Resumos
O plantio de hortaliças no Brasil ocupa uma área aproximada de 326 mil hectares. Todas as hortaliças são exigentes na aplicação de defensivos, o que cria não só riscos de intoxicação de agricultores, mas também de consumidores, devido aos resíduos tóxicos nos alimentos. Isso acontece porque na maioria dos casos há poucas opções de controle de pragas além do controle químico. O controle biológico é pouco explorado porque, em plantas de ciclo curto, as chances de que o predador ou parasitóide atuem com eficiência são reduzidas. O controle físico, por sua vez, tem apresentado uma importância relativa crescente, à medida que é divulgado o uso de armadilhas luminosas, de feromônio e de atração pela cor, sendo a amarela a mais usual. Porém, quando pragas exóticas ou não surgem em surtos, favorecidas por condições propícias, somente a utilização de inseticidas é capaz de prevenir os prejuízos econômicos da lavoura. Por esse motivo e também pela crescente conscientização da população em relação à proteção do ambiente e à sua própria saúde, a existência de um selo verde ou selo de qualidade, que assegure o uso correto de defensivos, é uma tarefa que se impõe nos dias de hoje, cabendo às autoridades o inicio do processo. Em São Paulo, a Secretaria de Agricultura iniciou a implantação do selo de qualidade através de morangos produzidos em Atibaia. Outras hortaliças estão sendo cogitadas para receber o selo verde.
produção orgânica; contaminação; surtos
Vegetable crops in Brazil cover an area of about 326 thousand hectares. All vegetables require insecticide application, which represents a threat not only to producers due to risks of intoxications, but also to consumers, due to residues in food. This situation has arisen because, in the majority of the instances, there are few alternatives of chemicals for pest control. Biological control is rarely exploited because, in case of short-cycle plants such as most vegetables, there is little time for effective action of predators and parasitoids. Physical measures, on the other hand, are showing a relative arise in importance, with occasional use of light, pheromone, and mostly yellow color traps. However, when outbreaks of exotic or native pests occur, associated with favorable conditions, only chemical control can mitigate the economic losses in the crop. For this reason, and as a result of the increasing public awareness regarding health and the environment, the creation of a green-certificate or quality-certificate, which assures that, if chemicals are used in the development of products, they must be used properly, is a task that must be imposed immediately, with authorities responsible for instructing the process. In the State of São Paulo the Secretary of Agriculture began the implementation of a quality-certificate for strawberries produced in the Atibaia county. Other vegetables are now being considered for inclusion in the a green-certificate scheme.
organic production; contamination; outbreaks
CARTA AO EDITOR
As pragas das hortaliças: seu controle e o selo verde
Vegetable pests: their control and the green-certificate
Octávio Nakano
USP - ESALQ, Depto. de Entomologia, C. Postal 9, 13.418-900 Piracicaba - SP
RESUMO
O plantio de hortaliças no Brasil ocupa uma área aproximada de 326 mil hectares. Todas as hortaliças são exigentes na aplicação de defensivos, o que cria não só riscos de intoxicação de agricultores, mas também de consumidores, devido aos resíduos tóxicos nos alimentos. Isso acontece porque na maioria dos casos há poucas opções de controle de pragas além do controle químico. O controle biológico é pouco explorado porque, em plantas de ciclo curto, as chances de que o predador ou parasitóide atuem com eficiência são reduzidas. O controle físico, por sua vez, tem apresentado uma importância relativa crescente, à medida que é divulgado o uso de armadilhas luminosas, de feromônio e de atração pela cor, sendo a amarela a mais usual. Porém, quando pragas exóticas ou não surgem em surtos, favorecidas por condições propícias, somente a utilização de inseticidas é capaz de prevenir os prejuízos econômicos da lavoura. Por esse motivo e também pela crescente conscientização da população em relação à proteção do ambiente e à sua própria saúde, a existência de um selo verde ou selo de qualidade, que assegure o uso correto de defensivos, é uma tarefa que se impõe nos dias de hoje, cabendo às autoridades o inicio do processo. Em São Paulo, a Secretaria de Agricultura iniciou a implantação do selo de qualidade através de morangos produzidos em Atibaia. Outras hortaliças estão sendo cogitadas para receber o selo verde.
Palavras-chave: produção orgânica, contaminação, surtos
ABSTRACT
Vegetable crops in Brazil cover an area of about 326 thousand hectares. All vegetables require insecticide application, which represents a threat not only to producers due to risks of intoxications, but also to consumers, due to residues in food. This situation has arisen because, in the majority of the instances, there are few alternatives of chemicals for pest control. Biological control is rarely exploited because, in case of short-cycle plants such as most vegetables, there is little time for effective action of predators and parasitoids. Physical measures, on the other hand, are showing a relative arise in importance, with occasional use of light, pheromone, and mostly yellow color traps. However, when outbreaks of exotic or native pests occur, associated with favorable conditions, only chemical control can mitigate the economic losses in the crop. For this reason, and as a result of the increasing public awareness regarding health and the environment, the creation of a green-certificate or quality-certificate, which assures that, if chemicals are used in the development of products, they must be used properly, is a task that must be imposed immediately, with authorities responsible for instructing the process. In the State of São Paulo the Secretary of Agriculture began the implementation of a quality-certificate for strawberries produced in the Atibaia county. Other vegetables are now being considered for inclusion in the a green-certificate scheme.
Keywords: organic production, contamination, outbreaks
Estima-se que as hortaliças movimentem no Brasil anualmente, somente com o uso de defensivos, cerca de 70 milhões de dólares, sendo plantadas em uma área aproximada de 326 mil ha (Anuário Estatístico da Agricultura Brasileira, 1998), que se concentra predominantemente ao redor dos grandes centros. Em decorrência dessas características muito específicas, o cultivo de hortaliças contribui consideravelmente para aumentar os problemas relativos à saúde humana, tanto no que diz respeito à contaminação dos agricultores, como também à contaminação dos consumidores, expostos aos resíduos de agrotóxicos presentes nas verduras, legumes e frutos, a maioria deles consumidos in natura. É comum a constatação de agricultores pulverizando dia após dia as lavouras, sem a devida proteção de seu corpo, incluindo olhos, nariz e boca. O desconhecimento do perigo que isso pode representar ao seu próprio organismo é muitas vezes repassado ao consumidor de seu produto hortícola, seja pela utilização de inseticidas não recomendados, seja pelo desrespeito aos períodos de carência, em desacordo com as recomendações oficiais.
Um agravante adicional a todos esses inconvenientes é o aumento do consumo de defensivos cada vez que uma nova praga ou doença é introduzida no país. Muitas vezes é necessário lançar mão de novos inseticidas, pois os convencionais e devidamente autorizados podem não ser eficazes, tendo em vista que as pragas introduzidas já vem resistentes a muitos princípios ativos desde o seu local de origem. A globalização, sem dúvida, irá facilitar cada vez mais a entrada de novos organismos nocivos, já que a maioria deles é introduzida involuntariamente, através de alimentos e outros vegetais adquiridos a preços competitivos em outros países. Nos últimos anos, somente no setor hortifrutícola, o Brasil recebeu nada menos que cinco novas pragas: a traça-do-tomateiro, os tripes Thrips palm e Frankliniella occidentalis, a mosca-branca (Bemisia argentifolii), a traça-da-macieira e a larva-minadora-das-folhas em citros.
Mas os problemas não se resumem apenas a pragas exóticas. A mosca-branca (Bemisia tabaci) causou sérios problemas nos anos de 1973 a 1975, quando houve a expansão da soja, seu hospedeiro favorito, no país. Nessa época, a mosca-branca se disseminou para áreas de cultivo do feijoeiro, causando enormes prejuízos. As hortaliças, como solanáceas e curcubitáceas, também foram intensamente atacadas. Um surto da mosca-minadora do gênero Liriomyza também surgiu por volta de 1980 (Nakano & Setten, 1980), atacando hortaliças. Dois ou três anos após este surto, a mosca-minadora voltou ao seu nível de equilíbrio. A traça-da-batata surgiu também com intensidade por volta de 1977 (Prieto, 1980), porém, desta feita, também em cultivo de tomate, lavoura onde antes nunca havia sido constatada. Hoje, tanto a traça-da-batata quanto a traça-do-tomateiro têm as duas espécies de hortaliças como hospedeiras, havendo porém preferência pelas lavouras que atacavam originariamente. A broca-pequena-do-tomate e a traça-das-crucíferas têm aparecido também em forma de surtos, sem que estudos tenham sido feitos para determinação dessas ocorrências.
A natureza, por causa das variações climáticas, tem sido a principal responsável pelos surtos de pragas já conhecidas, como o ácaro-da-leprose em citros e, mais recentemente, em café; cigarras e larvas de Chironomideos em raízes de cafeeiro; lagarta-do-cartucho em milho; percevejos em milharais e, cigarrinhas em citros. Tais pragas têm exigido, quando a população explode, aplicações sucessivas de inseticidas e, nesses casos, são difíceis de serem controladas, devido provavelmente ao sistema nervoso dos insetos se encontrar menos suscetível a substâncias que atuam nesse órgão.
Para os cultivos de hortaliças são poucos os agrotóxicos registrados visando o controle de pragas, exceção feita às solanáceas e cucurbitáceas. Em geral, não existe interesse das empresas que comercializam esses produtos em registrá-los, tendo em vista o elevado custo do investimento necessário à sua aprovação, sem o devido retorno econômico. Outros tipos de controle, como, por exemplo, o controle biológico não se viabilizam porque as lavouras são de ciclo curto, o que dificulta o desenvolvimento populacional de predadores e parasitóides que possam atuar em tempo hábil. Os agentes microbianos, como os fungos Paecilomyces spp. e Aschersonia aleurodys podem solucionar o problema, mas são necessárias condições de umidade e temperatura elevadas para que possam atuar com rapidez. Quando produzidos em laboratório e aplicados no campo, muitas vezes não encontram condições adequadas para atuarem dentro do desejado.
Assim sendo, o controle físico, como o uso de armadilhas luminosas e armadilhas de cor com adesivos, tem sido o mais pesquisado. Embora os trabalhos realizados até aqui não tenham conduzido a resultados imediatos, esses métodos têm sido recomendados dentro de um sistema de integração com o controle químico. As recentes pesquisas com plantas transgênicas poderão a médio e longo prazo solucionar muitos problemas de ordem fitossanitária. Entretanto, essa nova vertente esbarra também na economicidade de sua produção: por serem pesquisas que demandam alto investimento, em geral estão voltadas para grandes lavouras como algodão, soja, milho e cana-de-açúcar.
Restam, portanto, poucas opções de controle de pragas em hortaliças, razão pela qual o controle químico é predominante. Por esse motivo, as autoridades do governo deveriam priorizar pedidos para aplicação de novas substâncias, menos tóxicas, porém eficientes, facilitando inclusive os meios para a sua rápida adoção no campo. Paralelamente a isso, os resíduos em hortaliças devem ser melhor fiscalizados, com ampla assistência aos agricultores para que não ocorram abusos. Os institutos oficiais deveriam receber mais incentivos para análise de resíduos de defensivos, seja instalando mais laboratórios dedicados a este fim, seja contratando técnicos para realizar essas avaliações. Através da análise e fiscalização, seria fácil a implantação de um selo verde para os produtores de hortaliças. As próprias secretarias de agricultura dos estados poderiam oferecer como prêmio aos agricultores o selo verde, que representaria uma garantia de que o alimento não contem defensivos em excesso ou em níveis prejudiciais a saúde publica.
Em meados de 1996, a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo implantou na região produtora de morango de Atibaia um programa desse tipo, fornecendo a 338 produtores interessados o selo de qualidade para a safra daquele ano (Figura 1). Esses produtores receberam assistência quanto ao uso adequado de produtos químicos e, ao mesmo tempo, fiscalização. Desmotivados, talvez pela falta de propaganda e consequentemente paridade nos preços em relação aos outros produtores, o programa se reduziu a apenas 87 agricultores no ano seguinte.
A garantia de alimentos de qualidade, incentivada pelo governo, deveria ser acompanhada de intensa propaganda para que o consumidor passasse a valorizar o selo verde ou selo de qualidade, estabelecendo uma preferência no momento da compra. A adoção do manejo de pragas e doenças deve ser estimulada na área hortícola, tanto através da implantação do selo verde fornecido pelas autoridades, quanto através de assistência a fiscalização, garantindo ao consumidor uma alimentação segura.
A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, através do Departamento de Entomologia, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, vem financiando pesquisas visando a redução da aplicação de produtos químicos em plantios de tomate pelo ensacamento do fruto (penca). A vantagem do sistema é a proteção dos frutos contra as brocas e, ao mesmo tempo, proteção contra as pulverizações diretas com fungicidas e inseticidas. Evidentemente esse processo encarece o custo de produção. Entretanto, a qualidade oferecida ao consumidor mais exigente é vantajosa para o agricultor, que poderá inclusive receber um ágio sobre essa produção.
LITERATURA CITADA
Aceito para publicação em 16 de novembro de 1998
Referências bibliográficas
- AGRIANUAL 98. Anuário estatístico da agricultura brasileira Argos/FNP, 1998. 481 p.
- NAKANO, O.; SETTEN, M.L. As moscas minadoras das folhas das plantas. Agroquimica, São Paulo, v. 17, p. 7-12, 1982.
- PRIETO, S.J.M. Avaliação de danos e controle químico da Phtorimaea opercullela (Zeller, 1873) (Lepidoptera - Gelechiidae) em cultura de tomate (Lycopersicon esculentum), 1980. 73 p.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Fev 2013 -
Data do Fascículo
Mar 1999
Histórico
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Aceito
16 Nov 1998