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Altjeringa e didgeridoo: dispositivos identitários australianos na espacialidade polifônica de Priscilla, a rainha do deserto, de Stephan Elliott

Altjeringa and didgeridoo: Australian Identity Devices on Polyphonic Spatiality of The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, Stephan Elliott

Resumo:

Priscilla, a rainha do deserto (1994), filme australiano de Stephan Elliott, expressa de modo socioestético um panorama de dispositivos produtores de subjetividades contemporâneas na Austrália. Observaremos, nesse estudo, alguns aspectos da produção de tais subjetividades, nas possíveis mobilidades transversais, dispostas nas relações tensionadas pelas espacialidades - em seus lugares e não-lugares, espaços lisos e estriados (AUGÉ, 1992_____. Non-Lieux. Introction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Seuil. Coll. La librairie du XXIe siècle, 1992. [Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Lúcia Pereira. Campinas, SP: Papirus, 1994.]; 1997_____. L'impossible voyage: le tourisme et ses images. Paris: Payot/Rivages, 1997.; 2006; DELEUZE, 1997) - percorridas pelo trio de protagonistas que, na viagem de Sidney a Alice Springs, encontra-se com uma comunidade aborígene no coração do Outback. Entre a Altjeringa e o didgeridoo, acompanharemos esse encontro entre identidades homoafetivas e identidades ancestrais que, em certo estrato semântico desse filme, aponta-nos contextos de negociações político-culturais no histórico e imaginativo processo de construção da nação (ANDERSON, 2006), feito pela estratificada sociedade australiana.

Palavras-chave:
Priscilla, A Rainha do Deserto; Austrália; Altjeringa; Didgeridoo; Mobilidade Transversal

Abstract:

The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert (1994) is an Australian film directed by Stephan Elliott. It expresses socio- and aesthetically a perspective of devices that produce contemporary subjectivities in Australia. In this article, some aspects of the production of such subjectivities shall be discussed in terms of possible cross mobilities, present in relations strained by spatiality - in their lieux and non-lieux, lieux lisse and lieux strié (AUGÉ, 1992; 1997; 2006; Deleuze, 1997) - traveled by the trio of protagonists who, in the trip from Sydney to Alice Springs, meet an Aboriginal community in the heart of the Outback. Among Altjeringa and the didgeridoo, we will follow this meeting between homoaffective and ancestral identities, which, on a certain semantic level of this film, indicates contexts of political and cultural negotiations in the historical and imaginative nation building process (Anderson, 2006), carried out by the stratified Australian society.

Keywords:
The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert; Australia; Altjeringa; Didgeridoo; Transversal Mobility

No início eu tive medo, fiquei paralisada. Continuava pensando que nunca conseguiria viver Sem você ao meu lado. Sobreviverei. Gloria Gaynor. In: As aventuras de Priscilla, a rainha do deserto. 1994.

É preciso aprender a sair de si, a sair de seu entorno, a compreender que é a exigência do universal que relativiza as culturas e não o inverso. É preciso sair do cerco culturalista e promover o indivíduo transcultural, aquele que, adquirindo o interesse por todas as culturas do mundo, não se aliena em relação a nenhuma delas. Por uma antropologia da mobilidade. Marc Augé, 2010, p.109.

Introdução

Em uma boate de Sidney, maior cidade australiana, a drag queen Mitz/Anthony (Hugo Weaving) performa a canção I've Never Been To Me, de Charlene:

Ei, senhora, você, senhora... Amaldiçoando sua vida. Você é uma mãe descontente e uma esposa controlada. Eu não tenho dúvida que você sonha com as coisas que nunca fará. Mas eu queria que alguém tivesse conversado comigo Como eu quero conversar com você... [...]

(CHARLENE; ELLIOTT, 1994The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert. (Priscilla, a rainha do deserto). Direção de Stephan Elliott. Roteiro de Stephan Elliott, Produção: Al Clark et al. Austrália/ Reino Unido. PolyGram Filmed Entertainment, Australian Film Finance Corporation, Latent Image Production Pty. Ltd. 104 min. 1994, 1 DVD.).

De texto melodramático, tal canção nos fala da vida de uma mulher que não se satisfaz com o lugar psicossocial que lhe é disposto, seja como esposa, seja como dona de casa. Certa interlocução é feita entre a mulher e a voz lírica da canção. A voz lírica, por sua vez, descreve suas várias experiências de mobilidade espacial, através de contextos que lhe permitiriam tanto relações interpessoais, quanto aquelas de caráter intrapessoal. No entanto, essa segunda voz também se ressente da falta de diálogos colaborativos sobre problemas comuns e suas possíveis soluções. Apesar das viagens, parece haver a falta da coexistência humana interativa e tensionada, situação essa necessária para os sujeitos, como agentes psicossociais, serem capazes de construir aquele instrumental das razões práticas que lhes permitam fazer as salutares viagens ao interior de si mesmos, para que, em seguida, ou de modo simultâneo, possam emergir no complexo, múltiplo e heterogêneo socius de sua inserção histórica.

Essa abertura do filme Priscilla, a rainha do deserto (1994), de Stephan Elliott, nos lança de imediato nos dramas pessoais de duas drag queens, Anthony/Mitzi (Hugo Weaving) e Adam/ Felicia (Guy Pearce) e em suas cotidianas imersões em um dos universos ex-cêntricos de Sidney. Os dois protagonistas, de modo semelhante aos sujeitos da canção, estão insatisfeitos com os lugares psicossociais que ocupam. Não encontraram, pois, o que seriam seus espaços existenciais apropriados, capazes de transformá-los em agentes sociais ativos de suas vidas e imersos na rede maior das coexistências.

Convidados a fazerem um show em Alice Springs, a dupla fará uma viagem que mudará seus destinos pessoais, bem como lhes dará condições de conhecer outros estratos político-culturais da sociedade australiana. Essas outridades humanas e ecológicas lhes oferecerão elementos multiculturais capazes de deslocar suas percepções sobre seu grupo específico de relações cotidianas e sobre outros grupos, como os de certa comunidade aborígene que habita as cercanias de Alice Springs, cidade do Outback australiano, e um dos corações geoculturais mais importantes do país.

Para tal viagem, junta-se ao casal a transexual Bernadette/Ralph (Terence Stamp) e uma espécie de quarta personagem, que é um sucateado ônibus, denominado Priscilla, a rainha do deserto. Assim, o filme de Stephan Elliott passa a nos levar da costa oeste australiana para o coração desse país, em uma espécie de road movie tragicômico, que é envolto também por grande carga antropológica a respeito das possíveis formações de subjetividades australianas contemporâneas, através de suas complexas espacialidades.

Neste ponto, interessa-nos de perto um singular encontro que ocorre entre essas três personagens com um grupo aborígene, no deserto situado entre as cidades de Broken Hill e Coober Pedy.1 1 O mapa dessa viagem pode ser acompanhado com mais detalhes em AUSTRALIAN SCREEN, 2015. Quanto a esse encontro, refletiremos particularmente sobre as influências da crença ancestral da Altjeringa e o papel da tradição musical, proporcionada pelo didgeridoo, na vida dos três artistas e na sua rede mais ampla de relações interpessoais. Assim, através das espacialidades heterogêneas, via conceitos como os de lugar e não-lugar, de espaço liso e de espaço estriado, acompanharemos certa imaginação fílmica que tensiona possibilidades de compreensão e de construção do que pode ser a diversificada sociedade australiana.

A espacialidade, nesse filme, produzirá aquele momento fecundo, no qual a modulada identidade homoafetiva2 2 Uma perspectiva assemelhada ao nosso propósito de estudo, porém com objetivos diversos, pode ser acompanhada em RIGGS, 2006. terá condições de dialogismo efetivo com uma comunidade nômade e altamente vulnerável de certo grupo aborígene. De tal encontro, perceberemos que há a construção de uma espécie de máquina nômade de guerra/ de resistência (DELEUZE; GUATTARI, 1980DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Capitalisme et schizophrénie: mille plateaux. Paris: Les Éditions de Minuit. 1980. [Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia. V. 5. Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34, 1997].), na questão dos espaços lisos e estriados, em relação aos aparelhos de estado que asseguram determinada ordem social conservadora. Resguardadas as proporções históricas e políticas, as duas drag queens e a transexual se aproximarão daqueles aborígenes, filhos da Stolen Generations (Gerações roubadas), tentando deslocar as suas densas realidades de vulnerabilidade psicossocial.

Tal resistência colaborativa também será possibilitada pela mobilidade ativa e crítica, através de espacialidades que conhecemos e conquistamos em nosso cotidiano da Surmodernité (Supermodernidade) (AUGÉ, 1992_____. Non-Lieux. Introction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Seuil. Coll. La librairie du XXIe siècle, 1992. [Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Lúcia Pereira. Campinas, SP: Papirus, 1994.]; 1997; 2006). No quadro de estudo desse filme, e seu corolário sociopolítico, pensamos também, predominantemente, nas possibilidades de imaginarmos (ANDERSON, 2006ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. London-New York: Verso. 2006. [Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008].) as comunidades híbridas, que podem/e o são inventadas de modo histórico, através de negociações e de autorizações políticas, aqui expressas por certo paradigma estético que o material fílmico nos permite observar.

De Sidney a Alice Springs: mobilidades transversais

Anthony/Mitzi,3 3 Usaremos a díade nome civil/nome artístico de modo conjunto, por acreditarmos que, assim, reconhecemos e valorizamos a produção de identidades transversais dessas personagens. Dessa forma, nossas referências a esse trio será disposta como: Anthony/Mitzi, Adam/Felicia e Bernadette/Ralph. como mencionamos, recebe um convite de sua ex-esposa Marion (Sarah Chadwick) para fazer um show em seu hotel, na cidade de Alice Springs. Desta forma, surge um motivo para que ele tenha condições de acertar algumas contas com seu passado, contexto anterior à fase em que assume pragmaticamente sua condição homoafetiva com seu companheiro Adam/Felicia. Bernadette/Ralph junta-se ao casal, deixando a conservadora atmosfera de Sidney, no ônibus Priscilla, a rainha do deserto.

Após certo percurso por uma rodovia asfaltada e de rota aparentemente conhecida e segura, o trio chega a Broken Hill, última cidade da Nova Gales do Sul, já na fronteira com a região da Austrália Meridional. Nessa pequena cidade, hospedam-se no The Palace Hotel4 4 O Palace Hotel realmente existe em Broken Hill. Sua decoração demonstra grande preocupação com a cultura ancestral da Austrália. Há ali pinturas que remetem a variadas tradições aborígenes, tais quais: o valor dado à fauna e a flora locais; o sincretismo religioso entre o cristianismo e o animismo; os vários tipos humanos que hibridizam a sociedade australiana. Isso tudo é detalhado nesse filme através de uma decoração ostensivamente naïf. Tal decoração parece, no entanto, ter propriedade mais turística, em sua dimensão superficial e exótica, que de legítima valorização e resgate das variadas expressões étnicas que formam a heterogênea sociedade local. e tentam interagir com a população local. Nessa tentativa, andam pela cidade com suas roupas espetaculares de drag queens, fato que assusta os moradores, predominantemente brancos. Vão a um bar e são relativamente aceitos pelos frequentadores, predominantemente homens. No entanto, ao retornarem ao ônibus para seguirem viagem, percebem que o veículo fora pichado com a frase: "AIDS FUCKERS GO GOME!"

No percurso para Alice Springs, Coober Pedy, cidade já na Austrália Meridional, será um dos pontos urbanos no qual o trio descansará. Esta cidade mineira, por excelência, será outro espaço gerador de grande violência para o trio de artistas. Nessa pequena cidade, Adam/ Felicia se distanciará dos companheiros e testará sua força no encontro com um grupo de mineiros que descansam dos seus trabalhos, tomando cerveja e ouvindo suas músicas. O mais novo membro do trio, vestido com suas roupas femininas, tentará manter contato com os mineiros, será desmascarado em sua dramatização de mulher e terminará por ser duramente espancado. Bernadette/Raph o salvará nessa hora, demonstrando sua força física, resquícios da masculinidade que também lhe configura como sujeito transexual.

Nesse percurso inicial, vemos como o trio de artistas é colocado frente à frente com certo establishment espacial, político e cultural do Outback australiano. Se em Sidney já observamos certa intolerância ou frieza em relação aos shows que esses artistas faziam, no interior do país tal intolerância e frieza são mais ressaltadas pelas comunidades locais.

A rigor, uma espécie de não-lugar se configura nessas duas experiências de mobilidade espacial, que são dispostas ao trio de artistas. Ansiosos e desejosos por mostrarem sua condição profissional e pessoal, os artistas são impossibilitados de travarem tal contanto de modo colaborativo. Não podem, pois, construir estórias com as comunidades locais.

Broken Hill e Coober Pedy representam, pois, cartografias nas quais determinadas individualidades são incapacitadas de atuarem como agentes sociais que coproduzem a si mesmas como sujeitos ativos e são capazes de entrar na rede de coexistência transversal. Lembramo-nos, aqui, das reflexões do etnólogo e antropólogo francês Marc Augé (1992_____. Non-Lieux. Introction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Seuil. Coll. La librairie du XXIe siècle, 1992. [Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Lúcia Pereira. Campinas, SP: Papirus, 1994.]; 1997; 2009AUGÉ, Marc. Pour une anthropologie de la mobilité. Paris: Payot & Rivages. Coll. Manuels Payot, 2009. [Por uma antropologia da mobilidade. Tradução de Bruno César Cavalcanti e Rachel Rocha de Almeida Barros. Maceió: EDUFAL/UNESP, 2010].). Esse antropólogo do cotidiano reflete, de modo pragmático, sobre os processos de subjetivação promovidos pelas espacialidades contemporâneas, através das engenharias psicossociais dos lugares e dos não-lugares. Ele nos propõe temas como os da mobilidade humana nos novos tempos, espaços e possibilidades de subjetivações, no que ele denomina por Supermodernidade, contexto no qual deveríamos aprender, reaprender a observar, vivenciar e, sobretudo, criar condições para a sobredeterminação realmente recíproca entre sujeitos e espacialidades.

Nessa época de aceleração temporal, de diminuição das distâncias e de fragmentações e negociações identitárias, Augé reflete sobre as possibilidades e necessidades políticas de compreendermos e negociarmos as engenharias dos lugares antropológicos e dos não-lugares sociais, nos quais os dispositivos de poder são capazes de alienar os indivíduos de sua condição de agente social. Tais reflexões nos são úteis aqui para que possamos entender como ocorrem segregações espaciais, bem como as psicossociais, temas comuns aos estudos de certa antropologia do cotidiano.

Nesse quadro teórico-analítico de razões práticas, interessa-nos de perto as noções de lugar e de não-lugar, pois esse nosso estudo parte do pressuposto de que as espacialidades australianas de nosso filme em questão tencionam a produtividade de subjetivações possíveis. Para Augé, temos então que as sociedades contemporâneas continuam desejando a construção de espaços nos quais se marcam sua coautoria pessoal e interpessoal nos processos de produção de identidades. Do campo mais abstrato da ideia de espacialidade, vai-se para a ideia de lugares, que antropologicamente marcados teriam

pelo menos três características comuns. Eles se pretendem (pretendem-nos) identitários, relacionais e históricos. O projeto da casa, as regras da residência, os guardiões da aldeia, os altares, as praças públicas, o recorte das terras correspondem para cada um a um conjunto de possibilidades, prescrições e proibições cujo conteúdo é, ao mesmo tempo, espacial e social. (AUGÉ, 1992_____. Non-Lieux. Introction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Seuil. Coll. La librairie du XXIe siècle, 1992. [Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Lúcia Pereira. Campinas, SP: Papirus, 1994.], p. 67-68).

Identidade, seja de que natureza for, seria então um produto de condições humanas nas quais o motor maior é o da relação que ocorre entre os membros de um grupo historicamente heterogêneo. Tal grupo é marcado, e marcador, por um espaço social diversificado, no qual todos os atores hão de ter papel de coautoria na produtividade cultural, e afins, bem como na distribuição de tais produtos e, sobretudo, na valorização positiva dos mesmos.

O lugar antropológico supõe, então, que o tecido social baseia-a na crença de que o arquivo cultural coletivo/coletivizado seja feito por materiais de variadas origens étnicas, e de que não há apenas uma cultura, por mais hegemônica que certa esfera cultural possa parecer ter sobre as demais variedades culturais. As espacialidades marcadas pelas ações humanas, necessariamente, trazem as condições tanto para a permanência de tradições conservadoras quanto para deslocamentos e transformações de tais tradições.

Em nosso cotidiano, temos por hábito nos locomover por espaços sociais, como espectadores inertes e passivos perante valores, crenças e comportamentos que nos são veiculados, ensinados e reproduzidos por certa tradição. Nesse contexto, segundo Augé, como que também coautoriamos a construção dos não-lugares. Para ele:

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a Supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos e que, contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram os lugares antigos: estes, repertoriados, classificados e promovidos a "lugares de memória", ocupam aí um lugar circunscrito e específico. [...] Acrescentemos que existe evidentemente o não-lugar como o lugar: ele nunca existe sob uma forma pura; lugares se recompõem nele; relações se reconstituem nele; as "astúcias milenares" da "invenção do cotidiano" e das "artes de fazer", das quais Michel de Certeau propôs análises tão sutis, podem abrir nele um caminho para si e aí desenvolver suas estratégias. (AUGÉ, p. 72.73).

Nesse quadro, em uma primeira leitura, poderíamos até considerar que Stephan Elliott, também roteirista do filme que dirige, está a nos oferecer um road movie aparentemente despretensioso em relação à discussão mais séria sobre pessoas agindo sobre seus espaços existenciais e vice-versa. Isso, porque no plano inicial do trio de artistas, o alvo central da viagem seria a encenação de mais um show artístico em mais um espaço, o hotel de Alice Springs, no qual a plateia também estivesse envolta em certo desinteresse e frieza em relação ao singular e complexo trabalho performático que faziam. Novamente, a baixa contribuição antropológica aconteceria na perspectiva existencial de tais sujeitos. Nesse contexto, esses novos lugares que surgem na viagem seriam mais marcadores sociais que conformariam a arquetipia do não-lugar?

Parece-nos que a questão é mais complexa na configuração desses lugares, através das ações singulares desses protagonistas. Se as duas pequenas cidades, citadas acima, parecem ser espaços altamente sobredeterminados por dispositivos sociopolíticos repressores e excludentes, há também neles elementos que configuram espaços lisos, categoria das quais nos falam Gilles Deleuze e Félix Guattari. Para esses dois pensadores dos processos de subjetivações transversais contemporâneos, através das perspectivas sobre a espacialidade diversificada, temos que:

O espaço liso e o espaço estriado, - o espaço nômade e o espaço sedentário, - o espaço onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço instituído pelo aparelho de Estado, - não são da mesma natureza. Por vezes podemos marcar uma oposição simples entre os dois tipos de espaço. Outras vezes devemos indicar uma diferença muito mais complexa, que faz com que os termos sucessivos das oposições consideradas não coincidam inteiramente. Outras vezes ainda devemos lembrar que os dois espaços só existem de fato graças às misturas entre si: o espaço liso não para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é, constantemente, revertido, devolvido a um espaço liso. Num caso, organiza-se até mesmo o deserto; no outro, o deserto se propaga e cresce; e os dois ao mesmo tempo. Note-se que as misturas de fato não impedem a distinção de direito, a distinção abstrata entre os dois espaços. Por isso, inclusive, os dois espaços não se comunicam entre si da mesma maneira: a distinção de direito determina as formas de tal ou qual mistura de fato, e o sentido dessa mistura (é um espaço liso que é capturado, envolvido por um espaço estriado, ou é um espaço estriado que se dissolve num espaço liso, que permite que se desenvolva um espaço liso? (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 158-159).

Os espaços lisos são semelhantes àqueles lugares antropológicos, teorizados por Augé. Espaços abertos para a ação dos sujeitos que aí estão imersos de modo ativo e construtivo. Destacamos tal tipologia em função do caráter operatório apropriado ao espaço do Outback australiano. Nesse lugar, certa natureza nômade é capaz de propiciar a consecução de estratégias revolucionárias no campo das negociações entre subjetivações ex-cêntricas e subjetivações do establishment cultural australiano. Levamos também em conta o aspecto levantado por Gilles Deleuze e Félix Guattari, que diz respeito à possibilidade de imbricação de tais categorias espaciais, devido à complexidade das ações humanas.

No espaço liso, vemos surgir uma espécie de máquina de guerra contra os aparelhos repressores de uma sociedade tradicional. A viagem feita pelo trio de protagonistas parece exemplificar as desenvolturas que tal espaço possibilita. É essa nova realidade vivencial, feita através do deserto central, que permite inovadoras escritas e reescritas de estórias pessoais e sociais que tais personagens encaram. No entanto, esses espaços vastos e aparentemente desabitados são colocados ao lado de pequenas cidades interioranas, nas quais as personagens se encontram com perigosos contextos sociais conservadores. Tais contextos são produzidos por valores, condutas, hábitos preconceituosos que o trio não havia sentido de modo intenso na cosmopolita cidade de Sidney. Ou seja, ocorre como que uma descoberta de espaços estriados no que é considerado o coração geocultural da Austrália, que são representados pelas duas pequenas cidades que mencionamos anteriormente, nas quais os encontros entre culturas e subjetividades diferentes não permitem negociações de coexistência.

Na trama desse filme, porém, destacam-se os espaços lisos. Aqueles espaços do deserto nos quais o trio de personagens se perde temporariamente do trajeto oficial e se encontra imerso na estranheza, na diferença da flora, da fauna e, sobretudo, no inusitado encontro com uma comunidade de aborígenes, que perambula pelas cercanias de Alice Springs. Nesse ponto, os espaços são como que liberados dos dispositivos de sentido das estórias oficiais que montam a engenharia da sociedade australiana. Ocupam, pois, as possibilidades ex-cêntricas de se rasurar, de se deslocar, de se coautoriar as narrativas que secularmente relegaram segmentos humanos, com suas culturas ancestrais ou com seus comportamentos tidos como atípicos, no caso da homoafetividade, à invisibilidade e à vulnerabilidade sociopolítica. É nesse espaço liso que, relativamente, ainda se permitem novas estratégias de negociações culturais, capazes de produzir novas engenharias para que surja a capacidade de se imaginar/inventar uma nação de fato multicultural, tolerante com as outridades e, consequentemente, mais justa do ponto de vista político.

Nesse ponto, é que pensamos haver condições para um diálogo entre as categorias de espacialidade propostas por Marc Augé e aquelas propostas por Gilles Deleuze e Félix Gattari. Se, por um lado, temos a necessidade da mobilidade espácio-subjetiva assegurada aos sujeitos ativos, coprodutores de lugares e conhecedores críticos dos não-lugares, por outro, temos a ideia de que a resistência entre produção e reprodução dos dispositivos de poder autoritários e excludentes há de acontecer na relação tensionada entre os espaços lisos e os estriados.

Sobreviverei e o didgeridoo: negociações e coautorizações psicossociais

Entre Broken Hill e Coober Pedy, antes de entrar no Território do Norte Australiano, o ônibus Priscilla sofre uma forte pane mecânica e fica parado em pleno deserto. Esperando, com certa fleuma comportamental, por alguma solução para o problema, Bernadette/Ralph, Anthony/Mitzi e Adam/Felicia decidem ensaiar um número artistico para a apresentação no hotel de Alice Springs. Essa performance tem como base a música I Will Survive (Sobreviverei), de Gloria Gaynor. Vejamos seu início:

No início eu tive medo, fiquei paralisada Continuava pensando que nunca conseguiria viver Sem você ao meu lado Mas então eu passei muitas noites Pensando como você me fez mal E eu me fortaleci. E eu aprendi como me arranjar [...]

(GAYNOR; ELLIOTT, 1994The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert. (Priscilla, a rainha do deserto). Direção de Stephan Elliott. Roteiro de Stephan Elliott, Produção: Al Clark et al. Austrália/ Reino Unido. PolyGram Filmed Entertainment, Australian Film Finance Corporation, Latent Image Production Pty. Ltd. 104 min. 1994, 1 DVD.).

Temos aí outra canção, das várias canções desse filme quase musical, que dialoga transversalmente com o universo diegético. A letra da canção trata de uma relação amorosa, na qual a voz lírica se ressente da escolha equivocada que a coloca como sujeito submisso a certa coexistência afetiva, que a impediu de ser um móvel crítico da escolha e da coautoria da relação. Expressa seu medo diante do imponderável das relações interpessoais. Subserviência relacional e perspectiva de um futuro diferente formam, então, o leitmotiv da canção. Um grande desejo de compreensão da outridade afetiva e do poder de controle da situação é evocado, pois, nesse número artístico, aparentemente apenas melodramático.

Nesse ponto, interessa-nos, de perto, um acontecimento inusitado para a economia dessa diegese fílmica. Um rapaz entra abruptamente em cena. Um rapaz de pele escura. Um aborígene5 5 Temos certa dificuldade em usar o termo aborígene para os descendentes dos povos ancestrais que habitavam o território australiano, antes da chegada dos colonizadores ingleses. Isso ocorre em função do caráter pejorativo que tal termo foi carregando no decorrer do processo de colonização, no de descolonização e, atualmente, no de pós-colonização. No entanto, tal termo, como o de aboriginalidade, é usado com frequência por sociólogos e antropólogos que, ao lado do uso corrente, tentam explicar os seus variados estratos semânticos de modo diatópico. Assim, com tal cuidado, também fazemos uso do termo nesse trabalho. O ator que interpreta esse jovem aborígene é Alan Dargin (13jul1967 - 24fev2008), um reconhecido músico australiano de origem aborígene e famoso difusor da arte musical do didgeridoo, tanto na Austrália quanto em nível mundial. curioso e desejoso de manter contato com o trio diferenciado. O contato é amistoso e o rapaz convida o trio para uma visita a sua comunidade, que está reunida em um lugar ali próximo, também no vasto deserto vermelho, já próximo ao coração geográfico da Austrália.

Quando o trio de artistas chega ao locus do deserto aborígene, ficamos até surpresos com a composição e situação do grupo. Os membros desse grupo nos dão a impressão de que são trabalhadores que, após a jornada diária de trabalho, confraternizam-se sob um céu vistosamente estrelado. A diversidade do grupo aborígene é marcante, seja na faixa etária, seja na esfera de gênero. Homens, mulheres, velhos/as, adultos/as, jovens, crianças tocam e ouvem músicas norte-americanas, conversam entre si, ensaiam suas coreografias e recebem os "exóticos" visitantes brancos, advindos da maior cidade do país.

O encontro é uma daquelas realidades fecundas, nas quais a espacialidade formada usualmente por não-lugares ou espaços excessivamente estriados pode ser transformada em espacialidades antropológicas ou em espacialidades nas quais máquinas de guerra e de resistência podem ser produzidas.

Na sequência fílmica singularíssima que vai de 31h40 a 35h18, na multiculturalista diegese fílmica de Stephan Elliott, acompanhamos um daqueles mais cooperativos encontros fecundos representados pelo cinema. Bernadette/Ralph, Anthony/Mitzi e Adam/Felicia, de início, ficam constrangidos com o inusitado da situação. E a recíproca é verdadeira, pois de início, a comunidade aborígene também os observa com certa apreensão. Nosso trio observa, pois, curiosamente, a confraternização da comunidade aborígene e até estranha tal confraternização ocorrendo em pleno deserto, sem as supostas condições físicas que seriam necessárias para tal evento. No entanto, Anthony/Mitzi tem a ideia de performarem o número musical que estavam ensaiando anteriormente, como ação de possível integração com o grupo recém conhecido. Vestem-se com suas fantasias e apresentam a canção Sobreviverei para os seus anfitriões.

Stephan Elliott, para o começo dessa apresentação inusitada, oferece-nos um zoom na fogueira acesa nesse local de encontro fecundo. As chamas da rústica fogueira estão vibrantes e as fagulhas sobem ao céu estrelado do deserto. Anthony/ Mitzi convida o jovem aborígene que os encontrou para fazer parte da performance; o convite é prontamente aceito. Assim, há uma interação entre as subjetivações homoafetivas e a subjetivações ancestrais de certa etnia australiana, em um inusitado número musical, no qual o leitmotiv é basicamente o da sobrevivência humana perante dispositivos repressores.

Ao lado das chamas da fogueira, cujas fagulhas sobem aos céus, dando-nos a impressão de que criam estrelas e constelações, ouvimos o som do didgeridoo.6 6 O didgerido é um instrumento musical de ancestralidade simbólica e política para a população aborígene da Austrália. É um elemento cultural que ainda hoje consolida práticas e valores de várias comunidades. Sua importância é acentuada no norte australiano, apesar de estar presente nas demais regiões do país. Atualmente há esforços para seu resgate e inserção nos vários rituais e eventos daqueles que querem construir uma imagem mais multicultural para o país. No entanto, seu uso, relativamente, ainda se restringe às comunidades de origem e a eventos com caráter folclórico. Sua estrutura simples, um pedaço de madeira rústica, cilíndrica e oca, encontrada nos campos, emite variados sons que, apesar de sua aparente simplicidade, podem funcionar em consonância com instrumentos musicais dos mais engenhosos. Várias lendas tentam explicar sua origem, mas o que se tem de mais visível é sua ligação com a origem das divindades, da cosmogonia ancestral e do mundo animista dessas comunidades. São variados os nomes dados a esse instrumento, que se assemelha a um trompete natural, reto, sem nenhum outro elemento acessório. Para maiores informações, queira acompanhar RENY, 2015, p. 1. Ao lado do instrumental musical e da interpretação de Gloria Gaynor, ouvimos nitidamente os sopros harmoniosos desse instrumento musical ancestral que transforma uma já clássica música da cultura branca em uma realidade compósita, que desdobra as espacialidades e subjetivações do espaço nômade do deserto em uma nova realidade frente às realidades hegemônicas da sociedade australiana. Particularmente ao final desse número, ouvimos e vemos que a comunidade inteira se entrega à performance e os sons do didgeridoo igualam sua potência aos sons dos instrumentos musicais que a música norte-americana utiliza. Uma nova realidade musical e existencial toma conta da espacialidade desse deserto de areias avermelhadas e faiscantes.

A confraternização multiétnica nos faz esquecer as disfuncionalidades e imobilidades existenciais de Sidney e até mesmo as perspectivas futuras que aguardam os protagonistas no coração da Austrália, representado até mesmo pela epifania aguardada no topo do King's Canyon, situado no Watarrka National Park, no Território do Norte. Esse esquecimento das ocorrências e consequências dos dispositivos político-culturais que envolvem esses sujeitos em contexto de vulnerabilidade social, gays, trans e aborígenes, ocorre muito em função das negociações e coautorizações respeitosas que são feitas ao redor da fogueira. Essa fogueira é também embalada pelos sons do didgeridoo, e é mantida também pelo som de uma canção de mainstream, em sua mais efusiva marcação de produto cultural de massa. Esse encontro inusitado desloca tradições, aparentemente incomunicáveis, para um compósito transcultural, criando um contexto no qual potências acionais são capacitadas a propiciarem diversas e inovadoras mobilidades e transformações psicossociais.

Possibilidades identitárias da Altjeringa contemporânea

No início da viagem de Anthony/Mitzi, Adam/Felicia e Bernadette/Ralph observamos que cada personagem parece ter um objetivo próprio em aderir ao projeto de travessia do Outback australiano. Anthony/Mitzi deseja reecontrar sua ex-esposa e, talvez, assumir sua responsabilidade na criação de seu filho. Adam/Felicia deseja seguir seu companheiro, pois aposta nessa relação afetiva que lhe oferece certa estabilidade vivencial. Bernadette/Ralph resolve acompanhar o casal para conseguir dar curso equilibrado ao trabalho de luto em relação à morte de seu último companheiro.

São, pois, personagens que representam, de início, uma sociedade que valoriza projetos individuais e liberalizantes, apesar das graves contensões comportamentais impostas por parâmetros tradicionais e conservadores. Que relações poderiam, então, tais personagens ter com os filhos das Stolen Generations7 7 O jornalista investigativo e ativista político John Pilger (2016; 2015; 2014; 2013) trata, de modo recorrente em seu trabalho, dessa pungente questão envolvendo os vários governos que construíram, ao longo de séculos, políticas de segregação e até mesmo de destruição das várias etnias aborígenes australianas. Alguns dados político-culturais sobre as populações aborígenes australianas foram também acompanhados nas homepages de órgãos e de associações do governo australiano, bem como de organizações não governamentais. Tais sites são registrados devidamente em nossas referências, ao final desse estudo. australianas?

Mesmo não sendo a tônica temática explícita deste filme, podemos perceber que a questão que envolve a mitologia da Altjeringa, por exemplo, conforma um importante estrato semântico de seu enredo. O trio de artistas, quando percebe as chamas da fogueira aborígene subindo aos céus, ao som do didgeridoo, modifica-se em sua experiência de mundo e de si mesmo. A crença ancestral da criação e manutenção dos vários universos e tempos nos quais estaríamos imersos é notada no apreço que o roteiro possui em nos mostrar inúmeros elementos desse misticismo anímico, típico das comunidades aborígenes da Austrália e, sobretudo, da região central, na qual se situa Alice Springs e o King's Canyon, situado no Watarrka National Park.

Os filhos/sobreviventes da Stolen Generations terão como suporte para a produção de sua autovalorização, diante do vigorosos processos de exclusão que secularmente lhes foram/ainda são impostos, suas estórias, lendas, crenças e hábitos transmitidos, mesmo que precariamente, pelas tradições de seus ancestrais. Apesar de suas espacialidades psicossociais os aproximarem dos não-lugares ou dos espaços altamente estriados, tais comunidades resistem na procura de lugares antropológicos e de espaços lisos, nos quais se pode ainda construir máquinas de guerra/de resistência para se fazer frente aos procedimentos pragmáticos de uma sociedade que ainda é capaz de reproduzir mecanismos colonialistas de relações de exclusão.

O universo da Altjeringa, dessa forma, também funciona como uma espécie de fonte de energia para subjetivações capazes de produzir e fazer funcionar a máquina de resistência frente aos dispositivos criadores da vulnerabilidade dos sujeitos ex-cêntricos, sejam eles das comunidades aborígenes, sejam eles marcados pelas questões de gênero, tendo a sexualidade representada de modo cultural e sociopolítico. Sobre essa premente construção mítica/mística, de potente realidade política, temos que:

A noção de Altjeringa está presente em quase todas as culturas aborígenes da Austrália. Usualmente acredita-se que sua origem venha da tribo Arrernte, da Austrália Central. As pessoas que vivem em torno do monte Uluru costumam usar o termo Tjurkurrpa. Tribos de outras partes do continente costumam chamar esse Tempo dos sonhos por nomes como Palaneri, Bugari, Wongar ou Ungud. O que é um Tempo dos Sonhos? Depois de passar horas lendo sobre esta questão, concluo que não há tradução fácil para o inglês que contemple seus sentidos. Eu sugiro "Poder espiritual eterno e ordem, vivenciados através da natureza". Para nativos australianos, esse fenômeno refere-se a um "tempo fora do tempo" e a um plano espiritual a partir do qual surgem os espíritos ancestrais que criaram o solo, os animais e as pessoas no mesmo plano de importância existencial. Ele refere-se ao poder espiritual da circularidade da criação, que não possui hierarquia entre os seres criados e os seus criadores. Significa também as crenças e práticas das pessoas que vivem nos lugares sagrados. (LOFTUS, 2010LOFTUS, R. Altjeringa. In: < In: www.tenthousandvirtues.blogspot.com.br/2010/10 >. Acesso em 15 de dezembro de 2015.
www.tenthousandvirtues.blogspot.com.br/2...
, p. 1).

Potente realidade espiritual para culturas ancestrais, como as do povo Arrernte, entre outros, a Altjeringa8 8 Sobre a Altjeringa, também acompanhamos as explicações de: ABORIGINAL AUSTRALIA ART & CULTURE CENTRE - ALICE SPRINGS, 2015; AUSTRALIAN GOVERNMENT, 2015; ELLIS, 1991; LOFTUS, 2010; POULEY, 19988. também funciona como elemento galvanizador para a construção coletiva de um povo natural e historicamente heterogêneo, como o australiano. Apesar de sua aparente natureza folclórica, que é disseminada pela prática cultural de certo turismo massificador e imprudente, sabemos que essa dimensão mítica/mística/ecocrítica também possui a função de abrir e manter a relação dialógica crítica entre culturas diferentes, no sentido da construção da tolerância multiétnica necessária para o equilíbrio social.

Imagina-se, dessa forma, a nação, cuja construção assenta-se de modo democrático em negociações possíveis. Ao contrário de pensarmos que naturalmente um país produz-se de modo autônomo por uma comunidade etnicamente homogênea, sem, pois, as ações e reações de sua múltipla e heterogênea população, havemos de pensar que acordos políticos, por vezes arbitrários, são feitos na longa temporalidade e espacialidades das quais se dispõe. Lembramo-nos, aqui, das reflexões que Benedict Anderson faz sobre esse processo de imaginarmos/inventarmos nossas nações e o corolário que disso surge:

Dentro de um espírito antropológico, proponho seguir a definição de nação: uma comunidade politicamente imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana. Ela é imaginada porque mesmo os membros das mais minúsculas nações jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria dos seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles. (ANDERSON, 2006ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. London-New York: Verso. 2006. [Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008]., p. 32).

Construção coletiva e diatópica, em sua pluralidade cultural, envolve a ideia de nacionalidade e de subjetivações construtoras da nação. Nesse aspecto, Priscilla, a rainha do deserto também nos instiga a pensar nos processos de imaginação/construção da nacionalidade australiana em fluxo. E que tal imaginação/construção também é movida pela dinâmica da Altjeringa e do didgeridoo. A condição da mobilidade nômade produzida por tais circunstâncias parece nos convidar a repensar as condições de mobilidade pessoais e coletivas, como princípios de um projeto mais amplo, que abrange o tecido social maior do jovem país ainda em plena formação, que é a Austrália. Voltamos, aqui, a Marc Augé, lembrando-nos da importância que os lugares antropológicos possuem em nossa razão prática. Para ele,

o lugar é necessariamente histórico a partir do momento em que, conjugando identidade e relação, ele se define por uma estabilidade mínima. Por isso é que aqueles que nele vivem podem aí reconhecer marcos que não têm que ser objetos de conhecimento. O lugar antropológico, para eles, é histórico na exata proporção em que escapa à história como ciência. Esse lugar que antepassados construíram ("mais me agrada a morada que construíram meus avós..."), que os mortos recentes povoam de signos que é preciso saber conjurar ou interpretar, cujos poderes tutelares um calendário ritual preciso desperta e reativa a intervalos regulares, está no extremo oposto dos "lugares de memória", sobre os quais Pierre Nora escreve tão justamente que neles apreendemos essencialmente nossa diferença, a imagem do que não somos mais. O habitante do lugar antropológico não faz história, vive na história. (AUGÉ, 1992_____. Non-Lieux. Introction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Seuil. Coll. La librairie du XXIe siècle, 1992. [Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Lúcia Pereira. Campinas, SP: Papirus, 1994.], p. 53).

As espacialidades desérticas e nômades, em nosso filme de estudo, nos são mostradas em suas possíveis constituições relacionais. A perspectiva é feita, no encontro fecundo que acompanhamos, pelos dialogismos tensionados entre os variados grupos humanos e pelas variadas culturas presentes no jogo político da imaginação/construção da nação. Se território é sinônimo de identidade, que o seja no sentido de que a territorialidade não seja tida como realidade monolítica; ao contrário, que seja vivida e percebida tão múltipla e lisa quanto a multietnicidade que lhe é ontológica. Que tal fenômeno identitário seja vivido e percebido como um fato social transversal, no qual as subjetivações sejam produzidas nos encontros dialéticos entre identidades tradicionais e, de modo inclusivo, com as inovadoras e revolucionárias.

Ao fim de nosso filme, acompanhamos, quase in locus, o trio de artistas em sua escalada ao topo do King's Canyon, no Watarrka National Park, no Território do Norte. Essa ação seria um acontecimento marcante para os processos de redescoberta e de autocompreensão que o trio combinara adquirir em conjunto. Anthony/Mitzi, Adam/Felicia e Bernadette/Ralph, ainda com suas fantasias brilhantes e alegres, esforçam-se para chegar ao topo de um dos mais simbólicos espaços australianos. Alice Springs,9 9 Sobre a importância da cidade Alice Springs e seu entorno, sabe-se que há uma singular presença de comunidades aborígenes já localizadas no perímetro urbano, bem como aquelas que se encontram em suas andanças ancestrais pelo deserto vermelho, tendo a cidade como relativa referência. Acentua-se o fato social de que vários segmentos dessas comunidades aborígenes se encontrarem em franca mobilidade diaspórica; ou seja, são obrigadas a deixar seus lugares de origem para uma perambulação por outros territórios à procura de melhores condições de vida. Mesmo com esse contexto adverso, tais comunidades esforçam-se por preservar seus elementos culturais, como marca de sua identidade em contato e negociações político-sociais com as comunidades dos colonizadores. Para maiores informações sobre esse contexto de Alice Springs e os grupos aborígenes de sua rede de coexistência, queira acompanhar AUSTRALIA-AUSTRALIE, 2016. em sua constituição de espaço urbano predominantemente composto pela etnia de brancos colonizadores e de turistas do mundo inteiro,10 10 A respeito da prática do turismo como exercício de massificação cultural e reprodução acrítica de perspectivas superficiais e, por vezes, estereotipadas de um país, também acompanhamos as reflexões de Sylvie Brunel, 2006, além das observações e análises etnoantropológicas de Marc Augé, 1997. perdera a potência do desejado alvo a ser atingido, após a viagem que empreenderam pelo deserto/máquina de guerra e de resistência. Assim, mais que de epifania pessoal, ou do reduzido grupo, observamos que a chegada na altura dessa formação geológica australiana pode alegorizar a capacidade de se poder enxergar, do alto do coração espacial do país, um dos mais humanitários projetos de construção da nação. De projeto individual, vamos para um projeto coletivizado, no qual os contatos tidos com a comunidade aborígene descortinam uma realidade outrora invisibilizada, agora recolocada nas negociações para a imaginação/construção/reconstrução que se deseja e se pode ter de certa nação.

Conclusão

Ao final de Priscilla, a rainha do deserto, Anthony/Mitzi e Adam/Felicia retornam para Sidney. O primeiro traz seu filho, que lhe proporcionará novas perspectivas pessoais, familiares e sociais. O segundo, mergulha de vez no projeto de nova parentalidade. Bernadette/Ralph permanecerá em Alice Springs, com um novo companheiro e também com uma nova possibilidade positiva de parentalidade.

A comunidade de aborígenes, que fomentou o encontro multiétnico fecundo no deserto, desaparece sem dar novas notícias. A realidade coexistencial e dialógica da Altjeringa e do didgeridoo estão deslocadas e presentes no entusiasmo em que Anthony/Mitzi performa um novo número musical para uma agora animada e receptiva plateia da boate de Sidney. Nesse final intradiegético, o número musical da drag queen é baseado na música Mamma Mia, do grupo sueco Abba:

[...] Mamma Mia, aqui vou eu novamente Minha nossa, como eu posso resistir a você? Mamma Mia, está aparecendo de novo? Minha nossa, como eu senti sua falta Sim, meu coração está partido Triste desde o dia que nós nos separamos Por que, por que eu o deixei partir? Mamma Mia, agora eu realmente sei Minha nossa, eu nunca poderia deixá-lo ir

(ABBA; ELLIOTT, 1994The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert. (Priscilla, a rainha do deserto). Direção de Stephan Elliott. Roteiro de Stephan Elliott, Produção: Al Clark et al. Austrália/ Reino Unido. PolyGram Filmed Entertainment, Australian Film Finance Corporation, Latent Image Production Pty. Ltd. 104 min. 1994, 1 DVD.).

A ambiência melodramática, através dessa canção, continua a envolver esta célula acional. No entanto, as personagens estão diferentes. Agora são agentes psicossociais que detêm mais conhecimentos sobre suas condições pessoais e sobre as heterogêneas condições coletivas, conformadoras da sociedade australiana, que é perspectivada e dinamizada pelas mobilidades espaciais e subjetivas que já podem ser feitas, com maior senso de pertinência multicultural.

Sem otimismo excedente, acreditamos que Stephan Elliott, bem como sua equipe de produção, oferece-nos uma diegese fílmica capaz de nos fazer refletir sobre uma importante questão contemporânea, que é o processo de imaginação/produção da nacionalidade, em moldes historicamente multiculturais. Para isso, acompanhamos como as realidades multicultural, tanto as ancestrais quanto as atuais, entram no vigoroso e exigente jogo político das estratégias e das negociações que permeiam os territórios das coexistências sociais. Nesse jogo, um dos elementos básicos é o das espacialidades montadas diatopicamente pelo elemento humano e pelos demais seres anímicos, dispostos em constante evolução.

Referências:

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    » http://aboriginalart.com.au/culture/dreamtime2.html
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  • VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise Fílmica. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994.
  • 1
    O mapa dessa viagem pode ser acompanhado com mais detalhes em AUSTRALIAN SCREENAUSTRALIAN Screen. Australia's audiovisual heritage online: map of the Priscilla. In: < In: http://aso.gov.au/titles/features/priscilla/map/ >. Acesso em 15nov2015.
    http://aso.gov.au/titles/features/prisci...
    , 2015.
  • 2
    Uma perspectiva assemelhada ao nosso propósito de estudo, porém com objetivos diversos, pode ser acompanhada em RIGGS, 2006RIGGS, Damien W. Priscilla, (White) Queens of the Desert: Queer Rights/Race Privilege. New York: Peter Lang Publishing, 2006..
  • 3
    Usaremos a díade nome civil/nome artístico de modo conjunto, por acreditarmos que, assim, reconhecemos e valorizamos a produção de identidades transversais dessas personagens. Dessa forma, nossas referências a esse trio será disposta como: Anthony/Mitzi, Adam/Felicia e Bernadette/Ralph.
  • 4
    O Palace Hotel realmente existe em Broken Hill. Sua decoração demonstra grande preocupação com a cultura ancestral da Austrália. Há ali pinturas que remetem a variadas tradições aborígenes, tais quais: o valor dado à fauna e a flora locais; o sincretismo religioso entre o cristianismo e o animismo; os vários tipos humanos que hibridizam a sociedade australiana. Isso tudo é detalhado nesse filme através de uma decoração ostensivamente naïf. Tal decoração parece, no entanto, ter propriedade mais turística, em sua dimensão superficial e exótica, que de legítima valorização e resgate das variadas expressões étnicas que formam a heterogênea sociedade local.
  • 5
    Temos certa dificuldade em usar o termo aborígene para os descendentes dos povos ancestrais que habitavam o território australiano, antes da chegada dos colonizadores ingleses. Isso ocorre em função do caráter pejorativo que tal termo foi carregando no decorrer do processo de colonização, no de descolonização e, atualmente, no de pós-colonização. No entanto, tal termo, como o de aboriginalidade, é usado com frequência por sociólogos e antropólogos que, ao lado do uso corrente, tentam explicar os seus variados estratos semânticos de modo diatópico. Assim, com tal cuidado, também fazemos uso do termo nesse trabalho. O ator que interpreta esse jovem aborígene é Alan Dargin (13jul1967 - 24fev2008), um reconhecido músico australiano de origem aborígene e famoso difusor da arte musical do didgeridoo, tanto na Austrália quanto em nível mundial.
  • 6
    O didgerido é um instrumento musical de ancestralidade simbólica e política para a população aborígene da Austrália. É um elemento cultural que ainda hoje consolida práticas e valores de várias comunidades. Sua importância é acentuada no norte australiano, apesar de estar presente nas demais regiões do país. Atualmente há esforços para seu resgate e inserção nos vários rituais e eventos daqueles que querem construir uma imagem mais multicultural para o país. No entanto, seu uso, relativamente, ainda se restringe às comunidades de origem e a eventos com caráter folclórico. Sua estrutura simples, um pedaço de madeira rústica, cilíndrica e oca, encontrada nos campos, emite variados sons que, apesar de sua aparente simplicidade, podem funcionar em consonância com instrumentos musicais dos mais engenhosos. Várias lendas tentam explicar sua origem, mas o que se tem de mais visível é sua ligação com a origem das divindades, da cosmogonia ancestral e do mundo animista dessas comunidades. São variados os nomes dados a esse instrumento, que se assemelha a um trompete natural, reto, sem nenhum outro elemento acessório. Para maiores informações, queira acompanhar RENYRENY, Charly. The didgeridoo origin. In: < In: http://www.charly-didgeridoo.com/histoire_en.php >. Acesso em 7 janeiro de 2016.
    http://www.charly-didgeridoo.com/histoir...
    , 2015, p. 1.
  • 7
    O jornalista investigativo e ativista político John Pilger (2016PILGER, John. John Pilger on the Indigenous struggle: "There is no alternative now." 26 January 2016. In: < In: http://johnpilger.com/articles/john-pilger-on-the-indigenous-struggle-there-is-no-alternative-now >. Acesso em 04 fevereiro de 2016.
    http://johnpilger.com/articles/john-pilg...
    ; 2015_____. The secret country again wages war on its own people. 22 April 2015. In: <http://johnpilger.com/articles/the-secret-country-again-wages-war-on-its-own-people> Acesso em 04 fevereiro de 2016.
    http://johnpilger.com/articles/the-secre...
    ; 2014_____. Once again, Australia is stealing its Indigenous Children. 21 March 2014. <http://johnpilger.com/articles/once-again-australia-is-stealing-its-indigenous-children> Acesso em 02 de fevereiro de 2016.
    http://johnpilger.com/articles/once-agai...
    ; 2013_____. The brutal past and present are another country in secret Australia. 5 November 2013. <http://johnpilger.com/articles/the-brutal-past-and-present-are-another-country-in-secret-australia>. Acesso em 03 fevereiro de 2016.
    http://johnpilger.com/articles/the-bruta...
    ) trata, de modo recorrente em seu trabalho, dessa pungente questão envolvendo os vários governos que construíram, ao longo de séculos, políticas de segregação e até mesmo de destruição das várias etnias aborígenes australianas. Alguns dados político-culturais sobre as populações aborígenes australianas foram também acompanhados nas homepages de órgãos e de associações do governo australiano, bem como de organizações não governamentais. Tais sites são registrados devidamente em nossas referências, ao final desse estudo.
  • 8
    Sobre a Altjeringa, também acompanhamos as explicações de: ABORIGINAL AUSTRALIA ART & CULTURE CENTRE - ALICE SPRINGSABORIGINAL AUSTRALIA ART & CULTURE CENTRE - ALICE SPRINGS. The Dreamtime. In: < In: http://aboriginalart.com.au/culture/dreamtime2.html >. Acesso em 23 de dezembro de 2015.
    http://aboriginalart.com.au/culture/drea...
    , 2015; AUSTRALIAN GOVERNMENTAUSTRALIAN GOVERNMENT. Australian Indigenous cultural heritage. In: < In: http://www.australia.gov.au/about-australia/australian-story/austn-indigenous-cultural-heritage >. Acesso em 23 de novembro de 2015.
    http://www.australia.gov.au/about-austra...
    , 2015; ELLIS, 1991ELLIS, Jean A. From the Dreamtime: Australian Aboriginal Legends. Victoria: Collins Dove, 1991.; LOFTUS, 2010; POULEY, 1998POULEY, Jim. The Secret of Dreaming. Templestowe: Ren Hen Enterprises, 1988.8.
  • 9
    Sobre a importância da cidade Alice Springs e seu entorno, sabe-se que há uma singular presença de comunidades aborígenes já localizadas no perímetro urbano, bem como aquelas que se encontram em suas andanças ancestrais pelo deserto vermelho, tendo a cidade como relativa referência. Acentua-se o fato social de que vários segmentos dessas comunidades aborígenes se encontrarem em franca mobilidade diaspórica; ou seja, são obrigadas a deixar seus lugares de origem para uma perambulação por outros territórios à procura de melhores condições de vida. Mesmo com esse contexto adverso, tais comunidades esforçam-se por preservar seus elementos culturais, como marca de sua identidade em contato e negociações político-sociais com as comunidades dos colonizadores. Para maiores informações sobre esse contexto de Alice Springs e os grupos aborígenes de sua rede de coexistência, queira acompanhar AUSTRALIA-AUSTRALIEAUSTRALIA-AUSTRALIE. Alice Springs. In: < In: http://www.australia-australie.com/articles/alice-springs >. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
    http://www.australia-australie.com/artic...
    , 2016.
  • 10
    A respeito da prática do turismo como exercício de massificação cultural e reprodução acrítica de perspectivas superficiais e, por vezes, estereotipadas de um país, também acompanhamos as reflexões de Sylvie Brunel, 2006BRUNEL, Sylvie. Tourisme et mondialisation vers une disneylandisation universelle. In: < In: http://archives-fig-st-die.cndp.fr/actes/actes_2006/brunel/article.htm >. Acesso em 07 de janeiro de 2016.
    http://archives-fig-st-die.cndp.fr/actes...
    , além das observações e análises etnoantropológicas de Marc Augé, 1997.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

NATIONAL FILM & SOUND ARQUIVE. The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert. (1994). In: < In: http://aso.gov.au/titles/features/priscilla/map/ >. Acesso em 10 de fevereiro de 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Fev 2016
  • Aceito
    06 Maio 2016
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