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O governo de Luís do Rego Barreto e a transição constitucional em Pernambuco (1817-1821)

The Government of Luís do Rego Barreto and the Constitutional Transition in Pernambuco (1817-1821)

Resumo

O artigo analisa aspectos da administração de Luís do Rego Barreto, nomeado para governar a capitania de Pernambuco após a Revolução de 1817. Discutiremos como o governador atuou na administração da localidade, situando suas práticas entre o uso da força e o reforço de sua autoridade e o diálogo com as elites locais. Após o início do movimento constitucional em Portugal, com a intenção de se manter no cargo, o governador estabeleceu práticas políticas e administrativas com o intuito de apresentar moderação política e adesão às medidas liberais e constitucionais que adentravam o Brasil. Argumentamos que, apesar da resistência à sua permanência em Pernambuco, que emergiu de autoridades e populares locais, fortificada após a formação da Junta de Goiana (agosto de 1821), seu governo se sustentou através do diálogo com grupos políticos e econômicos importantes da localidade, especialmente após o início do movimento constitucional no Império Português.

Palavras-chave:
Luís do Rego Barreto; governador; constitucionalismo; Independência do Brasil.

Abstract:

The article analyzes aspects of the administration of Luís do Rego Barreto, appointed to govern the captaincy of Pernambuco after the Revolution of 1817. We will discuss how the governor acted in the administration of the locality, placing his practices between the use of force and the reinforcement of his authority, and dialogue with local elites. After the beginning of the constitutional movement in Portugal, with the intention of remaining in office, the governor established political and administrative practices to present political moderation and adherence to the liberal and constitutional measures that entered Brazil. We argue that despite the resistance to his permanence in Pernambuco, which emerged from authorities and local people, strengthened after the formation of the Junta de Goiana (August 1821), his government was sustained through dialogue with important political and economic groups in the locality, especially after the beginning of the constitutional movement in the Portuguese empire.

Keywords:
Luís do Rego Barreto; governor; Constitutionalism; Independence of Brazil.

A atuação dos governadores e capitães-mores tem destaque importante no debate historiográfico sobre a estrutura administrativa e política da América portuguesa. Esses homens, além de concentrarem uma gama de funções administrativas, foram responsáveis por coordenar as forças militares presentes nas capitanias e defender o território de ameaças externas e internas. Também foram agentes na comunicação e no conhecimento dos territórios que estavam sob sua supervisão direta. Os cargos, assim como os de vice-reis, eram dominados pelas casas e linhagens nobiliárquicas do reino. A escolha decorria da aceitação do indivíduo indicado, além de critérios sociais e mérito para cada território. Foram consideradas as qualidades dos requerentes, o estado de necessidade da capitania e a urgência na partida para o posto (Monteiro; Cunha, 2005MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CUNHA, Mafalda Soares. Governadores e capitães-mores do Império Atlântico português nos séculos XVII e XVIII. In: CUNHA, Mafalda Soares; MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro (org.). Optima pars: elites ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005. p. 190-252.; Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 185-451; Cunha, 2010CUNHA, Mafalda Soares. Redes sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das conquistas, 1580-1640. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). Na trama das redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 117-154., p. 117-154).

Entre os séculos XVII e XVIII, foi perceptível certa concorrência por esses postos. Aqueles bem-sucedidos na função poderiam requerer e conquistar honrarias, títulos e mercês. Mas para os que enfrentaram percalços na administração, como críticas de agentes reinóis e locais, denúncias de favorecimento a indivíduos, grupos e descaminhos, ou até mesmo o reconhecimento de certa inabilidade para a prática governativa, além de enfrentar o aparato administrativo e jurídico da coroa, foram relegados ao ostracismo momentâneo ou permanente (Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 185-451; Dias, 2017DIAS, Érika Simone de Almeida. “Dar a cada um o que é seu”: práticas administrativas em julgamento no Conselho Ultramarino, a punição do último governador setecentista de Pernambuco. In: BICALHO, Maria Fernanda; ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo; MELLO, Isabele de Matos Pereira (org.). Justiça no Brasil Colonial: agentes e práticas. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2017. p. 281-307., p. 281-309).

Trabalhos recentes apontam que entre as responsabilidades e funções dos governadores, eles operaram na intermediação da comunicação entre o reino e as localidades, havendo advertências explícitas para que não impedissem o diálogo entre o rei e seus vassalos. No período pombalino, foram os principais interlocutores da monarquia, tendo os ministros de Estado e os monarcas como os principais destinatários de seus ofícios. Por meio da intermediação, manifestada nos ofícios e cartas, mantiveram os órgãos da monarquia informados sobre questões de fazenda e justiça, ameaças externas, recrutamento, situação das fortalezas, indicação de patentes e mercês, revoltas e sedições (Raminelli et al., 2017RAMINELLI, Ronald et al. Governadores reinóis e ultramarinos. In: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno Gonçalo (org.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 299-334., p. 299-334).

Por estarem bastante imbricados nas relações políticas e econômicas nas capitanias onde atuaram, em várias ocasiões, aliaram-se às elites locais e tomaram partido em diversas querelas de caráter político e jurisdicional. Alguns trabalhos mostram que os governadores se juntaram a bandos e famílias para atuar contra outros funcionários régios que favoreciam outros grupos importantes nas localidades (Mello, 2015MELLO, Isabele de Matos Pereira. Magistrados a serviço do rei: os ouvidores e a administração da justiça na comarca do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2015., p. 87-90). Em algumas circunstâncias, as afinidades desenvolvidas foram tamanhas ao ponto de governadores defenderem famílias e funcionários régios, como magistrados, de acusações de concubinato, prevaricação, recebimento de propinas, contrabando e abuso de poder (Valim, 2018VALIM, Patrícia. Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na Conjuração Baiana de 1798. Salvador: Editora da UFBA, 2018., p. 120-125).

Para defenderem suas posições e negócios, recorreram à coroa para rever decisões importantes tomadas pelos órgãos da monarquia, como o Conselho Ultramarino, que foram de encontro aos interesses dos agentes e súditos das capitanias. Os capitães-mores da Paraíba empenharam-se em apelar ao rei para impedir que a capitania fosse reduzida à condição de anexa a Pernambuco, ação efetivada a partir de 1756 (Chaves Jr., 2021 CHAVES JR. José Inaldo. “Muy diminuta do que em sy he, muito menos importante do que todos conhecem”: capitanias, governos e elites locais no norte do Estado do Brasil (Pernambuco e Paraíba, 1730-1756). Temas Americanistas, [s. l.], v. 47, p. 249-278, 2021., p. 249-278). Em 1810, o governador da capitania de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, encaminhou à corte joanina uma extensa solicitação, requerendo a instalação de um Tribunal da Relação na vila do Recife, referendando petições do mesmo teor, encaminhadas pelas câmaras das vilas de Olinda, Recife, Sirinhaém e Igarassu, dirigidas desde o final do século XVIII (Silva, 2021SILVA, Jeffrey Aislan de Souza. O Tribunal da Relação de Pernambuco: conflitos, governança e atuação política dos magistrados (1798-1822). Tese (Doutorado em História) - Centro de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021., p. 93-105).

Entendendo a relevância dos governadores para a administração dos territórios no Império Português, o objetivo deste texto é analisar a atuação de Luís do Rego Barreto, que administrou Pernambuco entre julho de 1817 e outubro de 1821, assumindo o cargo de governador após o fim dos conflitos militares decorrentes da Revolução Pernambucana de 1817. Durante seu governo, o receio de levantes semelhantes aos iniciados em março de 1817 e os rumos políticos do Império Português, diante do crescimento dos movimentos constitucionais na Espanha, os processos de emancipação política na América espanhola e suas ressonâncias em Portugal e no Brasil, foram preocupações recorrentes, manifestadas em ofícios e outros documentos remetidos à coroa e aos pernambucanos. Analisaremos como o governador Luís do Rego Barreto, utilizando-se da força e do aparato militar, como também da negociação e da contemporização, conduziu a política e as questões sociais patentes, tentando empregar as práticas comuns de uma sociedade de Antigo Regime, mas valendo-se dos discursos e dos valores constitucionais que emergiram no debate público a partir da chegada da notícia da Revolução do Porto no Brasil, em 1820.

Pernambuco no governo joanino: mudanças administrativas e conflitos políticos

O início do século XIX foi conturbado em Pernambuco. Os conflitos políticos e militares vividos por Portugal (Pedreira; Costa, 2008PEDREIRA, Jorge; COSTA, Fernando Dores. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., p. 79-140) e a saída do governador d. Tomás José de Mello em 1798, acusado de favorecimentos ilícitos, contrabando e fraudes na Fazenda Real, impactaram na administração da capitania (Dias, 2017DIAS, Érika Simone de Almeida. “Dar a cada um o que é seu”: práticas administrativas em julgamento no Conselho Ultramarino, a punição do último governador setecentista de Pernambuco. In: BICALHO, Maria Fernanda; ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo; MELLO, Isabele de Matos Pereira (org.). Justiça no Brasil Colonial: agentes e práticas. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2017. p. 281-307., p. 281-309). Entre 1798 e 1804, o território foi administrado por uma junta formada pelo ouvidor da comarca de Pernambuco, o bispo José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho e o Intendente da Marinha Pedro Sheverim. Nesse período, as autoridades da província vivenciaram um evento que ficou conhecido como a Conspiração dos Suassuna, ocorrido em 1801 e tido por Guilherme Pereira das Neves como um “indício de inquietação social e intelectual na colônia” (Neves, 1999NEVES, Guilherme Pereira. A suposta conspiração de 1801 em Pernambuco: ideias ilustradas ou conflitos tradicionais? Revista Portuguesa de História, Coimbra, v. 33, n. 2, p. 439-481, 1999. Disponível em: Disponível em: https://digitalis.uc.pt/pt-pt/artigo/suposta_conspira%C3%A7%C3%A3o_de_1801_em_pernambuco_id%C3%A9ias_ilustradas_ou_conflitos_tradicionais . Acesso em: 25 de jan. 2022.
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, p. 439-481).

Na noite de 21 de maio de 1801, os proprietários do Engenho Suassuna, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque e Luiz Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, foram presos e levados para a vila do Recife. Pesava sobre eles a acusação de compactuar e disseminar ideias revolucionárias, contidas em duas cartas, redigidas pelo irmão José Francisco de Paula Cavalcanti, que estava em Lisboa. A denúncia feita à Junta de Governo alegava que Francisco de Paula Cavalcanti havia realizado a leitura das duas cartas que apresentavam esses conteúdos. As autoridades instauraram uma devassa conduzida pelo juiz de fora de Olinda e Recife, encerrada em 15 de junho de 1801. Por decisão do príncipe d. João, os irmãos foram soltos em dezembro para se justificarem do crime em liberdade. Em 25 de janeiro de 1802, um parecer expedido pela administração régia alegou que as acusações não puderam ser verificadas e, pela clemência do príncipe, os irmãos deveriam ser libertados e os bens sequestrados, devolvidos. Mas o parecer ainda recomendava vigilância sobre o comportamento dos denunciados (Cadena, 2013CADENA, Paulo Henrique Fontes. “Ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado”: trajetórias políticas dos Cavalcanti de Albuquerque (Pernambuco, 1801-1844). Recife: Editora da UFPE , 2013., p. 46-61).

Em maio de 1804, chegou a Pernambuco, o novo governador nomeado pela coroa portuguesa, Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Experiente na administração ultramarina, exerceu as funções de Intendente do Ouro (1791) e a administração da capitania do Mato Grosso entre 1796 e 1802. A administração de Miranda Montenegro em Pernambuco foi caracterizada por medidas “repressivas e contundentes” contra os escravizados e libertos, atuando para impedir manifestações públicas de religiosidade, proibindo eleições de reis e rainhas e limitando a hierarquia estabelecida por algumas irmandades negras importantes da capitania. Também estabeleceu preocupação com as revoltas de escravizados da Bahia, ocorridas no início do século XIX e seus possíveis ecos em Pernambuco, especialmente após os escravizados que residiam na comarca das Alagoas levantarem-se em sedição (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018.).

Uma mudança de eixo significativo em termos políticos e administrativos para as capitanias da América portuguesa foi instituída a partir de 1808, com a vinda da Família Real para o Brasil. O principal alvo dessas alterações foi a cidade do Rio de Janeiro, que passou por uma série de mudanças, inclusive de caráter urbanístico (Dias, 1972DIAS, Maria Odila Leite Silva. A interiorização da metrópole. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: Dimensões. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. p. 160-184.; Malerba, 2000MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.; Schultz, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes Tropical: império, monarquia e corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.; Carvalho, 2018CARVALHO, Marieta Pinheiro de. Os sentidos da administração: oficiais e ação política no Rio de Janeiro (1808-1821). Jundiaí: Paco Editorial, 2018.). Como aponta Maria de Fátima Gouvêa, a criação de instituições como a Intendência de Polícia, a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, o Desembargo do Paço, a Mesa de Consciência e Ordens e a elevação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro à condição de Casa de Suplicação do Brasil, entre diversas outras, estruturaram “uma rede de órgãos” vinculados à coroa e necessários para a sobrevivência do Império Português. O interesse era de equipar a nova corte com as “jurisdições e as instituições necessárias” para o cumprimento da governabilidade, o que produziu uma mudança significativa no perfil das atividades administrativas e governativas exercidas pelas instituições e pela monarquia (Gouvêa, 2005GOUVÊA, Maria de Fátima. As bases institucionais da construção da unidade. Dos poderes do Rio de Janeiro joanino: administração e governabilidade no império luso-brasileiro. In: JANCSÓ, Istvan (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005. p. 707-752., p. 714-716).

Essa mudança de perfil foi responsável por novas articulações entre o centro do poder, agora situado na América portuguesa, e as demais capitanias. Segundo Arno Wehling, a corte joanina instituiu uma política de “adensamento e interiorização da justiça”, na intenção de “ampliar a presença do Estado no Brasil”. O autor destaca que a instituição de cargos de juízes de fora e a criação de novas comarcas foi importante para eliminar, ou ao menos diminuir “a parcialidade e precariedade da administração da justiça”, visto que essas medidas provocaram alteração na correlação de forças entre os agentes régios e os interesses locais. Essas ações promoveram o adensamento da máquina institucional, acentuando a aliança da monarquia e sua estrutura “Ancien Régime” com as elites locais. Wehling também destaca a criação de várias vilas durante o período joanino. A partir da instituição de vilas, membros da localidade ascenderam a postos importantes na municipalidade, o que promovia prestígio e distinção social aos grupos locais (Wehling, 2019WEHLING, Arno. A aclamação de D. João VI - o rei e o reino. Reconfigurar a corte / (Re)construir o Estado: o horizonte de expectativas no Brasil do Reino Unido. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 479, p. 13-48, jan./abr. 2019. Disponível em: Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Tl7-i38t5qsQaa1QnlfUR-28fVynCm99/view . Acesso em: 20 jan. 2022.
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, p. 13-48).

Analisando as mudanças joaninas instituídas na Bahia, Maria Aparecida de Sousa e Argemiro Ribeiro Filho argumentam que a política do príncipe para a capitania foi de atender os anseios das elites locais em busca de cargos e na manutenção da ordem. Membros de famílias importantes e graduados em Coimbra foram absorvidos em cargos de juízes de fora, mantendo assentos no senado da câmara de Salvador e ocupando postos importantes no interior. A ampliação da possibilidade de estabilidade política, ocasionada pela concessão de títulos e indicação de cargos, expandindo a autoridade local, era utilizado pelo regente para manter o jogo de articulações que contemplaria interesses da própria corte (Souza; Souza Filho, 2010SOUSA, Maria Aparecida; SOUZA FILHO, Argemiro Ribeiro. A Bahia na crise do Antigo Regime: aprendizado político, conflitos e mediações, 1808-1823. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; BITTENCOURT, Vera Lúcia Nagib; COSTA, Wilma Peres (org.). Soberania e conflito: configurações do Estado Nacional do Brasil do Século XIX. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 239-286., p. 256-260).

Através da política e diálogo promovidos por Caetano Pinto de Miranda Montenegro, tratado pelo regente em várias correspondências como “amigo”, a capitania de Pernambuco passou por um significativo adensamento da malha administrativa e jurídica. Argumentando a necessidade de melhorias na administração da justiça e fazenda, o governador solicitou a divisão da comarca de Pernambuco sucessivas vezes. Conseguiu autorização para criar a comarca do Sertão (1810), a comarca de Olinda e do Recife (1815). Nove novas vilas também foram criadas durante sua permanência em Pernambuco (Silva, 2021SILVA, Jeffrey Aislan de Souza. O Tribunal da Relação de Pernambuco: conflitos, governança e atuação política dos magistrados (1798-1822). Tese (Doutorado em História) - Centro de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021., p. 79-122). Essa atuação ampliou a possibilidade de inserção das elites locais na estrutura burocrática do império, atuando em cargos nas comarcas e vilas. Contudo, seu desempenho não o inibiu de críticas, especialmente voltadas para organização militar do território (Leite, 1988LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1817: estrutura e comportamentos sociais. Recife: Massangana, 1988., p. 151-174; Silva, 2018, p. 99).

No aspecto econômico, surgiram várias insatisfações com a política de novos impostos criados pela corte. Para sustentar a família real e a estrutura burocrática do império instituída no Rio de Janeiro, tributos foram cobrados sobre vendas e arrematação de bens de raiz, propriedades, cativos, arrobas de algodão, além de uma alta carga sobre gêneros de consumo, como a carne verde e a aguardente. Afora esses impostos que incidiram diretamente na população, havia a necessidade de um envio mensal de recursos para o erário régio, acrescidos dos custos das intervenções da política externa joanina, com ações na Banda Oriental e na Guiana. Mas as rendas da capitania de Pernambuco ficaram bastante debilitadas devido à seca de 1814-1817 e o fim do conflito entre Inglaterra e os Estados Unidos (1812-1815), enfraquecendo as fontes essencialmente agrárias de abastecimento e exportação da região, produzindo uma significativa queda nas exportações de algodão (Leite, 1988LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1817: estrutura e comportamentos sociais. Recife: Massangana, 1988.; Villalta, 2003VILLALTA, Luiz Carlos. Pernambuco, 1817, encruzilhada de desencontros do Império luso-brasileiro: notas sobre as ideias de pátria, país e nação. Revista USP, São Paulo, n. 58, p. 58-91, jun./ago. 2003. DOI:https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i58p58-91. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33850 . Acesso em: 15 jan. 2022.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
; Silva, 2005SILVA, Luiz Geraldo. 'Pernambucanos, sois portugueses!' Natureza e modelos políticos das revoluções de 1817 e 1824. Revista Almanack Braziliense , São Paulo, v. 1, p. 67-79, maio 2005. Disponível em: Disponível em: https://revistas.usp.br/alb/article/view/11605 . Acesso em: 25 jan. 2022.
https://revistas.usp.br/alb/article/view...
; Bernardes, 2011BERNARDES, Denis. 1817. In: DANTAS, Mônica Duarte (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres, pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011. p. 69-96.).

Análogo a esse contexto socioeconômico, emergiram ambientes de sociabilidade, cultura e formação, abrindo novos espaços e condições para a vida política em Pernambuco, como o Seminário de Olinda. Segundo Denis Bernardes, havia certa sede de saber entre os grupos políticos da capitania (Bernardes, 2006BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco,1820-1822. São Paulo: Fapesp; Recife: Editora da UFPE, 2006., p. 121-151). É nesse contexto de aprendizado político e insatisfações econômicas e tributárias que, em março de 1817, irrompe a Revolução Pernambucana, estabelecendo um dos maiores exemplos de contestação ao poder régio do Império Português.

Iniciado em 6 de março de 1817, o movimento, embora tenha alcançado significativo apoio popular, não durou muito. Para Marcus Carvalho, a vitória militar contra 1817 “foi rápida demais para se poder dizer que o movimento tinha o apoio maciço dos proprietários rurais” (Carvalho, 2009CARVALHO, Marcus. Movimentos sociais: Pernambuco, 1831-1848. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Império. v. II -1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 121-183., p. 124). Carlos Guilherme Mota argumentou que a contrarrevolução foi estimulada pelos comerciantes, mas contribuíram também militares e o clero de freguesias da zona da mata norte, sul e do Recife (Mota, 1972MOTA, Carlos Guilherme. Nordeste 1817: estruturas e argumentos. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1972., p. 168-169). Segundo Evaldo Cabral de Mello, houve grande inabilidade dos revolucionários em conseguir cooptar a população da mata sul, que seguiu o exemplo da comarca das Alagoas, “onde a contrarrevolução começou em pouco tempo”, formando as guerrilhas realistas que marcharam para o Recife (Mello, 2014MELLO, Evaldo Cabral. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2014., p. 55-56).

No dia 20 de maio de 1817, a bandeira portuguesa já tremulava novamente por algumas fortalezas do Recife. Mas o impacto promovido pela ação dos pernambucanos foi bastante significativo. Além de levantarem-se contra a coroa portuguesa, unindo clérigos, comerciantes, magistrados, militares e diversas outras autoridades locais, construíram um projeto de Lei Orgânica, pautado em valores constitucionais e manifestaram interesse em estabelecer uma constituição. O exemplo de sedição apresentado pelos pernambucanos, aliado às capitanias da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, fora expressivo, e para tanto, a coroa estabeleceu um forte aparato de investigação, punição e repressão aos líderes e envolvidos na Revolução. Até clérigos chegaram a ser executados pelas forças militares da coroa. Foi diante desse contexto pautado pela forte repressão das forças militares estabelecidas em Pernambuco que o governador Luís do Rego Barreto foi enviado para governar a capitania.

Enviado para submeter Pernambuco: Luís do Rego Barreto entre o uso da força militar e a contemporização

Após a retomada das forças portuguesas em Pernambuco, o governador em exercício, Rodrigo José Ferreira Lobo, encaminhou alguns dos principais líderes da Revolução para a Bahia, entre eles estavam Domingos José Martins e José Luiz de Mendonça. Em Salvador, foram rapidamente julgados e condenados à morte por uma Comissão Militar conduzida pelo governador da Bahia Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos (Martins, 1853MARTINS, Joaquim Dias. Mártires pernambucanos vítimas da liberdade nas duas revoluções ensaiadas em 1710 e 1817. Recife: Tipografia de F. C. de Lemos Silva, 1853., p. 153). Em Recife, o viajante francês Tollenare, testemunha da Revolução, apontou que a retomada das forças portuguesas se revelou pelo “hábito de fazer justiça com as próprias mãos”. Tollenare expressou certa inquietação pela chegada do governador nomeado pela coroa, esperado para pacificar e aquietar os ânimos e o clima de revanche que corria pelas ruas da vila (Tollenare, 1905TOLLENARE, Louis. Notas dominicais 1816, 1817, 1818. Recife: Empresa do Jornal do Recife, 1905., p. 216).

A espera encerrou-se em 29 de junho de 1817, quando Luís do Rego Barreto desembarcou no porto do Recife. Enviado, como afirma Pereira da Costa, para submeter Pernambuco “a sua devida sujeição”, era um militar experiente, tendo lutado nas guerras portuguesas no início do século XIX, além de ser considerado um homem honrado e de confiança pelo rei (Costa, 1906COSTA, Pereira. Luís do Rego Barreto - Governadores e Capitães Generais de Pernambuco (1654-1821). Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, v. XII, n. 68, p. 441-442, jun. 1906., p. 441-442). Tomou posse do cargo em 1º de julho de 1817, estabelecendo uma Comissão Militar, semelhante à criada na Bahia, para julgar os demais envolvidos na Revolução que ficaram em Pernambuco, como Domingos Theotônio Jorge e o padre Pedro de Souza Tenório, ambos executados e mutilados exemplarmente. Além desses homens, vários outros indivíduos foram submetidos a diversos castigos físicos e suplícios (Tavares, 2017TAVARES, Muniz. História da Revolução Pernambucana de 1817. Recife: CEPE, 2017., p. 403-431; César, 2018CÉSAR, Tiago da Silva. Violência, medo e práticas punitivas em Pernambuco (1817-1818). In: VENDRAME, Maíra Inês; MAUCH, Cláudia; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt (org.). Crime e justiça: reflexões, fontes e possibilidades de pesquisa. São Leopoldo: Oikos: Editora Unisinos, 2018. p. 329-351., p. 329-351).

Em um bando endereçado aos pernambucanos, argumentou que o monarca havia autorizado a formação de uma “forte divisão militar” para o terror e destruição dos maldosos, assim como para estabelecer segurança e tranquilidade aos vassalos do rei (Barreto, 1817. In: Rosa; Cavalcante, 2018ROSA, Hildo Leal; CAVALCANTE, Débora. Memorial do dia seguinte: a revolução de 1817 em documentos da época. Recife: Arquivo Público de Pernambuco: CEPE, 2018., p. 476-479). Mas, em 7 de outubro de 1817, viu seus esforços e poder de conduzir a contrarrevolução fortemente diminuídos pelo estabelecimento de um Tribunal de Alçada - um tribunal formado por desembargadores advindos do Rio de Janeiro, que deveriam se estabelecer em Pernambuco para investigar e apontar os planos, participantes e líderes responsáveis pelo movimento. A Alçada foi presidida pelo desembargador do Paço Bernardo Teixeira Coutinho Álvares de Carvalho, assessorado pelos desembargadores da Casa de Suplicação do Brasil Antonio José de Miranda, João Osório de Castro Souza Falcão e José Caetano Pereira Paiva (Documentos Históricos, Revolução de 1817, v. CIIDocumentos Históricos, Revolução de 1817, v. CII., p. 14-15).

Pouco tempo depois do início das investigações conduzidas pelos desembargadores, começaram a surgir os atritos com o governador Luís do Rego Barreto. Para o desembargador Osório de Castro Souza Falcão, as origens do pensamento dissidente em Pernambuco eram antigas, os planos para a rebelião começaram a ser gestados ainda em 1812Ofício de Luís do Rego Barreto. Recife, 14 de abril de 1818. Revista do IHGB, v. 299, abril-junho de 1973. e as ideias revolucionárias já circulavam em Pernambuco desde 1801, devido aos irmãos Cavalcanti, que foram inclusive participantes da Revolução de 1817. No rol dos culpados e dissidentes, estavam incluídos médicos da vila de Goiana, situada ao norte de Pernambuco, padres e vigários ligados às lojas maçônicas (Souza Falcão, 2 de março de 1818, Revista do IHGB Ofício de João Ozório de Castro Falcão. Recife, 2 de março de 1818. Revista do IHGB, v. 299, abril-junho de 1973. , p. 305; Souza Falcão, 17 de março de 1818, Revista do IHGBOfício de João Ozório de Castro Falcão. Recife, 17 de março de 1818. Revista do IHGB, v. 299, abril-junho de 1973., p. 298).

Enquanto a argumentação do magistrado fincava os planos e propósitos da Revolução em um contexto conspiratório de longa data, apresentando a necessidade de investigações mais precisas e alongadas, para Luís do Rego Barreto, o que houve em Pernambuco “foi obra unicamente de uns poucos homens, metade sem moral de qualidade alguma e outra metade de costumes corretos, exatos, entusiastas e suscetíveis de beberem as doutrinas falsas que lhe ministraram os outros”. Também culpou a administração de Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Para ele, o que houve em Pernambuco foi fruto da “impunidade e relaxação” do governo anterior. Em sua conclusão sobre os eventos que decorreram na Revolução, “não houvera plano, havia só atrevimento, e liberdade de falar” (Barreto, 23 de abril de 1818, Revista do IHGBOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 23 de abril de 1818. Revista do IHGB, v. 299, abril-junho de 1973., p. 270-273).

Antes dessa posição, para defender um aliado de acusações efetuadas pelos desembargadores, argumentou que os magistrados da Alçada não poderiam conhecer a capitania, a índole e o caráter das pessoas melhor do que ele, e que “se chamar crime as ações forçadas d’estes habitantes, não haverá inocentes, pois todos aqueles de quem os rebeldes exigiram serviços os fizeram” (Barreto, 2 de fevereiro de 1818, Revista do IHGBOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 2 de fevereiro de 1818. Revista do IHGB, tomo XXIX, Primeiro Trimestre de 1866., p. 304-306). As animosidades entre o governador e os desembargadores perdurou até a partida definitiva dos magistrados para a Bahia, em 2 de outubro de 1818, onde continuaram as investigações e acareações, com um número significativo de presos que já estavam nos cárceres baianos e outros “90 e tantos presos” que partiram com a Alçada (Barreto, 12 de outubro de 1818, Revista do IHGBOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 12 de outubro de 1818. Revista do IHGB, tomo XXX, 1867., p. 109-113). Muniz Tavares afirmou que “foi um dia de prazer e de amargura”, já que eram quatro algozes a menos que desapareciam de Pernambuco, mas levavam consigo objetos muito preciosos (Tavares, 2017TAVARES, Muniz. História da Revolução Pernambucana de 1817. Recife: CEPE, 2017., p. 435).

Após a saída dos desembargadores, coube ao governador pacificar e administrar o território. Contudo, a possibilidade de eventos semelhantes à Revolução estava sempre à espreita. Para reforçar seu poderio, atuou para aumentar a força militar nas regiões litorâneas, mas argumentou que o sertão era uma anarquia “entregue a capitães-mores e juízes ordinários” que pouca gente respeitava (Barreto, janeiro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, janeiro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 89-90). Um episódio nos ajuda a entender a preocupação que o governador desenvolveu em relação ao controle da população.

Em 16 de fevereiro de 1819, informou que um oficial de polícia, ao passar por um povoado pouco distante da vila do Recife, solicitou um cavalo de mula, mas o “povo levantou-se contra ele”. Tanto o oficial quanto os que o acompanhavam quase foram assassinados. Na mesma localidade, o novo ouvidor da comarca do Recife, Antero José da Maia, ao passar em correição, “precisando de testemunhas, ninguém lhe obedeceu”. O tenente-coronel da terceira brigada também não viu nenhum homem naquela povoação disposto a auxiliá-lo. Estas atitudes o “fizeram persuadir que era preciso um exemplo aparatoso”. Cercou o povoado e os conduziu para o Recife “debaixo de prisão para os intimidar”. Afirmou que não houve nenhum ferido, as casas ficaram guardadas e quase todos voltaram no mesmo dia e na mesma ordem, depois que lhes fez advertências. A atitude era necessária, pois não era possível “governar grandes distâncias e a um povo selvagem, sem lhes fazer crer que os castigos podem ir longe e que não há outro remédio que obedecer às autoridades” (Barreto, 16 de fevereiro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 16 de fevereiro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 95-96). Para o governador, eram essas as pessoas que poderiam ser cooptadas nas rebeliões e contestações do poder estabelecido. Sua ação assumia caráter de correção, mostrando que não havia alternativa a não ser se subjugar ao seu prelado e às demais instituições de governo. A ação também assumia caráter de exemplo para outras regiões que pudessem desenvolver comportamentos de apatia perante sua autoridade.

A brutal repressão conduzida pelo governador assim que desembarcou em Pernambuco e o uso da força militar para submeter a população local à ordem imposta pela coroa portuguesa, como o exemplo citado acima, foram parte importante da administração de Luís do Rego Barreto. Esses elementos aparecem reforçados pela historiografia e pela memória construída sobre a Revolução de 1817 e o processo de independência em Pernambuco (Bernardes, 2006BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco,1820-1822. São Paulo: Fapesp; Recife: Editora da UFPE, 2006., p. 193-258; Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 151-171; Santos, 2018SANTOS, Lídia Rafaela Nascimento. Luminárias, músicas e “sentimentos patrióticos”: Festas e política no Recife (1817-1848). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018., p. 46-69). Como argumenta Maria Beatriz Nizza, Luís do Rego Barreto era “bem conhecido” pelos serviços no exército português. A “lenda negra” construída sobre ele teria origem no fato de ser um militar de carreira, que lutou junto ao exército inglês contra os franceses e pelo contingente de homens que trouxe para Pernambuco, “a fim de combater os revolucionários” (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 11). Mas como apontamos nos relatos e análises acima, sua conduta nos primeiros anos de governo em Pernambuco foi suficiente para reforçar esse entendimento, posto sobre sua pessoa.

Contudo, ressaltamos que, durante sua permanência no cargo, o governador soube utilizar-se das mesmas práticas dos governadores anteriores que passaram por Pernambuco, assim como os outros que ocuparam os mesmos postos nas demais capitanias da América portuguesa - a negociação política e, em muitos momentos, a contemporização. Embora tenha enfrentado resistência de grupos militares e civis ao longo de sua administração, manteve-se no cargo graças às alianças que conseguiu construir e sustentar.

Ainda em 16 de fevereiro de 1819, em ofício encaminhado ao ministro Tomás Antonio de Villanova Portugal, que se tornou seu principal diálogo na corte joanina, apontou “um quadro da [sua] vida” e como “encarregado do governo de um povo”. Tratava de acusações e críticas desferidas contra a sua pessoa e seu governo. Argumentou que embora os seus serviços tenham atraído a “graça de sua majestade”, também chamaram “as fúrias da inveja”. Estava cansado “de ouvir a série de impropérios, com que muitos indivíduos me tem querido denegrir” (Barreto, 16 de fevereiro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 16 de fevereiro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 100). Apresentou um resumo de seus feitos como militar e exibiu suas ações no governo de Pernambuco, apontando os fatos relevantes nas questões administrativas, especialmente nas obras civis e no sossego público. Destacou as melhorias nas pontes e nas estradas e afirmou que o Recife estava sossegado desde 1º de julho de 1817, quando assumiu. Mas sua maior preocupação estava ligada às acusações de arbitrariedade que lhe eram imputadas. Questionou qual seria a capitania

em que se tem cuidado em tantas e tão diversas coisas a um tempo e em que as vistas têm sido tão generalizadas como as minhas? Qual é o dano ou violência, qual o despotismo que tenho feito? Qual é o homem que tem perseguido em masmorras o meu arbítrio? E por uma vez, qual das minhas ações é oposta à lei ou o serviço de sua majestade, que são as únicas marcas que me podem constituir digno de nota. (Barreto, 16 de fevereiro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 16 de fevereiro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 100)

Para ele, não havia respostas para as perguntas, mas os seus inimigos poderiam “ajuntar o quanto tem inventado”. Era preciso que “saísse do esquecimento para calar a boca” de seus adversários. Como socorro, pedia ao ministro Tomás Antonio de Villanova Portugal que o defendesse, fosse seu juiz e seu protetor (Barreto, 16 de fevereiro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 16 de fevereiro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 100-105). Ainda naquele ano, em 28 de outubro, referiu-se a três opositores em particular, José Fernandes Gama, juiz da Alfândega do Algodão e procurador, e seus irmãos, Amaro Bernardo Gama e Pedro Américo Gama, ambos senhores de engenho. Argumentou que o primeiro é um “louco sem moral, que toda a vida tem vivido de intrigas e desordens” e que seus irmãos “em nada ou pouco” desmentem a família que tem (Barreto, 28 de outubro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 28 de outubro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 130).

Poucos meses depois, em 8 de abril de 1820, informou a Villanova Portugal que suspendeu José Fernandes Gama da Alfândega do Algodão, enviando-o para o Rio de Janeiro por denúncias de irregularidades em sua administração. A medida produziu “admiráveis efeitos” (Barreto, 8 de abril de 1820, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 8 de abril de 1820. Revista do IAHGP, v. LII, 1979, p. 136). Em 24 de maio de 1820, pediu ao ministro que Gama retornasse a Pernambuco, argumentando que não lhe compraz o desgosto que causa ao sofrimento alheio, mas sabia que o secretário tinha “iguais sentimentos a respeito deste homem”. Referiu-se a Gama como o “gênio da desordem” e que tinha “em seu poder” documentos que mostravam “os crimes públicos deste homem, que nem como vassalo, nem como empregado público vale coisa alguma” (Barreto, 24 de maio de 1820, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 24 de maio de 1820. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 146). Em 27 de junho, pediu novamente a soltura de Fernandes Gama (Barreto, 27 de junho de 1820, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 27 de junho de 1820. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 153).

José Fernandes Gama não era um personagem desconhecido na cena política de Pernambuco. Segundo Denis Bernardes, ele apareceu em vários processos administrativos na capitania, sendo inclusive opositor do bispo de Pernambuco, d. Azeredo Coutinho. O conflito entre ambos começou após o bispo tê-lo retirado de um dos cargos de professor na capitania. Gama chegou a reclamar do bispo perante o príncipe regente e tais intrigas ajudaram na sua retirada de Pernambuco (Bernardes, 2006BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco,1820-1822. São Paulo: Fapesp; Recife: Editora da UFPE, 2006., p. 45; 196).

Em uma sociedade pautada pela prática de requerimento e distribuição de mercês, era comum que os funcionários régios, como os governadores, apresentassem seus feitos durante e após o exercício de suas funções para requererem cargos de mais destaque, soldos maiores e rendimentos perdidos no exercício do cargo. Luís Diogo Lobo da Silva, que governou Pernambuco (1756-1763) e Minas Gerais (1763-1768), enviou petição à coroa, apresentando suas ações e feitos de destaque na administração das duas capitanias, com o propósito de reabilitar a honra de antepassados e de sua casa. Um sucessor de Lobo da Silva na capitania de Minas, Antonio de Noronha, após finalizada sua administração (1775-1780), enviou sucessivas petições apresentando seus feitos como governador, para requerer préstimos e postos militares melhores em Portugal (Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 327-402).

Outros governadores de capitanias também precisaram responder perante a administração sobre suas ações e denúncias de grupos e pessoas que se sentiram lesadas por suas práticas (Abril; Silva, 2020ABRIL, Victor Hugo; SILVA, Lídia Noronha. “Viva ao Rei Nosso Senhor e morram os traidores”: a deposição do governador Sebastião de Castro e Caldas e as convulsões sociais na capitania de Pernambuco (c.1707-c.1711). História Unicap, Recife, v. 7, n. 14, jul./dez. 2020. DOI:https://doi.org/10.25247/hu.2020.v7n14.p495-508. Disponível em: Disponível em: https://www1.unicap.br/ojs/index.php/historia/article/view/1705 . Acesso em: 1º abr. 2022.
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; Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 185-252). Mas Luís do Rego Barreto sentiu necessidade de apresentar os seus feitos no cargo após menos de dois anos de governo, para se defender das acusações que seus adversários apresentavam. Os irmãos Gama não agiam sozinhos na oposição ao governador. Como nos leva a entender, os que o difamaram e caluniaram eram muitos, ou seja, havia um grupo de homens de importância política e econômica contrários à sua permanência em Pernambuco e apresentavam suas ações, entendidas como despóticas, para retirá-lo do cargo.

Essa resistência ao seu governo nos leva a entender que sua permanência em Pernambuco só foi possível graças à habilidade de construir e conservar alianças com outros grupos importantes da localidade, como comerciantes, militares e demais agentes da política local, pois também houve posicionamentos favoráveis ao seu caráter e sua administração. No entanto, ao propor para o ministro Tomás Antonio de Villanova Portugal a soltura de José Fernandes Gama, assim como argumentar que não havia projeto antigo de Revolução em Pernambuco, o governador se utilizava de um elemento necessário para a prática governativa, a contemporização.

Como argumenta Laura de Mello e Souza, na prática administrativa da colônia, era importante “impor a ordem do Estado e contemporizar com as elites”, embora “sem lhes deixar soltar as asas” (Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 297-302). Aos funcionários da coroa, não seria suficiente afirmar os interesses do rei acima dos interesses locais, mas produzir, como argumenta Silvia Lara, um “rearranjo entre esses diversos poderes”, mantendo a negociação como prática (Lara, 2006LARA, Silvia. Senhores da régia jurisdição: o particular e o público na vila de S. Salvador dos Campos dos Goytacazes na segunda metade do século XVIII. In: LARA, Silvia; MENDONÇA, Joseli Nunes (org.). Direitos e Justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. p. 59-99., p. 59-99). Em muitos contextos, a contemporização dos governadores em relação às práticas de membros importantes da elite colonial, mesmo diante de críticas e acusações de “enriquecimento ilícito e desordens administrativas”, foi importante para a manutenção do poder régio, constituindo-se em uma prática que ajuda a explicar a sobrevivência do regime colonial (Valim, 2018VALIM, Patrícia. Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na Conjuração Baiana de 1798. Salvador: Editora da UFBA, 2018., p. 108-150; Alveal; Dias, 2020ALVEAL, Carmen; DIAS, Thiago Alves. Por uma história das Capitanias do Norte: questões conceituais e historiográficas sobre uma região colonial no Brasil. História Unicap, Recife, v. 7, n. 13, jan./jun. 2020. DOI:https://doi.org/10.25247/hu.2020.v7n13.p10-32. Disponível em: https://www1.unicap.br/ojs/index.php/historia/article/view/1704. Acesso em: 25 fev. de 2022.
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).

As ações realizadas pelo governador nos mostram que ele entendia que a prática governativa não poderia ser efetuada apenas seguindo o modelo repressivo, mesmo diante do quadro pós-revolucionário e da necessidade de estabelecer e fortificar os interesses régios. Se olhasse apenas por esse ângulo, impediria a construção de alianças extremamente necessárias para governar Pernambuco em um clima de pós-sedição. Para tanto, defender os pernambucanos, se posicionar a favor de aliados e propor a soltura e a volta de rivais foram elementos que mostraram para os demais que Luís do Rego Barreto estava disposto ao diálogo.

Mas suas preocupações sobre a manutenção da ordem e da estrutura política não estavam relacionadas apenas aos conflitos internos. Ainda em 1819, apresentou ao ministro Villanova Portugal suas preocupações sobre possíveis ações da coroa espanhola para reaver as ex-colônias americanas. Circularam informações de que o rei da Espanha, Fernando VII, estava organizando um grande exército para resistir às independências das colônias espanholas. Tendo em mente a complexidade das relações entre Portugal e Espanha desde o final do século XVIII, o governador entendia que o Brasil poderia ser alvo da esquadra espanhola. Para resistir à possível ameaça, apresentou um plano de defesa, no qual seria necessária a chamada de 30 mil homens, “tirados por todos os modos e maneiras”, reunidos num exército debaixo de um só comando (Barreto, 6 de setembro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 6 de setembro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 118-126).

Um dos elementos que mais chama atenção na exposição de seu plano de defesa da costa foi a sugestão de união do Brasil aos territórios recém-independentes da América espanhola. Argumentou que reconhecer o governo independente de Buenos Aires “e todas as províncias espanholas, cuja cooperação nos possa ser útil” seria importante para conseguir a necessária superioridade numérica (Barreto, 6 de setembro de 1819, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 6 de setembro de 1819. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 123). Desde o início de sua administração, Luís do Rego Barreto agiu para restabelecer e manter a estrutura de governo portuguesa, ainda pautada nas práticas políticas do Antigo Regime. Contudo, para sobreviver às investidas de um inimigo externo e manter a integridade do Império Português, valeria a pena se associar a indivíduos e territórios que estavam pondo em xeque a estrutura dos impérios coloniais.

Sua preocupação com os acontecimentos na Espanha não cessou. Em 1º de março de 1820, quando as notícias do restabelecimento do governo constitucional na Espanha começaram a chegar na América, Luís do Rego apresentou suas ressalvas em relação às ressonâncias que os eventos da Espanha poderiam ter em Portugal. Argumentou que não pensava que os rebeldes seriam os triunfantes, mas preocupava o fato de o governo espanhol não ter condições de “sufocar o incêndio com a necessária rapidez”. Via com preocupação a possibilidade do povo, “fascinado pelos facciosos”, atribuir os males, que provinham “de circunstâncias inevitáveis”, ao governo e ao rei. Preocupado como os portugueses receberiam os eventos espanhóis, pediu ao ministro Villanova Portugal e ao rei que olhassem para Portugal com cuidado, pois “este tempo é tempo de crises” (Barreto, 1º de março de 1820, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 1 de março de 1820. Revista do IAHGP. v. LII, 1979., p. 132-134). Embora estivesse disposto a se aliar às ex-colônias espanholas, temia a perda da estrutura política do Antigo Regime e o avanço das ideias e práticas constitucionais na Europa, pois sabia que o impacto sobre o Brasil seria significativo.

As informações que circulavam entre os portos deixavam o governador ciente do que ocorria na Europa e América. Os problemas externos e as ressonâncias que esses eventos poderiam desenvolver no Brasil já faziam parte das preocupações da coroa (Neves, 2011NEVES, Lúcia Bastos. O governo de d. João: tensões entre ideias liberais e as práticas do Antigo Regime. In: CARVALHO, José Murilo; CAMPOS, Adriana Pereira (org.). Perspectivas da Cidadania no Brasil Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 203-226., p. 203-208). Mas ao serem pensadas e articuladas por Luís do Rego Barreto, nos mostram, como argumenta João Paulo Pimenta, que todo o território era permeado por influências de outros Estados, circulação de pessoas, mercadorias, ideias e informações “conjugado com outras realidades do sistema mundial”, cujas ideias e inovações políticas adquiriram a capacidade de exercer influências sobre o mundo português (Pimenta, 2017PIMENTA, João Paulo. Tempo e espaço das Independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (1780-1830). São Paulo: Intermeios, 2017., p. 22-31).

As observações e temores do governador de Pernambuco sobre os efeitos das manifestações constitucionais espanholas em Portugal não eram infundadas. A circulação de informações pelo Atlântico pode tê-lo deixado ciente do sentimento de orfandade vivenciado por diversos setores e camadas sociais portuguesas. Poucos meses depois de suas queixas, iniciou o movimento constitucional português, na cidade do Porto (Pedreira; Costa, 2008PEDREIRA, Jorge; COSTA, Fernando Dores. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., p. 346-347; Alexandre, 1993ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1993., p. 452-465).

A notícia do movimento revolucionário português chegou ao Rio de Janeiro e a Pernambuco em outubro de 1820. Em 22 de outubro, Luís do Rego Barreto informou a Villanova Portugal que “a notícia do Porto já se transmitiu” em Recife. A novidade deixou a vila agitada, espalhando-se rapidamente. O governador estava de partida para o interior, para combater o Levante da Serra do Rodeador, movimento de resistência popular ocorrido na vila de Bonito, no interior, mas resolveu ficar no Recife para contornar possíveis levantes em solidariedade ao movimento português, buscando atentar-se ao progresso da opinião, que lhe servia “como barômetro” (Barreto, 22 de outubro de 1820, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 22 de outubro de 1820. Revista do IAHGP. v. LII, 1979., p. 169).

Após as notícias sobre o movimento constitucional português, o governador foi informado de uma conspiração nos quartéis com a intenção de assassiná-lo. A denúncia recai sobre o batalhão dos Algarves, formado em sua maioria por portugueses. Após descobertos os planos, ordenou a prisão dos principais envolvidos, causando grande onda de repressão em Pernambuco. No início de dezembro, a investigação concluiu que os conspiradores desejavam uma mudança no governo, configurando um atentado contra a sua pessoa e a autoridade do rei (Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 104-118). Em ofício de 22 de dezembro de 1820, informou a Villanova Portugal que as circunstâncias o fizeram prender novamente José Fernandes Gama “como suspeito” de participação na conspiração (Barreto, 22 de dezembro de 1820, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, 22 de dezembro de 1820. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., p. 179).

Gama, além de ter se comunicado com alguns dos militares, foi acusado de escrever uma carta apontando, novamente, as arbitrariedades de Luís do Rego. Toda a questão foi revisitada, devido a desentendimentos entre o guardião do convento de São Francisco e o seu provincial. A carta buscava maquinar contra sua vida e reputação, argumentava ser um déspota, “o diabo em figura de homem” e que a província vivia apavorada com o terror das suas leis. Para ele, Fernandes Gama era um traidor do rei, que “fomentava ideias de revolução para ver de novo Pernambuco em cinzas”, inventando uma “sedição nas tropas do meu comando” para concretizar “seu infame projeto” (Barreto, sem data definida, Revista do IAHGPOfício de Luís do Rego Barreto. Recife, sem data. Revista do IAHGP, v. LII, 1979. , p. 199-209; Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 108-110).

A chegada das notícias sobre a Revolução do Porto aumentou significativamente os problemas do governador. Antigos adversários, como José Fernandes Gama, realinharam-se para vê-lo fora de Pernambuco. Para além da tentativa de sedição militar que precisou enfrentar, sucedida após à repressão ao Levante da Serra do Rodeador, o governador precisou lidar com a atuação dos ouvidores das comarcas de Recife, Antero José da Maia e Silva, e de Olinda Venâncio Bernardino de Uchôa. Em missivas enviadas à corte, argumentou que ambos formavam “um grande obstáculo à unidade de sentimentos” que desejava fazer. O primeiro tinha “apaniguados” e pregava as mudanças “à lisbonense” para os pernambucanos, além de ser “advogado dos perturbadores da ordem e do sossego”. Já o segundo incitava as milícias a desobedecerem a suas ordens e clamava que suas medidas eram erradas e tirânicas. Solicitou ao ministro Villanova Portugal a rápida retirada dos magistrados da província (Barreto, 22 de dezembro de 1820Ofício de Luís do Rego Barreto. Recife, 22 de dezembro de 1820. Revista do IAHGP, v. LII, 1979., Revista do IAHGP, p. 178-185). Os ventos constitucionais, ao chegarem em Pernambuco, não só fortificaram os adversários do governador, como também fizeram aumentar o número de seus opositores.

Luís do Rego Barreto e a adesão ao movimento constitucional em Pernambuco: práticas de um constitucionalismo aliado aos interesses das elites da província

Enquanto Luís do Rego enfrentava a nova conjuntura política da província, no Rio de Janeiro, despontavam as reações da população sobre as notícias vindas de Portugal. De um lado, altos burocratas, ministros do rei e comerciantes de grosso trato da província. Do outro, varejistas e atacadistas fluminenses, proprietários de engenhos e fazendas do Recôncavo e de Campos dos Goytacazes. O primeiro grupo queria a permanência do monarca na Corte. Já os proprietários do Recôncavo ligaram-se ao vintismo e às Cortes de Lisboa para estabelecer novas práticas de mercado, recriar instituições e estruturas que os favorecessem. Os proprietários fluminenses se articularam junto aos oficiais das tropas de linha e milícias. Em 23 de fevereiro de 1821, reunidos no Largo do Rossio, os presentes exigiram o juramento à constituição que estava sendo redigida em Lisboa, a substituição dos ministros e a adesão da Constituição espanhola, enquanto a portuguesa não estivesse pronta (Oliveira, 1999OLIVEIRA, Cecília Helena Salles. Astúcia Liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista: EDUSF: ÍCONE, 1999., p. 61-108).

Segundo Lúcia Bastos Neves, aquele foi o início do movimento constitucional no Rio de Janeiro. O apaziguamento dos ânimos exaltados ficou a cargo do príncipe d. Pedro, que se comprometeu com as reivindicações dos presentes. No dia seguinte, no Teatro de São João, tendo autorização de d. João VI, o duque de Bragança jurou “por si e seu pai as Cortes a serem feitas em Lisboa”. Naquele momento, foram aprovadas as bases da Constituição portuguesa. Segundo Iara Schiavinatto, o evento teve significativa importância, pois possibilitou o surgimento do príncipe na cena política, resolvendo um impasse entre o povo e o rei, agindo com moderação, cautela e gestos calculados (Neves, 2003NEVES, Lúcia Maria Bastos. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência. Rio de Janeiro: Revan: FAPERJ, 2003., p. 245-250; Schiavinatto, 1999SCHIAVINATTO, Iara L. Franco. Pátria Coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Editora Unesp, 1999., p. 91-92).

A adesão das províncias do Pará e da Bahia às Cortes portuguesas, expressada em janeiro e fevereiro de 1821, instituindo juntas governativas e expulsando os governadores nomeados pelo rei, mostrou que as mudanças de caráter constitucional também eram almejadas nas outras partes do território. Para se manter no governo diante das mudanças em curso, o governador Luís Barreto reestruturou seu discurso e propôs mudanças na estrutura administrativa de Pernambuco. Em março de 1821, ainda sem saber dos eventos do Largo do Rossio e da adesão do Pará e Bahia ao vintismo, expediu proclamações aos pernambucanos, tentando renovar os vínculos com a população. Mas o discurso que Luís do Rego Barreto expôs estava pautado no caráter de continuidade com o regime político vigente.

O governador sabia da expansão dos ideais e pensamentos dissidentes que circulavam por cartas nas vilas, inclusive no sertão de Pernambuco (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 13), onde suas forças acabaram de debelar o Levante do Rodeador. Em 3 de março de 1821, pediu lealdade e adesão à figura do monarca, pois a fidelidade ao soberano e às leis eram “a constância na adversidade”. Sugeriu aos pernambucanos que descansassem, pois teriam novas instituições, mas recebidas das mãos do “soberano”. Enquanto elas não viessem, era necessário permanecer “obedientes às leis estabelecidas”, que os protegeriam, mas também castigariam aqueles que ousassem faltar aos seus deveres. Nos dias 29 e 31 de março, após saber da adesão ao constitucionalismo e do juramento às Bases da Constituição portuguesa no Rio de Janeiro, convocou autoridades para discutir o novo cenário político. Sabia que os pernambucanos queriam reformas e providências, embora, como argumentou a Villanova Portugal, os clamores não eram unânimes (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 14). Argumentou ter iguais desejos, mas as mudanças de governo deveriam ser expedidas pelo rei. Asseverou que os “novos governos” criados em Lisboa, Bahia e Pará deveriam acabar. Auxiliado por “magistrados inteligentes, e pelo Conselho de pessoas doutas” tentaria concluir sua missão, com desejos e boas intenções (AHU, Pernambuco, 29 de março de 1821, Documento 19218AHU. Avulsos de Pernambuco. 29 de março de 1821, Caixa 282, Documento 19218., f. 01-03).

Em Edital expedido em 31 de março de 1821, estabeleceu uma Comissão de Conselheiros para o auxiliarem “com seus pareceres, não só para o despacho ordinário, mas para as reformas, que forem compatíveis” à sua autoridade. Os indicados, todos voluntários, foram Luís Antonio Salazar Moscoso, o ouvidor da comarca do Recife Antero José da Maia, com quem Luís Antonio restabeleceu relações amigáveis, os comerciantes Joaquim José Mendes, Antonio da Silva Companhia e Manoel Zeferino dos Santos, além do dicionarista dr. Antonio Moraes e Silva (AHU, Pernambuco, 02 de abril de 1821, Documento 19220AHU. Avulsos de Pernambuco. 2 de abril de 1821, Caixa 282, Documento 19220., f. 08-12).

Ambas as proclamações estão permeadas pela necessidade de legitimar sua permanência no cargo. Como argumenta Silva, a experiência militar fez de Luís do Rego um legalista, o que o instruiu a manter a estrutura administrativa vigente em Pernambuco, até que chegaram as decisões da coroa (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 17). Mas as notícias de adesão do monarca às Cortes não vieram acompanhadas de instruções sobre como os governadores deveriam agir. Diante da falta de orientação da coroa e dos exemplos de retirada dos governadores do Pará e Bahia, Luís do Rego foi obrigado a tomar suas próprias providências. Observando o caráter de crescimento das ideias e debates constitucionais, precisou se adiantar à questão e manobrar alianças e o discurso para permanecer no cargo. Ao criar um conselho de governo, promovia certo caráter de modernidade política, pois, em tese, abriria espaço de participação para grupos alijados do poder. Diante da ânsia por reformas e novas instituições, entendeu que continuar governando como um capitão-general só atrairia animosidades e fortaleceria discursos e grupos contrários. Para amenizar esse cenário, decidiu imprimir certa aparência de mudança, que abria espaço para debate e diálogo sobre a política local. Uma solução que mostrava que estava atuando para minimizar vozes dissidentes e estabelecer novas práticas, mas sem transpor os limites de seu poder, pois ainda continuava como governador e comandante militar de Pernambuco.

Em 2 de abril de 1821, declarou-se pela grande causa das Cortes, que alegou abraçar “desde quando chegaram a estas regiões os ecos da liberdade portuguesa”. Para impedir uma mudança de governo semelhante às ocorridas no Pará e Bahia, chamou os “ministros, oficiais generais, membros do Estado Maior e comandante de tropas” para o diálogo, juntando as câmaras e a oficialidade de todas as classes, “homens beneméritos e entendidos nas coisas do governo, e necessidades da Nação”. Após ficar ciente dos eventos ocorridos na Bahia, alegou que questionou o conselho sobre a necessidade de um governo provisório, mas eles responderam que não era necessário. Alguns tentaram apontá-lo como traidor, criando tumultos para instituir uma junta provisória “composta pela facção descontente”. Como reação, juntou-se “com o ouvidor e demais pessoas cordatas”, concluindo que as ações não passavam de “frenesi do tempo”. No mais, embora a agitação buscasse reacender animosidade entre europeus e americanos, o povo permanecia tranquilo (AHU, Pernambuco, 02 de abril de 1821, Documento 19220AHU. Avulsos de Pernambuco. 2 de abril de 1821, Caixa 282, Documento 19220., f. 02-07).

A instituição de um Conselho de Governo e a moderação do discurso político foram importantes para Luís do Rego Barreto se adequar ao que era requerido por uma parte da população, alguns desses, seus adversários e críticos, mas sem reestruturar o governo da província. Introduzir novas formas e práticas administrativas seria a maneira mais viável de dialogar com seus adversários e manter-se no cargo, pois assim poderia angariar novos aliados, questão que provavelmente ocorreu. A mudança não foi baseada na sua aceitação aos “ecos da liberdade portuguesa”, como argumentou. A questão fora dada pela imposição das circunstâncias e necessidade de permanecer no cargo de governador em uma conjuntura hostil ao seu modo de compreender e vivenciar a política.

Isso não significa afirmar que não houve mudanças na forma de conduzir o governo em Pernambuco, mas compreender que as mudanças e adequações que propôs, mesmo relacionadas às experiências liberais e descentralizadoras, estavam pautadas em seus interesses e práticas políticas, ambas ligadas ao Antigo Regime. Estabelecer conselhos e receber pareceres era algo recorrente na prática de governo e administração do império, visto que várias instituições - Conselho Ultramarino, Mesa de Consciência e Ordens, Desembargo do Paço - tinham essa função. Em relação aos que formavam a “facção descontente”, os que queriam estabelecer uma junta de Governo na província, a união com autoridades locais foi importante para impedir que esses grupos tomassem posições políticas, ao menos naquele momento, mas não silenciou as vozes desses homens. Cartas que circulavam na província e enviadas ao rei o acusavam de ser o maior inimigo, de escravizar o povo pernambucano e clamavam a retirada do “homem indigno de governar” (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 18-19).

A capacidade de articulação e negociação política do governador, unindo autoridades civis e militares, acoplando também parte importante das elites econômicas da província, visto que no conselho havia comerciantes e senhores de terra, foi responsável pela forma como Pernambuco aderiu ao projeto vintista. Nas proclamações, a nova linguagem política exprimia legitimidade às mudanças que estava empreendendo e passava a impressão de que estava seguindo novos rumos na condução da política. Diante da sua disposição à negociação e ao diálogo com as elites locais, incluindo seus possíveis adversários, a província de Pernambuco aderiu ao constitucionalismo sem alterações bruscas na ordem, no governo e nas instituições.

Ainda naqueles primeiros meses de 1821, ocorreu a volta dos participantes da Revolução de 1817, presos nos cárceres da Bahia. O desembarque dos ex-revolucionários em 26 de maio de 1821 e as eleições para a escolha dos deputados que representariam Pernambuco nas Cortes portuguesas movimentaram a província. Segundo Luís do Rego Barreto, após o desembarque dos ex-revolucionários, houve um aumento da publicação de pasquins contra ele e o crescimento das queixas “contra [sua] suposta tirania” (Barreto, 1822BARRETO, Luís do Rego. Memória justificativa sobre a conduta do Marechal de Campo Luís do Rego Barreto. Lisboa: Tipografia de Desiderio Marques Leão, 1822., p. 110). Em ofícios enviados ao Rio de Janeiro e a Lisboa, informou que só havia tranquilidade em Pernambuco graças aos seus esforços, às custas de acusações de ser um déspota e alguém que queria o governo como propriedade, além de outras “mil calúnias” que circulavam em “papéis públicos”, feitas por “homens miseráveis” que almejavam a mudança de governo. A d. João VI, relatou que, graças à sua resistência em não instalar uma junta provisória, foi possível aplacar os ânimos e manter a calmaria. Sua permanência no cargo foi importante, pois podia ver “o público em sossego, contente [...] e a opinião enfim muito mais bem dirigida para abraçar as novas instituições” (AHU, Pernambuco, 16 de junho de 1821, Documento 19242AHU. Avulsos de Pernambuco. 16 de junho de 1821. Caixa 282, Documento 19242, , f. 02-06). Ainda reconheceu que o uso da força militar foi de extrema importância para a execução de seus mandos, especialmente no sertão, onde, segundo ele, havia clérigos e vigários que insuflavam a população contra suas ações e o rei (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 19-20).

Em 25 de junho de 1821, argumentou que os decretos expedidos pelo príncipe, autorizando a criação de uma junta no Rio de Janeiro, que serviria como um corpo legislativo, chegaram a Pernambuco. Buscando discutir a questão e tratar da necessidade de uma junta local, reuniu o conselho, os magistrados, os deputados eleitos, vereadores da câmara de Recife e os comandantes de corpos militares para representar Pernambuco nas Cortes de Lisboa. Solicitou um parecer sobre o que seria necessário para conservar a paz e deixar Pernambuco “livre das revoluções” e examinar a necessidade da criação de uma junta provincial, “composta de membros eleitos pelo povo”. Declarou que para todos os membros do conselho, a medida “não era legal, nem conveniente”. Informou ao rei que a decisão de não criar uma junta foi unânime (AHU, Pernambuco, 25 de junho de 1821, Documento 19251AHU. Avulsos de Pernambuco. 25 de junho de 1821, Caixa 282, Documento 19251., f. 01-03).

Luís do Rego argumentou que a instalação das juntas ocorreu “em terras onde os atuais foram opostos ao sistema constitucional”, o que não era o caso do governo de Pernambuco, visto que na província os povos foram chamados “ao caminho das novas instituições”. Para o governador, “de nenhuma forma se poderia entender” que as Cortes “autorizavam a anarquia”, ou deram “faculdade ao povo para eleger, e derrubar governos ao seu sabor”, pois “isto era contrário a todos os princípios de direito e sumariamente perigoso”. Ele deveria “continuar a governar como até aqui, consultando o [seu] conselho nos negócios mais árduos”, e os membros seriam aumentados de seis para nove, e determinando o juramento das bases da Constituição na província, como havia acontecido no Rio de Janeiro (AHU, Pernambuco, 25 de junho de 1821, Documento 19251AHU. Avulsos de Pernambuco. 25 de junho de 1821, Caixa 282, Documento 19251.; 19252AHU. Avulsos de Pernambuco. 25 de junho de 1821. Caixa 282, Documento 19252.; f. 01-03).

Ao referendar o posicionamento de crítica aos governos provisórios, atacava mais uma vez as juntas estabelecidas no Pará e principalmente na Bahia. A decisão de chamar o conselho para decidir sobre a possível criação de uma junta provincial reforçava, perante seus pares, sua abertura para o diálogo. Mas possivelmente exagerou ao argumentar que a decisão de não estabelecer uma junta foi unânime. Mais uma vez, sua capacidade de negociação o ajudou a se perpetuar em Pernambuco. Munido do diálogo com os setores mais conservadores da localidade, que temiam que uma mudança na estrutura política decorresse no radicalismo vivenciado em momentos anteriores, preferiram continuar com o arcabouço de governo vigente, mas alargaram o espaço de atuação, incluindo outros membros no conselho instituído pelo governador.

Em relação às suas críticas sobre a Junta de Governo da Bahia, em 16 de julho de 1821, argumentou correrem boatos de que os ex-revolucionários de 1817 foram enviados para derrubá-lo e “fazerem novas revoluções”, além de formarem uma junta. Para ele, as atitudes vindas da Bahia eram injustas, pois “desde sua instalação” aquela junta recebeu “claras provas da mais pura cordialidade” e não compreendia o porquê de buscarem influenciar “no sistema de uma província, que nada influiria nas suas mudanças”, e que, pelo contrário, mostrou-se muito afeiçoada e “tem abraçado a mesma causa” (AHU, Pernambuco, 16 de julho de 1821, Documento 19268AHU. Avulsos de Pernambuco. 16 de julho de 1821, Caixa 283, Documento 19268., p. 08).

A proclamação de 29 de março de 1821, na qual o governador louvou a aclamação das bases da Constituição, chegou à Bahia através do jornal Aurora Pernambucana, periódico criado pelo governador para expor suas proclamações ao público da província e dirigido por seus aliados. Seu posicionamento sobre a extinção das juntas provisórias não foi bem recebido pela imprensa baiana. Em edição de 3 de maio, o Semanário Cívico, de propriedade do negociante Joaquim José da Silva Maia, e ligado aos liberais e constitucionais baianos, transcreveu a proclamação expedida por Luís do Rego, incluindo significativos comentários.

Para o jornal, os governos provisórios só deveriam ser extintos após o rei realizar o juramento da Constituição em Portugal, perante os deputados, e após ela entrar em exercício. O juramento efetuado diante da câmara e o povo do Rio de Janeiro não representava a Nação porque os representantes de cada localidade não assistiram à reunião do Largo do Rossio. Ainda segundo o jornal, d. João VI jurara algo que ainda ignorava. O único crime cometido pelos governos provisórios instituídos foi “contra os olhos do despotismo, os olhos dos autores da nossa desgraça”. Mas, para os “verdadeiros portugueses”, foi cometido o “mais sublime heroísmo, e de mais exemplar virtude”. Ao final, recomendou ao governador “organizar um governo provisório proposto pela câmara, e aprovado pela tropa e povo”, assim seria estabelecida “a nova ordem das coisas”. Se a tropa e o povo “o nomearem para presidente”, o governador teria a confiança dos pernambucanos (Biblioteca Nacional, Semanário Cívico, nº 10, 3 de maio de 1821Documentos Históricos, Revolução de 1817, v. CII., p. 4).

O fato de Pernambuco ser uma província importante no império tornava as práticas do governador Luís do Rego Barreto visadas pelas demais localidades. Enquanto jornais baianos posicionaram-se contrários às suas manobras para permanecer no cargo, o jornal O Conciliador, do Maranhão, cujos redatores eram aliados ao governador Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca, “homem forjado no Antigo Regime”, como argumentou Marcelo Galves, publicou proclamações de Luís do Rego Barreto, posicionando-se favoráveis às suas ações (Galves, 2020GALVES, Marcelo Cheche. O Conciliador do Maranhão (1821-1823): um periódico no mundo ibero-americano. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 01-18, mai./ago. 2020. DOI:https://doi.org/10.15448/1980-864X.2020.2.34076. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/iberoamericana/article/view/34076. Acesso em: 28 fev. 2022.
https://doi.org/10.15448/1980-864X.2020....
. p. 9-15).

Ainda com a intenção de apaziguar os ânimos contra possíveis adversários, Luís do Rego tomou a decisão de devolver bens sequestrados, pagar soldos atrasados e readmitir ex-participantes da Revolução de 1817 em cargos militares, chegando a sustar a contribuição que Pernambuco encaminhava ao Rio de Janeiro para arcar com as novas despesas. A decisão, aliada aos membros da Junta da Fazenda, de restituir bens e cargos aos participantes de 1817, foi tomada a contragosto, mas como ele mesmo argumentou, impediria perturbações à “tranquilidade pública” (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 22). O governador percebia o escopo de seus adversários aumentar e tentava, mesmo que para isso tivesse que arcar com custos extras, minimizar os possíveis focos de conflito.

“O ânimo e a segurança do assassino”: o atentado contra Luís do Rego Barreto e a expressão das alianças em Pernambuco

Em 21 de julho de 1821, ao se dirigir do palácio do governo para sua residência, acompanhado de amigos, o governador foi atingido quase à queima-roupa por disparos na ponte da Boa Vista. Socorrido imediatamente por pessoas que passavam na localidade e conduzido até uma residência próxima, convalesceu por quase 15 dias. O atentado causou grande alvoroço na população (Barreto, 1822BARRETO, Luís do Rego. Memória justificativa sobre a conduta do Marechal de Campo Luís do Rego Barreto. Lisboa: Tipografia de Desiderio Marques Leão, 1822., p. 40-41). Poucos dias depois, e já apresentando significativos sinais de melhora, em 6 de agosto de 1821, escreveu ao monarca, exibindo sua versão dos fatos. Para ele, o atentado não “foi cometido por um só homem em vingança de ofensa particular” (AHU, Pernambuco, 6 de agosto de 1821, Documento 19277AHU. Avulsos de Pernambuco. 6 de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19277.).

Ainda paira um mistério sobre o atentado contra Luís do Rego. Segundo relatos, o atirador, após os disparos, se jogou no rio Capibaribe. Três dias depois, um corpo foi encontrado por pescadores no rio. Segundo Flávio Cabral, o cadáver foi posto no centro da vila para ser reconhecido pelos passantes. Quem o identificasse poderia receber uma recompensa de 1$000 ou a alforria, se fosse escravizado. Mas o corpo só foi identificado após Luís do Rego deixar Pernambuco. Tratava-se de João Souto Maior. Talvez por ironia do destino, tudo indica que João Souto Maior foi um participante de 1817 e principal apontado como autor dos disparos. Sua motivação até hoje é uma incógnita, mas para alguns, a ação foi mais por questões pessoais do que políticas (Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 143-146; Bernardes, 2006BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco,1820-1822. São Paulo: Fapesp; Recife: Editora da UFPE, 2006., p. 382-384; Mello, 2014MELLO, Evaldo Cabral. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2014., p. 68).

Na missiva encaminhada ao rei, seguiram anexos documentos que provariam a “justiça do [seu] procedimento” e o “não merecido mal” com que foi pago. Junto ao ofício, anexou proclamações nas quais constavam os nomes de membros de importantes grupos locais. As proclamações partiram do Consistório da Ordem 3ª do Carmo da vila do Recife, dos funcionários e detentores de cargos da Alfândega de Pernambuco, dos vereadores das vilas de Goiana e do Recife e de “todos os lojistas de todas as classes estabelecidas”. Todos os documentos louvavam o governador, suas práticas e sua resistência e felicitaram sua melhora. Para Luís do Rego, aqueles ofícios eram atos das “testemunhas da dor” (AHU, Pernambuco, 6 de agosto de 1821, Documento 19277AHU. Avulsos de Pernambuco. 6 de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19277., f. 07-29).

Alguns grupos ainda se posicionaram em separado. Em 1º de agosto, comerciantes da praça de Pernambuco enviaram a D. João VI uma missiva, assinada por 65 negociantes locais favoráveis ao governador. Entre os assinantes estavam alguns dos principais traficantes de africanos escravizados da província do início do século XIX. Para ambos, “uma turba de malvados inimigos da paz, ambiciosos de figurar como cabeças de revoltas cheias de ideias subversivas”, pretenderam “por todos os modos possíveis expelir daqui o nosso governador”, cuja administração era formada por homens honrados e “desta praça preferido a qualquer outro”. Concordavam com a atuação de Luís do Rego em instituir o conselho. Argumentaram que a instituição era composta por “homens de luzes e conhecida probidade”, que fornecia a estabilidade necessária, até determinarem as novas formas de governo. O rei veria que o governador era uma vítima das maldades e que seu “empenho em livrar a província das desordens da guerra civil o sacrificou”. Finalizaram afirmando que “seu governo foi e é da nossa escolha”, pois, além de ter contido “os facciosos”, conservou a paz (AHU, Pernambuco. 1º de agosto de 1821, Documento 19273AHU. Avulsos de Pernambuco. 1º de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19273.).

Os vereadores da câmara do Recife também se posicionaram sobre o atentado. Argumentaram ser impossível apontar o horror do ocorrido contra o general, caracterizado como o “libertador”. As pessoas e os bens estavam ameaçados “por uns facciosos”, “sem bens e probidade”, que pretendiam fazer-se “senhores e mandatários por interesses próprios, e com o fim de vingar ódios antigos”. Ainda afirmaram que “tudo quanto se há dito e escrito contra o governador” era “ato calunioso”, feito por “homens péssimos” e “talvez sócios dos autores do referido atentado”, que só querem macular o “caráter franco, leal e puramente constitucional” de Luís do Rego Barreto (AHU, Pernambuco, 1º de agosto de 1821, Documento 19275AHU. Avulsos de Pernambuco. 1º de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19275.).

Outra manifestação de apoio que também chamou a atenção partiu de 86 “chefes e oficiais das tropas de 1ª linha dos corpos que formam as guarnições” da província. Argumentaram que já temiam “os efeitos do ódio e indignação dos malvados”, cientes de que eram direcionadas ao governador. Havia um bando de homens “obscuros, imorais, sem luzes e sem bens da fortuna”, que tentaram, logo depois do dia 3 de março, “mudar a forma de governo”, que “subsistia por voto claro e escolha dos cidadãos honrados dessa praça”, mas “os caudilhos deste partido foram removidos”. Contudo, “vieram outros”, referindo-se aos ex-revolucionários de 1817. Eram homens “cheios de sentimento de independência”, declararam guerra ao governo, às tropas e aos europeus, pondo em prática todos os meios possíveis “para ascenderem Pernambuco o facho da Guerra Civil”. Não tinham objetivo de melhorar o governo, o intento era “governarem eles, excluírem todos que não fossem deste país, vingar-se dos europeus, de quem são inconciliáveis inimigos desde 1817”. As tropas foram tentadas, mas poucos deram ouvidos aos dissidentes. Também encontraram “a mais completa repulsa” no povo, pois os homens honrados condenavam toda inovação e a “opinião pública marcava certos indivíduos como veneno da sociedade” (AHU, Pernambuco, agosto de 1821, f. 01-04, Documento 19298AHU. Avulsos de Pernambuco. Agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19298., f. 01-02) (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 28).

Os ofícios mostram haver uma base econômica, política e militar favorável ao governador português. Esses homens formaram o alicerce das decisões tomadas por ele. Sua manutenção em Pernambuco referendou os interesses, assim como os projetos de futuro desses grupos. Não seria absurdo pensar que para uma parte das elites pernambucanas, mesmo após as experiências liberais ocorridas no território, a chegada do constitucionalismo e do liberalismo fosse considerada uma ameaça aos seus interesses, visto que muitos estavam atrelados às estruturas políticas e administrativas do Antigo Regime. O horizonte de expectativas aberto após o início do movimento constitucional poderia assustar esses homens, reorganizar as formas de comércio e o arcabouço político e militar, retirando concessões e privilégios, alguns deles estabelecidos desde o século XVIII. Para tanto, ter um governo que propunha mudanças brandas serviria mais ao propósito dessas elites. Os vereadores da câmara do Recife temiam as pessoas “sem bens e sem probidade” que almejavam concretizar-se senhores e mandatários. Ou seja, havia o receio de ver indivíduos alijados do poder, assim como membros das classes populares, tomando espaço na política e nas instituições e, a partir daí, agirem contra aqueles que antes e durante muito tempo, os subjugaram.

A capacidade dos governadores régios de formular alianças e permanecer no cargo não ocorreu apenas em Pernambuco. Outras localidades, como as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Maranhão, os governadores, manobrando alianças com grupos políticos, econômicos, militares, magistrados e até mesmo homens ligados a cargos eclesiásticos, conseguiram se manter nos cargos ou serem eleitos presidentes das juntas governativas postas nessas províncias (Medicci, 2013MEDICCI, Ana Paula. São Paulo en el movimiento de Independencia de Brasil (1820-1822). Revista Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates, 11 abril 2013. DOI: https://doi.org/10.4000/nuevomundo.65314. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/nuevomundo/65314 . Acesso em: 10 fev. 2022.
https://doi.org/10.4000/nuevomundo.65314...
; Silva, 2012SILVA, Ana Rosa Cloclet. Entre Cádiz, Lisboa e Minas Gerais: repercussões do constitucionalismo à luz do contexto social mineiro (1820-22). Revista de Historia Iberoamericana, Madrid, v. 5, n. 1, p. 34-55, jan./dez. 2012. Disponível em: Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7008214 . Acesso em: 25 jan. 2022.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
; Silva, 2013SILVA, Wlamir. Entre un diestro nauta y ciertos espíritus traviesos: la Independencia en la provincia de Minas Gerais (1821-1824). Revista Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates, 11 abril 2013. DOI: https://doi.org/10.4000/nuevomundo.65297. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/nuevomundo/65297 . Acesso em: 30 jan. 2022.
https://doi.org/10.4000/nuevomundo.65297...
; Galves, 2013GALVES, Marcelo Cheche. Sobre las luchas contra la Independencia en la América portuguesa: Los “portugueses” de la provincia de Maranhão. Revista Nuevo Mundo Mundos Nuevos. Debates, 11 abril 2013. DOI. https://doi.org/10.4000/nuevomundo.64759. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/nuevomundo/64759?lang=pt . Acesso em: 10 fev. 2022.
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). Na América Espanhola, alguns historiadores mostram que a criação das juntas, a partir de 1808, ocorreu pela falta de apoio das elites locais aos governadores reinóis. Em outros contextos, a união de criollos com representantes da monarquia - vice-reis, governadores, cabildos, magistrados e militares -, foi importante para impedir ou ao menos retardar a “eclosión juntera” (Chust, 2019CHUST, Manuel. Las Juntas em Hispanoamérica, 1808-1810. In: MORA, Enrique Ayala (org.). De Colonias a Estados Nacionales: independencias y descolonización en América y en mundo en los siglos XIX y XX. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Corregidor; Quito: Universidad Andina Simón Bolívar, 2019. p. 189-225.; Chust; Frasquet, 2013CHUST, Manuel; FRASQUET, Ivana. Tiempos de revolución: comprender las independencias ibero-americanas. España: Fundación MAPFRE: Taurus, 2013.; Chust; Frasquet, 2012CHUST, Manuel; FRASQUET, Ivana. La génesis de las Independencias. La complejidad de un proceso histórico de dimensiones universales. In: CHUST, Manuel; FRASQUET, Ivana. La Patria no se hizo sola. Las revoluciones de las independencias Iberoamericanas. España: Silex Ediciones, 2012. p. 17-67.; Ossa Santa Cruz, 2012OSSA SANTA CRUZ, Juan Luis. Revolución y constitucionalismo en Chile, 1808-1814. Revista de Historia Iberoamericana, Madrid, v. 5, n. 1, p. 111-139, jan./jul. 2012. Disponível em: Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7008217 . Acesso em: 25 de jan. 2022.
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).

Os exemplos apontados nos mostram que a relação entre os governadores com os militares e as elites locais foi fundamental para se manterem no cargo. Isso não significa que não foram instituídas práticas com caráter liberal e constitucional nos governos. Mas nos ajuda a entender que essas mudanças, ao serem pensadas e antes de serem instituídas, passariam pelo crivo daqueles que queriam manter seus privilégios e o caráter excludente da estrutura política e social do Antigo Regime, como ocorreu em Pernambuco, na relação entre Luís do Rego Barreto e as elites locais.

Críticas ao despotismo do governador: a formação da Junta de Goiana e a saída de Luís do Rego Barreto de Pernambuco

Segundo os favoráveis ao governador, mesmo na sua convalescença, a província estava em paz. Contudo, para grande parte da população do Recife e regiões próximas, não houve tranquilidade. Com a impossibilidade de Luís do Rego governar, a condução da província passou para o coronel José Joaquim Simões, comandante do batalhão dos Algarves. Simões foi responsável pela prisão de mais de 200 pessoas, acusadas de envolvimento no atentado contra Luís do Rego, deixando os cárceres lotados. Um conselho, referido pelo ouvidor Antero José da Maia como um “comitê de segurança pública”, foi instaurado com intenção de apurar os “possíveis” autores do ato. Foram presos 42 homens acusados de terem participação na trama, os quais, para o ouvidor, eram indivíduos “tidos geralmente por facciosos e perturbadores da ordem”. Segundo Flávio Cabral, as prisões ocorreram na calada da noite, por homens do batalhão dos Algarves, sem nenhuma categoria de defesa para os presos (AHU, Avulsos, Pernambuco, 31 de julho de 1821, Documento 19271AHU. Avulsos de Pernambuco. 21 de maio de 1821, Caixa 282, Documento 19232., f. 03; Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 146-147).

Em 11 de agosto, Luís do Rego escreveu novamente a d. João VI, tratando das investigações feitas para descobrir os culpados e envio dos suspeitos para Portugal, a fim de eles serem julgados. Segundo ele, a prisão dos homens foi requerida pelos chefes dos corpos armados e pelo ouvidor Antero José da Maia. Embora não pudesse afirmar que todos tinham ligação com o plano de seu assassinato, para ele, todos estavam ligados às desordens e eram partidários dos assassinos e da independência (AHU, Pernambuco. 11 de agosto de 1821, Documento 19281AHU. Avulsos de Pernambuco. 25 de junho de 1821. Caixa 282, Documento 19250., f. 02)

Foi nesse contexto de prisões arbitrárias realizadas pelas forças militares que algumas vozes contrárias ao governador se manifestaram. Em 22 de agosto de 1821, “o povo” da província dirigiu-se ao Soberano Congresso. Em documento contendo 130 assinaturas de serventuários, almotacés e escrivães de várias instituições - câmaras municipais, Junta da Fazenda Real, Alfândega do Recife -, e militares - capitães, alferes, cadetes de batalhões de milícias -, tratavam da “expatriação injusta” de muitos chefes de família, causada pelo “horror de calúnias e ensanguentadas denúncias”. Todos haviam sido entregues às arbitrariedades e violência de um governo anticonstitucional e opressor, que “folga na transgressão das leis”. Sentiam-se em situação de “orfandade e desgraça”, diante das “públicas calamidades e desastres”, graças à mão pesada de uma justiça severa. Argumentaram que José Joaquim Simões, coronel do 2º Batalhão, aproveitou-se das deliberações “de um governador atordoado e azedo”. Ambos procuraram “de todo modo prender os filhos e habitantes honrados desta vasta província”, e todas as ações tomadas para a “instalação de um governo provisório e liberal” apareceram como rebelião e traição. Em anexo, estava uma lista de 34 nomes de pessoas que eles almejavam ver fora de Pernambuco. Entre os citados, estava o tenente-coronel José Joaquim Simões, Rodrigo da Fonseca Magalhães, redator do Aurora Pernambucana, e mais alguns nomes de militares, clérigos, lojistas, caixeiros e comerciantes (AHU, Avulsos de Pernambuco. 22 de agosto de 1821, Documento 19289AHU. Avulsos de Pernambuco. 22 de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19289, f. 01-10).

É perceptível, tanto por parte dos aliados do governador, quanto daqueles que se posicionaram contrários às suas ações, os usos das palavras “constituição”, “anticonstitucional”, entre outros termos que foram comuns na linguagem política do período da independência. Segundo Koselleck, os acontecimentos e experiências não se limitam às suas articulações linguísticas, mas não existem mudanças e acontecimentos históricos sem mudanças de linguagem. Os usos dos conceitos passados podem nos dar uma ideia das “esperanças e anseios, angústias e sofrimentos dos contemporâneos de então” (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-RIO, 2006. , p. 267-268). Como apontou Javier Fernández Sebastián, os discursos eram parte essencial da ação política. Os conteúdos e vivências associados a eles foram múltiplos, pois os termos eram invocados de diversas formas pelos atores, e até de formas diferentes pelos mesmos indivíduos, “com significados e propósitos diversos”. Como consequência de complexos processos históricos, em torno de uma palavra existe “um feixe de experiências, expectativas e questões em disputa” (Sebastián, 2008SEBASTIÁN, Javier Fernández. Apresentação: algumas notas sobre história conceptual e sua aplicação no espaço ibero-americano. Revista Ler História, n. 55, p. 5-15, jul./dez. 2008., p. 5-15).

A solicitação do “povo” da província estava direcionada ao Soberano Congresso, não ao rei, diferente das missivas enviadas pelos favoráveis ao governador. É sintomático que a maioria das assinaturas seja de gente que desempenhava funções menos remuneradas e de caráter político menos significativo, quando comparados com os grupos que apoiavam Luís do Rego Barreto. Ainda argumentaram haver uma tentativa de manipulação da opinião pública para imputar-lhes as pechas de favoráveis à independência, contando com a atuação do redator do Aurora Pernambucana, Rodrigo da Fonseca Magalhães. Todas as tentativas de estabelecer uma junta de governo por esses dissidentes era interpretada dessa forma. A intenção era de opor grupos diversos, tanto das classes populares, quanto das mais abastadas, contra eles. Ainda expuseram que as investigações para descobrir os culpados pela tentativa de assassinato foram conduzidas sem “a justiça do procedimento” (AHU, Avulsos de Pernambuco. 22 de agosto de 1821, Documento 19289AHU. Avulsos de Pernambuco. 22 de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19289, f. 04).

A petição apresentada nos ajuda a pensar quais os interesses e visões expostas pelos grupos mais populares. Ao peticionar contra os chefes militares e os adeptos ao governador, talvez tivessem em mente que estabelecer uma nova forma de governo, como uma junta, abriria condições mais favoráveis de participação política. Esses homens ocupavam cargos importantes, mas com menos importância econômica e política do que os que se posicionaram favoráveis a Luís do Rego. Como argumenta Luciano Figueiredo, a presença de livres pobres, trabalhadores urbanos, agregados e até mesmo escravizados em ações de contestação do poder dos governadores e da coroa nem sempre significava participação e adesão das massas (Figueiredo, 2005FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.). Esses homens que assinaram a petição poderiam estar atuando sob pressão de grupos dominantes, senhores de terra, comerciantes e militares. De toda forma, a composição de assinaturas nos mostra que havia uma forte facção contrária a Luís do Rego Barreto na vila do Recife, e não só em Goiana ou no interior da província, espaços onde comumente a historiografia apresenta resistência à sua permanência em Pernambuco.

Enquanto o clima político tencionava cada vez mais na província, em Portugal, a deposição de Luís do Rego Barreto era articulada por grupos contrários a ele, especialmente os deputados pernambucanos nas Cortes. Em um parecer expedido pela Comissão de Constituição das Cortes, datado de 9 de agosto de 1821, os deputados apontaram que Luís do Rego Barreto tinha “conduta anticonstitucional já conhecida”, e indicaram a necessidade de “o remover logo do Governo de Pernambuco, e substituir por uma junta provisória” (Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, 9 de agosto de 1821Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, v. 3. Sessão de 9 de agosto de 1821, p. 1842., p. 1842; AHU, Pernambuco. 10 de agosto de 1821AHU. Avulsos de Pernambuco. 10 de agosto de 1821, Caixa 283, Documento 19281., f. 02). As intenções de retirada do governador foram efetivadas graças a dois documentos. Em 1º de setembro, um decreto expedido pelas Cortes expôs a forma de organização da Junta Provisória e Governo das Armas da Capitania de Pernambuco. No dia seguinte, 2 de setembro, um decreto do rei afirmava que as Cortes determinaram a organização de uma junta provisional na capitania, que não poderia ser embaraçada pelo governador, que após a entrega do governo a junta eleita, deveria se retirar para Lisboa ( Decreto de 1º de setembro de 1821Decreto de 1º de setembro de 1821. Rio de Janeiro - RJ. Imprensa Nacional, 1891. , p. 34-38; Jornal Segarrega, n. 01, sábado, 8 de dezembro de 1821 Jornal Segarrega, n. 01, sábado 8 de dezembro de 1821. , p. 2.)

Mas antes dessas decisões das Cortes chegarem a Pernambuco, alguns homens da zona da mata norte da província tomaram a iniciativa de instituir uma junta governativa na vila de Goiana em 29 de agosto, e exigiram a demissão imediata de Luís do Rego Barreto. O processo de negociação entre a junta instituída em Goiana e o governador, sediado em Recife, embora inicialmente pacífico, foi pautado por ameaças e conflitos, mediados por alguns homens, entre eles, os ouvidores que estavam atuando na província de Pernambuco, Antero José da Maia, Venâncio Bernardino de Uchôa e Tomás Antonio Maciel Monteiro. A junta instituída em Goiana foi o resultado das articulações entre egressos da Revolução de 1817, senhores de engenho da mata-norte da província, militares e plantadores, liderados por Francisco de Paula Gomes dos Santos, que viveu como advogado após perder quase todos os seus bens pela sua atuação em 1817 (Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 154-155; Carvalho, 1998CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 331-365, jan./jul. 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/39wbBbSCVXkXHpK9vKs9fYd/?lang=pt . Acesso em: 25 fev. 2022.
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).

Buscando aumentar o escopo de apoio, em 29 de agosto, a junta enviou mensagens para as câmaras do interior. No dia 30 de agosto, a junta enviou ofício a Luís do Rego, argumentando estarem agindo pela “regeneração da província”. Segundo Flávio Cabral, falavam de igual para igual com o governador, e ainda procuravam mostrar que o governo instituído em Recife era ilegal (Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 157). Após as notícias correrem por Recife, a atitude do governador, diferente do esperado, foi de moderação, mas causou intenso alvoroço, movimentando aliados e facções contrárias ao seu governo (Carvalho, 1998CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 331-365, jan./jul. 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/39wbBbSCVXkXHpK9vKs9fYd/?lang=pt . Acesso em: 25 fev. 2022.
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; Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 158). A formação Junta de Goiana foi um exemplo do que Luciano Figueiredo apontou como o “esgotamento dos meios de negociação” (Figueiredo, 2005FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.). Ao buscar o apoio de grupos políticos e facções no interior, a junta buscava mostrar que a insatisfação com as ações de Luís do Rego era ampla e compartilhada. Agregando mais câmaras, fortaleciam a legitimidade de suas reivindicações.

Mesmo sem considerar a escalada de tensão produzida pelos militares enquanto o governador se recuperava do atentado, as ações de Luís do Rego Barreto na condução da administração de Pernambuco, desde sua adesão ao vintismo, favoreceram apenas os seus aliados, que não se furtaram em defender e legitimar suas ações para garantir sua permanência em Pernambuco. A mobilização e o descontentamento dos Levantados de Goiana estavam associados às exigências dos grupos alijados do poder que não foram consideradas pelo governador e seus coligados. Pelo contrário, como afirmaram os serventuários e militares de baixa patente na missiva que tratamos acima, os posicionamentos contrários eram taxados de rebelião e favoráveis à independência. Ao buscar agregar grupos políticos de outras localidades e de diversos setores sociais, a Junta de Goiana também somava reivindicações e descontentamentos com a política desenvolvida por Luís do Rego. Para tanto, sua ação buscava estruturar a dinâmica governativa da província, retirando não só o governador do cargo, como também seus aliados dos postos e posições de privilégio que ocupavam.

Como resposta à ação dos Levantados de Goiana, Luís do Rego Barreto estabeleceu uma Junta de Governo em Recife, presidida por ele mesmo, e intitulada Conselho Constitucional Governativo (Atas do Conselho de Governo de Pernambuco, Sessão de 30 de agosto de 1821, p. 15; Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 29). Entre as primeiras ações do Conselho, escreveram para o rei e as Cortes e enviaram ofícios às províncias vizinhas e às câmaras das vilas, “convidando-os a reconhecerem este governo”. Para apresentar um caráter de moderação, em 1º de setembro de 1821, argumentaram que os magistrados e as câmaras poderiam se comunicar com a Junta de Goiana desde que o Conselho estivesse ciente das respostas (Atas do Conselho de Governo de Pernambuco, Sessões de 31 de agosto de 1821 e 1º de setembro de 1821, p. 15-16). Segundo os membros do próprio Conselho, eles foram eleitos por “povo e tropa”, na câmara da vila do Recife. Como primeira medida, espalharam proclamações para “instruir o povo nos seus deveres, aconselhando-os a obediência devida ao governo da capital”. Também solicitaram a todos “os comandantes de milícias do interior que unissem suas tropas com a menor violência possível”, além de explicar a situação da província e a razão do porquê deveriam obedecer “ao novo governo intitulado pelo povo” (AHU, Pernambuco, 3 de setembro de 1821, Documento 19305AHU. Avulsos de Pernambuco. 3 de setembro de 1821, Caixa 283, Documento 19305., f. 02), embora o povo não tenha participado do processo de escolha do Conselho presidido pelo governador.

O Conselho acusou a Junta de Goiana de manter presos oficiais europeus e o juiz de fora da vila. Argumentaram que procuraram “todos os meios de paz”, não enviando “armas contra essa gente, sem tentar uma conciliação”. Por serem respondidos com hostilidade, enviaram força armada, “não para fazer-lhes a guerra”, mas para forçá-los a reconhecer o governo instituído em Recife, que era o “mais legalmente eleito em nenhuma outra província do Brasil”. Pediram o envio de mais um corpo de tropas para Pernambuco, pois só assim poderiam “instituir a paz, que os mal-intencionados sob frívolos pretextos não cessam de perturbar” (AHU, Pernambuco, 3 de setembro de 1821, Documento 19305AHU. Avulsos de Pernambuco. 3 de setembro de 1821, Caixa 283, Documento 19305., f. 03-06).

Com o avanço do mês de setembro, a relação entre os dois governos não ficou mais amistosa, e os membros da Junta de Goiana foram tratados como rebeldes e acusados de armar escravizados e libertos para atacar o Recife, embora Luís do Rego estivesse tomando a mesma atitude. Os ânimos exaltados produziram conflitos armados entre os aliados dos dois grupos entre 21 de setembro e 1 de outubro, tanto em Olinda, quanto em Recife (Carvalho, 1998CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 331-365, jan./jul. 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/39wbBbSCVXkXHpK9vKs9fYd/?lang=pt . Acesso em: 25 fev. 2022.
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). Utilizando-se dos relatos da inglesa Maria Graham, Nizza da Silva aponta que o movimento de milícias foi intenso naqueles dias, e a população, assustada, juntava bens, pertences e os caminhava para a casa de comerciantes ingleses. As lojas fecharam e os comerciantes portugueses formaram uma milícia para se defenderem. Em 1º de outubro, o Conselho encaminhou à Junta de Goiana um documento propondo a retirada de Luís do Rego, para amenizar os conflitos, mas o documento não chegou a ter efeito (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 31).

A sucessão de conflitos e o cansaço haviam tomado o governador. Não foi a primeira vez que Luís do Rego demonstrou interesse em sair de Pernambuco. Em missivas encaminhadas à corte, que analisamos acima, nas quais se defendia de opositores, solicitou retorno a Portugal, argumentando cansaço, pouca saúde e necessidade de cuidar de negócios particulares. Mas como já havia apontado Nizza da Silva, sua postura legalista o fez continuar em seu posto, visto que não houve posição direta da coroa sobre o assunto.

Temendo a escalada de tensão, ambos iniciaram um diálogo em 5 de outubro, com representantes da Junta de Goiana e do Conselho na povoação do Beberibe, entre e Recife e Olinda. Decidiram que o governo da província seria dividido, ficando Recife sob administração do Conselho e o resto do território sob tutela da junta, enquanto não fosse eleita uma nova junta, seguindo as instruções vindas de Portugal. Marcus Carvalho argumenta que um dos procuradores dessa reunião foi o comerciante Gervásio Pires Ferreira, encaminhado a pedido do próprio governador português (Carvalho, 1998; Bernardes, 2006BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco,1820-1822. São Paulo: Fapesp; Recife: Editora da UFPE, 2006., p. 397).

Os ouvidores das comarcas do Sertão e do Recife também estiveram presentes nas reuniões e negociações ocorridas entre os dois governos desde o final de agosto, tendo sido “encarregados de propor medidas de pacificação”. O processo de negociação, mesmo mediado, perpassou por sucessivos momentos de tensão e movimentos políticos e militares entre os aliados de ambos os lados, como mostrado pela historiografia (Carvalho, 1998CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel. Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, p. 331-365, jan./jul. 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/39wbBbSCVXkXHpK9vKs9fYd/?lang=pt . Acesso em: 25 fev. 2022.
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; Bernardes, 2006BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco,1820-1822. São Paulo: Fapesp; Recife: Editora da UFPE, 2006.; Silva, 2008SILVA, Luiz Geraldo. Um projeto para a nação. Tensões e intenções políticas nas "Províncias do Norte" (1817-1824). Revista de História (USP), São Paulo, v. 158, p. 199-216, jan./jun. 2008. Disponível em https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/19079 . Acesso em: 28 jan. 2022.
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; Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013.; Mello, 2014MELLO, Evaldo Cabral. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2014.; Gonçalves, 2018GONÇALVES, Andréa Lisly. As “várias independências”: a contrarrevolução em Portugal e em Pernambuco e os conflitos antilusitanos no período do constitucionalismo (1821-1824). Clio (UFPE), Recife, v. 36, n. 1, p. 4-27, jan./jul. 2018. DOI: https://doi.org/10.22264/clio.issn2525-5649.2018.36.1.02. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/234637 . Acesso em: 28 jan. 2022.
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). Ambos os governos enviaram emissários a Lisboa, para legitimar os dois grupos, enquanto na província, mesmo após a convenção do Beberibe, senhores de engenho da mata sul resistiram e buscavam reunir aliados para desfazer o acordo firmado em 5 de outubro (Cabral, 2013CABRAL, Flávio Gomes. Conversas reservadas: vozes públicas, conflitos públicos e rebeliões em Pernambuco no tempo da independência do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013., p. 168).

Esse clima de instabilidade só diminuiu após a chegada dos decretos expedidos pelo rei e pelas Cortes ainda nos primeiros dias de setembro, que tratamos acima. Luís do Rego Barreto foi efetivamente destituído do cargo. Os encaminhamentos para a formação da primeira Junta Constitucional de Pernambuco foram concluídos no dia 26 de outubro, mesmo dia de seu embarque para Portugal. A Junta de Governo eleita foi composta pelo comerciante Gervásio Pires Ferreira, um participante de 1817, como presidente, o cônego Manuel Inácio de Carvalho, o tenente-coronel Antonio José Vitorino Borges da Fonseca, além de Felipe Neri Ferreira, Joaquim José Miranda e o comerciante e traficante de escravizados Bento José da Costa, iniciando um novo capítulo na história do processo de independência do Brasil na província.

Considerações finais

A historiografia do processo de independência em Pernambuco, não sem motivos, ressalta o caráter despótico do governo de Luís do Rego Barreto. Especialmente a repressão conduzida por ele após assumir o governo, contra os participantes da Revolução de 1817 e na negociação com a Junta de Goiana. Contudo, como mostramos, sua administração não se limitou ao uso da força militar. Ele precisava produzir deslocamentos e construir diálogos com os grupos políticos da província para se firmar e permanecer no cargo, inclusive para resistir aos seus adversários, esses, nem todos ex-revolucionários.

Ainda há aspectos do governo de Luís do Rego Barreto que precisam ser esmiuçados para entendermos melhor sua administração na província - como o diálogo estabelecido com os grupos do interior e a relação com os corpos militares estacionados em Pernambuco depois da Revolução Pernambucana. Em uma rápida análise da documentação produzida pelo seu governo, disponível no Arquivo Público de Pernambuco, é possível perceber que a gestão da força militar foi uma preocupação constante de sua administração.

Com a chegada das notícias sobre o movimento constitucional português e a reação de alguns grupos da província, que se posicionaram rapidamente favoráveis ao movimento, no imaginário de alguns grupos locais, especialmente das elites, a possibilidade de eventos semelhantes à Revolução de 1817 era bastante plausível. O horizonte de expectativas (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-RIO, 2006. ) aberto para o Império Português com o início do movimento constitucional possibilitava espaço para anseios e tensões sobre o futuro da estrutura da sociedade como esses homens a conheciam. Estava aberta a possibilidade de reestruturar alianças, práticas políticas, administrativas e principalmente os privilégios conquistados e estabelecidos que eram comuns em uma sociedade de Antigo Regime.

Para esses homens - vereadores, militares, comerciantes de grosso trato -, aliar-se ao governador português, que apresentou, ao menos aos seus olhos, práticas de adoção moderada ao sistema constitucional, sem mudanças na estrutura de governo, servia ao propósito requerido. Sabiam que não podiam parar as mudanças em curso, mas ao menos poderiam frear o processo, minimizando possíveis danos aos seus negócios e poderes. Foi através do diálogo e da força construída pela aliança com esses grupos que Luís do Rego Barreto se manteve no governo de Pernambuco. Como argumenta Nizza, a imagem de Luís do Rego como déspota, foi reforçada pela imprensa, em especial pelo redator do Correio Braziliense. Hipólito da CostaCOSTA, Pereira. Anais Pernambucanos 1795-1817. Vol. 7. Recife: Fundarpe, 1984., além de criticar suas ações, condenou as Cortes por não o prender imediatamente após seu regresso a Portugal, argumentando que Luís do Rego era um “inimigo do sistema constitucional” (Silva, 2018SILVA, Maria Beatriz Nizza. Pernambuco Político: do constitucionalismo à independência. São Paulo: Editora Singular, 2018., p. 34-35). Como argumenta Laura de Mello e Souza, “a tensão entre o local e o geral expressava-se também nas trajetórias individuais” (Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006., p. 260). Luís do Rego Barreto foi um homem atravessado por essa tensão, pois serviu ao Antigo Regime e ao governo constitucional e após seu retorno a Portugal, poucos meses após exaltar a Constituição portuguesa, louvou proclamações absolutistas e golpistas, desferidas pelo infante D. Miguel em 1823 (Gonçalves, 2018GONÇALVES, Andréa Lisly. As “várias independências”: a contrarrevolução em Portugal e em Pernambuco e os conflitos antilusitanos no período do constitucionalismo (1821-1824). Clio (UFPE), Recife, v. 36, n. 1, p. 4-27, jan./jul. 2018. DOI: https://doi.org/10.22264/clio.issn2525-5649.2018.36.1.02. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/234637 . Acesso em: 28 jan. 2022.
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, p. 21).

Referências

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Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2022
  • Aceito
    15 Mar 2023
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
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