Resumos
Neste estudo objetiva-se apontar especificidades de redes temáticas em blogs de familiares de Pessoas com Necessidades Especiais (PNE) com relação à Análise de Redes Sociais (ARS). Nosso objeto de estudo são as redes sociais em blogs de familiares de pessoas com autismo e com síndrome de Asperger. Sob o prisma da Inclusão Social (IS) e da Inclusão Digital (ID), percebe-se que a especificação da temática em torno das quais essas redes se formam é condição sine qua non para o seu estabelecimento. Esse foco sugere uma problematização do conceito de laços fracos e laços fortes. A netnografia é a metodologia utilizada para análise dos blogs selecionados. Frente a isso, a análise de capital social e de laços sociais de forma interdependente - o que consiste numa adaptação a um modelo de estrutura de redes proposto - revelou-se pertinente para a identificação da IS em redes temáticas na web.
Blogging; Inclusão social; Internet; Pessoas com deficiência; Síndrome de Asperger
En este estudio se objetiva apuntar especificidades de redes temáticas en blogs de familiares de Personas con Necesidades Especiales (PNE) con relación al Análisis de Redes Sociales (ARS). Nuestro objetivo de estudio son las redes sociales en blogs de familiares de personas con autismo y con síndrome de Asperger. Bajo el prisma de la Inclusión Social (IS) y de la Inclusión Digital (ID) se percibe que la especificación de las temáticas en torno de las cuales estas redes se forman es condición sine qua non para su establecimiento. Este foco sugiere colocar el problema del concepto de lazos débiles y lazos fuertes. La "netnografía" es la metodología que se utiliza para el análisis de los blogs seleccionados. Ante esto el análisis de capital social y de los lazos sociales de forma interdependiente, que consiste en una adaptación a un modelo de estructura de redes propuesto, se ha revelado pertinente para la identificación de la IS en redes temática en la WEB.
Blogging; Inclusión social; Internet; Personas con discapacidad; Síndrome de Asperger
This article aims to indicate some specificities of thematic networks in blogs of relatives of People with Special Needs (PSN) with respect to Social Network Analysis (SNA). Our object is social networks in blogs on autism and Asperger syndrome. In light of Social Inclusion (SI) and Digital Inclusion (DI), we can notice that the topic is the main condition for setting such networks. This focus shows a problematization of the concepts of weak and strong ties. Netnography is the methodology used to analyse these blogs. Thus, it is important to analyse both social capital and social ties as interdependent elements, which requires adaptations to a proposed model of network structure, as this analysis is relevant to the identification of SI in thematic networks on the web.
Blogging; Social inclusion; Internet; Disabled persons; Asperger syndrome
ESPAÇO ABERTO
Implicações de redes temáticas em blogs na Análise de Redes Sociais (ARS): estudo de caso de blogs sobre autismo e síndrome de Asperger*
Implications of thematic networks in blogs in the Social Network Analysis (SNA): a case study of blogs on autism and Asperger syndrome
Implicaciones de redes temáticas en blogs en la Análisis de Redes Sociales (ARS): estudio de caso de blogs sobre autismo y síndrome de Asperger
Sandra Portella MontardoI; Liliana Maria PasserinoII
IMestrado em Inclusão Social e Acessibilidade, Universidade Feevale. Rua Ramiro Barcelos, 1522, ap. 84. Bairro Independência, Porto Alegre, RS, Brasil. 90.035-002. sandramontardo@feevale.br
IIProgramas de Pós-Graduação em Informática na Educação e em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Neste estudo objetiva-se apontar especificidades de redes temáticas em blogs de familiares de Pessoas com Necessidades Especiais (PNE) com relação à Análise de Redes Sociais (ARS). Nosso objeto de estudo são as redes sociais em blogs de familiares de pessoas com autismo e com síndrome de Asperger. Sob o prisma da Inclusão Social (IS) e da Inclusão Digital (ID), percebe-se que a especificação da temática em torno das quais essas redes se formam é condição sine qua non para o seu estabelecimento. Esse foco sugere uma problematização do conceito de laços fracos e laços fortes. A netnografia é a metodologia utilizada para análise dos blogs selecionados. Frente a isso, a análise de capital social e de laços sociais de forma interdependente - o que consiste numa adaptação a um modelo de estrutura de redes proposto - revelou-se pertinente para a identificação da IS em redes temáticas na web.
Palavras-chave: Blogging. Inclusão social. Internet. Pessoas com deficiência. Síndrome de Asperger.
ABSTRACT
This article aims to indicate some specificities of thematic networks in blogs of relatives of People with Special Needs (PSN) with respect to Social Network Analysis (SNA). Our object is social networks in blogs on autism and Asperger syndrome. In light of Social Inclusion (SI) and Digital Inclusion (DI), we can notice that the topic is the main condition for setting such networks. This focus shows a problematization of the concepts of weak and strong ties. Netnography is the methodology used to analyse these blogs. Thus, it is important to analyse both social capital and social ties as interdependent elements, which requires adaptations to a proposed model of network structure, as this analysis is relevant to the identification of SI in thematic networks on the web.
Keywords: Blogging. Social inclusion. Internet. Disabled persons. Asperger syndrome.
RESUMEN
En este estudio se objetiva apuntar especificidades de redes temáticas en blogs de familiares de Personas con Necesidades Especiales (PNE) con relación al Análisis de Redes Sociales (ARS). Nuestro objetivo de estudio son las redes sociales en blogs de familiares de personas con autismo y con síndrome de Asperger. Bajo el prisma de la Inclusión Social (IS) y de la Inclusión Digital (ID) se percibe que la especificación de las temáticas en torno de las cuales estas redes se forman es condición sine qua non para su establecimiento. Este foco sugiere colocar el problema del concepto de lazos débiles y lazos fuertes. La "netnografía" es la metodología que se utiliza para el análisis de los blogs seleccionados. Ante esto el análisis de capital social y de los lazos sociales de forma interdependiente, que consiste en una adaptación a un modelo de estructura de redes propuesto, se ha revelado pertinente para la identificación de la IS en redes temática en la WEB.
Palabras clave: Blogging. Inclusión social. Internet. Personas con discapacidad. Síndrome de Asperger.
Introdução
Este estudo parte da hipótese de que a socialização on-line é fator de inclusão social de Pessoas com Necessidades Especiais (PNE) e de seus familiares via Tecnologia de Informação e de Comunicação (TIC), por permitir a troca de informação e de afeto entre os seus parentes, ao mesmo tempo em que se torna um espaço promotor do desenvolvimento sociocognitivo para PNE1.
Essa discussão da relação entre Inclusão Social (IS) e Inclusão Digital (ID) via acessibilidade digital foi amplamente abordada em um estudo anterior (Montardo, Passerino, 2007). Nele, adotou-se um conceito que entende a IS como um processo contínuo em busca de qualidade de vida (Ladeira, Amaral, 1999), que consiste em atingir a autonomia de renda, desenvolvimento humano e equidade (Sposati, 1996). Esse processo teria, como contrapartida, uma redistribuição da riqueza social e tecnológica para os cidadãos (Azevedo, Barros, 2004). Nesse sentido, a ID é uma faceta da IS e, além de proporcionar o direito de acesso ao mundo digital para o desenvolvimento intelectual, pretende promover espaços para práticas culturais significativas que tornem os participantes letrados digitalmente, ou seja, não apenas com capacidade técnica de atuar na web, mas também com capacidade de criar e produzir significados e sentidos nela (Warschauer, 2006).
No entanto, como é possível identificar inclusão social a partir da socialização on-line de familiares de/e dos próprios PNE em blogs? O aspecto estrutural das redes a serem analisadas se impõe. Na busca de um software que representasse, sob uma perspectiva inclusiva, uma rede temática sobre autismo e síndrome de Asperger, foram encontrados sistemas capazes apenas de identificar aspectos quantitativos das redes (Benkenstein, Montardo, Passerino, 2007), o que é insuficiente para a análise pretendida. Essa constatação levou à investigação da origem desses sistemas e, consequentemente, das limitações das teorias da Análise de Redes Sociais (ARS) com relação à representação e análise de redes temáticas.
Questionando-se sobre a insuficiência desses modelos para uma análise qualitativa, Recuero (2005) propõe um modelo de análise de redes sociais na internet, constituída de três elementos principais: organização, estrutura e dinâmica. A organização se relaciona à interação social em um grupo. Já a estrutura se refere ao resultado das trocas empreendidas em um grupo, em termos de laços sociais e de capital social. Por fim, a dinâmica trata das modificações sofridas por uma rede com o passar do tempo. A análise que aqui se pretende fazer se concentrará no item estrutura, que, por sua vez, pressupõe a análise de laços sociais e de capital social, já que se busca a visualização dessas redes e os tipos de conexão que as formam.
Segundo Recuero (2005), laço social refere-se à interação social e, de acordo com Breiger (1974), pode ser relacional (voluntário) ou associativo (pertencimento). Na tentativa de descobrir como as pessoas conseguem empregos, Granovetter propõe o artigo "A força dos laços fracos" (1973). Com o objetivo de demonstrar que o nível macro da sociologia está relacionado com o que acontece em nível micro (individual), Granovetter (1973) constatou que são apenas os conhecidos, e não os amigos, os responsáveis por indicações a novos empregos.
Barabási (2003) percebe, nessa teoria, uma visão de sociedade constituída por pequenos grupos em que todos se conhecem entre si. Trata-se, então, de muitos conjuntos de nós conectados a todos os outros dentro de um cluster (grupo de atores ligados por laços fortes), que se ligam a outros clusters por meio de laços fracos. Portanto, laços fracos representam "nossa ponte para fora do nosso mundo, já que em lugares diferentes freqüentemente as pessoas obtém suas informações a partir de diferentes fontes além dos seus amigos mais próximos" (Barabási, 2003, p.43).
Para Granovetter (200), então, laços fortes são aqueles que indicam uma relação linear entre tempo, intensidade emocional, intimidade (confiança mútua) e serviços recíprocos entre os atores de um mesmo cluster, enquanto os laços fracos se caracterizam por contatos irregulares (em frequência e em intensidade) que ocorrem nas relações sociais. Justamente por conta disso, no entanto, os laços fracos constituem fonte alternativa de informações e, com isso, de provável mobilidade dentro da sociedade.
Sabe-se que Granovetter (2000) não estudou redes sociais on-line. Nesse caso, a presença de um link entre dois blogs representa necessariamente o estabelecimento de um laço? E se isso for considerado, de que tipo seria esse laço? Basta situar-se em um webring para entender um link entre dois blogs como laço forte, tal qual parece sugerir Granovetter (2000)? Na medida em que as ligações entre blogs podem se dar por mais de um link entre apenas dois atores (no blogroll, postagens e comentários), poderia haver laços fracos e fortes entre os mesmos dois atores da rede temática? Como identificar tempo, intensidade emocional, intensidade (confiança mútua) e serviços recíprocos, tal qual propõe Granovetter (2000), em uma rede temática, em blogs, para classificar um laço em webring temático como forte?
As questões de conteúdo podem ser resolvidas com a proposta do capital social, uma das vertentes dos estudos de ARS e categoria presente no modelo proposto por Recuero (2005). O capital social diz respeito às conexões e tem como elemento a reciprocidade e a confiança, afirma Recuero (2005). Ao comparar os conceitos de Putnam (2000) e Bourdieu (1983), a autora conclui que "o capital social constitui-se em um conjunto de recursos de um determinado grupo obtido através da comunhão dos recursos individuais, que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na reciprocidade" (Recuero, 2005), sendo que se deve considerar, para tanto, o conteúdo das mensagens. Para Bertolini e Bravo (2004), citados por Recuero (2005), existem cinco tipos de capital social: relacional, normativo, cognitivo, confiança no ambiente social e institucional.
Ainda que, de acordo com esse modelo, laços sociais e capital social façam parte da estrutura das redes, em trabalhos posteriores da autora (Recuero, 2008, 2006), verifica-se amplamente a análise de capital social empreendido em redes sociais na web dispostas em diferentes suportes (softwares de redes sociais, blogs, fotologs etc.). Já os laços sociais não foram objeto de problematização, talvez pelo fato de as redes analisadas terem sido constituídas independentemente de uma temática específica.
Ao que parece, o caráter temático de um webring2 requer adaptações para que se analise seu caráter inclusivo. Nesse caso, uma rede em blogs de PNE e de seus familiares pressupõe, mais do que a análise do conteúdo das postagens e dos comentários para identificação do tipo de capital social alocado, o contexto de sua proposição. Esse é o ponto de partida deste estudo.
Definição da temática do webring
Na medida em que se propõe verificar de que modo a socialização on-line estimula e proporciona o IS em redes temáticas, um dos primeiros pontos a serem verificados é o tema em questão.
Autismo e síndrome de Asperger
O autismo constitui parte das síndromes conhecidas como Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD). O termo global significa que o transtorno ou desordem afeta profundamente o processo de desenvolvimento, especialmente nas áreas de cognição, linguagem, motora e social. Segundo Hobson (1993), uma pessoa com autismo é "[...] um ser estranho que se movimenta num plano diferente de existência, [...] uma pessoa com a qual não podemos conectar" (Hobson, 1993, p.16).
Dados europeus e norte-americanos indicam que o autismo ocorre em número de quatro ou cinco casos em cada dez mil nascimentos, sendo quatro vezes mais frequente no gênero masculino. Acredita-se que, no Brasil, existam aproximadamente seiscentos mil indivíduos afetados pela síndrome (Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, 2003).
Até o momento não foi possível encontrar um padrão neurológico específico da disfunção psicológica que seja, ao mesmo tempo, específica do autismo e universal em todos os casos diagnosticados (Hobson, 1993). Hoje é aceito que a etiologia do autismo deve-se a uma diversidade de fatores, que variam entre fatores genéticos e fatores relativos a condições ambientais, mas desconhece-se o peso de cada um deles.
Muitos pesquisadores (Bauer, 2003; Lord, 1999; Munro, 1999; Schopler, 1985 apud Bloch-Rosen, 1999; Wing, 1998) consideram o autismo como um continuum denominado "espectro autista", conceito proposto por Wing e Gould (1979 apud Rivière, 2001) num estudo realizado em Londres, onde se identificou um número três vezes maior de crianças com características de autismo (dois em cada dez mil). Assim, dentro desse espectro, Wing e Gould identificaram diferentes "níveis" ou categorias, que variam do autismo clássico3 ao autismo de alto desenvolvimento ou síndrome de Asperger4 (AS). Um aspecto que diferencia pessoas com síndrome de Asperger de pessoas com autismo é que as primeiras, em geral, não apresentam problemas de aprendizagem.
Na busca pelos webrings sobre autismo e síndrome de Asperger, foram localizados blogs de autoria de pais e mães de portadores dessas síndromes, em função de não ter sido identificado nenhum blog desenvolvido pelos próprios sujeitos. Essa ocorrência não surpreende, visto que um dos maiores déficits de autismo e síndrome de Asperger encontra-se na área de interação social, o que se repete em termos de socialização no ciberespaço. O próximo item trata desse ponto.
Sobre a família de autistas
Relações sociais são importantes para o desenvolvimento de todas as pessoas. Porém, a socialização de pessoas com autismo é restrita, em geral, ao círculo familiar e profissional5.
Segundo Lopes e Gauderer (1997), a maioria das famílias procura associações de pais e amigos do autismo não somente para encontrar locais onde seus filhos possam ser atendidos, mas também para aprender como lidar com eles e encontrar apoio emocional. Percebe-se que os pais têm necessidade de conhecer outras pessoas que passaram pela mesma experiência, em busca do que Goffman denomina de "grupo de informados" (Goffman, 1988, p.37).
Em geral, é a mãe quem primeiro percebe, ainda na fase bebê da sua criança, que existe algo de incomum em seu comportamento. Nessa etapa, muitos não procuram ajuda, tentando continuar com uma vida o mais normal possível. Já na fase de escolarização, a situação se acentua e acontecem os primeiros conflitos entre escola, pais e sujeito com autismo. A partir dessa tríade surge um processo de busca que, em muitos casos, caracteriza-se por uma "peregrinação" entre médicos, psicólogos e terapeutas até se obter um diagnóstico. Esse processo é de muita solidão da família e, no seu transcurso, criam-se muita insegurança, frustração e dúvidas. Daí a necessidade de compartilhamento de angústias, medos e, também, de seus acertos, fato que justifica também a proposição de espaços on-line para tal prática.
Segundo Lopes e Gauderer (1997), podem-se detectar algumas fases pelas quais os pais de autistas passam ao lidarem com seus filhos:
. resistência na busca de diagnóstico e informações, esperando que o tempo solucione os problemas de comportamento do filho ou idealizando as situações. Somente quando as evidências se tornam fortes demais é que os familiares passam para a etapa seguinte;
. negação: é a primeira reação frente ao diagnóstico;
. raiva: é a segunda reação e, em geral, é acompanhada por um sentimento de culpa. Isso acontece, em geral, no momento da aceitação do diagnóstico;
. as seguintes fases compreendem: sentimentos de culpa, frustração, medo, impotência, solidão, ressentimento, rejeição e fantasia, ansiando-se por um milagre;
. aceitação: processo doloroso de aceitar seu filho com suas limitações, percebendo que ele tem também características positivas para além dos seus déficits;
. esperança: nesta fase, alguns pais se "aferram" a uma utopia de cura e de superação que dificilmente acontece.
Em trabalho realizado pela Associação dos Amigos da Criança Autista (AUMA)6 com grupo de pais, Lopes e Gaudarer (1997) apresentam alguns dados relevantes para essa pesquisa. Um deles é de que, por meio da discussão em grupo e do melhor conhecimento por parte dos pais da síndrome em questão, o sentimento de culpa e da negação são superados, sendo esta última etapa fundamental para a aceitação do diagnóstico. Porém, o que os autores destacam é o alívio no sentimento de solidão que as famílias experimentam ao participarem do grupo de pais (1997). Após um longo compartilhamento com o grupo, chega-se, finalmente, à aceitação, deixando para trás sentimentos como impotência e angústia.
Frente a isso, consideram-se todas as ferramentas de socialização on-line como alternativas aos grupos desse tipo, sobretudo se os pais não têm condições (falta de tempo, impossibilidade de deslocamento) de frequentá-los. Os blogs são objeto dessa pesquisa por permitirem: a disponibilização de muitas informações dispostas sob forma de postagens, organizadas por título e em ordem cronológica inversa, arquivo de postagens, fotos, e a possibilidade de diálogo a partir da ferramenta de comentários, o que pode ser acessado pelos familiares ou PNE sempre que for conveniente.
Estudo de caso: webring sobre autismo e síndrome de Asperger
A netnografia aplicada a blogs é a metodologia que viabilizou este estudo. Uma exploração detalhada dessa metodologia foi proposta em estudo anterior (Montardo, Passerino, 20067). Em novembro de 2006, fez-se um levantamento de blogs no site do Google (Pesquisa Google de Blogs) e chegou-se ao número de 17 blogs relacionados a autismo e síndrome de Asperger8. Seguindo as ideias de Kozinets (2002) a respeito da ética em netnografia, contatamos os autores de blogs via comentários em seus próprios blogs. Ainda que seja uma forma de comunicação pública, quando alguém cria um blog, não o faz para ser objeto de pesquisa. Esse comentário explicava o objetivo da pesquisa, solicitava permissão para observar o blog em questão e disponibilizava o endereço do blog desta pesquisa e um endereço de e-mail para contato com os pesquisadores.
De 17 blogs contatados, 13 autores entraram em contato (via e-mail), concordando em participar da amostra selecionada, perfazendo, portanto, 74,5% dos blogs encontrados sobre o assunto.
Diante da ausência de um software de ARS que identificasse a localização dos links (blogroll, comentário, postagens) que unem essa rede, optou-se por se elaborar um mapa da mesma no software CMap Tools9 para esse fim. É importante destacar que foram elaborados diversos mapas e versões para permitir uma análise aprofundada. Optou-se por separar o mapa de links do de comentários, já que um mapa completo apresenta uma complexidade visual que dificulta sua análise. A versão final de cada mapa foi disponibilizada em uma página wiki10.
Foi feita uma análise de todas as postagens e comentários de dez dos blogs selecionados de janeiro a setembro de 2007. Nessa análise, privilegiou-se a estrutura dessa rede, conforme Recuero (2005). Para tanto, organizou-se uma tabela que identificava postagem (data e autoria), comentário (data e autoria) e tema geral abordado em cada uma dessas partes constituintes do blog.
Feita a análise do tipo de capital social envolvido entre os atores desta rede em postagens e em comentários, identificou-se o tipo de laço social existente. Para tanto, consideraram-se laços fortes e fracos a partir de Granovetter (1983, 1973), combinando-se este aspecto com o do tipo de capital social alocado.
Este ponto, por sua vez, permitiu perceber diferenças entre as postagens feitas por homens (dois) e por mulheres (oito) nesse webring, o que coincide com alguns estudos sobre blogs e gênero. Quanto ao estilo de escrita e conteúdo de blogs selecionados por gênero e por idade, Scheler et al. (2005) concluíram que homens falam sobre tecnologia, política e dinheiro em blogs, enquanto mulheres preferem postar sobre suas vidas pessoais. De forma similar, os autores de blogs da amostra postam de forma diferente sobre o autismo. Enquanto os homens (pais) falam predominantemente de aspectos objetivos ligados às necessidades especiais indicadas (descrição de rotina, congressos, descobertas, tratamentos, leis), as mulheres (mães) privilegiam o aspecto subjetivo em suas falas a respeito desses mesmos tópicos. Porém, há uma ênfase em sua angústia com as dificuldades e a esperança decorrente das vitórias na educação de seus filhos.
Para que se chegasse à tabela a seguir, uma hipótese foi descartada. Ela pressupunha que o fato de haver um link disponível no blogroll era garantia de estabelecimento de laço forte em uma rede temática em blogs, perspectiva que guarda alguma similaridade com a teoria de Granovetter (1983, 1973). Porém, observou-se que há vários autores de blogs nessa condição que não comentam nos demais blogs, limitando-se à postagem em seus próprios blogs. Percebe-se, com isso, mais uma intenção de delimitação de uma rede específica do que de real socialização.
A partir disso, chegou-se ao entendimento de que se estabelece um laço forte quando o autor de uma postagem encontra ressonância no comentário dessa postagem. Ou seja, se o autor de um blog propõe postagens que privilegiam informações sobre tratamento de sintomas ligados ao autismo ou à síndrome de Asperger, ou novas descobertas nesse sentido (capital social cognitivo) em suas postagens, e recebe feedback desse mesmo tipo em comentários, identifica-se um laço forte. Se, por outro lado, as mensagens recebidas em comentários para esse tipo de postagem (capital social cognitivo) forem em tom de pedido ou oferecimento de apoio (capital social relacional), obtém-se um laço fraco. O contrário também é válido: os blogs de mães de autistas invariavelmente privilegiam aporte de capital social relacional em postagens cujos comentários normalmente têm o mesmo propósito, configurando-se o que se entende por laços fortes. No entanto, elas não deixam de receber comentários sobre livros ou sobre dicas médicas ou pedagógicas de vários tipos de profissionais, caracterizando o estabelecimento de laço fraco. A Tabela 1 explicita algumas dessas conclusões.
A princípio, pensou-se que o estabelecimento de laços fortes definiria as condições de potencial de inclusão do blog. No entanto, quando se trata de inclusão numa rede temática, verificou-se que laços fracos são tão importantes quanto os fortes. Nesse sentido, o que pode ser discernido é quem propõe a IS em rede temática (em postagem ou em comentários de seu próprio blog) e quem usufrui desse processo (comentários). Vale destacar que essas posições não são excludentes entre si, isto é, um autor de blog pode, ao mesmo tempo, promover e usufruir desse processo, ainda que isso não seja a regra observada neste estudo. Na tentativa de visualizar o potencial inclusivo do webring em questão, foram sistematizadas as relações entre postagens e comentários nos blogs analisados da maneira exposta na Tabela 2.
Poder-se-ia afirmar que o blog com mais postagens e com maior número de leitores por comentário apresenta um potencial de inclusão maior? Não necessariamente. Por exemplo, o Blog 1 é o hub desta rede. Porém, a existência de um link para uma lista de discussão sobre autismo nesse blog, moderada pelo autor, bem como a disponibilização do seu e-mail ao lado do link para os comentários, sugerem que o autor não restringe a socialização sobre o tema no blog. Esse autor não comenta em nenhum outro blog da rede mapeada. Já no Blog 2, o autor comenta praticamente cada comentário feito em seu próprio blog. O Blog 4, por sua vez, tem uma média de nove comentários por pessoa, porém, tem apenas duas postagens no período considerado. O Blog 5 é um dos mais ativos nesta rede, apresentando postagens semanais comentadas e comentando em outros blogs, mas sua média é de 3,2 comentários por postagens e de 2,6 pessoas por comentário. Há também as pessoas que usufruem dos conteúdos disponíveis nesta rede apenas pela leitura. O item que segue contextualiza algumas dessas impressões.
Considerações finais
Para responder à pergunta "como se dá a IS de pais de PNE em blogs temáticos?", propôs-se uma interpretação de laços fracos e fortes que combina a sua definição com a noção de capital social. É a partir dela que, no caso das mulheres autoras dos blogs dessa amostra, detectou-se a predominância de aporte de capital social relacional. Nesse caso, links que trazem apoio, emoção e identificação serão considerados fortes. Já para os homens, serão fortes os laços provenientes de socialização em torno de capital social cognitivo. É importante notar que laços fracos também têm sua importância: para homens, trazem apoio e elogios à iniciativa de manter um blog, apesar de os autores dos blogs analisados não a solicitarem; e para mulheres, que expõem sua força e fragilidade pela rede temática, trazem informações.
A partir disso, de modo diferente do que se supunha inicialmente, tanto laços fortes quanto laços fracos constituem a IS em blogs. O que chama a atenção é a motivação das pessoas que compõem esse webring quanto à socialização, distinguindo-se promotores de IS de usuários desse processo, posições que podem ser alternadas entre si.
Nesse sentido, percebe-se que alguns blogs apresentam postagens frequentes condizentes com o tema dessa rede. No entanto, raramente esses mesmos autores comentam os outros blogs da amostra. Conclui-se daí que muitos desses promotores de IS se colocam em uma posição mais de doadores do que de receptores de informação (capital social cognitivo) e de apoio (capital social relacional) na rede considerada. Portanto, esses atores mais promovem do que usufruem a IS em seus blogs.
Ao contrário do que se pensou a princípio, a presença de links no blogroll pode ser importante para apontar um fluxo possível de navegação e de socialização entre pessoas interessadas no tema discutido. Porém, não sinaliza necessariamente a socialização nesses blogs. Já a presença de links em comentários, seja gerando laços fracos ou fortes, parece dar forma concreta à IS de PNE e de seus familiares em blogs, podendo ser considerada uma extensão on-line de associações de pais de autistas e de pessoas com síndrome de Asperger.
Como limite deste estudo, destacamos que analisamos apenas os blogs dessa rede, enquanto os participantes dela mantêm estreita relação em outros suportes de socialização on-line (listas de discussão, softwares de redes sociais, e-mail), além dos encontros presenciais. Essa constatação é importante porque muitos autores de blogs podem preferir esferas mais privadas de relacionamento on-line ao invés dos blogs, enquanto este pode funcionar apenas como suporte para indicação da motivação para a socialização dos autores dos blogs.
Frente a isso, uma observação possível é a de que suportes diferentes permitem análises variadas conforme forem consideradas na sua especificidade de tipo de ocupação de nó (perfil em sites de relacionamento, autoria de blogs e fotologs, visitante de blogs e fotologs etc.) na rede considerada. Em outras palavras, acredita-se que o aspecto qualitativo da socialização on-line pode ser favorecido também por esse tipo de critério. Por fim, entende-se que as considerações decorrentes deste estudo, que se destina a identificar o aspecto inclusivo em socialização on-line em blogs de PNE e de seus familiares, podem ser úteis ao estudo de redes temáticas on-line em geral, desde que se enfatizem os limites e as possibilidades para tanto em determinado tipo de suporte.
Colaboradores
As autoras trabalharam juntas em todas as etapas de produção do manuscrito.
Recebido em 06/04/09.
Aprovado em 09/12/09.
Referências bibliográficas
- AZEVEDO, P.H.; BARROS, J.F. O nível de participação do Estado na gestão do esporte brasileiro como fator de inclusão social de pessoas portadoras de deficiência. Rev. Bras. Cienc. Mov., v.12, n.1, p.77-84, 2004.
- BARABÁSI, A.-L. Linked: how everything is connected to everything else and what it means for business, science, and everyday life. Cambridge: Plume, 2003.
- BAUER, S. El síndrome de Asperger. 2003. Disponível em: <http://www.autismo.com/scripts/articulo/smuestra.idc?n-=bauer>. Acesso em: 18 ago. 2003.
- BENKENSTEIN, A.; MONTARDO, S.P.; PASSERINO, L. Análise das redes sociais em blogs de Pessoas com Necessidades Especiais (PNE). Novas Tecnol. Educ., v.5, n.2, p.1-11, 2007.
- BLOCH-ROSEN, S. Síndrome de Asperger, autismo de alto funcionamento y desórdenes del espectro autista. Disponível em: <http://www.autismo.com/scripts/articulo/smuestra.idc?n=blochrosen>. Acesso em: 21 abr. 1999.
- BOURDIEU, P. The forms of capital. Originalmente publicado em "Okonomisches Kapital, kulturelles Kapital, soziales Kapital" In: Soziale Ungleichheiten (Soziale Welt, Sonderheft 2). Goettingen: Otto Schartz and Co. 1983. (p.98-183). Trad. (inglês) Richard Nice. Disponível em: <http://www.pontomidia.com.br/raquel/resources/03.html> . Acesso em: 23 fev. 2005.
- BREIGER, R. The duality of persons and groups. Soc. Forces, v.53, n.2, p.181-90, 1974.
- COORDENADORIA NACIONAL PARA A INTEGRAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA - CORDE. Política Nacional de Atenção à Pessoa Portadora da Síndrome de autismo. Brasília: Corde, 2003. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sedh/dpdh/biblioteca/corde_Liv03.htm>. Acesso em: 19 jun. 2003.
- CUXART, F. El autismo: aspectos descriptivos y terapéuticos. Málaga: Aljibe, 2000.
- GOETZ, J.P.; LECOMPTE, M. Etnografia y diseño cualitativo en investigación educativa. Madri: Morata, 1988.
- GOFFMAN E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade. 4.ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.
- GRANOVETTER, M. La fuerza de los vínculos débiles. Polit. Soc. (Madrid), v.33, p.4156, 2000.
- ______. The strenght of weak ties: a network theory revisited. Sociol. Theor., v.1, p.201-33, 1983.
- ______. The strenght of weak ties. Am. J. Sociol., v.78, n.6, p.1360-80, 1973.
- HOBSON, P.R. El autismo y el desarrollo de la mente. Madrid: Alianza Editorial, 1993.
- HINE, C. (Ed.). Virtual methods: issues in social research on the internet. Oxford: Berg, 2005.
- KANNER, L. Os distúrbios autísticos do contato afetivo. In: ROCHA, P.S. (Org.). Autismos. São Paulo: Escuta, 1997. p.111-70.
- KOZINETS, R. The field behind the screen: using netnography for marketing research in online communities. J. Mark. Res., v.39, p.61-72, 2002.
- LADEIRA, F.; AMARAL, I. A educação de alunos com multideficiência nas escolas de Ensino Regular. Lisboa: Ministério da Educação, Departamento da Educação Básica, 1999. (Coleção Apoios Educativos).
- LOPES, E.; GAUDERER, E.C. Sentimentos e emoções da família do autista. In: LOPES, E. (Org.). Autismo: trabalhando com a criança e a família. São Paulo: EDICON, AUMA, 1997. p.69-76.
- LORD, R. Síndrome de Asperger. 1999. Disponível em: <http://www.autismo.com/scripts/articulo/1999>. Acesso em: 19 ago.1999.
- MONTARDO, S.P.; PASSERINO, L. Inclusão social via acessibilidade digital: proposta de inclusão digital para Pessoas com Necessidades Especiais (PNE). E-Compós, v.8, 2007. Disponível em: <http://www.compos.org.br/ecompos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_passerino_montardo.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2007.
- MONTARDO, S.P.; PASSERINO, L. Estudo dos blogs a partir da netnografia: possibilidades e limitações. Novas Tecnol. Educ., v.4, n.2, 2006. Disponível em: <http://www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2006/artigosrenote/25065.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2008.
- MUNRO, N. (Org.). Cual es la diferencia entre autismo de alto funcionamiento y el síndrome de Asperger?. Disponível em: <http://www.oneworld.org/autims_uk/faqs/qhfa.html>. Acesso em: 19 ago.1999.
- PUTNAM, R.D. Bowling alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon and Schuster, 2000.
- RECUERO, R. Comunidades em redes sociais na Internet: um estudo de caso dos fotologs brasileiros. Liinc em Revista, v.4, p.63-83, 2008. Disponível em: <http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/view/254>. Acesso em: 1 set. 2009.
- ______. Dinâmicas de redes sociais no orkut e capital social. Razón y palabra, v.52, p.1-15, 2006. Disponível em: <http://pontomidia.com.br/raquel/alaic2006.pdf>. Acesso em: 1 set. 2009.
- ______. Comunidades virtuais em redes sociais: uma proposta de estudo. E-Compós, v.4, 2005. Disponível em: <http://www.e-compos.org.br>. Acesso em: 26 out. 2007.
- ______. Weblogs, webrings e comunidades virtuais. 2003. Disponível em: <http://www.pontomidia.com.br/raquel/webrings.pdf>. Acesso em: 25 out. 2007.
- RIVIÈRE, A. Autismo: orientaciones para la intervención educativa. Madrid: Trotta, 2001.
- SCHLER, J. et al. Effects on age and gender on blogging. Am. Assoc. Artific. Intellig., p.1-7, 2005. Disponível em: <https://www.aaai.org/Papers/Symposia/Spring/2006/SS-06-03/SS06-03-039.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2008.
- SCHOPLER, E.; REICHLER, R.J.; RENNER, B.R. The childhood autism rating scale (CARS). Los Angeles: Western Psychological Services, 1988.
- SIGMAN, M.; CAPPS, L. Niños y niñas autistas. Madrid: Morata, 2000. (Série Bruner).
- SPOSATI, A. A fluidez da inclusão/exclusão social. Cienc. Cult., v.58, n.4, p.4-5, 2006.
- WARSCHAUER, M. Tecnologia e inclusão social: a exclusão digital em debate. São Paulo: Senac, 2006.
- WING, L. El Autismo en niños y adultos: una guía para la familia. Buenos Aires: Paidós, 1998.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010
Histórico
-
Recebido
06 Abr 2009 -
Aceito
09 Dez 2009