Open-access Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição, 1890-1910

Resumos

A partir dos relatórios dos ministros da Marinha e da correspondência dos oficiais, analisa as relações de trabalho no cotidiano, bem como a alimentação e a saúde dos marujos nos primeiros vinte anos após a abolição. A questão racial emerge relacionada à modernização das práticas alimentares e de tratamento, e às novas formas de entender os corpos dos marinheiros. Ao concentrar a análise nos anos que antecedem a importante revolta de praças de 1910, demonstra-se, por meio do que pensavam e registravam os oficiais, de que modo a passagem da escravidão para um novo sistema em escala nacional corresponde, no âmbito da Armada brasileira, à chegada de novas ideias sobre saúde que deveriam ser aplicadas na busca do progresso.

Marinha; saúde; alimentação; raça; Brasil


Based on reports of the ministers of the Navy and the correspondence among officers, this paper analyzes labor relations in daily life, as well as the nutrition and health of sailors in the first twenty years after abolition. The racial question arises related to the modernization of nutrition practices and treatment, and new ways of understanding the bodies of sailors. By focusing the analysis on the years before the major 1910 mariners' revolt, judging from reports and records of the officers it is seen how the transition from slavery to a new system on a national scale within the Brazilian Navy corresponds with the arrival of new ideas about health to be applied in the path towards progress.

Navy; health; nutrition; race; Brazil


ANÁLISE

Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição, 1890-1910

Sílvia Capanema P. de Almeida

Professora/Université Paris 13, Sorbonne Paris Cité e pesquisadora do Pléiade-Centre de Recherche Espaces, Sociétés, Culture (EA 2356)99, Avenue Jean Baptis Clément F-93430 - Villetaneuse - France silvia.capanema@univ-paris13.fr

RESUMO

A partir dos relatórios dos ministros da Marinha e da correspondência dos oficiais, analisa as relações de trabalho no cotidiano, bem como a alimentação e a saúde dos marujos nos primeiros vinte anos após a abolição. A questão racial emerge relacionada à modernização das práticas alimentares e de tratamento, e às novas formas de entender os corpos dos marinheiros. Ao concentrar a análise nos anos que antecedem a importante revolta de praças de 1910, demonstra-se, por meio do que pensavam e registravam os oficiais, de que modo a passagem da escravidão para um novo sistema em escala nacional corresponde, no âmbito da Armada brasileira, à chegada de novas ideias sobre saúde que deveriam ser aplicadas na busca do progresso.

Palavras-chave: Marinha; saúde; alimentação; raça; Brasil.

Diferentes trabalhos já apontaram a importante presença de escravos, negros livres e alforriados como praças alistados na Marinha de Guerra brasileira (Almeida, 2009; Nascimento, 2001, 2008; Samet, 2011) ou como marujos a serviço da Marinha Mercante, trabalhando para o próprio tráfico negreiro (Rodrigues, 2005). Ainda sob o regime da escravidão, tornar-se marinheiro ou soldado poderia ser uma das formas de se alcançar a liberdade (Nascimento, 2000; Bernard, Stella, 2006). No período posterior à abolição, vestir o uniforme de marinheiro ou ingressar numa das escolas de aprendizes distribuídas pelo país tanto podia significar uma iniciativa forçada pela coerção policial - atrás de braços junto à população 'desocupada' que pudessem preencher os quadros da Armada - quanto uma alternativa para a população mais pobre em busca da possibilidade de adquirir formação, soldo, acesso ao tratamento médico, um leito e alimentação regular, em um mundo em que isso não estava garantido (Venâncio, 2006). Além disso, a Marinha brasileira tinha poder de sedução, como alguns testemunhos demonstram, por conferir a possibilidade de deslocamento, de conhecer outros países e de migrar para a cidade do Rio de Janeiro (Almeida, 2009, 2010).

Em 1895, o ex-oficial da Marinha e escritor Adolfo Caminha publica um romance naturalista intitulado Bom crioulo no qual narra a relação entre dois marujos, o jovem Aleixo, branco e de olhos azuis, e o maduro Amaro, apelidado de Bom Crioulo, ex-escravo foragido. No texto, o narrador descreve as condições de vida de marinheiro como bem superiores às dos escravos nas grandes propriedades: "A disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava ao penoso trabalho da fazenda, ao regime terrível do tronco e do chicote. Havia muita diferença... Ali ao menos, na fortaleza, ele tinha sua maca, seu travesseiro, sua roupa limpa, e comia bem, a fartar, como qualquer pessoa, hoje boa carne cozida, amanhã suculenta feijoada, e, às sextas-feiras, um bacalhauzinho com pimenta e sangue de Cristo..." (Caminha, 2002, p.40).

Ainda que houvesse praças da Marinha de outras origens, brancos, mestiços de indígenas, caboclos e até mesmo estrangeiros, muitas fontes indicam a existência de um grande número de negros. Em 1911, como consequência da revolta dos marinheiros contra os castigos corporais e por melhores condições de trabalho, ocorrida entre novembro e dezembro de 1910, a chamada Revolta da Chibata, o ex-tenente da Marinha Macedo Soares publica, em Paris, um trabalho, de circulação proibida no Brasil, sob a alcunha de "Um oficial da Armada". No texto, a partir de suas observações pessoais, ele esboça uma estatística da cor da tripulação de marinheiros que seria a seguinte: "50% negros, 30% mulatos, 10% caboclos, 10% brancos ou quase brancos" (Um oficial..., 1911, 85, nota 1).

Observadores estrangeiros também salientaram, de formas distintas, essa constituição racial dos marinheiros nacionais na década de 1910. Logo após a revolta de novembro, o diplomata francês em posto no Brasil enviou uma correspondência para o ministro das Relações Exteriores de seu país fazendo referência a "negros amotinados" que teriam tomado o comando dos navios (Correspondance..., 24 nov. 1910).1 Nesse sentido, antes mesmo de ser considerados marinheiros, os marujos eram vistos como 'negros'. O político francês Georges Clemenceau (1911, p.216) escreveu em suas Notes de voyage dans l'Amérique du Sud que a mestiçagem no Brasil teria efeitos nocivos e explicou o levante dos marinheiros de 1910 como uma obra da "impulsividade do sangue africano". No entanto, sob a perspectiva brasileira, a questão racial podia ser vista de maneira um pouco mais complexa e fundir-se, em alguns relatos, com a questão profissional, o passado servil e a condição de marinheiro, como exemplificado no seguinte discurso de Rui Barbosa proferido em 1910, em defesa dos marinheiros rebelados e criticando as heranças da escravidão no Brasil:

A escravidão começa por desmoralizar e aviltar o senhor, antes de desmoralizar e aviltar o escravo. ... Estou persuadido intimamente de que a grande parte, a maior parte, porventura, dos males sociais, pelos quais ainda hoje penarem-se no Brasil, se deve à influência moral da escravidão, há tantos anos entre nós já extinta.

Extinguimos a escravidão sobre a raça negra; mantemos, porém, a escravidão da raça branca no Exército e na Armada, entre os servidores da Pátria, cuja condição tão simpática é a todos brasileiros (Brasil, 1910b, p.136).

Almeida (2009) revela alguns dados interessantes sobre a população de marinheiros de 1908: segundo análise do livro 1 do Gabinete de Identificação da Armada, criado no mesmo ano, os marinheiros eram assim classificados: 56,4% pardos, 20% brancos, 11,6% de cor preta, 10,4% morenos, 1,2% "brancos corados" e 0,4% "pardos claros" (Gabinete..., 1908). Os pardos e os indivíduos de cor preta somavam 68% do total dos identificados, ou seja, quase 70% deles eram considerados não brancos. O termo pardo, como outros trabalhos demons-tram, significava, em período anterior, uma relativização quanto à origem escrava, fazendo referência à pessoa negra, mas livre. Posteriormente, durante o pós-abolição, também podia indicar outras relativizações e eufemismos, e não necessariamente a existência de algum grau de mestiçagem (Mattos, 2004, 1998).

Além disso, os mesmos dados revelam que, em suma, a maioria dos marinheiros (65,6%) vinha das regiões Norte e Nordeste do Brasil e tinha entre 17 e 22 anos (74%), 67% com menos de 20 anos (Almeida, 2009). A maior parte dos marujos teria nascido, portanto, após a abolição definitiva, de 1888, e muitos poderiam não ser filhos nem netos de escravos, já que havia muitos libertos e livres em vários lugares do Brasil no final do século XIX (Mattos, 2004, 1998; Silva, 2003). A escravidão, porém, ainda se fazia presente em muitos relatos, como experiência pessoal ou memória coletiva, sendo rememorada no próprio manifesto dos marujos, datado de 22 de novembro de 1910, no qual se apresentam como: "Nós, Marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira ..." (Morel, 2009, p.84-85).

O presente artigo fornece elementos sobre a saúde e a alimentação desses praças da Marinha brasileira no início do século XX. A partir da correspondência dos oficiais e dos relatórios de 1888 a 1911 dos ministros da Marinha, refletimos sobre as condições de trabalho e, sobretudo, as condições de vida desses homens na segunda década após a abolição definitiva da escravidão no Brasil. Por um lado, os dados revelam algumas particularidades do meio marítimo e militar, como a necessidade de um tipo nutricional específico que buscasse o equilíbrio das dietas e a alternância de produtos não perecíveis, bem como a recorrência de determinadas doenças ligadas à deficiência de vitaminas, e ainda os diversos casos de contusões e feridas, além das doenças venéreas, que remetiam a um imaginário de promiscuidade sexual. Por outro lado, constata-se a inserção de práticas alimentares e de clínica médica no contexto mais amplo das crenças e maneiras de pensar do período, que estabelecem novas formas de conceber o corpo, por exemplo, com a introdução das ginásticas como prática salutar. Como veremos, nesse ambiente de trabalho pesado e, por vezes, pouco atrativo, ainda havia um importante desnível entre o modo de pensar dos oficiais e os valores dos marujos, que indicavam tanto formas de resistência quanto apego a outro tipo de cultura, de origem popular.

Trabalho e vida cotidiana nos vasos de guerra brasileiros no início do século XX

A modernização desejada pela Marinha brasileira na virada do século XIX para o XX entrava em choque com a realidade e com certas concepções então vigentes. Muitos dos homens pobres disponíveis não se interessavam em assentar praça na Marinha, pois as condições de vida e de trabalho eram precárias, marcadas por baixos soldos, por longos períodos de engajamento compulsório - que podiam chegar a 15 anos para os oriundos das escolas de aprendizes e a 10 anos para os voluntários (conforme o decreto n.7.124 de 24 de setembro de 1908) - e ainda por excesso de trabalho, castigos físicos2, preconceito e relações cotidianas difíceis. Por sua vez, havia autoridades navais que sustentavam que essas condições continuavam ruins devido ao fato de o corpo de marinheiros nacionais e o batalhão naval encontrarem-se frequentemente em subefetivo, sem os meios materiais e humanos para sua melhora, além de compostos, nos dizer dos ministros, de indivíduos cuja educação é "por demais falha, devido ao meio donde são retirados" (Brasil, 1902, p.39).

O texto do ex-oficial Macedo Soares, publicado clandestinamente na Europa em 1911, condena a revolta dos marinheiros de 1910 contra os castigos corporais e a favor de melhores condições de trabalho. Condena também a organização da Marinha brasileira naquela época, ao criticar com veemência o abismo criado pela supervalorização dos equipamentos em detrimento da seleção do pessoal subalterno. De fato, entre 1908 e 1910, a Marinha do Brasil recebeu diversos vasos de guerra modernos, construídos em sua maioria em Newcastle, Inglaterra, entre os quais os encouraçados de modelo Dreadnought Minas Gerais e São Paulo e o scout Bahia, que integravam o projeto de modernização da esquadra idealizado desde 1903, mas somente efetivado sob a tutela do ministro Alexandrino de Alencar (1906-1910), com a designação Rumo ao Mar (Almeida, 2009, 2010; Martins Filho, 2010). No livro do ex-oficial, o argumento da degeneração racial dos marujos é apresentado como justificativa para a revolta, em contraste com os novos equipamentos adquiridos na Europa.3 Dessa perspectiva, o autor descreve alguns hábitos cotidianos dos marujos:

Profundamente alheios a qualquer noção de conforto, os nossos marinheiros se vestem mal, não sabem comer, não sabem dormir. Imprevidentemente preguiçosos, eles trazem da raça a incapacidade de progredir. O dia do soldo é desanimador a bordo dos navios de guerra. Pagas as dívidas de jogo, todos os vinténs desaparecem nos breus: fumo, queijo de Minas, sardinhas, espelhos, almanaques... As guarnições são tristes. Os divertimentos raramente solicitados são os sambas e mais frequentemente pelos grumetes os jogos como dominó e víspora. Em um ou outro navio grande, com auxílio e incentivo dos oficiais, há uma cena de teatro ... A violência sanguinária é admirada; o macho impõe-se pela força e uma vasta intriga urdida nas cobertas redunda em perseguições, em ultrajes, em covardias incomparáveis, que não raro chegam por denúncia ao conhecimento dos oficiais. Analfabetos, sem os freios da religião, sombrios e sentimentais, a massa dos marinheiros oferece a mais propícia cultura do vício e do crime (Um oficial..., 1911, p.85-86).

A vida a bordo de um navio como o São Paulo, o Minas Gerais ou o Bahia seguia uma organização ritmada. Os oficiais de serviço deviam anotar os fatos mais importantes nos "livros de quarto", uma vez que os dias se dividiam em seis períodos de quatro horas, os chamados quartos. No Bahia, em 1910, por exemplo, a guarnição fazia três refeições diárias e acordava por volta das 6:30h (Livro..., 1910-1911). Geralmente às 8:00h, era erguida a bandeira, e, em seguida, a jornada de trabalho era iniciada. A tripulação podia trabalhar em horários alternados, em quartos de dia ou de noite. Entre 18 e 21:00h, os marujos dispunham de tempo livre, em que podiam conversar, tocar violão ou dedicar-se a outras atividades de lazer (Nascimento, 2008). Às 21:00h era dado o toque de recolher, e os marujos dormiam aproximadamente oito horas por noite.

O trabalho consistia essencialmente na manutenção do navio, das máquinas e dos equipamentos de guerra, bem como na limpeza e organização a bordo. A remuneração prevista para os marinheiros subalternos era de aproximadamente vinte mil réis, ou seja, cem mil réis inferior ao pagamento oferecido pela Marinha mercante, segundo relata o capitão de fragata Miranda Correa (25 jun. 1910, f.3). Além dos baixos soldos, a tripulação confrontava-se com outros problemas vitais, como a escassez de alimentos frescos, de carvão e de água potável, sobretudo durante os longos meses das viagens transatlânticas nas embarcações mistas, a vela e a vapor - a maioria delas realizada até o final da primeira década do século XX.

O problema de abastecimento de água era também verificado na Marinha francesa. No início do século XIX, a água era conservada em barris abastecidos pelas águas das chuvas. Já na metade do mesmo século, foram progressivamente desenvolvidos aparelhos de destilação que produziam água potável a partir da água do mar. Os processos de destilação eram, contudo, criticados pelos médicos, já que as pesquisas apontavam diversos problemas de saúde dos marujos, vítimas de vários tipos de febres e diarreias decorrentes da ingestão da água impura. No início do século XX, a destilação tornou-se mais constante nas marinhas mundiais, ao mesmo tempo em que se impuseram novas práticas de higiene, como os banhos com água quente e sabão, a troca semanal das roupas de cama e a lavagem das mãos antes das refeições, ainda que continuasse racionada a água potável a bordo (Gay, 1993).

Apesar das transformações ocorridas com a passagem para os navios exclusivamente a vapor, os problemas decorrentes da falta de água potável perduraram; as tripulações eram bastante sensíveis a tal situação, como relata o comandante Miranda Correa (25 jun. 1910, f.3), em seu relatório da travessia do Bahia de Newcastle ao Rio de Janeiro, realizada entre abril e maio de 1910: "As máquinas e todos os aparelhos funcionaram regularmente, com exceção dos vaporizadores que nunca deram a quantidade de água necessária para as caldeiras e todos os mistérios de bordo, de sorte que tive que mandar fiscalizar rigorosamente a distribuição da água do navio, negando mesmo água para o banho dos foguistas, não obstante as reclamações, aliás justas, várias vezes recebidas".

Distúrbios semelhantes também aconteceram a bordo do encouraçado Minas Gerais, durante a viagem de Newcastle ao Rio de Janeiro, entre 4 de fevereiro e 17 de abril de 1910. Mesmo que a falta de água não tenha sido registrada, o subefetivo e a falta de carvão foram constantes, assim como a insatisfação do pessoal expressa pelas deserções e protestos. O relatório do comandante do navio, o capitão de mar e guerra Batista das Neves (2 maio 1910), revela uma série de elementos interessantes sobre as relações de trabalho a bordo e a visão que ele próprio tinha dos trabalhadores brasileiros e internacionais. Durante estada no porto de Hampton Roads, no sul da Virgínia, estado norte-americano, em março de 1910, ele relatou a ocorrência de um movimento de greve dos maquinistas recrutados na Inglaterra, bem como a deserção de 17 homens. Além disso, criticou a lentidão no abastecimento de carvão em decorrência da "péssima qualidade" da mão de obra dos negros americanos. Em suas palavras: "Apesar da grande atividade da administração do Arsenal, fazendo vir para bordo os batelões de carvão no dia seguinte, somente três dias depois foi possível dar começo ao recebimento devido à dificuldade em obter gente de terra para tal fim, não podendo o pessoal de bordo deficiente e extenuado ser empregado neste trabalho. Muito moroso foi feito este serviço, 'porque a gente nele empregada era toda de cor preta, com a indolência e outras características da raça" (grifos nossos).

O preconceito racial é a justificativa central para os maus serviços prestados pelos americanos. É interessante perceber que esse olhar preconceituoso contra o pessoal dos portos dos EUA não se repete, na mesma documentação, quando o comandante se refere à sua própria tripulação. Ele remete ao pessoal de bordo do Minas Gerais como "deficiente e extenuado" e, em outras passagens, elogia sua guarnição e os oficiais inferiores, que "tiveram bom comportamento a bordo e deixaram boa impressão nos portos de passagem" (Batista das Neves, 2 maio 1910).

No entanto, apesar de mencionar o estado de esgotamento da tripulação, o comandante Batista das Neves não deixa de mandar executar uma novidade em termos de atividade física, a 'ginástica sueca', introduzida pouco tempo antes naquele tipo de navio de guerra. A prática era assim explicada: "Os exercícios da ginástica sueca eram feitos pela manhã, em seguida ao banho da guarnição, e durava um quarto de hora e à tarde, ao pôr do sol, durante uma hora. Neste segundo tempo era o exercício acompanhado de música, como se faz na Marinha inglesa, cujas instruções foram observadas inteiramente a bordo deste navio" (Batista das Neves, 2 maio 1910).

A ginástica sueca era recebida com resistência pela marujada. Em novembro de 1910, o comandante Batista das Neves foi morto em confronto com os marinheiros que se rebelaram a bordo do Minas Gerais, no contexto da Revolta da Chibata. Consta que, no calor dos acontecimentos, alguns marujos utilizaram o cadáver do capitão para simular exercícios de ginástica semelhantes aos que eram obrigados a fazer a contragosto, ecoando os dizeres "abaixo a chibata", "viva a liberdade" e "abaixo a ginástica" (Martins, 1988, p.31-34). O próprio relatório de Batista das Neves explica a repugnância que a atividade suscitava no meio dos marujos: "A direção do exercício da ginástica sueca foi confiada ao oficial encarregado do destacamento, Sr. Capitão-Tenente Amphilóquio Reis. Este brilhante oficial, cujo gosto e dedicação pela Marinha são inexcedíveis, teve a habilidade de vencer a resistência proveniente do natural acanhamento dos nossos marinheiros que muitas vezes deixam de fazer com desembaraço uma simples continência pelo receio do ridículo" (Batista das Neves, 2 maio de 1910).

Comer e beber na Marinha: as medidas dos oficiais para a ração da marujada

Os hábitos alimentares também se transformavam com a busca pela modernização da Marinha. Em 1890, o decreto n.181 de 24 de janeiro estabelecia um novo regime alimentar, prevendo diferenças nos momentos em que o navio estivesse atracado no porto ou em alto-mar, e baseado em três refeições diárias: almoço, jantar e ceia. Um café suplementar podia ser oferecido em caso de chuva, frio ou excesso de trabalho. A Tabela 1 mostra uma síntese dos alimentos e rações empregados quando o navio estava no porto.

Com necessidades diferentes, foi igualmente produzida uma tabela para as rações da tripulação das embarcações em alto-mar (Tabela 2).

Na tabela de alimentos para as viagens, alguns gêneros da tabela do porto eram con-servados - como arroz, batata, farinha, feijão, sal e manteiga - enquanto outros tinham suas quantidades aumentadas - como bacalhau, açúcar e café. Outros gêneros alimentícios eram, por sua vez, introduzidos como forma de substituição de produtos frescos, visando ao equilíbrio alimentar: bolachas, cebola, conservas, legumes secos, carne em conserva ou seca. A principal preocupação do novo regime era prevenir o surgimento de algumas doenças, entre elas o escorbuto, provocado pela deficiência em vitamina C, conforme descoberto no início do século XIX.4 Assim, previa-se também oferecer à tripulação sucos de fruta ácida com açúcar. Contudo, observa-se que os principais produtos da dieta a bordo, seja nos portos ou durante as viagens, eram proteínas, como a carne, ou carboidratos, como pão, biscoitos, arroz, batata e açúcar.

Esse regime alimentar será questionado alguns anos mais tarde. Seguindo o exemplo dos países tidos como 'mais avançados' - França, Inglaterra, Alemanha, Áustria e EUA - uma comissão composta por médicos e oficiais redigiu o aviso 137 de 3 de fevereiro de 1903, propondo estabelecer novas rações para a Marinha brasileira (Brasil, 1904, p.A2-1). Assim, se até então o almoço era servido às 9:30h, o jantar às 14:00h e a ceia às 18:00h (ao despertar, era distribuída uma ração de café), e as duas primeiras refeições eram à base de carne, e a ceia à base de pão e café, a comissão recomendava modificar os horários das refeições e os alimentos servidos. Sugeria-se que o almoço fosse servido às 8:00h, o jantar às 12:00h e a ceia às 17:30h, no inverno, ou às 18:00h, nas outras estações. Quanto aos alimentos em cada refeição, sugeria-se que a primeira fosse composta de pão, manteiga e café, enquanto as seguintes fossem baseadas em carne e legumes. As mudanças justificavam-se igualmente, segundo os relatórios dos ministros, como registrado por Júlio César de Noronha (Brasil, 1904, pA2-5), pelo fato de haver um problema de abastecimento a bordo, visto que a carne fresca dificilmente chegava antes das 7:30h. Além disso, os novos intervalos entre as refeições permitiam que se resgatasse uma antiga prática da Marinha, em desuso na época: os banhos de mar ou natação na água salgada, como revela o relatório da comissão:

A ceia sendo muito afastada do jantar, poderá ser restabelecido, antes da última refeição, o antigo costume dos banhos salgados de natação, praxe da marinha de outros tempos, que sempre influiu beneficamente na saúde das guarnições e que presentemente está em completo olvido. Os banhos salgados de natação, antes da ceia, são aconselhados pelos higienistas navais e postos em prática nos respectivos navios de guerra, especialmente nas estações calmosas. Estas abluções são preservativo valioso contra as enfermidades infectuosas, elas tonificam o organismo, regularizam as funções cutâneas e restringem o campo da evolução microbiana (Brasil, 1904, p.A2-5).

A prática dos banhos de mar era igualmente encorajada pelo pensamento higienista da época. No Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu-se o hábito de ir à praia para mergulhar na água salgada, como percebemos nas publicações na imprensa. Iniciou-se um período em que se começou a pensar uma nova relação com o corpo e a valorizar a prática de esportes como algo benéfico para a saúde, junto a outras crenças e superstições. A publicidade da época oferecia aos leitores das revistas ilustradas os milagres dos tônicos e medicamentos, ao mesmo tempo em que os médicos atestavam as qualidades da água salgada e do ar das montanhas para o organismo humano (Sevcenko, 2002). Os relatórios dos ministros da Marinha brasileira costumam seguir essas tendências de seu tempo.

A qualidade dos alimentos era também questionada, e uma relação direta entre os produtos servidos e o preparo da tripulação era estabelecida, retomando, nesse sentido, argumentos típicos do pensamento determinista racial, segundo o qual a melhoria da raça estava diretamente ligada ao progresso (Strauss, 1987; Arendt, 1982). A comissão critica a substituição do pão integral pelo pão branco, usando argumentos então em voga na França, onde circulava a crença na decadência da 'raça francesa' e na necessidade de regeneração, um dos motores que impulsionaram a coesão popular no início da Primeira Guerra Mundial (Le Naour, 2002). Em anexo do relatório de 1903, a comissão registra: "Avultado número de notáveis higienistas tem protestado contra estas exigências do paladar que vão sendo nocivas à nutrição da humanidade, muitos acreditam que a decadência física da raça francesa é devida principalmente ao abuso da alimentação pelo pão de trigo branco ou sem farelo e pelo abuso do absinto" (Brasil, 1904, p.A2-6).

As observações dos oficiais da comissão levavam em conta os hábitos alimentares e as práticas de outros países considerados exemplares. Entretanto, as realidades nacionais e locais não eram preteridas. Segundo indicado no relatório (Brasil, 1904, p.A2-7), o café, utilizado em "quase todas as marinhas de guerra", era percebido como particularmente importante no Brasil: "[O café] constitui uma bebida imprescindível aos nossos marinheiros, desperta-lhes a energia orgânica entorpecida pela elevada temperatura do clima intertropical, satisfaz-lhes o paladar e está nos hábitos da quase unanimidade da população brasileira".

Não podemos ignorar que o café era, no período, o principal produto de exportação brasileiro (Bueno, 2003) A comissão sugeria aumentar a ração do produto, o que atendia não só às tradições do povo brasileiro, mas também às expectativas econômicas dos grandes produtores. Assim, a exemplo do que vinha sendo feito nos EUA, o café era considerado uma alternativa às bebidas alcoólicas, já que o vinho servido era de péssima qualidade e misturado com a cachaça brasileira que, apesar de um produto nacional, não era bem vista pela comissão (Brasil, 1904, p.A2-13-19). Segundo o relatório, os vinhos servidos a bordo eram "beberagens azedas, misturas mais extravagantes de drogas, muitas vezes tóxicas, perturbadoras das funções gastrointestinais, adicionadas de álcool impuro" (Brasil, 1904, p.A2-13).

A comissão propunha ainda aumentar a ração de açúcar para 180g por marinheiro por dia, e a de carne de boi para 700g por pessoa por dia - ambos importantes produtos nacionais (Brasil, 1904, A2-8). Quanto à farinha de mandioca e ao feijão, a comissão constatou que, mesmo sendo interessante alterná-los com outros gêneros de farinha e com lentilhas, ervilhas ou favas, por exemplo, a presença dos dois produtos era inevitável, tendo em vista os hábitos e gostos dos marujos:

Esta farinha não é utilizada nas outras marinhas, é alimentação indígena nossa; no entanto, apesar de sua fraqueza alimentar, é impossível privar as nossas guarnições do seu uso, tal é a força do hábito. O marinheiro não pode dispensá-la, ele a utiliza quer como pirão, quer misturada com o feijão cozido ou com a carne ensopada. E já que não é possível impedir o uso da farinha de mandioca nas rações de bordo, a comissão propõe que seja alternada com a farinha de milho, a qual é muito mais substancial (Brasil, 1904, p.A2-9).

A ração proposta devia, portanto, responder à combinação de três fatores principais: as observações dos higienistas da época, geralmente inspiradas nas experiências dos países tidos como 'avançados'; a facilidade de acesso a um determinado produto no Brasil; e os hábitos e resistências dos marujos brasileiros. Nesse sentido, os oficiais defendiam em seu relatório que, para os períodos de viagens, a carne-seca deveria ser substituída pelo charque, produzido no Sul do Brasil, enquanto o bacalhau, servido às sextas-feiras, poderia ser trocado pelas sardinhas em conserva, como na Marinha francesa. No entanto, o mesmo grupo de oficiais era descrente em relação ao uso das conservas a bordo, pois teriam de enfrentar a resistência da marujada, conforme precisa o relatório: "A comissão reconhece que seria muito difícil privar as nossas guarnições da carne-seca em viagem, à qual estão habituadas desde a infância; porém, pode-se adotar um meio termo: as carnes conservadas serão distribuídas em dias alternados com a carne-seca" (Brasil, 1904, p.A2-15). Mais drástica ainda era a resistência verificada aos picles, que deviam ser excluídos das rações de viagem, pois: "As nossas guarnições recusam geralmente as conservas inglesas; ... quase toda a ração é desprezada e atirada ao mar" (Brasil, 1904, A2-16).

Contudo, apesar da existência dessas tabelas de regimes alimentares, não podemos garantir com certeza que as rações servidas de fato correspondessem às quantidades previstas. Sabemos que as quantidades e variedades podiam ser modificadas pelas equipes de oficiais e cirurgiões que assumiam o comando de um navio. Além disso, a permanência de algumas doenças relacionadas à nutrição precária, como o beribéri, nos leva a pensar que a alimentação dos marinheiros podia ser às vezes insuficiente.

Corpos em sofrimento: a saúde dos marinheiros nacionais

Os ministros da Marinha, além de se preocuparem em melhorar a alimentação da população de marinheiros, também manifestavam sua inquietação quanto a algumas doenças comuns entre os marujos, como a tuberculose e o beribéri. Em 1892, o ministro Custódio de Mello registrava em seu relatório apenas 22 casos de febre amarela5, cujas causas e profilaxia ainda não eram conhecidas no Brasil dos anos 1890, contra 346 casos de beribéri (Brasil, 1893, p.96).

O beribéri caracteriza-se por avitaminose provocada pelo deficit de vitamina B1 (tiamina). O nome da doença tem origem no termo cansado (biri em srilanquês), e seus principais sintomas são os distúrbios motores do sistema nervoso ou sensitivo, já que a doença pode causar paralisia muscular (beribéri seco) ou insuficiência cardíaca (beribéri úmido) (Meade, 2003). Diversos casos foram diagnosticados nas marinhas de todo o mundo, em particular dos países asiáticos, até o início do século XX. Constatava-se maior ocorrência nas popula-ções habituadas a alimentação à base de arroz branco sem casca, enquanto nas comunidades habituadas ao arroz integral encontrava-se risco menor.

No entanto, no final do século XIX e início do XX, ainda não se conheciam as causas da doença, mesmo que já se desconfiasse dos benefícios de dietas equilibradas. Desse modo, no relatório da comissão que se propunha rever as rações do pessoal da Armada de 1903, aconselhava-se maior consumo de legumes e criticava-se a alimentação exclusivamente à base de arroz (Brasil, 1904, p.A2-9-10), mas as condições de higiene e de instalação ainda eram apontadas como as principais razões da doença. Em 1897, o número de vítimas do beribéri alcançou a cifra de 586, correspondendo à taxa de mortalidade de 22% (Brasil, 1898, p.61). O ministro Manoel José Alves Barbosa (Brasil, 1898, p.60) escreveu no relatório de 1897:

A tal ponto tem o beribéri se apoderado da saúde do pessoal da nossa Marinha, que reputo de caráter urgentíssimo e dignas da maior solicitude por parte do governo as providências tendentes a atenuar aquele mal. As estatísticas mostram que, além da influência de outros agentes mórbidos, a propagação dessa caprichosa enfermidade, mais facilmente, se faz nos navios cujas disposições internas dão lugar a uma areação incompleta e onde a luz solar não pode livremente propagar-se ... Cumpre recorrer a medidas de precaução, tais como: mudança periódica do pessoal, escrupuloso asseio, boa nutrição e um regime apropriado de exercícios físicos e convenientes distrações.

Alguns anos antes, um aviso publicado em 22 de fevereiro de 1890 autorizava a instalação de uma enfermaria no hospital de Copacabana exclusivamente destinada ao tratamento do beribéri. Alguns anos mais tarde, as condições do hospital foram criticadas, pois ele se encontrava distante dos banhos de mar, situado em um morro, num local quente e úmido e isolado dos raios solares, reunindo, segundo a concepção da época, "as condições propícias para o desenvolvimento do beribéri" (Brasil, 1899, p.52). Todos os corpos da Armada, inclusive os oficiais, eram tratados nos centros ou hospitais da Marinha (enfermaria, Hospital Central, Hospital de Copacabana, Hospital de N. S. da Saúde). Oficiais e mari-nheiros, porém, eram tratados preferencialmente em espaços diferentes. Nesse sentido, o relatório do ministro da Marinha de 1893 nota que as instalações do Hospital de Copacabana, onde eram tratados os pacientes de beribéri, não eram suficientes, pois não havia separação entre os quartos para o tratamento de praças e oficiais (Brasil, 1894, p.68).

Em 1898, o relatório do ministro da Marinha dava conta do número de falecimentos no Hospital de Copacabana durante os três anos anteriores. Os números não são insigni-ficantes: em 1896, contavam-se 101 mortes (26,98%), em 1897, 133 (22,6%) e em 1898, 103 (20%). Entre 1890 e 1898, 468 pessoas tinham falecido no hospital em decorrência do beribéri, ou seja, em média, 54 mortes por ano (Brasil, 1899, p.52).

Em 1904, o médico e antropólogo Nina Rodrigues estudou as condições que teriam levado a uma 'epidemia de beribéri' no asilo para doentes mentais São João de Deus, em Salvador. Em seu estudo, estabeleceu uma relação entre as condições de higiene e de alimentação do hospital e o desenvolvimento da doença. Criticou as teorias que sustentavam que o beribéri tinha sua origem em microrganismos, ao constatar um aumento do número de casos no período em que o asilo se encontrava em estado de superpopulação ou em penúria de material. Evidenciou ainda que a doença manifestava-se exclusivamente entre pacientes internos, não havendo casos de enfermeiros, empregados ou de moradores dos bairros vizinhos contaminados.

Outros casos de 'epidemia de beribéri' foram também recenseados em outras instituições do mesmo gênero (prisões, hospícios, hospitais, quartéis do Exército, vasos de guerra), o que indicava que a causa da doença deveria estar relacionada ou com as carências alimentares ou com as condições de higiene nessas instituições (Jacobina, Carvalho, 2001; Meade, 2003). Conforme a concepção da época, as condições de higiene implicavam a boa circulação do ar e da água.

Além disso, a doença era igualmente frequente em alcoólatras e, no Brasil, chegou a ser considerada endêmica sobretudo em Minas Gerais, São Paulo e Bahia, no final do século XIX, sendo também verificada no seio da população escrava (Meade, 2003). Todavia, as verdadeiras causas do beribéri foram conhecidas apenas a partir de 1907, com a publicação de um estudo sobre um hospício em Kuala Lumpur que esclareceu a relação entre a doença e a má alimentação. Apenas em 1933 descobriu-se a existência da vitamina B1 (Jacobina, Carvalho, 2001; Meade, 2003).

Sobre a presença do beribéri entre os praças da Marinha, o ministro J. Pinto da Luz (Brasil, 1902, p.82-83) comentou, em seu relatório de 1901, não só as condições de higiene nas instalações da Marinha, mas também a de outros lugares que os marujos frequentavam:

O progresso rápido da arte de guerra tem obrigado a sacrificar as condições de higiene nas modernas construções, de modo a tirar o maior proveito em benefício de suas condições de combate ... Além da luz e do ar, que em não poucos navios estão longe de ser fornecidos em quantidade, há ainda a insalubridade, devida à umidade, ao calor e à aglomeração de pessoal. Diversas têm sido as moléstias de que são vitimados os nossos marinheiros, sobressaindo dentre elas a tuberculose e o beribéri, produzindo a primeira mais estragos que a segunda. Entre essas medidas houve a de proibir as praças de pernoitarem em terra, pela razão de escolherem, de preferência, para dormir, os lugares reputados como os mais insalubres desta Capital.

No mesmo ano, foram registradas as causas de morte dos servidores da Marinha, sendo 17 por tuberculose, quatro por beribéri, dois de arteriosclerose, cinco de cirrose hepática, um de câncer de estômago, um de diabetes, dois de febre perniciosa, dois de febre tifoide, um de hemorragia cerebral, um de hipertrofia do coração, dois de insuficiência mitral, dois de insuficiência da aorta, um de impaludismo, três de nefrite, totalizando 44 falecimentos registrados (Brasil, 1902, p.85).

Poucos anos mais tarde, no relatório de 1905, o ministro Júlio César de Noronha apresentou um discurso bastante diferente de seu colega anterior com respeito ao Hospital de Copacabana. De precária, mal localizada e mal equipada, a enfermaria passou a ser considerada adequada, "correspondendo aos intuitos da sua criação" (Brasil, 1906, p.179). A taxa de mortalidade era de 1% (cinco pessoas morreram por causa do beribéri, das quais três tinham dado entrada no hospital em estado grave) (p.179). Logo em seguida, por determinação do decreto n.5.882, de 6 de fevereiro de 1906, a enfermaria perdeu o estatuto de exclusiva para os pacientes de beribéri e tornou-se uma sucursal do Hospital Central para onde eram transferidos os doentes excedentes da Marinha (Brasil, 1908, p.56).

As doenças dos marujos em 1909

Um ano antes da introdução dos modernos vasos de guerra e da revolta dos marinheiros, um mapa estatístico nosológico de 1909, anexo ao relatório do ministro Alexandrino Faria de Alencar, sintetizava todas as hospitalizações ocorridas no Corpo de Marinheiros Nacionais durante aquele ano. Reproduzimos uma parte desse mapa a seguir.

Uma primeira observação sobre os dados da Tabela 3 diz respeito ao significativo número de doenças tratadas em um dos hospitais da Marinha em 1909: contabilizaram-se 12.145 registros de 54 patologias diferentes. Esses números tornam-se ainda mais importantes se comparados aos efetivos da Marinha e à média de idade da maioria dos corpos da Armada: o Corpo de Marinheiros Nacionais compunha-se de 4.097 indivíduos em 1909, e os dados estudados relativos a 1908 indicam que a maioria dos marujos era jovem e tinha entre 17 e 22 anos (Almeida, 2009). Todavia, o ministro Alexandrino de Alencar nota em seu relatório que "o estado sanitário foi bastante satisfatório. Registraram-se apenas 20 casos de varicela" (Brasil, 1910a, p.A-300).

Boa parte dos males dos marinheiros brasileiros de 1909 era frequente nas marinhas europeias em períodos anteriores. Ainda que o escorbuto, uma das principais doenças das tripulações nos séculos XVII e XVIII, e outras avitaminoses como a hemeralopia, caracterizada por considerável diminuição da visão provocada pela carência de vitamina A, não tenham sido citados no relatório de 1909, outros distúrbios tais como o paludismo, os reumatismos, as doenças pulmonares (por exemplo, a bronquite), a sarna, a sífilis e a blenorragia - doenças que figuravam entre as primeiras patologias a bordo dos vasos de guerra do Antigo Regime europeu - ainda vitimavam vários marinheiros brasileiros no início do século XX, como se pode verificar na Tabela 3. Suas causas eram com frequência a falta de higiene e de água potável, bem como a carência alimentar, a umidade dos navios e as práticas sexuais durante as escalas. Durante o Antigo Regime, era igualmente comum a disseminação de pulgas e piolhos (sobretudo nas estações frias), as disenterias, o tifo e a peste bubônica, enfermidades provocadas pelos mesmos fatores. As escalas contribuíam para a contaminação das doenças venéreas, além de favorecer a transmissão de novas patologias entre os diferentes países e continentes (Romieux, 1996).

Se, nas primeiras décadas do século XX, os casos de beribéri parecem ser menos representativos do que durante a década de 1890, ainda se faziam presentes: registram-se 152 doentes e 11 mortes devido à patologia no Corpo de Marinheiros Nacionais, no Rio de Janeiro em 1909 (Brasil, 1910a, pA-298) No relatório de 1908, o ministro Alexandrino de Alencar também registrava que as doenças mais comuns na enfermaria de Copacabana eram o beribéri - responsável por 43% das entradas - e a tuberculose, que representava 8,3% das internações no ano (Brasil, 1909, p.91). A má nutrição pode ser igualmente constatada nos 108 casos de anemia registrados em 1909 (Brasil, 1910a, p.298). De acordo com os registros de 1909, das doenças infecciosas conhecidas na época, o paludismo fez 140 vítimas6, enquanto a tuberculose atacou duas pessoas. Não obstante, devemos relativizar esses números, uma vez que algumas patologias podiam ser diagnosticadas como outras, como no caso da escrófula (33 doentes), uma infecção dos gânglios linfáticos superficiais, em particular do pescoço, geralmente associada à tuberculose (French, 2003, p.292-294).

Com efeito, no final do século XX, os casos de tuberculose diminuíram nos países desenvolvidos, acompanhando as melhorias nas condições de trabalho e de vida nas grandes cidades. No entanto, a doença não foi erradicada, e vários casos foram ignorados por conta de diagnósticos incorretos (Johnson, Kiple, 2003).

Outras doenças infecciosas e sintomas patológicos, como as bronquites, gripes, anginas, alguns casos de gastrites, as ocorrências de gânglios, otites, pneumonias e conjuntivites, correspondem, somadas, a aproximadamente três mil casos registrados nos hospitais da Marinha. Tais casos somados chegam a 5.726, ou seja, 47,15% do total (Brasil, 1910a).

Dois outros elementos merecem ser levados em consideração, ainda que não estejam frequentemente presentes nos relatórios dos ministros: o significativo número de feridas e ferimentos e os diferentes e numerosos casos de doenças venéreas, compreendidos entre os casos de infecção citados. Assim, somam-se 2.653 casos de feridas, ferimentos, fraturas, contusões, luxações e traumatismos, o que equivale a 21,84% - quase ¼ das hospitalizações (Brasil, 1910a). Mesmo que os dados não nos permitam afirmar com certeza, essas ocorrências podiam estar ligadas a acidentes de trabalho, brigas, agressões e castigos corporais, tal como verificado na Marinha francesa do Antigo Regime. A título de comparação, nesse outro universo, constatava-se que tanto as brigas e as rixas quanto a "brutalidade das punições" podiam dar origem a feridas, hematomas, dentes quebrados, às vezes, fraturas ou luxações localizadas e múltiplos traumatismos (Romieux, 1996, p.30-31).

Quanto às doenças transmissíveis por relações sexuais, podemos incluir os cancros venéreos, a sarna (em certos casos, de transmissão humana), as blenorragias, as adenites inguinais, a sífilis, a orquite, entre outras, que alcançam um total de 1.711 internações, ou 29,88% das doenças registradas em 1909 (Brasil, 1910a). Esse número elevado chama a nossa atenção para outro aspecto importante da vida dos marujos brasileiros, que merece novos estudos: a sexualidade. Na maioria homens solteiros - 97,5% de 1.908, segundo os dados do Gabinete de Identificação da Armada, analisados por Almeida (2009) - , os marinheiros nacionais viviam sua sexualidade a bordo, mas sobretudo nos portos e nas cidades onde permaneciam por mais tempo. Há muitos indícios da presença de prostitutas e alguns registros sobre as relações homossexuais (a pederastia ou sodomia, segundo os termos da época), que eram proibidas pela legislação militar.7 Alguns testemunhos e estudos indicam a existência de relações de proteção entre praças mais experimentados e homens mais jovens, mas não se pode afirmar que as relações sexuais de marujos entre si fossem predominantes. Acima de tudo, no século XX, em especial, forjou-se um importante ima-ginário internacional relacionando a condição de marinheiro e a conduta homossexual (Almeida, 2009; Tamagne, 2001; Revenin, 2005).

Considerações finais

O projeto modernizador da Marinha brasileira, com todas as suas contradições e limitações, envolvia também nova forma de pensar a saúde, a alimentação e as relações cotidianas. A chegada de equipamentos modernos e as inovações técnicas demandavam modificações no ritmo de trabalho. Além disso, os resultados do pensamento da medicina e os modos de pensar da virada do século XIX para o XX colaboravam para que fossem concebidas outras maneiras de tratamento e novas dietas. No entanto, não podemos acreditar que essas inovações fossem aplicadas de imediato. Havia divergências, dúvidas e limites de ação.

A ideia de 'progresso' estava ligada à busca de 'regeneração da raça'. Ainda que isto não fosse dito de forma direta pelos oficiais da Marinha, para eles, era evidente a relação entre doenças, mal comportamento e até mesmo resistência às inovações oferecidas e a noção de 'decadência da raça' dos marujos brasileiros. O legado da escravidão na sociedade brasileira, combinado ao pensamento racial que ganhava terreno e modificava as próprias condutas da ciência (Schwarcz, 2005, 1996), deixava também suas marcas nas formas de pensar o corpo dos marinheiros nacionais no início do período republicano.

NOTAS

Recebido para publicação em agosto de 2011.

Aprovado para publicação em outubro de 2011.

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  • VERGE-FRANCESCHI, Michel. Dictionnaire d'histoire maritime. Paris: Robert Laffont. 2002.
  • 1
    Nessa e nas demais citações de textos em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 2
    Eram comuns os castigos corporais, entre eles, os golpes de chibata, que frequentemente passavam de 100 e eram executados diante de toda a tripulação, no intuito de criar uma forma punitiva que servisse de exemplo (Nascimento, 2001). Na véspera da revolta dos marinheiros, o marujo Marcelino Rodrigues foi punido com mais de 250 chibatadas diante dos colegas, fato que teria sido um dos desencadeadores do movimento (Almeida, 2009).
  • 3
    Uma análise crítica dessa abordagem consta em Almeida, 2010; Samet, 2011.
  • 4
    O escorbuto é conhecido como a peste ou praga dos mares, ainda que também possa ocorrer em terra. No
    Dictionnaire d'histoire maritime (Verge-Franceschi, 2002, p.1314-1315) lê-se que essa avitaminose C "deve-se à falta de alimentos frescos, nomeadamente frutas e legumes. Os primeiros sinais do escorbuto aparecem, no marinheiro, a partir do 68º dia de navegação sem escala para abastecimento. A doença se caracteriza inicialmente pela perda de peso e enfraquecimento, seguidos da congestão das gengivas que sangram levando à perda dos dentes. 'O mundo dos marinheiros é durante muito tempo um mundo banguela' (J. Meyer). Em seguida aparecem as lesões cutâneas dolorosas, e os tecidos musculares, sobretudo, dos membros inferiores são atingidos. A pele escurece dando início à necrose. Enfim, os sintomas gerais (insuficiência respiratória e hemorragias do nariz e da boca) levam à morte. Durante muito tempo, o mundo marítimo ignorou as causas do escorbuto ... Se as frutas frescas pareciam eliminar rapidamente a doença, o que explica seu consumo voraz nas escalas ..., foi preciso esperar Nelson para que o suco de limão fosse reconhecido como realmente antiescorbútico. A Royal Navy impôs o seu consumo regular a partir de 1795, a Marinha americana em 1812 ... [Na França], a limonada foi incluída na ração das tripulações da esquadra em 1860, contudo, na verdade, sob receita médica. Sua adoção definitiva só aconteceu em 16 de dezembro 1874".
  • 5
    Sobre a febre amarela no Brasil, ver Benchimol, 1994; ver também sobre a história da doença, Delaporte, 1989.
  • 6
    Quanto à febre amarela, uma campanha de erradicação da doença por meio do combate aos lugares de reprodução dos mosquitos nas grandes cidades e do isolamento dos doentes foi executada por Oswaldo Cruz a partir de 1903, no quadro das políticas de reurbanização do Rio de Janeiro. A febre amarela desapareceu da cidade momentaneamente, mas novas epidemias retornaram no final dos anos 1920 (Benchimol, 1990). Porém, casos isolados foram verificados na população de marujos entre 1908 e 1909 e algumas ocorrências de embaraço gástrico febril ou gastrointestinal também podiam esconder a doença. O termo podia ser utilizado como um eufemismo com o objetivo de omitir casos de febre amarela que prejudicavam a imagem de uma cidade ou região atacada pelo mal (Figueiredo, 1996).
  • 7
    Ver Almeida, 2009; sobre o Exército brasileiro, ver Beattie, 2004, 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2011
    • Aceito
      Out 2011
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