ARTIGO DA CAPA
Novo paradigma da ciência agronômica: manutenção da agrobiodiversidade sem impedir o crescimento da produção agrícola
Em decorrência da elevação da temperatura global, o grande desafio para o desenvolvimento da agricultura hoje é buscar rentabilidade, porém, preservando a agrobiodiversidade e, assim, evitando a carência de alimentos para grande parte da população mundial.
O Brasil da década de 1930 tinha 80% de sua população no meio rural produzindo alimentos para os 20% que residiam nos centros urbanos. Hoje, apenas 20% da população vive na zona rural, ao passo que os outros 80% constituem os residentes urbanos. Não vamos aqui avançar nos efeitos sociais pernósticos da urbanização sem planejamento, mas em outra questão fundamental: a nova concepção de agricultura alicerçada na segurança alimentar como política de Estado.
Atualmente, a agricultura brasileira é responsável por 40% das exportações do país.Apartir da década de 1990, o Brasil passou rapidamente de importador para exportador de diversos produtos agrícolas, sobretudo de espécies que não são originárias da América do Sul, tendo a agricultura empresarial como mola propulsora. Porém, o crescimento da agricultura no Brasil, o país que possui a maior reserva florestal do planeta, ocorreu de forma não sustentável, sem a devida consciência de preservação da agrobiodiversidade e dos efeitos colaterais da expansão da fronteira agrícola sobre o aquecimento global. Os tempos agora são outros. Nesse novo contexto, os programas de melhoramento são chamados a contribuir com o agronegócio de forma a permitir que mantenham sua produtividade, porém sem agredir o meio ambiente ou avançar em terras ainda não cultivadas. O aumento da produção agrícola doravante deve ser fruto do manejo da sazonalidade de cultivo. Alguns grupos de plantas se adaptam melhor a esta exigência, como é o caso das hortaliças, que reúnem uma gama de espécies, várias delas fundamentais para a alimentação não apenas dos brasileiros, mas dos povos de todos os continentes.
Um dos pilares para a prática do melhoramento sustentável é a conservação das espécies. Neste quesito, os bancos de germoplasma são de inestimável valor. Ousando tratar desse particular tema como pré-melhoramento, não há como vislumbrar programas de melhoramento eficazes ao homem, que não agridam o meio ambiente, sem se reportar à conservação de espécies nesses bancos, quer seja ex situ ou in vivo. Na competente concepção de Francisco Ferreira e Marcos Carlos, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, "os acervos preservados nas coleções de germoplasma são o alicerce da riqueza nacional relacionada à segurança alimentar e à agricultura". Um belo exemplo dessa riqueza ilustra a capa deste número de Horticultura Brasileira. Em um esquema eficiente para preservação da agrobiodiversidade, os bancos de germoplasma ex situ e a conservação on farm devem ser complementares, levando, quando adequado, ao melhoramento participativo, realizado em conjunto com os agricultores, em suas propriedades.
Todavia, a despeito da inequívoca importância dos bancos de germoplasma, há um grande lapso entre a conservação e o efetivo uso dos acessos no melhoramento de plantas. Não raro, existem restrições ao intercâmbio de germoplasma, que de forma velada ou não, ocorrem entre instituições nacionais e, também, no relacionamento com o exterior. Os programas de melhoramento realizados pelas empresas nacionais têm utilizado a estrutura de proteção de plantas do MAPA para resguardar materiais ainda não melhorados, certamente porque contêm genes de importância para a agricultura. Ações de restrição ao intercâmbio entre as instituições nacionais têm se tornado hodiernamente um mal para o progresso dos programas de melhoramento de plantas no Brasil. Ao contrário, os programas deveriam desfrutar de harmonia, sendo conduzidos sem espírito competitivo, para que o país pudesse avançar continuamente.
Neste aspecto, são recebidas como um alento as ações mais recentes das agências de fomento no incentivo a redes de pesquisa, desenvolvimento e inovação, como ocorre em editais da CAPES, CNPq, FAP’s, com participação do FNDCT, por meio do INCT. Cita-se como exemplo o Edital Redes de Pesquisa em Agrobiodiversidade e Sustentabilidade da Agropecuária Nacional. Neste edital, "o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em conjunto com o Ministério da Educação (MEC), com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Embrapa, Fundações de Amparo à Pesquisa Estaduais (Fundação Araucária, FAPEAM, FAPEMA, FAPEPI, FAPERGS, FAPES, FAPESB, FAPESPA, FAPITEC, FUNDECT, FAPEMIG, FACEPE, FAPEMAT, FAPEG, FAPESC, FAPESP, FAPDF e FAPERN) e os CTs Agro e Hidro, atuaram em conjunto com o objetivo de apoiar projetos em redes que visem a contribuir significativamente para o avanço da conservação da agrobiodiversidade e sustentabilidade da agropecuária nacional, com investimento global estimado de R$ 51,7 milhões em capital, custeio e bolsas." Creio, pois, que estamos diante da premente necessidade de desmitificar discursos vácuos antes proferidos pela voga do mote da sustentabilidade para tratar, de vez, deste tema, como a pauta principal do Estado no âmbito da agricultura e, assim, focar o olhar em novos padrões de desenvolvimento e inovação.
Esse assunto foi amplamente debatido na 4ª. Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, ocorrida em Brasília, entre 26 e 28 de maio de 2010. Foram discutidas as dificuldades que os próprios órgãos governamentais nacionais impõem para a prospecção de acessos da biodiversidade para estudos científicos; os entraves para o intercâmbio de acessos entre instituições nacionais, que precisam ser removidos; a necessidade de se pensar em arranjos locais de segurança alimentar e nutricional; a importância dos alimentos biofortificados; o uso de insumos alternativos; a migração do atual sistema de agricultura empresarial para um sistema agrícola sustentável e lucrativo; o estreitamento da interação público-privada; a maior habilidade na construção de redes com centros de convergência (e não de excelência), envolvendo instituições "âncoras", com fundamento no reconhecimento ao direito à alimentação (Emenda Constitucional 64). Assim, a agricultura precisará deixar de ser somente produtora de alimentos, fibras e energia. Indo mais além, é preciso substituir o modelo baseado na oferta (pesquisa básica alimentando a aplicada para atender aos setores secundários e terciários) por um modelo baseado na demanda, em que a pesquisa busca soluções para problemas locais e regionais. Resumindo, a atual tecnologia produtora de alimentos precisará evoluir para uma tecnologia baseada no respeito à sustentabilidade humana. Este é o grande desafio! Nesta concepção, a importância da manutenção da agrobiodiversidade não é mais "substantivo", é "verbo"!
Antonio Teixeira do Amaral Júnior (UENF, Campos dos Goytacazes-RJ; amaraljr@ uenf.br)
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Dez 2010 -
Data do Fascículo
Set 2010