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TESES

O nacional e o moderno, arquitetura e saúde no Estado Novo nas cidades catarinenses

Ana Albano Amora

Tese de doutorado, Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR/ UFRJ, 2006

A tese recém-defendida é um estudo acerca da ação pública sobre as áreas urbanas e suas populações durante o primeiro Governo Vargas. O trabalho é inspirado nas cidades catarinenses e destaca a saúde pública e o aspecto simbólico de suas edificações. A pesquisa ainda correlaciona temas como o da produção de uma arquitetura pública, o da formação do Estado-nação no Brasil, bem como o da entrada em cena dos chamados novos profissionais, e da modernização das cidades.

Observou-se que após a Revolução de 1930, o governo buscou estabelecer seu domínio sobre o território do país, sobre o povo e seu modo de vida, através da criação de uma infra-estrutura de atendimento público. O papel de controle do Estado foi intensificado no Estado Novo por meio da adequação de mecanismos, como a racionalização da estrutura administrativa, promovendo o esquadrinhamento e conhecimento do Brasil, a disciplina, com a definição de normas de conduta, e investimentos na educação e na saúde pública, além da criação de um aparato abrangente de representação e de comunicação patrocinado pelo Estado para divulgar uma idéia de nação e de nacionalidade.

A modernização e a integração do país se consolidaram por meio de ações sobre as áreas urbanas, que, por sua vez, tiveram um importante papel na construção da nacionalidade. A arquitetura construída nesse período para atender às funções de educação e saúde teve para as populações um papel representativo do Estado Nacional e, contribuindo de forma disciplinar, levou ao interior do Brasil uma nova racionalidade, mediante a organização das funções dos edifícios e do aspecto simbólico da sua inserção nas cidades.

Em Santa Catarina, o governo procurou dotá-las de serviços públicos, apropriados aos espaços urbanos modernos, como também de elementos simbólicos para a construção da nacionalidade. Abastecimento de água, coleta de esgotos, ordenamento da circulação viária, regulamentação das construções nas cidades, organização administrativa das prefeituras eram preocupações que estavam em sintonia com a colocação em prática de um planejamento de saúde pública para o Estado. A saúde e a arquitetura foram atores de uma mesma obra: aquela de um novo espaço organizado segundo a razão e comandado pela ciência, na qual percebemos a valorização da participação do profissional habilitado como conhecedor da ação qualificada.

Discursos de como agir sobre a cidade, de como curá-la de seus males e daqueles que afetavam o povo, impedindo-o de proceder a sua caminhada na construção de uma nação unificada e saudável, direcionada ao desenvolvimento, são encontrados nos textos dos documentos de governo.

A tese está dividida em quatro capítulos, precedidos de uma introdução e seguidos da conclusão. No capítulo I, intitulado Um ministério para a cultura nacional, um povo para construir a nação, buscou-se discutir o papel do Ministério da Educação e Saúde, após 1930, na transformação das condições do Brasil, e por meio da educação popular, da saúde pública e da assistência social, resgatá-lo do atraso e introduzi-lo no universo contraditório da modernidade. Nesse sentido, houve a afirmação dos campos profissionais, entre os quais o da saúde e da arquitetura, que concorreram afirmando uma posição moderna e nacional. Essas idéias foram divulgadas – duplamente, para educar a população e como propaganda do Governo – através da apropriação dos variados meios de comunicação disponíveis; a arquitetura participou como um desses elementos discursivos.

No capítulo II, denominado A saúde na construção do Povo-nação, traçou-se a trajetória da saúde pública no país, na qual esses profissionais e suas representações sobre a saúde e a doença tiveram um papel de destaque na organização social, com as suas idéias incorporadas ao processo de construção da nação brasileira e o surgimento de uma nova forma de atendimento centrada nos Centros de Saúde, localizados nas capitais e nas principais cidades dos estados.

No capítulo III, dedicado ao tema O campo da arquitetura: entre a tradição e a modernidade, procurou-se entender a tradução para a forma arquitetônica das idéias de modernidade presentes nessa área do conhecimento, transmitidas e disseminadas por meio dos circuitos acadêmicos e profissionais; advogando-se a concepção da existência do profissional anônimo que, imbuído desse conhecimento, realizou obras singulares pelo interior do país.

No capítulo IV, considerando o espaço edificado da cidade como produto e produtor da transformação social – na direção da formação de um Povo-Nação –, voltou-se a Santa Catarina, destacando-se a obra do governo Nereu Ramos. Observou-se que as iniciativas no campo da saúde pública estiveram articuladas a um conjunto de ações sobre as cidades catarinenses, principalmente sobre as sedes municipais, dotando-as de serviços modernos entre os quais se destacavam os Centros de Saúde como imagem desse novo tempo.

A política biológica como projeto: a 'eugenia negativa' e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932)

Vanderlei Sebastião de Souza

Dissertação de mestrado, Rio de Janeiro, Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), 2006.

A dissertação trata das idéias eugênicas no Brasil. Seu objetivo consiste em investigar a trajetória intelectual e o pensamento do médico e eugenista Renato Ferraz Kehl, entre 1917 e 1932. Analisa a um só tempo o papel desempenhado por esse autor na organização do movimento eugênico brasileiro, suas relações com eugenistas nacionais, latino-americanos, europeus e norte-americanos, assim como as idéias e concepções com as quais ele e outros eugenistas se envolveram ao longo desse período.

Quando as discussões sobre a eugenia foram introduzidas no Brasil nas primeiras décadas do século XX, suas idéias e pressupostos tornaram-se recorrentes no meio intelectual e científico, especialmente entre médicos, higienistas, juristas e educadores. Na literatura nacional, o termo 'eugenia' aparecia sempre como símbolo de modernidade cultural, assimilada como um conhecimento científico que expressava muito do que havia de mais 'atualizado' na ciência moderna. Falar sobre a eugenia significava automaticamente pensar em evolução, progresso e civilização, termos que constituíam o imaginário nacionalista das elites brasileiras. Em muitos casos, a eugenia era interpretada como a 'nova religião da humanidade', tamanhas a admiração e a crença que os 'homens de ciência' depositavam nesse saber científico.

Fascinados pelos encantos dessa 'nova ciência', os intelectuais brasileiros entendiam que a eugenia poderia desempenhar um papel importante no processo de construção de uma 'outra' realidade nacional, o que lhes possibilitaria agir no sentido de retirar o país do apregoado atraso civilizacional. No Brasil, assim como em muitos países da América Latina, a eugenia foi incorporada aos projetos políticos e científicos que almejavam produzir uma ampla reforma social, nos quais a eugenia teria como função melhorar o aspecto físico, moral e mental da 'raça nacional'.

Principal propagandista da ciência eugênica no Brasil e na América Latina, Renato Kehl produziu uma vasta obra diretamente relacionada aos temas da eugenia, como as discussões sobre higiene, raça, imigração, controle matrimonial, esterilização, hereditariedade e reprodução humana. Apesar de ter participado do movimento sanitarista e defendido por vários anos um programa eugênico mais 'suave', ao estilo da 'eugenia preventiva', no final da década de 1920 suas idéias foram profundamente reconfiguradas, o que o aproximou dos pressupostos mais radicais oriundos da 'eugenia negativa' alemã, norte-americana e inglesa. A partir desse período, Kehl passou a propor um polêmico projeto eugênico que visava implementar uma ampla política biológica voltada para reconstruir a identidade nacional.

Desse modo, o interesse central desta pesquisa consiste em analisar as questões sociais, políticas e científicas relacionadas ao processo de radicalização no pensamento de Renato Kehl e, mesmo, em compreender o modo pelo qual suas mudanças de concepções foram recebidas por outros intelectuais e cientistas, tornando-o um personagem controvertido da história intelectual brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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