mas talvez certa singularização nas formas de produção de si.

Novos modos de produção de subjetividades

Os desenvolvimentos teóricos acerca dos processos de medicalização, biomedicalização, farmaceuticalização e aprimoramento foram até então examinados à luz da conformação provisória de um campo empírico (intervenções da medicina sexual e da medicina estética singularizadas por contrastes relativos a gênero e sexualidade) e tendo em vista o problema da produção de modos de subjetivação. Nessa direção, faz-se necessário ainda trazer à tona a problematização deste último conceito.

Uma referência fundamental nesse caso, mencionada inclusive pelos/as autores/as acima citados/as, é o trabalho de Rose (2007)38 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007., que se questiona sobre o papel das ciências da vida na produção de verdades e subjetividades contemporâneas. Sua hipótese mais geral concerne à relação entre o surgimento de uma “ética somática” e sua articulação com o “espírito do biocapital”. Na sua obra percebe-se, portanto, uma tentativa de associar grandes processos macroeconômicos e políticos a dimensões da conformação do sujeito, na linha de inspirações como Max Weber e Michel Foucault. Sua argumentação em torno dos conceitos de molecularização, otimização, subjetivação, expertise e bioeconomia é valiosa para entendermos a dinâmica de transformações que envolvem a noção de corpo saudável centrada no autogerenciamento individual.

Por molecularização, Rose (2007)38 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007. enfatiza a passagem entre uma concepção de biomedicina que se centrava no corpo para aquela que agora se especializa no nível molecular. O autor se apropria da noção elaborada por Fleck (2010)16 FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. para sugerir que a molecularização é um novo “estilo de pensamento” proeminente. Em termos foucaultianos, o panorama no qual os elementos moleculares da vida passam a ser mobilizados, controlados e combinados, em processos anteriormente inexistentes, poderia ser descrito por meio de uma biopolítica molecular.

A otimização é apresentada como o uso das tecnologias médicas contemporâneas não mais apenas para curar patologias, mas para controlar os processos vitais do corpo e da mente. Essas tecnologias da otimização estão associadas à ideia do aprimoramento como algo direcionado ao futuro e ao aparecimento de indivíduos consumidores desses novos desejos e possibilidades de controle da vida. A novidade, segundo Rose (2007)38 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007., não é a existência da vontade ou da prática do aperfeiçoamento, e sim o fato de passarem a moldar a vida dos sujeitos. Recorrendo a Clarke et al. (2003)5 CLARKE, A. et al. Biomedicalization: technoscientific transformations of health, illness, and U.S. biomedicine. American Sociological Review, New York, v. 68, p. 161-194, Apr. 2003., associa esse processo à passagem da normalização para a customização, não apenas do corpo mas também de sensações, desejos, habilidades emocionais e cognitivas.

O conceito de subjetivação serve para descrever o processo pelo qual o sujeito é levado a acreditar que a promoção da saúde é uma questão pessoal, de autogerenciamento e responsabilidade. Isso estaria associado à própria conversão da saúde como um valor ético importante na sociedade ocidental, a partir da segunda metade de século XX, e, mais contemporaneamente, à conformação de uma nova ética. Trata-se de uma “ethopolítica”, ou seja, da tentativa de moldar a conduta dos seres humanos por meio da ação sobre os sentimentos, as crenças e os valores direcionados a como deveriam julgar e agir sobre si e seus corpos visando o futuro. Esse processo caracteriza a nossa constituição atual enquanto “indivíduos somáticos”, cujas experiências, articulações, julgamentos e ações sobre nós mesmos ocorrem por meio da linguagem biomédica. Na verdade, em termos mais amplos, estaríamos diante da produção de uma “ética somática”, cujos valores em torno da vida estariam concentrados no corpo e nas intervenções sobre ele. A valorização de categorias como “bem-estar” e “qualidade de vida”, que praticamente justificam qualquer forma de intervenção, seriam indícios desse fenômeno (Rose, 200738 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007.).

Já a expertise torna-se importante em função de que as práticas de biopoder emergentes estão relacionadas a novas formas de autoridade. Os atuais “experts da própria vida” se destacam não mais em função da cura de doenças, mas da capacidade de aprimorar as artes de autogoverno. Não apenas os/as médicos/as, mas também outros/as profissionais de saúde conformariam esse campo dos/as “experts somáticos/as”, capazes de orientar os indivíduos na busca pelo aprimoramento ou otimização de suas potencialidades. Esse cenário permite a Rose descrever um novo espaço, ainda a ser mapeado, a bioeconomia ou economia da própria vida. Trata-se de um conjunto de processos e relações, que envolvem aspectos conceituais, comerciais, éticos, espaciais, associados às economias da vitalidade. A novidade é configurada pela decomposição de uma série de objetos distintos, que podem ser estabilizados, congelados, armazenados, acumulados, trocados, negociados e que, dessa forma, implodem com a antiga distinção entre o que é humano e não humano (Rose, 200738 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007.).

Para Rose (2007)38 ROSE, N. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty-first century. Princeton: Princeton University Press, 2007., surge uma nova política da própria vida que tem, entre muitas facetas, a configuração de novos direitos, deveres e expectativas em relação não só às doenças, mas às próprias vidas, que por sua vez reorganizam a forma como as pessoas pensam e conduzem suas vitalidades e as maneiras pelas quais se relacionam com os outros e com as autoridades biomédicas. Aqueles/as que buscam serviços e tecnologias biomédicas passam a ter um papel cada vez mais evidente, conformando uma nova “cidadania ativa”. Pacientes/clientes e seus familiares, em articulação com outros atores, como laboratórios ou entidades médicas, passam a produzir novas formas de associação ou identificação coletiva, ou, nos termos de Rabinow (1999)34 RABINOW, P. Artificialidade e Iluminismo. In: RABINOW, P. Antropologia da razão: ensaios de Paul Rabinow. Organização e tradução: João Guilherme Biehl. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999, p. 135-157., “biossocialidades”. Contudo, enquanto a noção de “biossocialidade” caracteriza a formação de novas coletividades, o conceito de “individualidade somática” concerne à formação de novos tipos de sujeito. Essa distinção é elaborada pelos próprios autores em artigo conjunto no qual rediscutem o conceito de biopoder na atualidade e propõem a seguinte definição relativa aos processos de subjetivação:

Modos de subjetivação, através dos quais os indivíduos são levados a atuar sobre si próprios, sob certas formas de autoridade, em relação a discursos de verdade, por meio de práticas do self, em nome de sua própria vida ou saúde, de sua família ou de alguma outra coletividade, ou inclusive em nome da vida ou saúde da população como um todo […]. (Rabinow; Rose, 200635 RABINOW, P.; ROSE, N. O conceito de biopoder hoje. Política & Trabalho: Revista de Ciências Sociais, João Pessoa, n. 24, p. 27-54, abr. 2006., p. 29).

Essa noção é relevante nesse contexto não só porque faz parte de um quadro analítico fundamental para se refletir sobre os processos envolvendo biomedicalização, aprimoramento e produção de subjetividades; também deixa evidente o quanto a subjetivação nessa configuração teórica parece sofrer de uma dependência muito marcada de categorias e dimensões relativas à saúde. O que estou querendo argumentar, ao longo deste artigo, é que em alguns campos mais fronteiriços, como o da medicina sexual e da medicina estética, os processos de subjetivação associados à busca do desempenho e viabilizados por meio dos recursos biomédicos têm uma relação mais ambígua e complexa com a dimensão da saúde.

É evidente que um enquadramento mais geral do campo da saúde e da medicina se faz presente. E os procedimentos, os recursos materiais, as unidades de serviço, os conhecimentos acionados também advêm da área da saúde e da medicina. Contudo, no que se refere às demandas enunciadas pelos/as consumidores/as e às transformações promovidas pelos/as profissionais e outros/as agentes, a busca pelo aprimoramento parece escapar da vinculação mais estrita à justificativa médica ou em prol da saúde. E, se termos como “qualidade de vida” ou “bem-estar” são empregados à exaustão, sugiro que, longe de indicarem a contingência ao domínio mais particular da saúde ou do risco de doença, revelam a ambivalência em relação a essa associação. Não que a saúde não seja justificativa culturalmente válida. O problema está exatamente em fornecer elementos que atestem a razão do emprego de determinados recursos farmacológicos ou cirúrgicos em termos de necessidades de saúde ou prevenção do risco de doenças. A tensão entre essa retórica da justificativa em termos biomédicos ou de saúde e o discurso mais centrado na lógica do direito ao aprimoramento e ao consumo dos recursos disponíveis constitui a questão que tenho tentado formular neste artigo.

Portanto, no que se refere ao conceito de modos de subjetivação, a referência de Rabinow e Rose (2006)35 RABINOW, P.; ROSE, N. O conceito de biopoder hoje. Política & Trabalho: Revista de Ciências Sociais, João Pessoa, n. 24, p. 27-54, abr. 2006. é muito frutífera em termos de acentuar a perspectiva do biopoder, ou da relação entre formas de autoridade, discursos de verdade e práticas do self. Contudo, se enfatizamos de modo mais significativo a lógica do aprimoramento, que parece estar presente em casos como o sucesso da medicina sexual e estética, a subjetivação precisar ser um tanto redefinida ou mais bem especificada. Nesse cenário particular, sugiro que determinados modos de subjetivação dizem respeito mais precisamente às formas de concepção e intervenção sobre si, viáveis por meio da associação com discursos e tecnologias biomédicos, tendo em vista a finalidade de autoaprimoramento. Seriam mais exemplarmente modos de subjetivação engajados no desempenho e melhoramento de si via recursos biomédicos.

Desafios analíticos em torno do aprimoramento e assimetrias de gênero

Buscar aprimorar-se bioquímica e cirurgicamente parece ter como motivação a ideia de que seria sempre possível melhorar e, se há sempre novos recursos disponíveis, a pergunta seria “por que não fazê-lo?”. Os riscos muitas vezes estariam na própria realização dos procedimentos que podem ser danosos a um estado anterior de saúde. Mas são deixados de lado, diminuídos ou “deslocados”, conforme diz Martin (2006)31 MARTIN, E. The pharmaceutical person. BioSocieties, Cambridge, v. 1, p. 273-287, 2006. a respeito dos medicamentos, em prol do foco na realização do desejo de transformação. A saúde então parece estar subsumida ou ser englobada por categorias mais próximas das noções de satisfação ou realização pessoal. É evidente que nos anúncios dos tratamentos ou nos discursos que justificam as intervenções, o vetor narrativo em torno das categorias satisfação, realização, confiança, autoestima é aproximado do vetor bem-estar, qualidade de vida, disposição que, por sua vez, passa a ser fundamental nas definições contemporâneas e politicamente corretas do que vem a ser a boa saúde.

Porém se há aproximações por um lado, por outro vale destacar algumas prováveis disjunções. É possível que a “vida aprimorada” seja pensada, em certas situações, em oposição à “vida saudável”. A busca pelo aprimoramento pode levar a riscos em relação à saúde ideal. Contudo, o interessante é que nos dois casos temos a conformação de comportamentos e subjetividades imbricados em obrigações morais. Se em um, trata-se da obrigação de ser saudável, em outro, o de tornar-se sempre melhor. Se no primeiro o descumprimento das regras leva à condenação por descuido e falta de responsabilidade, no segundo produz-se a acusação de desleixo e falta de atenção a si mesmo. Nos dois casos, estamos percebendo formas socialmente legitimadas e incentivadas de cuidado de si que afetam a produção dos sujeitos atualmente.

A partir dessas redefinições, é possível retornar aos casos da medicina sexual e estética, que serviram de mote para orientar esta discussão analítica, e propor novas interrogações. É preciso dizer que certamente esses dois campos têm muitas diferenças, as quais não se pretendeu apagar mas que não puderam ser objeto de investimento aqui. A mais imediata sem dúvida se refere ao fato de que no primeiro caso, trata-se de interferências que se dariam no plano bioquímico, e no segundo, no plano anatômico. Porém, a pretensão neste trabalho foi justapô-las para que se pudessem realçar os contornos comuns referentes à dimensão do aprimoramento. Nos dois campos, trata-se de fenômenos relativamente recentes, pelo menos em termos da expansão para um contingente maior de pessoas, nos quais estão articulados a busca por melhorar o desempenho ou a satisfação pessoal, a distinção pelo acesso a informações e consumo de produtos e o uso de recursos biomédicos. Além disso, é imprescindível acrescentar que são processos enraizados nas recorrentes associações entre alguns nódulos semânticos particulares como: saúde, bem-estar, qualidade de vida; satisfação pessoal, autoestima, confiança; juventude, beleza, desempenho físico; sexo, desejo, potência. A promoção insistente dessas associações e a coprodução de sua autolegitimidade centram-se na ideia de que é possível e é preciso tornar-se sempre melhor, por meio de um investimento constante. E exatamente essa capacidade de investir em si próprio é que caracterizaria de forma contundente um certo modelo de subjetivação posto em cena contemporaneamente.

Nesse sentido, é interessante também apontar para uma outra questão relativa à emergência de uma redefinição da biologia, não mais como materialidade aprisionadora, mas como possibilidade de transformação do próprio sujeito na direção que lhe pareceria mais conveniente. Seguramente, essa possibilidade não está livre de uma série de constrangimentos sociais que vão definir o que e para quem algo será permitido e viabilizado. E nesse ponto, nos deparamos com limites que são evidentemente políticos e expressos de maneira exemplar nos corpos dos sujeitos, em termos de gênero, sexualidade, etnia, classe social, entre outros marcadores.

Sugiro que a proposta de problematização formulada aqui, e apoiada empiricamente nos campos de produção de conhecimento e intervenção das medicinas sexual e estética, abre caminho para o aprofundamento de uma discussão mais específica acerca das concepções de gênero e sexualidade em termos dicotômicos e cristalizados. É possível identificar, em virtude das articulações analíticas alinhavadas, algumas perspectivas instigantes, pelo menos em termos da construção de hipóteses ou de novos problemas. Nesse cenário, pode-se dizer que os exemplos das modificações corporais e subjetivas em questão permitem pôr em relevo situações nas quais se torna evidente, e, sobretudo, socialmente aceito, o desenvolvimento de transformações que põem em xeque a pretendida estabilização do gênero e da sexualidade em uma certa biologia estática e imutável. Ou seja, ao que parece, na direção do que é considerado socialmente mais aceito em termos dos discursos públicos, incentiva-se o empenho nas mudanças corporais, sejam elas bioquímicas ou cirúrgicas. Nessa linha, é possível uma mulher investir em se tornar “mais feminina” e um homem, “mais masculino”. Contudo, isso não será promovido da mesma maneira no caso de pessoas que colocariam em risco as fronteiras “originais” de masculino/feminino de forma considerada excessivamente contundente, como pessoas trans, por exemplo. Infelizmente, por ora não é possível prosseguir neste argumento, mas acredito que seja relevante deixar essa indagação no horizonte.

Em consonância com esse elenco de problemas e proposições, a interface entre as discussões relativas aos eixos da biomedicalizaçao, aprimoramento e modos de subjetivação e aquelas atinentes às questões de gênero e sexualidade torna-se fundamental. Se de um lado, a atenção à dimensão de gênero nos ajuda a inquirir de maneira particular as referências concernentes às linhas da biomedicalização, aprimoramento e subjetivação, de outro, a possibilidade de aprimoramento individual por meio de recursos biotecnológicos pode conduzir a repensarmos as formas pelas quais analisamos os significados atribuídos à biologia e sua articulação com a produção ou performatividade de gênero (Butler, 20034 BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.).

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    Este artigo foi elaborado no escopo do projeto “Processos de subjetivação, transformações corporais e produções de gênero via a promoção e consumo de recursos biomédicos” (apoiado pelo CNPq).
  • 2
    Ver, por exemplo, “Liberação de pílula do desejo sexual feminino avança nos EUA” (2015)25 LIBERAÇÃO de pílula do desejo sexual feminino avança nos EUA. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 jun. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2015/06/1638059-liberacao-de-pilula-do-desejo-sexual-feminino-avanca-nos-eua.shtml>. Acesso em: 4 jun. 2015.
    http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioe...
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  • 5
    Ver, por exemplo, “Silicone nos seios: a melhor das minhas experiências femininas” (2013)43 SILICONE nos seios: a melhor das minhas experiências femininas. Descolada, 24 jul. 2013. Disponível em: <https://blogdescolada.wordpress.com/2013/07/24/silicone-nos-seios-a-melhor-das-minhas-experiencias-femininas/>. Acesso em: 10 jul. 2015.
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    e “Eu, Fernanda P, 21 anos – turbinada e feliz da vida” (2011)13 EU, FERNANDA P, 21 anos – Turbinada e Feliz da Vida. Diva Diz, 2011. Disponível em: <http://divadiz.com/fernanda-turbinada-implantes-de-silicone>. Acesso em: 10 jul. 2015.
    http://divadiz.com/fernanda-turbinada-im...
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    http://www.isaps.org/Media/Default/globa...
  • 7
    Para o campo da medicina sexual, ver Loe (2001)26 LOE, M. Fixing broken masculinity: Viagra as a technology for the production of gender and sexuality. Sexuality and Culture, New York, v. 5, n. 3, p. 97-125, 2001., Marshall e Katz (2002)30 MARSHALL, B.; KATZ, S. Forever functional: sexual fitness and the ageing male body. Body & Society, London, v. 8, n. 4, p. 43-70, 2002., Fishman (200415 FISHMAN, J. R. Manufacturing desire: the commodification of female sexual dysfunction. Social Studies of Science, London, v. 34, n. 2, p. 187-218, 2004.), Giami e Spencer (2004)20 GIAMI, A.; SPENCER, B. Les objets techniques de la sexualité et l’organisation des rapports de genre dans l’activité sexuelle: contraceptifs oraux, préservatifs et traitement des troubles sexuels. Révue Epidemiologique de Santé Publique, Paris, v. 52, n. 4, p. 377-387, 2004., Marshall (2006)27 MARSHALL, B. The new virility: Viagra, male aging and sexual function. Sexualities, London, v. 9, n. 3, p. 345-362, 2006., Tiefer (2006)44 TIEFER, L. Female sexual dysfunction: a case study of disease mongering and activist resistance. Plos Medicine, San Francisco, v. 3, n. 4, p. 1-5, 2006., Moynihan e Mintzes (2010)33 MOYNIHAN, R.; MINTZES, B. Sex, lies and pharmaceuticals: how drug companies plan to profit from female sexual dysfunction. Vancouver: Greystone, 2010., Rohden (2009)36 ROHDEN, F. Diferenças de gênero e medicalização da sexualidade na criação do diagnóstico das disfunções sexuais. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 89-109, 2009., Brigeiro e Maksud (2009)3 BRIGEIRO, M.; MAKSUD, I. Aparição do Viagra na cena pública brasileira: discursos sobre corpo, gênero e sexualidade na mídia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 71-88, 2009.; Russo et al. (200940 RUSSO, J. et al. O campo da sexologia no Brasil: constituição e institucionalização. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, p. 617-635, 2009., 201141 RUSSO, J. et al. Sexualidade, ciência e profissão no Brasil. Rio de Janeiro: CEPESC, 2011.), Faro et al. (2013)14 FARO, L. et al. Homem com “H”. Ideais de masculinidade (re)construídos no marketing farmacêutico. Cadernos Pagu, Campinas, n. 40, p. 287-321, 2013.. No que se refere à medicina estética, consultar Gilman (1999)21 GILMAN, S. Making the body beautiful: a cultural history of aesthetic surgery. Princeton: Princeton University Press, 1999., Bordo (2009)2 BORDO, S. Twenty years in the twilight zone. In: HEYES, C.; JONES, M. (Ed.). Cosmetic surgery: a feminist primer. Farnham: Ashgate, 2009. p. 21-33., Davis (2009)9 DAVIS, K. Revisiting feminist debates on cosmetic surgery: some reflections on suffering, agency, and embodied difference. In: HEYES, C.; JONES, M. (Ed.). Cosmetic surgery: a feminist primer. Farnham: Ashgate, 2009, p. 35-48., Fraser (2009)18 FRASER, S. Agency made over? Cosmetic surgery and femininity in women’s magazines and makeover television. In: HEYES, C.; JONES, M. (Ed.). Cosmetic surgery: a feminist primer. Farnham: Ashgate, 2009. p. 99-116., Heys e Jones (2009)22 HEYES, C.; JONES, M. Cosmetic surgery in the age of gender. In: HEYES, C.; JONES, M. (Ed.). Cosmetic surgery: a feminist primer. Farnham: Ashgate, 2009. p. 1-17., Antonio (2008)1 ANTONIO, A. T. de. Corpo e estética: um estudo antropológico da cirurgia plástica. 2008. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008., Edmonds (2014)11 EDMONDS, A. Surgery-for-life: aging, sexual fitness and self-management in Brazil. Anthropology & Aging, Pittsburgh, v. 34, n. 4, p. 246-259, 2014.. Para uma análise que aproxima o uso de substâncias farmacológicas, especialmente hormônios, e cirurgias plásticas, recorrer a Edmonds e Sanabria (2014)12 EDMONDS, A.; SANABRIA, E. Medical borderlands: engineering the body with plastic surgery and hormonal therapies in Brazil. Anthropology & Medicine, Abingdon, v. 21, n. 2, p. 202-216, 2014..
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    No campo da chamada “autoajuda científica”, o recurso aos depoimentos pessoais tem sido uma marca sempre presente, como indicado em Rohden (2012)37 ROHDEN, F. Prescrições de gênero via autoajuda científica: manual para usar a natureza?. In: FONSECA, C.; ROHDEN, F., MACHADO, P. Ciências na vida: antropologia da ciência em perspectiva. São Paulo: Terceiro Nome, 2012. p. 229-251..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2016
  • Aceito
    04 Out 2016
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