Acessibilidade / Reportar erro

“Uma expedição commercial Yankee vem estudar a carnahuba”: S.C. Johnson & Son., trabalho de campo e exploração científica e comercial da cera de carnaúba no Brasil (1935)

“Yankee expedition comes to study carnahuba”: S.C. Johnson & Son., Fieldwork, and the Scientific and Commercial Exploration of Carnauba Wax in Brazil (1935)

Resumo

Este trabalho examina a Expedição Carnaúba, uma viagem de prospecção comercial e científica realizada pela companhia norte-americana S.C. Johnson & Son. no Brasil em 1935. A expedição teve como proposta investigar as maiores áreas de ocorrência da palmeira carnaúba (Copernicia cerifera Mart.), árvore nativa do semiárido brasileiro, como pontapé para exploração técnico-científica de uma matéria-prima produzida por esse vegetal: a cera de carnaúba. Por meio da análise do relatório da expedição e de documentos oficiais emitidos pelo governo brasileiro à época, verifica-se que a realização da expedição se tornou possível mediante estreita articulação entre a empresa e o governo brasileiro, permeada por interesses políticos, científicos e econômicos, numa conjuntura de cuidadosa fiscalização e controle das atividades de estrangeiros no país por meio do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (CFE). Lançar luz sobre a Expedição Carnaúba e o seu esforço para produção da cera de carnaúba em larga escala decorrentes da crescente aproximação entre ciência e indústria é evidenciar mais um episódio da história da exploração dos recursos naturais do Brasil na primeira metade do século XX.

Palavras-chave:
cera de carnaúba; expedição científica; Nordeste; ciências naturais; política

Abstract

This work analyses the Carnauba Expedition, a commercial and scientific exploration trip carried out by the American company SC Johnson & Son to Brazil in 1935. The expedition proposed to investigate the largest areas of the carnauba palm (Copernicia cerifera Mart.), a tree native to the Brazilian semi-arid region, as a baseline for the technical-scientific exploration of a raw material produced by this plant: carnauba wax. Through the analysis of the expedition report and official documents issued by the Brazilian Government in a context of careful inspection and control of the activities of foreigners in the country, it appears that the expedition became possible through the close articulation between the company and the Brazilian government, permeated by political, scientific, and economic interests. It is argued that the Carnauba Expedition and the effort to produce the large-scale carnauba wax arising from the growing approach between science and industry is another episode of the history of the exploitation of natural resources in Brazil in the first half of the 20th century.

Keywords:
carnauba wax; scientific expedition; Northeast Brazil; natural sciences; policy

O jornal Folha do Norte do dia 7 de outubro de 1935 publicou a seguinte notícia: “Uma expedição commercial Yankee em Belém vem estudar a carnahuba”. Tratava-se da Expedição Carnaúba, uma viagem de prospecção científica realizada pela companhia norte-americana S.C. Johnson & Son às áreas de concentração da palmeira carnaúba (Copernicia cerifera Mart.) (Figura 1). O grupo era formado pelo químico e dono da empresa, Herbert Fisk Johnson Jr.; John Vernon Steinle, diretor de pesquisa; R.P. Gardiner, agente de compras; o piloto Elbert H. Schlanser; o copiloto Joseph Adam Hoy; e Bror Eric Dahlgren, botânico e curador do Field Museum of Natural HistoryFIELD MUSEUM OF NATURAL HISTORY. Annual reports of the director to the Board of Trusteess for the year 1935. Publication 354, v. X, n. 3, 328 p., jan. 1936., de Chicago.1 1 Dahlgren chegou a Belém antes dos outros membros da equipe, pois havia sido destacado para acompanhar a entrega dos equipamentos a serem utilizados na montagem do laboratório químico provisório na cidade de Fortaleza. O objeto de pesquisa dos cientistas era a carnaúba, uma planta nativa do semiárido brasileiro encontrada em larga escala nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Pela vasta utilização e pela resistência aos períodos de seca, esse vegetal vem exercendo historicamente um papel fundamental para a economia local e para a subsistência da população do campo. Dentre os produtos naturais oriundos da planta, destacam-se o madeirame para construção de casas, as vassouras e os chapéus de palha de carnaúba, as redes de dormir produzidas a partir das fibras da planta e a cera, um material resultante da extração de um pó branco e fino presente nas folhas e obtido após um engenhoso processo de secagem, batedura, fusão, filtragem e resfriamento; depois desse processo, formam-se blocos de cera, os quais, após tratamento, serviram a múltiplos usos, especialmente nas primeiras décadas do século XX.

A viagem científica teve duração de cerca de dois meses. O grupo percorreu principalmente alguns Estados da região Nordeste do Brasil, e teve como um dos objetivos fundamentais o estudo da viabilidade para expansão da produção da cera de carnaúba a níveis industriais. Ao fim dessa expedição, a S.C. Johnson & Son. direcionou os seus esforços para a montagem de uma usina de beneficiamento de cera e instalação de uma estação experimental para cultivo e estudo científico da carnaúba e de outras plantas de interesse da empresa. Ao longo deste texto, nota-se, portanto, um forte alinhamento entre ciência e indústria, nada tão incomum para a realidade norte-americana do século XIX, mas que se intensifica nas primeiras décadas do século XX (Dennis, 1987DENNIS, Michael Aaron. Accounting for Research: New Histories of Corporate Laboratories and The Social History of American Science. Social Studies of Science, v. 17, p. 482-483, 1987.; Lucier, 2016LUCIER, Paul. Commercial Science. In: LIGHTMAN, Bernard (ed.). A Companion to The History of Science. United Kingdom: John & Sons Ltd., the Atrium, Southern Gate, 2016. p. 268-281. ).

Também não era singular a investida de exploradores, cientistas, observadores e expedicionários estrangeiros no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960. Nesse recorte, havia um órgão governamental especialmente dedicado ao controle e fiscalização das atividades desse gênero realizadas por estrangeiros em solo brasileiro: era o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (CFE), o qual regulava a entrada e a saída de objetos, amostras, instrumentos, documentos, pessoas, conhecimento e do patrimônio artístico, cultural e científico do país. É justamente a esse conselho que os cientistas da S.C. Johnson & Son. se reportaram, obedecendo, assim, aos trâmites legais e burocráticos para a realização da expedição no Brasil.

De partida, fica-se o seguinte questionamento: qual a relação entre uma firma norte-americana e a cera de carnaúba, um produto exclusivamente tropical? Presume-se que a cera de carnaúba teve um especial destaque no rol dos interesses da companhia estrangeira a ponto de justificar tamanho investimento no estudo científico in loco. Primeiramente, a companhia iniciou as suas atividades em 1886 na cidade de Racine, Wisconsin, EUA, após Samuel Curtis Johnson adquirir a loja de pisos onde trabalhava (Santos, 2004SANTOS, André Moreira. O Impacto da cultura no desempenho de uma empresa familiar: um estudo de caso. 2004. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004., p. 83); constituía-se como um modesto estabelecimento dedicado à fabricação de “assoalhos parquete”. Segundo Denis Johnson, pouco a pouco a firma foi “mudando a sua atenção [...] para a fabricação de uma cera para protegê-los” (Johnson, 1970JOHNSON, Dennis. A carnaubeira e seu papel como uma planta econômica. Fortaleza: BNB, 1970., p. 50), pois logo “[...] o faturamento obtido com a venda de ceras superou a venda de pisos” (Santos, 2004SANTOS, André Moreira. O Impacto da cultura no desempenho de uma empresa familiar: um estudo de caso. 2004. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004., p. 83). A segunda geração da família, tendo como presidente o filho de Samuel Curtis, Herbert Fisk Johnson Jr., elaborou outra estratégia com vistas à expansão da empresa, a qual aliava fortemente indústria e ciência. Desse modo, na primeira metade do século XX, Johnson Jr. alavancou as vendas da empresa, tornando-a “[...] líder mundial em produção de polidores feitos de cera para assoalhos e móveis” (Santos, 2004SANTOS, André Moreira. O Impacto da cultura no desempenho de uma empresa familiar: um estudo de caso. 2004. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004., p. 83). A ligação da S.C. Johnson à cera de carnaúba teve início ainda no fim do século XIX, precisamente em 1893, quando a companhia fez o uso da cera de carnaúba para a fabricação de seus produtos (Johnson, 1970JOHNSON, Dennis. A carnaubeira e seu papel como uma planta econômica. Fortaleza: BNB, 1970., p. 50). As atividades da firma norte-americana no Brasil ocorreram efetivamente em 1935, justamente a partir da expedição ora analisada.

A atenção dada à cera do semiárido brasileiro teve como motivação a sabida qualidade desse produto comparado às outras ceras disponíveis à época. Agrônomos e cientistas atestavam a dureza e resistência da cera a diferentes climas e temperaturas e o brilho excepcional ao utilizá-la tanto para lustrar móveis, pisos e assoalhos como para encerar automóveis nas primeiras décadas do século XX (Bayma, 1949BAYMA, Cunha. Sucedâneos Sintéticos e a Cera de Carnaúba. In: MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Carnaúba: seus problemas econômicos e extrativos. Boletim nº 5. Rio de Janeiro: Instituto de Óleos, 1949. p. 49-61.; Braga, 1951BRAGA, Renato. Plantas do Ceará. Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, Anno LXV, 1951.; Andrade, 1966ANDRADE, Humberto de. Carnaúba. In: GIRÃO, Raimundo; MARTINS FILHO, Antônio (org.). O Ceará. Fortaleza: Ed. Fortaleza, 1966 [1939]. p. 7-12. [1939]; Carvalho, 1942CARVALHO, Joaquim Bertino de Moraes. Ensaios sobre a carnaubeira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura. Serviço de Informação Agrícola, 1942.; Gomes, 1945GOMES, Pimentel. A Carnaubeira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Agricultura, 1945.). Propagandas e anúncios estampavam as revistas e os jornais estadunidenses na expectativa de estimular a utilização da melhor cera. É precisamente nesse contexto que a S.C. Johnson parte em direção ao Brasil.

Neste artigo, argumenta-se que a implementação de um programa de pesquisa científica levado a cabo pela companhia norte-americana para a exploração da cera de carnaúba foi resultado de um conjunto de interesses políticos, técnicos, geográficos, individuais e de mercado, aspectos que conformam o entendimento da ciência como um empreendimento socialmente e historicamente construído (Gavroglu, 2007GAVROGLU, Kostas. O Passado das Ciências como História. Lisboa: Editora Porto, 2007.). Neste texto, realça-se a trajetória da expedição científica e dos personagens envolvidos, tendo como expectativa contribuir de maneira positiva para as reflexões sobre a história da exploração dos recursos naturais do Brasil.

Figura 1 -
Um dos primeiros registros da Carnaúba.

“São os aludidos expedicionários os maiores produtores de cera”: a Expedição Carnaúba e o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (1935)

Em 23 de maio de 1935, o Ministério das Relações Exteriores enviou ofício ao então Ministro da Agricultura, Odilon Braga, informando que a companhia S.C. Johnson & Son., via Embaixada dos Estados Unidos, sinalizara o interesse em empreender viagens aéreas no Brasil com o objetivo de “colligir dados scientificos sobre a carnaubeira e outras especies vegetaes alli existentes” (Brasil, 1935BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935.). No ofício (Figura 2), constam informações gerais sobre a proposta, como o itinerário, a equipe, os objetivos e uma provável data de chegada da expedição a Fortaleza, Ceará, no dia 22 de julho de 1935. Ao fim do dito documento, há um pedido para a análise de concessão de permissão para o empreendimento da Johnson em território brasileiro (Brasil, 1935BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935.). Como complemento a esse primeiro documento, foram anexadas posteriormente notas da Embaixada dos Estados Unidos contendo informações detalhadas sobre a expedição norte-americana.

O planejamento proposto pela equipe no documento considerava Fortaleza a base principal das operações, local onde os membros da expedição ficariam estabelecidos, e a partir do qual partiriam os voos de prospecção para as regiões dos rios Parnaíba, São Francisco, Assú e Jaguaribe “para fins de fiscalização da palmeira carnaúba, e providências para a compra legítima de cera de carnaúba” (Brasil, 1935BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935., tradução livre); as incursões incluiriam também a Ford Plantation, em Bella Vista, e o Rio Tocantins em direção a Marabá. A expedição teve duração estimada de dois ou três meses e o material porventura coletado seria despachado pelo porto de Belém. Por fim, consta no documento uma listagem detalhada da bagagem dos expedicionários/cientistas, com destaque para um radiotransmissor e armas de caça, como rifles e revólveres - objetos estes que se tornarão entraves burocráticos, como veremos logo mais.

A solicitação expressa em documentos oficiais era um dos requisitos para a realização de expedições científicas estrangeiras no Brasil na década de 1930. Precisamente em 1933, foi criado um órgão governamental responsável exclusivamente pela apreciação dos pedidos de realização de expedições artísticas e cientificas no Brasil, bem como pela fiscalização de suas atividades; este órgão era o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (CFE) (1933-1968), subordinado inicialmente à Diretoria Geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura. O CFE era formado por representantes de diversas instituições científicas do Brasil, estruturado de maneira a atuar em todos os Estados da Federação por meio de delegados responsáveis pela fiscalização das expedições e, caso necessário, apreensão de material que se encontravam sem os devidos registros. Além do vínculo institucional, os membros do conselho eram “técnicos especializados”, cuja capacitação se fazia necessária para conceder pareceres de acordo com a especialidade de cada expedição. Em 1939, período no qual o conselho já se encontrava em plena atuação, a antropóloga Heloisa Alberto Torres (1895-1977), à época diretora do Museu Nacional e representante técnica dessa instituição no conselho, lê uma moção endereçada ao presidente Getúlio Vargas, na qual se destaca os motivos e justificativas para a criação do conselho:

Excelentíssimo Sr. Presidente da República

Em 1933, voltando V. Excia. a atenção para a urgente necessidade de proteger as riquezas naturais e o patrimônio histórico e artístico do Brasil contra incursões cada vez mais frequentes, nem sempre realizadas por entidades idôneas, e na maioria das vezes sem conhecimento das autoridades brasileiras, resolveu V. Excia. criar, por decreto 22.698 de 11 de maio de 1933, o Conselho de Fiscalização das Expedições Científicas e Artísticas no Brasil, ao qual competia fiscalizar as expedições nacionais de caráter particular bem como as estrangeiras. Constituiu-se assim um serviço composto de especialistas e técnicos nos diferentes ramos de história natural e antropologia, em belas artes, em história nacional, assistidos, em suas atividades, por um representante do Ministério das Relações Exteriores e outro do Ministério da Fazenda. (Brasil, 1939BRASIL. Livros de atas das reuniões do Conselho. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE). Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 17 ago. 1939.).2 2 Esta moção foi escrita no momento em que o conselho passava por um esvaziamento das suas atribuições por conta da criação de outros órgãos de controle e de fiscalização, como, por exemplo, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - futuro IPHAN - e os códigos de caça e pesca, o que poderia resultar em “duplicidade de autoridade no exercício de funções”. Para uma discussão aprofundada sobre a trajetória do Conselho de Fiscalização no período de sua existência (1933-1968), ver Grupioni (1998) e Lisboa (2004).

Figura 2 -
Ofício encaminhado pela Embaixada dos Estados Unidos endereçado ao Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (CFE) solicitando permissão para a realização da expedição científica da companhia norte-americana S.C. Johnson & Son. no Brasil (1935).

O período de criação do CFE foi marcado pelo processo de integração nacional e de regulação dos órgãos estatais em consonância com os objetivos do governo de Getúlio Vargas. Para tanto, foram criados órgãos de controle das atividades com o intuito de “articular o aparelho da administração pública” (Castro Faria, 2012CASTRO FARIA, Luiz de. Introdução. In: MAST. Arquivo do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Cientificas no Brasil: inventário. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2012. p. 11-20., p. 15). Segundo Castro Faria:

A ideologia nacionalista é sem dúvida o substrato comum a todas essas iniciativas - a sacralização da ideia de integridade nacional, com o seu reverso, a suspeição do estrangeiro, engendram medidas de censura (do cinema), de fiscalização (das expedições artísticas e científicas), de proteção e vigilância (dos monumentos históricos, artísticos, legendários). (Castro Faria, 2012CASTRO FARIA, Luiz de. Introdução. In: MAST. Arquivo do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Cientificas no Brasil: inventário. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2012. p. 11-20., p. 16).

As demandas por fiscalização e controle da entrada e saída das expedições científicas e artísticas e do patrimônio natural (Lisboa, 2004LISBOA, Araci Gomes. O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil: ciência, patrimônio e controle. 2004. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.) e histórico nacionais, potencializadas pelo período entreguerras, conformavam o cenário em que se situou o pedido da companhia. Na expressão do antropólogo Luiz de Castro Faria (2012CASTRO FARIA, Luiz de. Introdução. In: MAST. Arquivo do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Cientificas no Brasil: inventário. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2012. p. 11-20.), que acompanhou a expedição do também antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, fiscalizada pelo conselho, havia uma espécie de “suspeição ao estrangeiro”. Tal “suspeição” fora experimentada pelos membros da Expedição Carnaúba. O “cientista da expedição”, o botânico e diretor de pesquisa da S.C. Johnson, J. Vernon Steinle, logo após a entrada da expedição em solo brasileiro, descreveu que “essa suspeita inicial pareceu nos acompanhar durante toda a nossa estada no Brasil” (Steinle, 1936STEINLE, Jon Vermon. An Expedition to its Source. Industrial and Engineering Chemistry, v. 28, n. 9, p. 1004-1008, 1936., p. 1005, tradução livre). No caso do pedido da companhia, essa suspeição se deu principalmente por três motivos: 1. pela proposta de desvendar cientificamente - e economicamente - a cultura da carnaúba, espécime típico do semiárido brasileiro, entrava no radar do Conselho de Fiscalização no quesito “proteção e vigilância da natureza brasileira”; 2. por se tratar de uma expedição aérea que sobrevoaria vários Estados da Federação, inclusive por áreas sob interdição aerofotográfica; e 3. pelo uso de radiotransmissores e por constar, na relação dos objetos levados na bagagem, armas e munições. O último ponto, especialmente, gerou um entrave à concessão da permissão pela possibilidade de haver riscos à segurança nacional. Nesses casos, o Conselho de Fiscalização informava ao Ministério da Guerra para que este concedesse ou não parecer para a realização das expedições.

A concessão do parecer do Estado Maior do Exército para a realização da expedição da Johnson estava condicionada ao envio de mais informações sobre o empreendimento norte-americano. Nesse sentido, foram requisitadas ao Conselho de Fiscalização informações sobre o interesse do Brasil em receber tal expedição; sobre as rotas de pousos para reabastecimento do avião utilizado; informações sobre o radiotransmissor, como comprimento de onda e linguagem utilizada; e a recomendação da participação de um oficial do exército, designado pela Diretoria de Aviação, com o papel de realizar a fiscalização e instrução dos pilotos em áreas de interdição aerofotográfica (Brasil, 1935BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935.). As solicitações do Estado Maior do Exército foram prontamente atendidas e, em resposta a esse pedido, o Conselho de Fiscalização enviou outro ofício no dia 12 de julho de 1935, informando que:

no modo de entender do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil o interesse público do empreendimento está em serem os alludidos expedicionarios os maiores negociantes de cêra, interessando, portanto, ao nosso paiz no ponto de vista do desenvolvimento da exploração da carnaubeira. [...] Quanto a não utilizar o dito apparelho emissor com linguagem cifrada ficará a questão compreendida entre os compromissos assumidos pelos referidos expedicionários perante o Conselho que só concederá o respectivo certificado de licença mediante o compromisso de absoluto cumprimento dos codigos, leis e regulamentos existentes no paiz e das cláusulas exigidas pelo Conselho. (Brasil, 1935BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935.).

Os requisitos solicitados foram acatados pelo conselho e, após todo esse imbróglio burocrático, em um vai e vem de ofícios e pedidos entre o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Agricultura e o Ministério da Guerra, a expedição finalmente recebeu autorização do Conselho de Fiscalização, datada do dia 3 de outubro de 1935, para realização de suas atividades de exploração científica da carnaúba (Brasil, 1935BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê. (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935.). A essa altura, a expedição já partira de Racine - cidade sede da companhia -, no dia 24 de setembro de 1935, e estava em deslocamento para o Brasil, estabelecidos em Paramaribo, no Suriname, prestes a entrar no país pelo estado do Pará (Figura 3).

Figura 3 -
membros e parte dos equipamentos/instrumentos da Expedição Carnaúba deixando a cidade de Racine (EUA) em direção ao Brasil (1935).

A Expedição Carnaúba no estado do Pará

As expedições científicas, de modo geral, podem ser compreendidas como o exercício da prática científica. A análise e produção de conhecimento científico in loco contribuiu tanto para a formação dos naturalistas/cientistas como para o desenvolvimento das ciências naturais durante grande parte dos séculos XIX e princípios do século XX (Kury, 2001aKURY, Lorelai Brilhante. Histoire Naturelle et Voyages Scientifiques. Paris: L’Harmattan, 2001a.). Tais atividades tiveram um importante papel para a descrição e análise da natureza, sendo um dos pilares para a construção do conhecimento científico sobre o mundo natural (Thomas, 2010THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.). Dois movimentos contribuíram para o debate em torno da ideia de trabalho de campo: 1. a própria constituição dos lugares por meio dos quais a ciência era feita, como museus, laboratórios e jardins botânicos; 2. e em constante contraponto à ideia de laboratório, revivendo - guardadas as devidas proporções históricas - as discussões em torno dos naturalistas de gabinete e os naturalistas de campo ocorridas particularmente na virada do século XVIII e primeiras décadas do século XIX (Kury, 2001bKURY, Lorelai Brilhante. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. VIII (suplemento) p. 863-880, 2001b.).

No século XX, período sobre o qual este trabalho se debruça, as propostas de expedição científica em ciências naturais se enquadraram de acordo com as definições das especialidades do campo científico. Portanto, pouco a pouco, as grandes áreas que definiram as prospecções científicas no século XIX, como geologia, geografia, zoologia, botânica e climatologia, ou seja, áreas sob o grande manto das ciências naturais, foram cada vez mais se especializando. Esse movimento se refletiu nas propostas das expedições, mais circunscritas a objetivos pontuais, e no próprio entendimento da expedição como um trabalho de campo e todo o corolário da prática científica acionado por ele.

A Expedição Carnaúba foi uma viagem de prospecção científica e comercial realizada no Brasil entre os meses de outubro e dezembro de 1935.3 3 O empreendimento científico da companhia norte-americana Johnson para explorar a carnaúba do Nordeste do Brasil foi narrado em um livro escrito pelo próprio presidente da empresa e chefe da expedição, Herbert Johnson Jr., em 1936, portanto, um ano após o fim das atividades da expedição. Esse documento se trata de um registro dos trabalhos da equipe, em um estilo narrativo que intercala relato pessoal e relatório científico. Ressalta-se que essas duas formas não são excludentes, mas, sim, complementam-se no decorrer da narrativa. Para o primeiro, pululam vários trechos, realçando o tom aventureiro da expedição. Problemas ocorridos com o avião da expedição; condições adversas de clima, idioma, culinária; questões relacionadas às documentações, registros e autorizações para o prosseguimento da viagem - como citado na sessão anterior - são algumas das questões presentes no relato e que geraram uma necessidade de enfrentamento e superação por parte da equipe. A despeito das questões relativas aos percalços encontrados pela expedição, as observações e registros científicos - ponto fundamental da discussão da presente sessão - são as características que identificam o documento como um relatório científico detalhado. Ver: Johnson Jr. (1936). A proposta, organizada e financiada pela companhia norte-americana S.C. Johnson & Son., teve como objetivo principal, basicamente, estudar cientificamente a palmeira carnaúba e, especificamente, a produção de cera oriunda desse vegetal endêmico da região Nordeste do Brasil. Outras atividades estavam previstas no relatório/relato escrito por Herbert Johnson Jr., no qual são detalhados os objetivos da expedição:

1. Determinar se houve ou não plantações significativas de carnaúba no Brasil ainda não descobertas. 2. Levantar os cultivos de carnaúba conhecidos e estudar a economia da produção de cera. 3. Estudar os métodos nativos de colheita, coleta e refino da cera, visando aperfeiçoá-los e assim garantir maior e melhor abastecimento de matéria-prima para os mercados. 4. Determinar as possibilidades de cultivo da palmeira cerífera como uma platantion. 5. Adquirir um terreno com o propósito de implantação de uma estação experimental. (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 4, tradução livre).

O roteiro da comissão no Brasil contemplou os estados do Pará, Ceará, Piauí, Pernambuco e Bahia, os últimos seguindo o curso do Rio São Francisco. A entrada da expedição no país seria via Belém do Pará tanto pela localização da cidade quanto pelo cumprimento de um dos objetivos da expedição: o de visitar as instalações e plantações da Ford para identificar uma possível ocorrência de plantações de carnaúba naquele local, bem como observar o modelo industrial implantado por Henry Ford no meio da floresta amazônica.

A listagem do material utilizado pode ser dividida em duas categorias: os equipamentos levados a bordo pela equipe e direcionados para o uso no dia a dia da expedição e eventuais urgências, como alimentos e kits de primeiros socorros; e os materiais para a instalação do laboratório para experimentos em Fortaleza, compostos por tubos de ensaio, conservantes, reagentes dentre outros. A análise dos equipamentos utilizados pela expedição não é algo trivial, pois a escolha dos itens é fator constitutivo para a realização de uma expedição. Em alguns casos, pode-se compreender a relação pontual e direcionada dos equipamentos como expressivos suportes para as atividades científicas da expedição. Nesse sentido, a câmera fotográfica utilizada para os registros imagéticos das áreas de ocorrência da carnaúba e a própria utilização de um avião para a realização da expedição deixam de ser entendidos somente como equipamentos e passam a compor também outra categoria, a de instrumentos científicos, uma vez que viabilizam a execução e desenvolvimento de uma proposta científica.4 4 A ideia ampla de instrumento científico, incorporando uma ampla gama de objetos utilizados no fazer científico, é reforçada pela historiografia das ciências de campo. Ver, por exemplo, Sorrenson (1996).

A equipe era formada pelos seguintes membros: Herbert Fisk Johnson Jr., presidente da companhia à época, químico graduado pela Cornell University e chefe da expedição; John Vernon Steinle, diretor de pesquisas da S.C. Johnson, “uma autoridade em química relacionada às ceras” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 2); e Bror Eric Dahlgren, botânico curador do Field Museum de Chicago; complementavam o grupo o piloto E. H. Schlanser, o copiloto J. Hoy e o agente de compras R. P. Gardiner.

Segundo Herbert Johnson Jr., o convite dirigido ao botânico Dahlgren para participar da expedição se deveu pelo seu conhecimento das plantas brasileiras e por falar bem o idioma português (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 2). No primeiro momento, pode-se auferir que as prerrogativas de Dahlgren se restringiriam a essas justificativas de Johnson, o que poderia levar a conclusões de que Dahlgren exerceria um papel secundário diante das questões científicas da expedição, pois a posição de cientista da expedição foi concedida a Steinle. Porém, ao analisarmos as atividades de Dahlgren,5 5 Bror Eric Dahlgren (1877-1961) era um botânico de origem sueca, formado pelas universidades de Minnesota, Cornell e Columbia. Ele trabalhou diretamente na realização de exposições botânicas no American Museum of Natural History até 1909, quando aceitou convite para chefiar o departamento de modelagem botânica no Field Museum of Natural History, em Chicago. Até a década de 1930, Dahlgren desenvolvia trabalhos voltados para exposições, inclusive envolvendo viagens para coleta de material para o museu. Nessas viagens, Dahlgren realizou um levantamento de plantas econômicas, acumulando assim material botânico de países como Guiana Inglesa, Cuba e Brasil. A partir desse momento, Dahlgren dedicou seu trabalho ao estudo das palmeiras, em especial o gênero Copernicia, cujos resultados foram publicados em relatórios, artigos e livros como The Coco Palm e Index of American Palms. Em 1935, Dahlgren assumiu o cargo de curador pleno de botânica do Field Museum e, nesse mesmo período, fora convidado por Herbert Johnson Jr. para fazer parte da Expedição Carnaúba. Alguns dados biográficos disponíveis no seguinte endereço: https://plants.jstor.org/stable/10.5555/al.ap.person.bm000001797?searchUri=filter%3Dpeople%26so%3Dps_group_by_genus_species%2Basc%26Query%3DEric%2BDahlgren (Acessado em 05 de agosto de 2020); ver Quattrocchi (2017). bem como sua trajetória profissional, notamos a importância desse personagem para a expedição e para os objetivos na exploração da carnaúba.

Junto ao botânico Dalghren, outra figura chave para o direcionamento científico da expedição foi o próprio presidente da S.C. Johnson & Son. à época, Herbert Fisk Johnson Jr. Como falado anteriormente, Johnson foi o chefe e idealizador da expedição. Sua formação em química contribuiu sobremaneira para a introdução e alinhamento da ciência e da indústria para a exploração da palmeira carnaúba. Ao escrever sobre as suas motivações para realizar a expedição, Johnson Jr. descreveu a importância dessa relação:

A razão pela qual gastei tanto tempo e esforço planejando nossa expedição ao Brasil pode ser mais bem explicada por uma breve declaração dos usos comerciais da cera de carnauba e sua relação com nossa empresa, bem como com a indústria […] O estudo cuidadoso e científico da palmeira de carnaúba, sua fonte, seria uma vantagem não apenas para minha empresa, mas também para toda a indústria de cera. (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 2-4, tradução livre).

A relação entre ciência, tecnologia e indústria não era algo inédito no contexto norte-americano da época. A introdução de laboratórios nas grandes firmas foi iniciada pela General Electrics em 1900, seguida por DuPont (1903), Westinghouse (1904), AT&T (1909) e Kodak (1912) (Lucier, 2016LUCIER, Paul. Commercial Science. In: LIGHTMAN, Bernard (ed.). A Companion to The History of Science. United Kingdom: John & Sons Ltd., the Atrium, Southern Gate, 2016. p. 268-281. , p. 270). Antes da General Electrics, os cientistas e a indústria não estavam completamente separados; os químicos já realizavam pesquisas em laboratório e análises sobre matérias-primas com o objetivo de torná-las mais eficientes. Havia também um movimento de registro de patentes e contratação de cientistas para o desenvolvimento de pesquisas dentro das próprias firmas (Dennis, 1987DENNIS, Michael Aaron. Accounting for Research: New Histories of Corporate Laboratories and The Social History of American Science. Social Studies of Science, v. 17, p. 482-483, 1987., p. 482-483; Moreira, 2022MOREIRA, Paulo Italo. Entre Extrativismo e Ciência: A História da Exploração da Cera de Carnaúba no Nordeste do Brasil na Primeira Metade do Século XX. História Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 12, p. 107-139, 2022.). Entretanto, os investimentos para a construção de laboratórios especializados dentro das grandes empresas se tornaram mais evidentes na medida em que esses investimentos geravam novas ideias e novas tecnologias capazes de expandir e maximizar a produção (Dennis, 1987DENNIS, Michael Aaron. Accounting for Research: New Histories of Corporate Laboratories and The Social History of American Science. Social Studies of Science, v. 17, p. 482-483, 1987., p. 482-483). Lucier (2016) realizou um balanço historiográfico sobre os trabalhos referentes ao campo da “industrial research” - posteriormente “commercial sciences” -, e compilou alguns dados importantes para a compreensão do contexto no qual a S.C. Johnson & Son. estava inserida. Segundo Lucier:

A Era do Jazz foi a “era de ouro” da pesquisa industrial. Entre 1919 e 1936, as corporações americanas estabeleceram mais de 1.100 laboratórios de pesquisa industrial. Em 1921, esses laboratórios empregavam aproximadamente 2.700 cientistas e engenheiros. Em 1927, seus números haviam aumentado para mais de 6.300 e, mesmo no auge da Grande Depressão de 1933, os laboratórios de pesquisa continuaram a crescer para quase 11.000 funcionários. No início da Segunda Guerra Mundial, havia mais de 27.000 cientistas e engenheiros trabalhando na indústria. (Lucier, 2016LUCIER, Paul. Commercial Science. In: LIGHTMAN, Bernard (ed.). A Companion to The History of Science. United Kingdom: John & Sons Ltd., the Atrium, Southern Gate, 2016. p. 268-281. , p. 270, tradução livre).

A estreita aproximação entre ciência e indústria possibilitou a reconfiguração não somente dos espaços para a ciência, como proporcionou o aprendizado e a incorporação de outras habilidades tanto para o cientista como para os chefes das grandes corporações. Nesse sentido, surgiu a figura do cientista-empreendedor (Lucier, 2016LUCIER, Paul. Commercial Science. In: LIGHTMAN, Bernard (ed.). A Companion to The History of Science. United Kingdom: John & Sons Ltd., the Atrium, Southern Gate, 2016. p. 268-281. , p. 270); ou seja, uma vez trabalhando nas companhias, era aquele que acumulava a formação científica com a necessidade de provar constantemente o valor comercial da sua atividade. Nesse contexto, cada vez mais os cientistas ocuparam os lugares de maior destaque nas grandes firmas, como foi o caso da General Electrics, em 1900, que construiu o primeiro grande laboratório nas corporações e tinha como diretor à época o químico-físico Willis Whitney, formado pela Universidade de Leipzig e professor do MIT (Lucier, 2016LUCIER, Paul. Commercial Science. In: LIGHTMAN, Bernard (ed.). A Companion to The History of Science. United Kingdom: John & Sons Ltd., the Atrium, Southern Gate, 2016. p. 268-281. , p. 269). Portanto, é razoável posicionar Herbert Johnson Jr. nesse contexto de dupla função, a de cientista e de empreendedor. Como veremos, durante grande parte da viagem científica, Johnson Jr. expõe a percepção de que a exploração da cera de carnaúba em escala comercial só seria possível por meio da aplicação do método científico.

O relato da expedição, delineado por Herbert Johnson Jr., mesclou observações pessoais e proposições científicas, estendendo-se desde o início da viagem, nos Estados Unidos, com apontamentos diários sobre alguns países da América Central, nos quais a expedição realizou paradas para reabastecimento e ajustes nas questões burocráticas, até o retorno à cidade sede da empresa, em Racine, Wisconsin. Em Belém, primeira cidade da chegada da equipe, Johnson reencontrou o último membro do grupo, o botânico Dahlgren. Ele havia partido antes dos demais membros com o objetivo de adiantar o envio e organização do material para a construção do laboratório em Fortaleza. Nesse momento, a expedição teve de enfrentar os entraves burocráticos descritos na sessão anterior, tendo de permanecer por alguns dias impedida de prosseguir com as atividades planejadas, no aguardo da chegada de um oficial militar destacado pelo Estado Maior do Exército para o acompanhamento e fiscalização da expedição. Johnson decidiu aguardar a chegada do oficial em Belém, direcionando, em um vapor, Gardiner, Dahlgren e Steinle para Fortaleza, para trabalharem nas instalações do laboratório químico temporário na capital cearense.

Nesse ínterim, Johnson realizou visitas à Ford Rubber Plantation, uma estação experimental da companhia Ford localizada em Belterra, interior do Pará. As motivações para tal atividade surgiram após Johnson tomar conhecimento dos experimentos com plantações de carnaúba nas estações da Ford. Ademais, a visita aos campos de trabalho da companhia e as observações realizadas poderiam contribuir na elaboração de estratégias de pesquisa na estação experimental proposta por Johnson em Fortaleza e nas regiões próximas (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 45). Johnson foi recebido por Johnston, chefe das atividades da Ford no Pará; após algumas partidas de Golf e passeios pelas plantações a bordo de um modelo de carro da Ford, Johnson constatou que a área era bem rica para o plantio da árvore da borracha, mas não para a carnaúba (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 54).

Outra atividade de pesquisa realizada por Johnson enquanto aguardava liberação no Pará consistiu em voos de pesquisa no percurso do Rio Tocantins até Marabá. Ele obtivera informações de que existiam plantações de carnaúba naquela área. O objetivo, portanto, foi o mesmo: analisar a ocorrência dessas plantações e a possibilidade de cultivo. Após vários sobrevoos e observações a bordo do avião pelo Rio Tocantins e seus afluentes, não constatou nenhuma carnaúba. Segundo ele, “em toda esta área, apesar dos muitos rumores de grandes povoamentos de carnaúba nestas regiões, não vimos nada” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 57, tradução livre).

Essas foram as duas atividades de pesquisa de Johnson, que permaneceu por 10 dias no Pará. A visita às estações da Ford foi importante, pois Johnson observou e assimilou os métodos de trabalho em Belterra para a utilização dessa metodologia nas estações experimentais construídas pela companhia no final da década de 1930 nas vizinhanças de Fortaleza. A proposta de criação de estações experimentais foi mais um ponto fundamental para a aproximação entre ciência e indústria para a exploração da carnaúba. As estações experimentais eram espaços construídos com o interesse na formação e treinamento dos cientistas e para a promoção de pesquisas científicas; a criação desses “lugares de ciência” ganhou grande impulso no século XIX e foi intensificada no contexto norte-americano nas primeiras décadas do século XX (Kohler, 2002KOHLER, Robert E. Landscapes and labscapes: exploring the lab-field border in biology. Chicago: The University Chicago Press, 2002.). Geralmente, as estações eram instaladas nos departamentos de pesquisa das instituições científicas, tais como museus e universidades, e, em alguns casos, eram de iniciativa dos órgãos governamentais, como os birôs relativos à agricultura, comércio e indústria, com claro direcionamento científico nessas áreas.

A contribuição das estações experimentais para a pesquisa científica incidiu no aprimoramento dos métodos de controle e testagem de simulacros da natureza - característicos dos laboratórios - em conjunto com a metodologia dos trabalhos em campo. Em termos práticos, elas se situavam na interseção entre os dois espaços para o desenvolvimento das atividades científicas, o campo e o laboratório, locais de produção de conhecimento ditos naturais e espaços construídos/artificiais, sendo formadas e operacionalizadas na assimilação de elementos da prática de laboratório e das prospecções em campo (Kohler, 2002KOHLER, Robert E. Landscapes and labscapes: exploring the lab-field border in biology. Chicago: The University Chicago Press, 2002., p. 42). As estações experimentais faziam parte do que Kohler (2002KOHLER, Robert E. Landscapes and labscapes: exploring the lab-field border in biology. Chicago: The University Chicago Press, 2002.) nomeou, para o contexto das ciências nos Estados Unidos, de “Nova História Natural”, ou seja, um movimento nas ciências naturais no qual a história natural das grandes observações panorâmicas do mundo natural e das viagens de exploração geográfica deram lugar à exatidão requerida nas análises nos gabinetes e nos laboratórios por meio de equipamentos e instrumentos científicos (Kohler, 2002KOHLER, Robert E. Landscapes and labscapes: exploring the lab-field border in biology. Chicago: The University Chicago Press, 2002.). A construção desses espaços, em geral, era feita nos lugares mais próximos aos ambientes de acordo com as demandas de cada estação. Como exemplo, dois anos após a Expedição Carnaúba, a S.C. Johnson iniciou a instalação de uma estação de experimentos nos arredores de Fortaleza, numa área propícia ao cultivo da carnaúba. Dessa forma, os cientistas puderam simular com relativa fidelidade o cultivo da planta em seu habitat, ao mesmo tempo em que se faziam os testes científicos para uma exploração científica da cera de carnaúba.

“O país das carnaúbas”: a Expedição Carnaúba no nordeste do Brasil (1935)

No dia seguinte às prospecções científicas pelo Rio Tocantins, Johnson partiu em direção ao Ceará. Na chegada a Fortaleza, Johnson reencontrou os membros da expedição. Eles haviam alugado uma loja no centro da cidade para a montagem do laboratório. Porém, outros problemas com a alfândega surgiram, o que resultou no atraso do início das atividades. Tal como em Belém, Johnson aproveitou o tempo para observar a cidade e seus arredores. Nesse período, Fortaleza era uma cidade em rápido desenvolvimento. As modificações urbanísticas levadas a cabo no século XIX, que aceleraram o processo de geometrização da cidade, foram retomadas no início da década de 1930. Em 1935, ano da chegada da Expedição Carnaúba, a cidade tinha um total de 143.277 habitantes. O porto da capital cearense movimentava, no fim da década, cerca de 900 navios em serviços de carga e descarga para várias regiões do Brasil e também para o exterior. Nesses navios, eram exportados produtos locais, como o algodão, a mamona, peles, óleo de oiticica, babaçu, couro e a cera de carnaúba.

Ao mesmo tempo, nas décadas de 1930 e 40, Fortaleza coadunava características da modernização urbana/industrial - a exemplo de outras metrópoles brasileiras em vias de desenvolvimento - e aspectos do cotidiano de uma cidade marcada, por um lado, pelos costumes rurais e, por outro lado, por um afluxo cada vez maior de habitantes do interior do estado em direção à capital cearense - em decorrência, muitas vezes, dos severos regimes de seca, situação que agravava as dificuldades econômicas e materiais de uma parcela da população interiorana. Nesse sentido, o cotidiano “frenético” da cidade rivalizava muitas vezes com aspectos rurais, como os sons das fábricas e dos carros abafando os cantos dos galos, os sinos das igrejas, o grito dos leiteiros, padeiros, confeiteiros, que passavam de porta em porta nas ruas da capital (Silva Filho, 2006SILVA FILHO, Antonio Luiz Macedo e. Rumores: a paisagem sonora de Fortaleza (1930-1950). Fortaleza: Museu do Ceará, 2006.). Segundo Silva Filho (2006SILVA FILHO, Antonio Luiz Macedo e. Rumores: a paisagem sonora de Fortaleza (1930-1950). Fortaleza: Museu do Ceará, 2006.), a cidade carregava “indícios de metropolização”, como a realização de obras de infraestrutura por toda a cidade, como a construção do primeiro arranha-céu, o Excelsior Hotel (1931) - escolhido pela equipe da Expedição Carnaúba como local da estada durante os trabalhos em 1935; a pavimentação das vias públicas (1933 em diante); o uso da eletricidade na iluminação pública (1934-1935) (Silva Filho, 2006SILVA FILHO, Antonio Luiz Macedo e. Rumores: a paisagem sonora de Fortaleza (1930-1950). Fortaleza: Museu do Ceará, 2006., p. 35-36); o trânsito motorizado; a intensa atividade comercial. Já as características/marcas do ambiente rural eram vistas como sinônimos de atraso pelos representantes e defensores desse novo ordenamento urbano; em suma, na expressão de Silva Filho, Fortaleza carregava “traços provincianos e anseios cosmopolitas” (Silva Filho, 2006SILVA FILHO, Antonio Luiz Macedo e. Rumores: a paisagem sonora de Fortaleza (1930-1950). Fortaleza: Museu do Ceará, 2006., p. 15). No plano político, as disputas partidárias e entre os interventores designados por Vargas para afinar sua política de centralização e fortalecimento do Governo Federal nos estados da federação do início da década de 1930 resultaram na eleição do candidato da ala católica, Menezes Pimentel, para o governo do estado do Ceará na Assembleia Estadual Constituinte ocorrida em maio de 1935 (Souza, 1995SOUZA, Simone. As interventorias no Ceará (1930-1935). In: SOUZA, Simone. (Coord.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995. p. 321-346).

A equipe da Expedição Carnaúba visitou o porto da cidade de Fortaleza, tomou nota dos processos empregadas para a obtenção da farinha de mandioca e observou também a produção do óleo de oiticica, outro produto com destaque comercial da região. Após esses movimentos de reconhecimento da cidade, do comércio e dos costumes, Dahlgren fora avisado que a liberação do material do laboratório - retido na alfândega por problemas na comunicação entre o consulado brasileiro em Nova York e os oficiais em Fortaleza - havia sido concedida, e os oficiais militares, Gonçalo e Cantidio, destacados pelo Exército do Brasil para a supervisão das atividades da expedição, estavam na capital cearense. A partir desse momento, a equipe estava liberada para realizar as suas atividades na região da carnaúba, em cumprimento aos objetivos fundamentais da expedição.

O grupo se concentrou nos registros dos métodos de cultivo da carnaúba, apontando traços importantes dos saberes acumulados pela experiência dos plantadores locais, os aspectos do ambiente no qual a árvore se desenvolve, a importância desse recurso natural para a população da região pela variedade dos usos, as características dos nativos e considerações preliminares sobre a cera da carnaúba. A equipe pesquisou em arquivos do século XIX à procura de indícios que poderiam indicar a ocorrência e utilização da carnaúba na região semiárida no Brasil. Johnson descreveu algumas fontes bibliográficas utilizadas pela equipe que serviram de base para a reunião de informações acerca da carnaúba e sua localização aproximada; ao mesmo tempo, constatou a escassez de trabalhos e poucas menções à cera de carnaúba nas publicações científicas e nos registros históricos.

A opção por perscrutar o Nordeste do Brasil, especialmente a localização traçada pela equipe (Figura 3), para a exploração da cera de carnaúba, se deu propriamente pela existência de grandes plantações de carnaúba na região que circunscrevia os estados do Ceará, Piauí e Bahia e pela capacidade de exploração da cera dessa palmeira em escalas comerciais, pré-requisitos que atendiam sobremaneira as demandas da companhia norte-americana. O estabelecimento do laboratório na cidade de Fortaleza se justificou pela “abundância de carnaúba no Ceará” e pela “favorável localização para as pesquisas em campo” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 76, tradução livre). Como grandes produtores de cera enlatada para polimentos de assoalho, cujas vendas eram destinadas não somente a outras regiões dos Estados Unidos, mas em escala que ultrapassava as fronteiras nacionais, a firma transnacional Johnson & Son e seu aparato industrial visualizou o potencial produtivo de um dos recursos naturais da porção semiárida do território brasileiro.

As documentações consultadas pela equipe forneceram subsídios suficientes para uma descrição geral da carnaúba, dos métodos de cultivo e para a compilação de dados estatísticos do período sobre a produção e exportação da cera. A respeito dos métodos usados pelos trabalhadores locais, a equipe analisou in loco o passo a passo da extração do pó que dá origem à cera. Os equipamentos e a estrutura disponíveis para o tratamento da cera durante os trabalhos dos plantadores chamaram a atenção de Johnson e sua equipe por sua aparente simplicidade. Nesse momento evidenciou-se a proposta da companhia norte-americana na introdução dos aparatos científico-tecnológico e industrial nos tradicionais métodos extrativos utilizados para o trato da carnaúba. Após observações, Johnson afirmou:

Os métodos atuais de colheita e refino estão anos atrás de nossos métodos modernos de colheita e refino de outras culturas, como o trigo. Em comparação, o método hoje empregado na colheita das folhas de carnaúba corresponde ao período de um século atrás, quando o trigo era debulhado jogando as mudas para o ar. Uma grande perda também pode ser atribuída à ignorância ou necessidade de permitir que gado, burros e cabras comam as folhas novas de carnaúba das árvores, retardando assim o crescimento da palmeira imensuravelmente. (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 75, tradução livre).

A justificativa da companhia para a inserção de “métodos modernos” incidia na possibilidade de exploração evitando desperdícios e visando à qualidade do produto. Ao mesmo tempo, a introdução de maquinário e do conhecimento científico demandavam em alguns casos a substituição parcial ou integral das práticas de cultivo e extração aprendidos pelas experiências e saberes locais adquiridos ao longo de gerações. A acomodação entre conhecimento científico e saberes locais para o tratamento da cera de carnaúba foi um importante aspecto fortemente impulsionado pela agenda da Companhia Johnson no Nordeste do Brasil.

A montagem da base da expedição em Fortaleza se justificou, também, pela localização favorável ao acesso às outras regiões delineadas no roteiro da equipe. Inicialmente, os primeiros trabalhos em campo na “carnauba country” foram feitos nas fazendas com plantações de carnaúba nos arredores da cidade; eles se resumiram à observação e tomadas de notas dos processos de colheita e refino (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 77). Durante as atividades Johnson esboçava aos produtores locais o interesse em adquirir terrenos favoráveis à implantação da estação experimental, proposta inicial indicada nos planejamentos da companhia. Após os trabalhos por terra, Steinle e Gardiner fizeram voos de pesquisa pela região do Rio Jaguaribe. Pelo curso do rio, foram visualizadas grandes plantações de carnaúba (Metrópoles do Brasil, 1941METRÓPOLES DO BRASIL. Cultura Política, Rio de Janeiro, ano 1, n. 8, p. 170-184, out. 1941. , p. 177).

Um fator que chamou a atenção da equipe foi uma crescente postura de oposição e falta de cooperação de parte dos órgãos oficiais e dos plantadores de carnaúba ao trabalho da expedição norte-americana no Ceará. Mais uma vez, a ideia de suspeição ao estrangeiro (Castro Faria, 2012CASTRO FARIA, Luiz de. Introdução. In: MAST. Arquivo do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Cientificas no Brasil: inventário. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2012. p. 11-20.) veio à tona, agora aplicada a um contexto relativo à exploração de um produto com forte identificação à região por uma firma de outro país. Segundo Johnson Jr. (1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936.), essa postura se fortaleceu por conta da crença de que eles “conspiravam para roubar plantas e sementes de carnaúba com a ideia de cultivar as palmeiras na América do Norte”” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 80, tradução livre). Nas anotações de Johnson, ele descreveu que essa suspeição se explicava em virtude do malogro da exploração da borracha na região Norte do Brasil, episódio em que sementes de sua árvore foram plantadas fora do país, o que ocasionou uma forte concorrência e um prejuízo para o comércio de exportação da borracha.

A desconfiança esboçada reverberava em outras instâncias a nível nacional. A década de 1930 foi palco de ações em prol da proteção da carnaúba. Na Câmara dos Deputados discutiam-se medidas para a padronização e fiscalização da cera de carnaúba, como o Projeto de Lei n° 133, de autoria dos deputados federais Fernandes Távora e Luiz Sucupira, apresentado em 18 de fevereiro de 1935 (Carvalho, 1942CARVALHO, Joaquim Bertino de Moraes. Ensaios sobre a carnaubeira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura. Serviço de Informação Agrícola, 1942., p. 289-290). Nesse mesmo ano, o jornal carioca Diário da Noite noticiou, em tom de denúncia, um comércio clandestino de exportação de sementes de carnaúba no estado do Ceará. Na coluna intitulada “Proteção à Fauna e Flora”, o então diretor do jornal, Austregesilo de Athayde (1935ATHAYDE, Austregesilo de. Proteção à Fauna e à Flora. Diário da Noite, anno VII, n. 2.372, p. 1, 25 jul. 1935.), escreveu:

Quero a propósito anunciar daqui que agentes estrangeiros estão comprando no Ceará grande quantidade de sementes de carnaúba, afim de plantá-las nas colônias britânicas da África. Esse fato foi-me comunicado por um particular recém-vindo dos pagos. É a repetição do caso da borracha. Dentro de alguns anos as colônias inglesas serão grandes produtoras da cêra e o nordeste brasileiro estará fora do mercado. Não haverá por ahi alguma autoridade desocupada que queira olhar para esse assumpto, evitando que nos arranquem uma das últimas riquezas nativas deste paiz? (Athayde, 1935ATHAYDE, Austregesilo de. Proteção à Fauna e à Flora. Diário da Noite, anno VII, n. 2.372, p. 1, 25 jul. 1935., p. 1).

Diante desse quadro de desconfiança a propósito das atividades de estrangeiros, bem como e tímida cooperação dos cearenses, Johnson resolveu suspender temporariamente os trabalhos da expedição no Ceará e enviou Steinle às regiões do Rio Parnaíba, no estado do Piauí.

No Piauí, Steinle se estabeleceu na capital do estado, Teresina; na ocasião de sua chegada, fora recebido por negociantes, oficiais do governo e pelo chefe de polícia, que ofereceram todas as facilidades para o desenvolvimento das atividades do químico norte-americano. Steinle realizou pesquisas aéreas a bordo do avião da S.C. Johnson & Son. em regiões próximas à capital, observando grandes plantações de carnaúba na cidade de Campo Maior. Segundo Steinle, os métodos de cultivo, colheita e refino do pó pareciam mais eficientes; porém, a qualidade da cera era prejudicada pela baixa frequência das chuvas, que degradavam as palhas da palmeira (Steinle apudJohnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 85). Concluindo-se os trabalhos nessa região, Steinle retornou a Fortaleza para o prosseguimento, junto à equipe, de mais duas etapas de pesquisa em campo: 1. prospecções pela costa do Ceará em direção à cidade de Parnaíba, região Nordeste do estado do Piauí; 2. pesquisas aéreas pelo interior do Ceará, Pernambuco e Bahia, seguindo o curso do Rio São Francisco.

Os objetivos em todas as etapas da expedição foram os mesmos: observar as melhores áreas para plantação de carnaúba, conhecer os métodos utilizadas até então pelos produtores locais e adquirir os melhores terrenos para a montagem da estação experimental, na qual seriam testadas as metodologias resultantes dos estudos dos cientistas e técnicos da companhia. No percurso pela costa cearense, Johnson afirmou que “[...] todas as bacias hidrográficas desta parte do estado são da região da carnaúba” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 86, tradução livre), conclusão que despertou uma vez mais a atenção e o interesse do presidente da empresa pela exploração da carnaúba nesse estado.

Na cidade de Parnaíba, a equipe se utilizou novamente da infraestrutura disponibilizada pelos governantes e pessoas ligadas ao poder local nas regiões visitadas. O prefeito da cidade chegou inclusive a oferecer as “chaves da cidade” à comissão norte-americana. Em Parnaíba, a equipe travou contato com grandes plantadores de carnaúba, como “Mr. Sampaio” e João Silva, considerados maiores proprietários de carnaubais na região e representantes de duas grandes firmas exportadoras de carnaúba, a James Frederick Clark Co. e a Roland Jacob Co. Mais uma vez, Johnson criticou os métodos utilizados: “Todos com quem conversei até agora [...] sabem que os métodos de colheita e refino da carnaúba são muito antiquados e gostariam de receber sugestões de melhoria. Todos estão interessados em nossos planos para melhorar os métodos” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 90, tradução livre).

A segunda etapa de pesquisas, dessa vez direcionada à região do Rio São Francisco por Iguatu, Petrolina e Barra, foi realizada por Johnson, Dahlgren e Cantidio, o “oficial militar” escalado pelo Exército do Brasil para fiscalizar a expedição norte-americana. Nessa área, a companhia visualizou poucas plantações de carnaúba, mas avaliou a boa qualidade das terras para futuras plantações. Após a conclusão dessa última etapa, todos retornaram a Fortaleza e se preparam para o retorno aos Estados Unidos. Para Johnson, a Expedição Carnaúba foi bem-sucedida no cumprimento dos seus objetivos e para os planos de manutenção da “liderança [da companhia] na fabricação de ceras e polimentos” (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 103). Os trabalhos em campo, embasados pelos escritos de naturalistas/cientistas e exploradores sobre a carnaúba, foram decisivos para o direcionamento da equipe após o período na “carnauba country”; o material resultante das atividades da expedição no Brasil passou por análise nos laboratórios de pesquisa da companhia, em Racine.

Considerações finais

Após dois meses de atividades no Brasil, a Expedição Carnaúba foi concluída em dezembro de 1935. As considerações derivadas dos trabalhos em campo fortaleceram a necessidade, visualizada pela companhia, de aprimoramentos nos métodos extrativos aplicados no Brasil - definidos como “arcaicos” pela equipe - e de implementação de pesquisas e testes em laboratórios e em estações experimentais sustentados por conhecimento científico contemplados por químicos e botânicos. Em um momento de forte investimento em métodos que levassem ao desenvolvimento de compostos químicos sintéticos em substituição aos produtos naturais, a cera de origem vegetal, naquele período, ainda era parte fundamental na produção de polidores para uso nas residências norte-americanas (Johnson Jr., 1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936., p. 103) e para o abastecimento dos mercados fora dos Estados Unidos, conferindo uma vez mais o aspecto transnacional da Companhia Johnson e da própria palmeira carnaúba. A Expedição Carnaúba foi o primeiro movimento da empresa estrangeira no Brasil; os planos para a exploração efetiva da carnaúba e estabelecimento da empresa em Fortaleza foram logo implementados. Segundo Steinle, como síntese dos trabalhos da expedição:

A expedição e as cuidadosas investigações e trabalhos experimentais realizados pelo grupo são apenas o início do programa planejado pela S.C. Johnson & Son, Inc., para o estudo da cera de carnaúba. Um terreno foi adquirido perto de Fortaleza e uma estação experimental será instalada lá para estudar métodos de plantio relacionados ao crescimento da carnaúba e desenvolver métodos aprimorados para a produção de cera de carnaúba de qualidade melhor e mais uniforme. (Steinle, 1936STEINLE, Jon Vermon. An Expedition to its Source. Industrial and Engineering Chemistry, v. 28, n. 9, p. 1004-1008, 1936., p. 1008, tradução livre).

A Expedição Carnaúba obteve resultados positivos consideráveis na avaliação de seu presidente e chefe da comissão científica, Herbert Johnson Jr. A parceria da companhia com o Museu de História Natural de Chicago, na figura do curador de botânica e especialista em palmeiras, Eric Dahlgren, rendeu o envio de material coletado durante a expedição à instituição científica norte-americana (Figuras 4 e 5). A coleção era composta por 376 espécimes de herbário para estudos, plantas, em geral palmeiras ainda não catalogadas, dos estados do Ceará, Piauí e Bahia, e alguns espécimes para exibição nas exposições do museu.6 6 “From the S.C. Johnson Brazil Carnauba Expedition there were received, as a gift, 376 herbarium specimens collected in the states of Ceará and Piauhy; a quantity of large palm and economic material, still uncatalogued, from the same states and also from Bahia; and selected specimens preserved in formalin for use in the preparation of botanical exhibits.” Field Museum of Natural History (January 1936). Annual reports of the director to the Board of Trusteess for the year 1935. Publication 354, Vol.X, No. 3., p. 328. Para os objetivos da companhia, de promover o estudo e exploração da carnaúba no Nordeste do Brasil, foram definidas as regiões centrais das atividades que seriam realizadas: primeiramente, em Fortaleza e Maranguape, e, em um segundo momento, em Catuana, todos no estado do Ceará, corroborando as análises feitas durante a viagem de prospecção as quais demonstraram os benefícios da fixação da empresa em território cearense, pela melhor qualidade da cera e existência de grandes carnaubais.

Figura 4 -
Roteiro da Expedição Carnaúba no nordeste do Brasil (1935).

Figura 5-
Amostras da carnaúba (Copernicia cerifera) coletadas durante a Expedição Carnaúba em Aquiraz - CE por Bror Eric Dahlgren em 23 de outubro de 1935. Foi doada pela SC Johnson & Son ao Field Museum of Natural HistoryFIELD MUSEUM OF NATURAL HISTORY. Annual reports of the director to the Board of Trusteess for the year 1935. Publication 354, v. X, n. 3, 328 p., jan. 1936., um museu de História Natural localizado em Chicago, EUA.

Em 1937 iniciavam-se as instalações da estação experimental e da usina de beneficiamento de cera no estado do Ceará. O maquinário e os insumos foram importados, em sua maioria, dos Estados Unidos, “vindos de Nova York [...] pelo vapor ‘Wreloake’” (Várias, 1937VÁRIAS NOTÍCIAS. Jornal do Commercio, anno 110, n. 230, 6 p, 1 jul. 1937. , p. 6). Segundo o agrônomo Cunha Bayma, em relatório de 1938 sobre os “ciclos vegetativos da carnaúba” apresentado ao Ministro da Agricultura, foram investidos “cerca de 1.200 contos em trabalhos de cultura da carnaúba e na construção e montagem de uma fábrica moderna para extração da cera, por processo mecânico único no mundo” (Várias, 1938VÁRIAS NOTÍCIAS. Jornal do Commercio, anno. 111, n. 196, 10 p, 22 mai. 1938., p. 10). Sob supervisão do agrônomo cearense Humberto Rodrigues de Andrade (1873-),7 7 Humberto Rodrigues de Andrade (1873-) nasceu em 2 de outubro de 1873, na cidade de Sobral (CE). Formado em Medicina, ele teve destacada atuação como agrônomo no Ceará, sendo Inspetor Agrícola Federal; cofundador da Escola de Agronomia de Fortaleza, onde foi professor catedrático e vice-diretor, lecionando as cadeiras de Agricultura Geral, Silvicultura, Economia Rural e Legislação Agrária e Florestal; vice-presidente da Sociedade Cearense de Agricultura e diretor do Boletim da mesma sociedade; membro efetivo da Sociedade Entomológica do Brasil; chefe da Agência do Serviço de Economia Rural do Ceará. Andrade foi também um político de destaque, sendo deputado federal pelo seu estado natal (1935-1937) e presidente do Partido Agrário Nacional no Ceará (1945). Suas atividades parlamentares se voltaram sobremaneira para elaboração e discussão de projetos em prol da valorização da agricultura e da pecuária do Nordeste do Brasil. No que tange aos estudos sobre a carnaúba, Andrade publicou uma série de artigos em periódicos científicos e jornais, desenvolveu pesquisas e supervisionou trabalhos em cooperação com a companhia norte-americana S.C. Johnson & Son a partir da década de 1930. A trajetória profissional de Andrade foi marcada pela defesa do “método racional” no cultivo e produção de cera carnaúba, traduzido pelos seguintes preceitos: introdução de máquinas; modelo de plantação sistemática; criação de estações experimentais e de laboratórios para tratamento científico da planta nordestina; formação e educação agrícola. uma das figuras-chave na interlocução entre a companhia norte-americana, os produtores e o poder local, foram plantados cerca de 80.000 pés de carnaúbas às margens da estrada que ligava Fortaleza a Maranguape (Salgado, 1940SALGADO, Arthur. Cêra de Carnaúba. In: ANDRADE, Humberto de; SALGADO, Arthur. Cêra de Carnaúba. Fortaleza: Cia. Johnson S/A, 1940. p. 7-12., p. 10). Nota-se, portanto, a articulação entre ciência e indústria com vistas ao desenvolvimento e industrialização da cera de carnaúba.

A análise da trajetória da Expedição Carnaúba no Brasil revela uma teia de disputas envolvendo políticos, cientistas, empresários e o poder local para exploração da cera de carnaúba. Cada esfera conferia à planta interesses e expectativas diversos em uma conjuntura de ações para a fiscalização e controle da natureza e da circulação dos estrangeiros no país. Viu-se que uma das justificativas para a autorização à realização da expedição era a expectativa, por parte do governo brasileiro, de que a iniciativa da companhia geraria benefícios ao desenvolvimento da cultura da carnaúba, tendo em vista que a S.C. Johnson & Son. era uma grande empresa norte-americana especializada em produtos à base de cera. Essa entrada favorecida à firma estrangeira ocorreu em um momento de maior fiscalização e controle da exploração dos recursos naturais no Brasil, especialmente após a criação do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (CFE). Compreende-se, portanto, que o fazer científico articula-se às demandas de atores e às particularidades locais, evidenciando uma estreita aproximação entre ciência, contexto social e relações de poder.

Este artigo teve como expectativa tão somente contribuir, sob perspectiva histórica, para a compreensão da trajetória de exploração dos recursos naturais no Brasil na primeira metade do século XX. O exame das atividades da Expedição Carnaúba ilustra a experiência de uma empresa estrangeira na exploração de um produto natural local e fortemente identificado ao semiárido brasileiro.

Referências

  • ANDRADE, Humberto de. Carnaúba. In: GIRÃO, Raimundo; MARTINS FILHO, Antônio (org.). O Ceará Fortaleza: Ed. Fortaleza, 1966 [1939]. p. 7-12.
  • ATHAYDE, Austregesilo de. Proteção à Fauna e à Flora. Diário da Noite, anno VII, n. 2.372, p. 1, 25 jul. 1935.
  • BAYMA, Cunha. Sucedâneos Sintéticos e a Cera de Carnaúba. In: MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Carnaúba: seus problemas econômicos e extrativos. Boletim nº 5. Rio de Janeiro: Instituto de Óleos, 1949. p. 49-61.
  • BRAGA, Renato. Plantas do Ceará. Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, Anno LXV, 1951.
  • BRASIL. Correspondência sobre o pedido de licença de S.C. Johnson & Son Incorporated, de Racine, Wisconsin (Estados Unidos), para realizar vôs próximos a Fortaleza para estudar a carnaubeira e outras espécies vegetais, dossiê (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE), Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 1935.
  • BRASIL. Livros de atas das reuniões do Conselho (Fundo Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil - CFE). Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), 17 ago. 1939.
  • CASTRO FARIA, Luiz de. Introdução. In: MAST. Arquivo do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Cientificas no Brasil: inventário. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2012. p. 11-20.
  • CARVALHO, Joaquim Bertino de Moraes. Ensaios sobre a carnaubeira Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura. Serviço de Informação Agrícola, 1942.
  • DENNIS, Michael Aaron. Accounting for Research: New Histories of Corporate Laboratories and The Social History of American Science. Social Studies of Science, v. 17, p. 482-483, 1987.
  • FIELD MUSEUM OF NATURAL HISTORY. Annual reports of the director to the Board of Trusteess for the year 1935 Publication 354, v. X, n. 3, 328 p., jan. 1936.
  • GAVROGLU, Kostas. O Passado das Ciências como História Lisboa: Editora Porto, 2007.
  • GOMES, Pimentel. A Carnaubeira Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Agricultura, 1945.
  • GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Coleções e Expedições Vigiadas: os etnólogos no conselho de fiscalização das expedições artísticas e científicas no Brasil. São Paulo: Editora HUCITEC, 1998.
  • JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936.
  • JOHNSON, Dennis. A carnaubeira e seu papel como uma planta econômica Fortaleza: BNB, 1970.
  • KOHLER, Robert E. Landscapes and labscapes: exploring the lab-field border in biology. Chicago: The University Chicago Press, 2002.
  • KURY, Lorelai Brilhante. Histoire Naturelle et Voyages Scientifiques Paris: L’Harmattan, 2001a.
  • KURY, Lorelai Brilhante. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. VIII (suplemento) p. 863-880, 2001b.
  • LUCIER, Paul. Commercial Science. In: LIGHTMAN, Bernard (ed.). A Companion to The History of Science United Kingdom: John & Sons Ltd., the Atrium, Southern Gate, 2016. p. 268-281.
  • LISBOA, Araci Gomes. O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil: ciência, patrimônio e controle. 2004. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
  • METRÓPOLES DO BRASIL. Cultura Política, Rio de Janeiro, ano 1, n. 8, p. 170-184, out. 1941.
  • MOREIRA, Paulo Italo. Entre Extrativismo e Ciência: A História da Exploração da Cera de Carnaúba no Nordeste do Brasil na Primeira Metade do Século XX. História Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 12, p. 107-139, 2022.
  • PISO, Guilhermo; MARCGRAVE, George. Historia Naturalis Brasiliae. Lugdun. Batauorum Amsterdã: Apud Franciscum Hackium, 1648.
  • QUATTROCCHI, Umberto. CRC World Dictionary of Palms: Commom Names, Scientific Names, Eponyms, Synonyms, And Etymology. Boca Raton: CRC Press, 2017.
  • SALGADO, Arthur. Cêra de Carnaúba. In: ANDRADE, Humberto de; SALGADO, Arthur. Cêra de Carnaúba Fortaleza: Cia. Johnson S/A, 1940. p. 7-12.
  • SANTOS, André Moreira. O Impacto da cultura no desempenho de uma empresa familiar: um estudo de caso. 2004. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
  • SORRENSON, Richard. The Ship as a Scientific Instrument in the Eighteenth Century. Osiris, v. 11, p. 221-236, 1996.
  • SILVA FILHO, Antonio Luiz Macedo e. Rumores: a paisagem sonora de Fortaleza (1930-1950). Fortaleza: Museu do Ceará, 2006.
  • SOUZA, Simone. As interventorias no Ceará (1930-1935). In: SOUZA, Simone. (Coord.). História do Ceará Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995. p. 321-346
  • STEINLE, Jon Vermon. An Expedition to its Source. Industrial and Engineering Chemistry, v. 28, n. 9, p. 1004-1008, 1936.
  • THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
  • VÁRIAS NOTÍCIAS. Jornal do Commercio, anno 110, n. 230, 6 p, 1 jul. 1937.
  • VÁRIAS NOTÍCIAS. Jornal do Commercio, anno. 111, n. 196, 10 p, 22 mai. 1938.

Notas

  • 1
    Dahlgren chegou a Belém antes dos outros membros da equipe, pois havia sido destacado para acompanhar a entrega dos equipamentos a serem utilizados na montagem do laboratório químico provisório na cidade de Fortaleza.
  • 2
    Esta moção foi escrita no momento em que o conselho passava por um esvaziamento das suas atribuições por conta da criação de outros órgãos de controle e de fiscalização, como, por exemplo, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - futuro IPHAN - e os códigos de caça e pesca, o que poderia resultar em “duplicidade de autoridade no exercício de funções”. Para uma discussão aprofundada sobre a trajetória do Conselho de Fiscalização no período de sua existência (1933-1968), ver Grupioni (1998GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Coleções e Expedições Vigiadas: os etnólogos no conselho de fiscalização das expedições artísticas e científicas no Brasil. São Paulo: Editora HUCITEC, 1998.) e Lisboa (2004LISBOA, Araci Gomes. O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil: ciência, patrimônio e controle. 2004. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.).
  • 3
    O empreendimento científico da companhia norte-americana Johnson para explorar a carnaúba do Nordeste do Brasil foi narrado em um livro escrito pelo próprio presidente da empresa e chefe da expedição, Herbert Johnson Jr., em 1936, portanto, um ano após o fim das atividades da expedição. Esse documento se trata de um registro dos trabalhos da equipe, em um estilo narrativo que intercala relato pessoal e relatório científico. Ressalta-se que essas duas formas não são excludentes, mas, sim, complementam-se no decorrer da narrativa. Para o primeiro, pululam vários trechos, realçando o tom aventureiro da expedição. Problemas ocorridos com o avião da expedição; condições adversas de clima, idioma, culinária; questões relacionadas às documentações, registros e autorizações para o prosseguimento da viagem - como citado na sessão anterior - são algumas das questões presentes no relato e que geraram uma necessidade de enfrentamento e superação por parte da equipe. A despeito das questões relativas aos percalços encontrados pela expedição, as observações e registros científicos - ponto fundamental da discussão da presente sessão - são as características que identificam o documento como um relatório científico detalhado. Ver: Johnson Jr. (1936JOHNSON JR., Herbert Fisk.Carnauba Expedition: The Story of a Scientific Adventure by Airplane to Study the Carnauba Palm at Its Source in the Interior of Brazil. Racine: Western Printing and Lithographing Company, 1936.).
  • 4
    A ideia ampla de instrumento científico, incorporando uma ampla gama de objetos utilizados no fazer científico, é reforçada pela historiografia das ciências de campo. Ver, por exemplo, Sorrenson (1996SORRENSON, Richard. The Ship as a Scientific Instrument in the Eighteenth Century. Osiris, v. 11, p. 221-236, 1996.).
  • 5
    Bror Eric Dahlgren (1877-1961) era um botânico de origem sueca, formado pelas universidades de Minnesota, Cornell e Columbia. Ele trabalhou diretamente na realização de exposições botânicas no American Museum of Natural History até 1909, quando aceitou convite para chefiar o departamento de modelagem botânica no Field Museum of Natural HistoryFIELD MUSEUM OF NATURAL HISTORY. Annual reports of the director to the Board of Trusteess for the year 1935. Publication 354, v. X, n. 3, 328 p., jan. 1936., em Chicago. Até a década de 1930, Dahlgren desenvolvia trabalhos voltados para exposições, inclusive envolvendo viagens para coleta de material para o museu. Nessas viagens, Dahlgren realizou um levantamento de plantas econômicas, acumulando assim material botânico de países como Guiana Inglesa, Cuba e Brasil. A partir desse momento, Dahlgren dedicou seu trabalho ao estudo das palmeiras, em especial o gênero Copernicia, cujos resultados foram publicados em relatórios, artigos e livros como The Coco Palm e Index of American Palms. Em 1935, Dahlgren assumiu o cargo de curador pleno de botânica do Field Museum e, nesse mesmo período, fora convidado por Herbert Johnson Jr. para fazer parte da Expedição Carnaúba. Alguns dados biográficos disponíveis no seguinte endereço: https://plants.jstor.org/stable/10.5555/al.ap.person.bm000001797?searchUri=filter%3Dpeople%26so%3Dps_group_by_genus_species%2Basc%26Query%3DEric%2BDahlgren (Acessado em 05 de agosto de 2020); ver Quattrocchi (2017QUATTROCCHI, Umberto. CRC World Dictionary of Palms: Commom Names, Scientific Names, Eponyms, Synonyms, And Etymology. Boca Raton: CRC Press, 2017.).
  • 6
    “From the S.C. Johnson Brazil Carnauba Expedition there were received, as a gift, 376 herbarium specimens collected in the states of Ceará and Piauhy; a quantity of large palm and economic material, still uncatalogued, from the same states and also from Bahia; and selected specimens preserved in formalin for use in the preparation of botanical exhibits.” Field Museum of Natural History (January 1936). Annual reports of the director to the Board of Trusteess for the year 1935. Publication 354, Vol.X, No. 3., p. 328.
  • 7
    Humberto Rodrigues de Andrade (1873-) nasceu em 2 de outubro de 1873, na cidade de Sobral (CE). Formado em Medicina, ele teve destacada atuação como agrônomo no Ceará, sendo Inspetor Agrícola Federal; cofundador da Escola de Agronomia de Fortaleza, onde foi professor catedrático e vice-diretor, lecionando as cadeiras de Agricultura Geral, Silvicultura, Economia Rural e Legislação Agrária e Florestal; vice-presidente da Sociedade Cearense de Agricultura e diretor do Boletim da mesma sociedade; membro efetivo da Sociedade Entomológica do Brasil; chefe da Agência do Serviço de Economia Rural do Ceará. Andrade foi também um político de destaque, sendo deputado federal pelo seu estado natal (1935-1937) e presidente do Partido Agrário Nacional no Ceará (1945). Suas atividades parlamentares se voltaram sobremaneira para elaboração e discussão de projetos em prol da valorização da agricultura e da pecuária do Nordeste do Brasil. No que tange aos estudos sobre a carnaúba, Andrade publicou uma série de artigos em periódicos científicos e jornais, desenvolveu pesquisas e supervisionou trabalhos em cooperação com a companhia norte-americana S.C. Johnson & Son a partir da década de 1930. A trajetória profissional de Andrade foi marcada pela defesa do “método racional” no cultivo e produção de cera carnaúba, traduzido pelos seguintes preceitos: introdução de máquinas; modelo de plantação sistemática; criação de estações experimentais e de laboratórios para tratamento científico da planta nordestina; formação e educação agrícola.
  • A pesquisa que resultou neste artigo contou com bolsa de doutorado do Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Proc. 88882.442976/2019-01).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    18 Jan 2024
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br