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Contribuições metodológicas para os estudos sobre indicações geográficas: valorizar os recursos territoriais segundo as chaves de ação do Guia da EPAGRI, 2020, e do Guía Uniendo Personas, Territorios y Productos para Fomentar la Calidad Vinculada al Origen y las Indicaciones Geográficas Sostenibles, da FAO, 2011

Methodological contributions for the studies on geographical indications: valuing territorial resources according to the action keys of the EPAGRI Guide, 2020, and the FAO Guide Uniendo Personas, Territorios y Productos para Fomentar la Calidad Vinculada al Origen y las Indicaciones Geográficas Sostenibles, 2011

Aportes metodológicos a los estudios sobre indicaciones geográficas: valoración de los recursos territoriales según las claves de actuación de la Guía EPAGRI, 2020, y la Guía Uniendo Pueblos, Territorios y Productos para Promover la Calidad Vinculada al Origen y las Indicaciones Geográficas Sostenibles, de la FAO, 2011

Resumo

O presente trabalho objetiva traçar os principais pontos constantes na cartilha Metodológica da EPAGRI, Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, como referencial no campo das indicações geográficas, num olhar em relação à proposta do Círculo Virtuoso da FAO, Agência de Alimentação e Agricultura da ONU. São estudos que podem contribuir para os processos de elaboração dos relatórios de solicitação de registro de indicações geográficas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Assim, o estudo consistiu numa revisão de bibliografia sistemática, de caráter descritivo e abordagem qualiquanti, com cunho empírico e com o uso de estudos e documentos secundários interdisciplinares e epistemológicos em torno do tema, bem como artigos e dissertações, livros e materiais digitais. Os resultados parciais encontrados nesses estudos metodológicos apontam que a valorização e o desenvolvimento territorial local são frutos de conhecimentos locais, tácitos e implícitos, que foram construídos e adquiridos com o passar dos anos em determinada região e comunidade, consistindo em verdadeiros bens e ativos intangíveis e passíveis de exploração via ecoturismo, por exemplo, primordialmente considerando o método da FAO do círculo virtuoso que permite articular os diferentes fatores territoriais, locais, culturais, sociais, econômicos, políticos e jurídicos em prol do desenvolvimento de certa localidade.

Palavras-chave
EPAGRI; Caderno de Especificações; Círculo Virtuoso da FAO

Abstract

The present work aims to bring and trace the main points contained in the EPAGRI Methodological booklet, from the Agricultural Research and Rural Extension Company of Santa Catarina, Brazil, as a reference in the field of geographical indications, in a look relatively to the FAO virtuous circle proposal, from the UN Food and Agriculture Agency. Thus, the study consisted of a systematic bibliography review, with a descriptive character and a quali-quanti approach, with an empirical nature and with the use of interdisciplinary and epistemological studies and secondary documents around the theme, as well as articles and dissertations, books and digital materials. The partial results found in these methodological studies indicate that the local territorial valorization and development are the result of local, tacit and implicit knowledge, which were built and acquired over the years in a given region and community, consisting of true goods and intangible assets and capable of being exploited via ecotourism, for example, primarily considering the FAO method of the virtuous circle that allows the articulation of different territorial, local, cultural, social, economic, political and legal factors in favor of the development of a certain location.

Keywords
EPAGRI; Specification Book; FAO Virtuous Circle

Resumen

El presente trabajo tiene como objetivo rastrear los puntos principales contenidos en el folleto metodológico EPAGRI, Empresa de Investigación Agrícola y Extensión Rural de Santa Catarina, como referencia en el campo de las Indicaciones geográficas, en una mirada en relación con la propuesta del círculo virtuoso de la FAO, Agencia de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura. Estos son estudios que pueden contribuir a los procesos de preparación de informes que solicitan el registro de indicaciones geográficas en el Instituto Nacional de Propiedad Industrial (INPI). Así, el estudio consistió en una revisión bibliográfica sistemática, con carácter descriptivo y enfoque cualicuantitativo, siendo empírico y con el uso de estudios y documentos interdisciplinarios y epistemológicos secundarios en torno al tema, así como artículos y disertaciones, libros y materiales digitales. Los resultados parciales encontrados en estos estudios metodológicos indican que la valorización y el desarrollo territorial local son el resultado de saberes locales, tácitos e implícitos, que fueron construidos y adquiridos a lo largo de los años en una determinada reglón y comunidad, constituidos por bienes verdaderos y activos intangibles y susceptibles de ser explotados a través del ecoturismo, por ejemplo, considerando principalmente el método del círculo virtuoso de la FAO que permite articular diferentes factores territoriales, locales, culturales, sociales, económicos, políticos y jurídicos a favor del desarrollo de una determinado ubicación.

Palabras clave
EPAGRI; Cuaderno de Especificaciones; Círculo virtuoso de la FAO

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva trazer e traçar os principais pontos constantes nas publicações Valorizar os Recursos Territoriais: Chaves para a Ação – Guia Metodológico, da EPAGRI, Santa Catarina, Brasil, 2020, e Uniendo Personas, Territorios y Productos – Guía para Fomentar la Calidad Vinculada al Origen y las Indicaciones Geográficas Sostenibles, Roma, FAO. 2011.

Especificamente, identificamos que o estudo dos guias metodológicos publicado pela EPAGRI, 2020. e a proposta de círculo virtuoso da FAO, 2011, são referências bibliográficas de bastante proveito para os produtores e produtoras, pois esses documentos explicam, com detalhamento, metodologias estratégicas que podem ser utilizadas, lançadas e aplicadas no âmbito das Indicações Geográficas (IGs), no âmbito de implantação de projetos de valorização dos recursos territoriais, por meio da organização e do desenvolvimento de capacidades e competências específicas para agregar valor aos produtos a serem reconhecidos através desse registro que “confere” notoriedade a esses bens.

Para tanto, ainda foi necessário trazer brevemente o contexto e os aspectos do chamado Caderno de Especificações Técnicas, que constitui elemento essencial no processo de obtenção do registro das Indicações Geográficas, a ser organizado e coordenado pela associação envolvida no pedido da indicação.

Portanto, relembramos aqui os sete eixos agrupados que consubstanciam os requisitos compulsórios e que devem estar contidos no Caderno de Especificações Técnicas, conforme estabelecido na IN. n. 95, de 28 de dezembro de 2018, próprio de cada IG, no âmbito de exercício e gestão de cada associação envolvida na produção de determinado bem: (1) nome geográfico, sendo a forma através da qual o reconhecimento da IG é efetuado e protegido, com a exclusividade conferida; (2) delimitação da área; (3) descrição do produto ou serviço e descrição do processo de obtenção/fabricação do produto ou prestação do serviço; (4) descrição sobre as qualidades intrínsecas e diferenciais dos produtos e serviços, existentes devido às condições do meio geográfico, considerando-se os recursos naturais (e humanos, no caso das Denominações de Origem [DOs]; (5) descrição dos mecanismos de controle de qualidade e especificidades dos produtos ou serviços; (6) descrição sobre os mecanismos e estratégias de controle sobre os produtores ou prestadores; e (7) as proibições de usos e sanções em face do descumprimento das condições de utilização da IG ou nas hipóteses de usos indevidos.

2 MÉTODOS

2.1 Valorizar os recursos territoriais: a metodologia do Guia EPAGRI, 2020

A Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) é uma empresa pública, vinculada ao Governo do Estado de Santa Catarina por meio da Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural. Em 2020, Ademir Antonio Cazella (UFSC), Valério Alécio Turnes (UDESC) Célio Haverroth (EPAGRI) e Antonio Carlos Pias de Castro (MAPA) publicaram, com o apoio da EPAGRI, o guia metodológico Valoriser les Ressources Territoriales: des clés pour l’action, de 2014, de autoria de Loïc Perron da Suaci Alpes du Nord/ GIS Alpes Jura e Claude Janin da Chambre d’Agriculture de l’Isère/G IS Alpes Jura. O documento consiste em fichas metodológicas que traduzem as ferramentas de auxílio na identificação e valorização dos recursos territoriais coletivamente. O procedimento metodológico foi dividido em 5 etapas independentes, com fichas correlatas a cada fase, que podem ser aplicadas conforme a realidade e o nível de maturidade de cada território.

A etapa 1 consiste em identificar os recursos existentes num território independente de sua valorização já ser ativada ou não, identificação esta que ocorre de uma construção participativa e da autoavaliação coletiva no âmbito local, que considera os recursos multifacetados a serem inventariados segundo determinado tema ou tipologia. Ao longo dessa etapa, ocorre o levantamento e o cruzamento dos entendimentos dos diversos atores do território (e até de convidados que sejam externos a ele) sobre as riquezas, os recursos e as potencialidades particulares do local.

Ao final dessa etapa, é possível identificar todos os recursos existentes naquela região (materiais ou ¡materiais), valorizados ou possivelmente valorizáveis, organizados na forma de um conjunto de recursos segundo suas especificidades e conforme às suas respectivas capacidades sinérgicas para a criação de elos com os demais bens, servindo de força motriz ao desenvolvimento territorial nos planos econômico, cultural, ambiental, etc.

Em complemento, a segunda etapa também se ampara na construção coletiva, consistindo na identificação de como os recursos do território são valorizados e valorados, entendendo-se como ocorrem efetivamente as ligações entre os recursos e o território, buscando explicitar os fatores existentes de especificidade (ex. modos de produção e valorização) e seus potenciais de evolução.

Cada recurso será caracterizado de acordo com sua natureza, quer seja pela sua ligação com o território no âmbito de determinado modo de produção, quer seja pela sua forma de valorização (ex. relação com os consumidores: mercantil, de proximidade, de envolvimento, de experiência etc.), podendo inclusive haver a hierarquização dos principais recursos territoriais de cada tema ou tipo do inventário de recursos de determinada localidade.

Sequencialmente, a etapa 3 diz respeito às evoluções desejáveis para cada recurso, bem como quais seriam os possíveis encaminhamentos e procedimentos devidos para executá-las eficazmente. É nessa fase que se elaboram as linhas estratégicas de valorização dos recursos, as quais derivam dos projetos de desenvolvimento territorial.

Cabe destacar que a ferramenta denominada matriz de questionamentos é de suma importância para auxiliar na elaboração de projetos e planos de ação bem definidos. Nessa terceira etapa, também fica clara a relevância de se constituir um conselho gestor para governança de todo o processo de valorização dos recursos territoriais, o qual que deve participar de todas as fases do processo, desde o início das escutas coletivas até a execução efetiva dos planos de ação.

Já a quarta etapa é aquela voltada à implantação do projeto territorial de valorização dos recursos, cujo objetivo central é criar condições para ancorar os recursos efetivamente no território e manter a qualidade deles, possibilitando ainda seu desenvolvimento e sua difusão.

Entre as possíveis medidas de ação listadas no Guia, vale destacar a recomendação da escolha dos recursos que servirão enquanto “embaixadores” do território; a definição de pontos estratégicos para visitação e comercialização desses bens; o engajamento de atores para promoção do local e de seus recursos; as ações diversificadas que ampliem a valorização desses recursos; e as práticas de estímulo à comunidade visando à colaboração dos múltiplos atores para a conservação e propagação dos recursos territoriais.

Nessa etapa, fica evidente a importância da criação de um plano de comunicação consistente, atrelado especificamente a cada recurso, no âmbito de todo o território, que precisa ser desenvolvido visando evitar desgastes e a banalização ou degenerescência da identidade territorial local em construção por parte daquela coletividade.

Assim, são citados exemplos de ações ativadoras dos recursos, quais sejam, os selos e as certificações, as festas e os festivais, os passeios e as rotas turísticas, os eventos de divulgação do patrimônio histórico e cultural, isto é, estratégias que visam estimular a visitação de determinado território por parte de “clientes” externos e potenciais para o consumo daqueles bens, recursos e riquezas do território local específico.

Por fim, a quinta etapa é aquela que propõe organizar e desenvolver as competências territoriais dos atores de forma articulada e sinérgica, bem como as competências de estruturação, promoção e engenharia do território. Em síntese, nessa fase, os atores daquele território devem atuar seguindo uma missão e propósito únicos e específicos, pelo que são incentivados a assumirem determinadas funções e papéis na complexa rede de cooperação para a gestão do território e de seus recursos, considerando a expertise de cada um desses agentes sociais.

Entende-se por competências de engenharia aquelas que mobilizarão, organizarão e conduzirão esses atores, na ordem técnica, facilitadora (processos relacionais e do trabalho em rede) ou organizacional (coordenação desses múltiplos atores), visando justamente à especificação e valorização dos recursos territoriais da localidade específica.

Aprofundando a nossa análise em alguns pontos, reiteramos que o guia da EPAGRI possui 149 páginas no total, contendo as seguintes divisões: apresentação; prefácio; preâmbulo; introdução sobre concepções e reflexões acerca dos recursos; metodologia por meio de fichas; ferramentas potenciais de implementação; glossário/definições finais; conclusões.

Na seção do prefácio, o documento apresentou a missão do estudo exposto nas páginas seguintes, contextualizando as instituições locais e regionais envolvidas na tradução do guia, e trata de distintos subtópicos, merecendo destaque os depoimentos de caso, por revelarem informações importantes acerca das experiências práticas vivenciadas pelas comunidades locais no âmbito da valorização dos recursos territoriais.

Cada uma das seções possui uma apresentação introdutória, visto que o guia se propôs a realizar um estudo bastante abrangente das condições das IGs, segundo uma ótica comparada e articulada. Também cada uma das fichas possui uma proposta metodológica própria descrita, além de conter dicas de implementação e planos de ações específicos.

Lembrando que essas fichas são em cinco, a 1ª refere-se à identificação dos recursos potenciais; a 2ª traz os dados relativos às especificidades dos recursos territoriais locais, prioritariamente segundo os modos de produção específicos de determinados produtos ou serviços; a 3ª é relativamente sobre as estratégias potenciais valorativas dos recursos e produtos; a 4ª trata da implementação dos projetos territoriais, visando agregar o máximo de valor aos recursos específicos e embasando o reconhecimento de potenciais IGs; e a 5ª é referente às formas de gestão e desenvolvimento das capacidades e competências atualizadas de organização daquele território, abarcando as “qualidades de engenharia” e aquelas relativas aos atores sociais envolvidos nos processos de valorização e “impulsionamento” dos recursos territoriais no âmbito de determinada comunidade.

Quanto às ferramentas de desenvolvimento e gestão propostas no guia, ressaltam-se primordialmente os diagnósticos e processos para reconhecimento das IGs. O primeiro instrumento é a fotolinguagem, também conhecida como Metaplanning; o segundo refere-se ao gráfico de radar, que compreende uma espécie de brainstorming, conjuntamente com descrições e reflexões de suporte mediante gráficos/quadros/tabelas e demais opções criativas; o terceiro consiste na grade de caracterização, que abrange as classificações e medidas operacionais no âmbito dos recursos territoriais; o quarto chama-se referencial de etapas; e o quinto instrumento é relativo aos meios de engenharia efetivamente utilizados. Desde já salientamos que essa ferramenta de meios de Engenharia e estruturação mobiliza capacidades facilitadoras e organizacionais a fim de traçar o cenário de implementação dos planos estratégicos em torno daqueles recursos territoriais específicos.

Na primeira etapa da metodologia do guia, chamam atenção os cenários traçados nas fichas 2, 4 e 5. Isso porque, respectivamente, na ficha 2 estão previstas as particularidades e os modos de produção dos recursos territoriais e potenciais, pelo que são traçados determinados princípios específicos para avaliar as interações com os consumidores e usuários dos produtos ou serviços, abarcando, portanto, sua comercialização. Importante ressaltar ainda aqui as ferramentas de gráfico de radar e grade de caracterização, que aprofundam os conteúdos e as valorações dos recursos existentes e possíveis, envolvendo e abrangendo uma ampla variedade e diversidade de bens. Assim, os recursos são colocados como bens mais amplos e vastos, pois incluem primordialmente fenômenos como o saber-fazer e o enquadramento enquanto patrimônio cultural.

Ao nosso ver, o maior destaque deste guia está na ficha 4. Delineia-se um extenso plano de ação, e, para tanto, são utilizados dois princípios gerais, a ancoragem de recursos no âmbito do território geográfico (abarca as especificidades dos produtos e serviços, bem como o desenvolvimento de diferentes modos de participação ativa dos atores, partindo-se de novas modalidades e ações de comunicação e articulação desses agentes) e o postulado da manutenção da qualidade desses recursos específicos (envolvendo as estratégias de vigiar, monitorar, compartilhar e difundir). Especificamente quanto à ancoragem de recursos, essa técnica é utilizada prioritariamente para os produtos alimentícios, mas não exclusivamente, pois também é usada no âmbito das alternativas de valorização turística.

Nesta seara, existem seis medidas prioritárias bastante relevantes no guia: “relação com os cadernos de normas (sobre o produção dos bens e seus modos, chancelando-se cientificamente o modus vivendi das comunidades e populações e abrangendo as questões de rotulagem também, dentre outros fatores e variáveis); o foco em RH e na capacitação e formação de profissionais; a comercialização através dos múltiplos operadores e associações; a delimitação do perímetro histórico-cultural do recurso territorial em específico; a realização de workshops e eventos colaborativos; e as referências às articulações com a paisagem geográfica e territorial.

Nessa mesma ficha de número 4, no que tange ao desenvolvimento dos modos de participação dos atores, ressalta-se a importância de abarcar os projetos, trabalhos e planejamentos particulares, promovendo consistência e coerência complementares em termos de adição, agregação de valor aos produtos e serviços.

Nesse sentido, existem cinco medidas prioritárias: a definição de território-base, de referência em paralelo aos recursos específicos (na figura de produtos considerados “estrela”, pelo seu teor atrativo, sendo embaixadores responsáveis por transmitirem a imagem e qualidade daquele território); a implantação de circuitos “próximos compreendendo pontos de venda e unidades de processamento; a difusão através dos departamentos de turismo locais; a diversificação em torno da cultura gastronômica e do marketing, visando à potencialização do turismo local e à facilitação de cooperações locais entre restaurantes, artesãos e prestadores de serviço, por exemplo.

Em continuação, acerca da multiplicidade de agentes, visando finalmente a conservação do patrimônio territorial, requer justamente a apropriação das diferentes dimensões do território pelos atores para construção de uma narrativa, um discurso por meio de um plano de comunicação com uso de diferentes mídias. Nesse âmbito, destaca-se organizar festivais, com a interação rica e direta com a clientela, para possibilitar as contribuições ativas e singulares de cada agente para o projeto segundo suas expertises, impactando na consolidação das complexas redes de competição locais.

Quanto ao segundo princípio empregado nos planos de ação, ou seja, a manutenção da qualidade dos recursos, visa-se à fortificação dessas redes de atores em cooperação, considerandose que os recursos territoriais são esgotáveis, por motivos distintos. Assim, estratégias que visam à máxima “perenização/renovação” e durabilidade/vitalidade dos recursos “especificados” devem ser ativadas, considerando-se a conformação de programas plurianuais para a preservação regional dos recursos territoriais já existentes e efetivos, bem como os potenciais.

Como já mencionado, esses processos envolvem a vigilância da qualidade dos produtos e serviços, mediante valorações e avaliações regulares e periódicas, visando à permanência do reconhecimento e à manutenção do renome dos recursos específicos, pois essa é a base decisiva da atratividade e do valor agregado desses bens.

Destarte, trazemos ainda a questão das competências e capacidades a serem desenvolvidas no âmbito de determinado território, que engloba a avaliação da oferta e demanda pelos produtos e serviços; a organização de oficinas para intercâmbio de saberes e experiências; e a realização de planos de governança abarcando todos os atores públicos nos procedimentos de construção da macro estratégica de gestão dos recursos específicos.

Ademais, a ficha 5 descreve prioritariamente a segmentação dos atores em individuais (aqueles que detêm expertise de uso), organizados ou coletivos, institucionais setoriais (e.g. câmaras interprofissionais via representação legal) e institucionais transversais (coordenação das dimensões em escala).

Nesse sentido, mencionamos o exemplo do Pays de Thones, que demonstra o emprego adequado e certeiro dos gráficos de radar, considerando que essa ferramenta é bastante pragmática e até avaliativa dos recursos territoriais e potenciais. Nessa hipótese, considera que a atratividade e a excelência rurais envolvem ações locais específicas de produção e compartilhamento de experiências e expertises no ambiente de convívio e correlação dos atores sociais, pautando-se numa proposta de conciliação e harmonização da tradição com a modernidade para a consolidação dos recursos territoriais específicos.

No fim do guia, em suas páginas 140 e 141, são trazidas algumas definições-base, sobre primordialmente produto, recurso, território, ator e valor. Ainda, são detalhados os outros conceitos de objeto territorial (elementos abstratos e/ou concretos, materiais e/ou ideias que conformam determinado território), discurso (sobre aquele determinado território, e que revela as intenções dos atores envolvidos, atribuindo legitimação ao território geográfico), fotolinguagem (método psicológico que utiliza fotografias e imagens promovendo compartilhamento e engajamento em certo grupo por meio da construção de representações e atribuições de sentido aos sujeitos daquele meio social) e territorialização (construção do território pela cultura, sociedade e valores, atribuindo-lhe determinado sentido na temporalidade e no espaço).

Notamos que essa última seção do guia segue a linha e a tendência costumeiramente adotadas em documentos negociais produzidos no âmbito de sistemas de regulatórios e de práticas denominadamente de “common law” e/ou comunitárias (União Europeia), visando a uma maior proteção por meio do estabelecimento de diretrizes gerais de conduta aos agentes envolvidos em determinado contexto.

2.2 A estratégia metodológica do círculo virtuoso da FAO

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicou em 2011, sob a coordenação dos pesquisadores Emilie Vandecandelaere (FAO), Filippo Arfini (Università degli Studi di Parma, Itália), Giovanni Belletti (Università degli Studi di Firenze, Itália), Andrea Marescotti (Università degli Studi di Firenze, Itália), o guia metodológico Uniendo Personas, Territorios y Productos – Guía para Fomentar la Calidad Vinculada al Origen y las Indicaciones Geográficas Sostenibles, visando: a) explicar o que é a qualidade vinculada à origem e ao conceito de indicação geográfica; b) aumentar a tomada de consciência acerca do potencial dos produtos vinculados à origem em prol do desenvolvimento rural e das condições de sustentabilidade; c) facilitar a implementação de sistemas de indicações geográficas ao nível local, oferecendo instrumentos e uma metodologia concretos (p. 22). O círculo virtuoso consiste num guia metodológico operativo proposto pela FAO, o qual visa ao desenvolvimento territorial, considerando-se as características, qualidade e origem dos bens e produtos potenciais relativos e relacionados à obtenção de reconhecimento via indicação geográfica. O método visa auxiliar os atores locais na implementação e no gerenciamento das atividades e condições do processo sistemático de obtenção do registro de IG, bem como atua na otimização do potencial de indicação para o desenvolvimento territorial.

O círculo virtuoso é uma metodologia composta pelos seguintes passos: a) identificação de recursos locais, b) qualificação do produto como IG (estabelecimento de regras), c) remuneração, d) gerenciamento da IG, e) políticas públicas para reprodução dos recursos locais, de forma a majorar e aumentar a sustentabilidade econômica, sociocultural e ambiental. O enfoque desta proposta circular está nos atores locais públicos, que desempenham um papel ímpar, por fornecerem a estrutura institucional necessária e adequada ao registro da IG, trazendo efeitos positivos para o desenvolvimento territorial no âmbito do reconhecimento dos produtos ligados à origem local.

Nesse diapasão, este guia evita soluções prescritivas e/ou estritas sendo destinado a profissionais e especialistas em desenvolvimento territorial, dos setores público ou privado, bem como representantes de cadeias de valor, formuladores de políticas públicas, líderes no cenário das comunidades locais e a todos os agentes interessados que visem promover e preservar produtos e recursos alimentares locais (tradições, know-how e recursos naturais).

Visto isso, esta metodologia objetiva capacitar brevemente facilitadores para auxiliar os agentes locais na tomada de consciência acerca do potencial dos produtos ligados à origem, bem como na organização e realização de ações coletivas, entendendo a importância do estabelecimento de regras de uso específicas e adequadas/apropriadas para “pilotar” e administrar o “sistema local” relativo à determinada IG, considerando-se as variáveis econômicas, socioculturais e ambientais em prol da sustentabilidade.

Assim, o guia metodológico da FAO detém 3 principais objetivos: a) explicar qual é a qualidade ligada à origem no âmbito do conceito e identificação de determinada Indicação Geográfica; b) sensibilizar os agentes locais quanto ao potencial de desenvolvimento sustentável dos produtos ligados à origem em determinada localidade; c) facilitar a implementação dos processos de obtenção de IGs, fornecendo ferramentas concretas.

Desse modo, o método do círculo virtuoso está estruturado primordialmente em 4 fases específicas do círculo, e uma quinta relacionada à temática correlata das políticas públicas de apoio à estrutura do sistema.

Antes de nos adentrarmos às etapas do método propriamente dito, é interessante ressaltar para o escopo do presente trabalho, com enfoque nas IGs, que certos alimentos e produtos agrícolas detêm uma qualidade específica ligada à sua origem de produção com potencial de torná-los famosos como resultado direto dessas características particulares quando estão ligadas ao ambiente natural e humano no âmbito de determinada localidade.

E adiciona-se que esse caractere especial confere ao bem uma função, um papel ímpar no desenvolvimento do território, enquanto as partes interessadas podem transformar os recursos territoriais latentes em ativos significativos e eficazes, preservando os ecossistemas e aprimorando esses produtos por meio da adição de maior valor agregado, recebendo, assim, o reconhecimento da sua notoriedade no meio social, resultando na maior valoração mercadológica e remuneração por esses recursos territoriais.

Ademais, reitera-se que produtos vinculados à origem são aqueles diferenciados como resultado direto de sua identidade ou tipicidade local, pelo que sua identificação como IG é justificada e possível no âmbito do contexto local específico em que se originam e que justamente lhes confere uma natureza, qualidade ou reputação diferenciada e particular que é enxergada, visualizada pelos olhos dos consumidores.

Nesse sentido, considera-se o seu espaço de ancoragem em sua área de produção, permitindo estabelecer um círculo virtuoso enquanto a promoção de sua qualidade está ligada à origem e gera efeitos econômicos, sociais e ambientais positivos, que podem ser reforçados ao longo do tempo graças à reprodução dos recursos locais pautada na sustentabilidade, que se relacionará com patamares diferenciados de remuneração pelo mercado.

Assim, o guia do círculo virtuoso corresponde ao processo de criação e preservação do valor de determinado recurso, que se inicia quando as partes interessadas locais obtêm consciência do potencial do produto e se associam coletivamente para começar o processo de obtenção e registro da IG. Esse valor será agregado paralelamente ao reconhecimento do produto pelos consumidores e pelo mercado, sendo reforçado pela proteção oficial e legal via o “registro” da IG.

Dessa maneira, avançamos ratificando os estágios circulares dessa metodologia: A Primeira fase refere-se à identificação, correlata à conscientização local e à apreciação do produto e seus potenciais; à qualificação, que se refere ao estabelecimento de regras e usos dos recursos visando à sua valorização e preservação; à remuneração, vinculada à comercialização do produto e à sua gestão sistemática ao nível local; à reprodução de bens, diretamente conectada com a perspectiva do desenvolvimento sustentável; e às políticas públicas “fornecedoras da infraestrutura institucional e de apoio à realização dos outros processos e etapas do ciclo. Também ressaltamos o papel especial dos atores econômicos tanto locais (aqueles envolvidos diretamente na produção e no marketing dos bens) quanto externos (autoridades governamentais, ONGs, centros de pesquisa e desenvolvimento, etc.), pois essa estrutura institucional e regulamentar eminentemente pública é vital e essencial para o aprimoramento e a preservação da qualidade ligada à origem desses produtos e recursos territoriais.

Seguidamente, relatamos que o primeiro passo no processo sistemático de ativação dos recursos e suas potencialidades é a identificação clara da origem ligada ao produto, bem ou serviço. Esse processo depende do grau de conscientização dos produtores e envolvidos locais relativamente ao potencial desses recursos específicos, uma vez que se constituirá a base associativista e coletiva de ação imprescindível para a obtenção da valorização e do reconhecimento do produto. Ou seja, essa fase primária está relacionada com a reputação dos recursos que refletem sua ligação intrínseca à determinada qualidade específica, um produto singular, “único”, que confere aos lugares da produção notoriedade. Assim sendo, nesta fase, o suporte externo no âmbito das contribuições técnicas e científicas pode ser bastante relevante para a potencialização do bem territorial.

A Segunda fase diz respeito à qualificação referindo-se ao momento no qual a sociedade (consumidores, cidadãos, órgãos oficiais, outras partes interessadas na cadeia de valor, etc.) é colocada em posição de reconhecer e avaliar o valor agregado ao produto ligado à origem. Portanto, a qualificação envolve para além da descrição clara do produto, abarcando a definição das características da zona de produção, o processo pormenorizado de obtenção do bem, as qualidades do produto e as ferramentas apropriadas para desenvolver e proteger esses caracteres específicos.

Nessa perspectiva, a atribuição de um registro de IG está diretamente relacionada à sinalização entre o nexo causal entre o produto, sua área geográfica e sua qualidade específica, tornando o produto vinculado à origem. Dessa forma, a qualificação exigirá que os produtores locais elaborem um código de condutas e práticas contendo os critérios e requisitos que permitem alcançar a qualidade específica para “designação enquanto IG”. Os produtores e produtoras locais devem, portanto, estabelecer conjuntamente essas respectivas regras e implementá-las para garantir a qualidade específica definida. Esse processo é crítico, por visar garantir que os consumidores recebam a qualidade esperada e prevista, bem como visa possibilitar a reprodução, sustentabilidade e melhoria dos recursos territoriais locais.

A Terceira fase refere-se à etapa de remuneração, correspondente aos mecanismos por meio dos quais a sociedade paga os produtores locais pelos bens e serviços associados a determinado recurso ou produto vinculado à origem, ou seja, refere-se à remuneração dos atributos específicos de qualidade intrínseca aos recursos territoriais, visando à sua preservação e promoção. Além disso, salienta-se que a remuneração desses produtos notórios e específicos deve cobrir um custo de produção majorado em relação aos bens mais industrializados ou até mesmo importados, buscando-se garantir um maior nível de rentabilidade desses produtos locais, que impactam na própria reprodução e no desenvolvimento territorial.

Ademais, relembra-se que um dos mecanismos primordiais de remuneração é o mercado, em termos de acessibilidade, oferta-demanda e preços. A comercialização dos produtos de uma IG registrada exige inexoravelmente uma estratégia coletiva de gestão do sistema de produção de determinado produto ou serviço, visando à manutenção da reputação e notoriedade desses bens que “impulsionam a majoração de seu valor agregado”. Acrescenta-se brevemente que a remuneração desses recursos territoriais locais específicos pode também ser obtida por meio de mecanismos não mercantis, enquanto os instrumentos de mercado não conseguem compensar totalmente certos valores de determinados recursos, ocorrendo, neste caso, uma intervenção das instâncias governamentais nesta fase do círculo virtuoso.

A Quarto fose é relativa à reprodução dos bens locais, visando à preservação, renovação e ao aprimoramento desses produtos e serviços, garantindo a sustentabilidade do sistema de produção ligado à origem a longo prazo, influindo diretamente na própria existência do recurso. Destarte, essa fase dependerá prioritariamente da avaliação e implementação dos estágios anteriores (identificação, qualificação e remuneração), gerando impactos econômicos, sociais e ambientais.

A reprodução dos recursos territoriais está bastante associada ao aumento da reputação do bem vinculado à sua origem e sua zona/área geográfica específica, influenciando positivamente nas atividades econômicas, culturais, sociais e sustentáveis, ao nível local, e estando eminentemente conectada à necessidade de adoção e desenvolvimento de uma estratégia territorial devidamente estruturada.

Assim, percebe-se que a reprodução de recursos locais não é automática e depende diretamente das ações e atitudes das partes interessadas no âmbito do gerenciamento sistemático da produção dos bens específicos. Nesse sentido, a reprodução requer implementar regras de distribuição justas para todos os agentes que compõem determinada cadeia de valor e todos os atores envolvidos na comercialização e no próprio sistema de produção e obtenção de certo bem ou serviço. Ainda, a fase de reprodução dos recursos locais também deve garantir que o meio ambiente, a paisagem, a cultura, as tradições e o tecido social não sejam afetados adversamente pela atividade econômica associada à produção desses bens e recursos específicos.

Complementarmente, tem-se uma Quinto fase, que consiste na estruturação de políticas públicas implementáveis e necessárias ao longo do círculo virtuoso, prevendo quais atores públicos (governo nacional, regional, local e outras demais autoridades e instituições que representam o interesse público) podem desempenhar um papel imprescindível no aprimoramento desses produtos ligados à origem, visando contribuir para o desenvolvimento do território.

Sua atuação pode ser por meio de diferentes formas, pelo que primordialmente oferecem uma estrutura legal e institucional que permite o reconhecimento, regulamentação e proteção dos direitos coletivos de propriedade intelectual sobre as IGS, apoiando, portanto, o desenvolvimento e incremento dos produtos ligados à origem e aumentando seu impacto positivo em relação aos aspectos econômicos, sociais e ambientais nas diferentes etapas do ciclo de qualidade.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na atualidade, a escala “Território” ganhou relevância em diversas áreas do conhecimento, como a Geografia, Economia, Antropologia e Biologia, cada uma com a sua concepção respectiva, entretanto atribuindo inexoravelmente a essa escala o controle político de uma determinada área.

Podemos identificar que o conceito de território engloba três aspectos fundamentais, o político, o cultural e o econômico, conforme Haesbaert (2007)HAESBAERT, R. Territórios e multiterritorialidade: um debate. Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano IX, n. 17, p. 19–45, 2007., considerando-se a perspectiva social como inerente à atribuição de sentido a determinado espaço territorial. A dimensão política trata justamente das relações espaciais de poder nas quais o território é considerado uma área de controle exercido por determinado grupo. Já a variável cultural refere-se à dimensão simbólica e subjetiva de como o território é percebido e apropriado pela sua comunidade. E, por fim, o aspecto econômico configura o território enquanto fonte de obtenção dos recursos. Nos últimos anos, de acordo com Santos (2005, p. 10)SANTOS, M. O retorno do território. OSAL, Ano VI, n. 16, p. 251-61, jan./abr., 2005., o desenvolvimento territorial passa a figurar entre as grandes temáticas de interesse no seio da geografia e ciência geográfica, após duas décadas de ostracismo, rejeição, escanteio intelectual em relação à dimensão que o mesmo representa.

Dessa vez, segundo Caldas, Cerqueira e Perin (2005)CALDAS, A. S.; CERQUEIRA, P. S.; PERIN, T. F. Mais além dos arranjos produtivos locais: as indicações geográficas protegidas como unidades de desenvolvimento local. RDE. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, n. 11, p. 5–15, 2005., esta escala tornou-se prioritária principalmente no campo político-institucional, em que a espacialização e a geograficidade que envolvem seus potenciais e limites fizeram com que ela ganhasse destaque no planejamento governamental, ao serem desenvolvidas à luz de perspectivas que respaldam o crescimento econômico conjuntamente ao conservacionismo ambiental e ao desenvolvimento social.

A ideia fundamental do desenvolvimento territorial e das políticas que têm por objetivo proporcioná-lo é que, mesmo num mundo onde os espaços econômicos e os territórios são interligados e muito interdependentes, há alguma margem de manobra para um pequeno território desencadear e fortalecer processos de melhoria nas condições de vida dos seus habitantes.

Essa margem de manobra própria constitui o motor endógeno do crescimento (Melo, 2002MELO, J. P. B; COSTA, José da Silva. A problemática e as políticas de desenvolvimento local. In: COSTA, José da Silva. Compêndio de economia regional. Coimbra, Portugal: Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional [APDR], 2002. p. 515–33.; Maiorki; Dallabrida, 2015MAIORKI, G. J.; DALLABRIDA, V. R. A Indicação Geográfica de produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no desenvolvimento territorial. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial: reflexões sobre o tema e potencialidades no Estado de Santa Catarina. 1. ed. São Paulo: Editora LiberArs, 2015. v 1, p. 41–56.). Em tais situações, as comunidades locais e os setores privado e público contribuem para a reprodução dos recursos locais, criando oportunidades para outras atividades econômicas e sociais, em estreita colaboração entre os parceiros locais, com um objetivo comum que reforça a coesão social (Caldas; Cerqueira; Perin, 2005CALDAS, A. S.; CERQUEIRA, P. S.; PERIN, T. F. Mais além dos arranjos produtivos locais: as indicações geográficas protegidas como unidades de desenvolvimento local. RDE. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, n. 11, p. 5–15, 2005.).

Os recursos territoriais são compreendidos como fatores a revelar, a explorar e a organizar uma respectiva espacialidade, ou seja, seu valor é dado em função das condições do seu uso, que nascem de processos interativos sendo engendrados em sua configuração (Benko; Pecqueur, 2001BENKO, G.; PECQUEUR, B. Os recursos de territórios e os territórios de recursos. Geosul, Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 31–50, jul./dez. 2001.). O recurso específico de um território, tomado globalmente, aparece então como o resultado de um longo processo de aprendizados coletivos que termina no estabelecimento de regras tácitas. Tais regras têm a função de triar, de selecionar e de hierarquizar a informação, oferecendo, assim, a cada ator do território, um espaço de inteligibilidade (Benko; Pecqueur, 2001, p. 47BENKO, G.; PECQUEUR, B. Os recursos de territórios e os territórios de recursos. Geosul, Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 31–50, jul./dez. 2001.).

O desenvolvimento territorial tem como principal característica o estabelecimento de uma cadeia produtiva fixada num espaço geográfico, definido como: “todo processo de mobilização dos atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na base de uma identificação coletiva com uma cultura e um território” (Pecqueur, 2000PECQUEUR, B. Le développement local: mode ou modèle. 2. ed. Paris: Syros-la Découverte, 2000.).

Portanto, o desenvolvimento territorial considera o conceito de território enquanto um sistema em rede sob o qual existem vários agentes atuando em cooperação, sendo conjuntamente responsáveis pelo processo de gestão e resolução dos diversos problemas no âmbito daquele território, visualizando, assim, a multifuncionalidade do território, ou seja, a “consideração” de seus aspectos e variáveis ambiental, econômica, afetiva, social e política (Ribeiro, 2019RIBEIRO. Território e políticas de desenvolvimento territorial no Brasil. Revista Para onde?, Porto Alegre, v 11, n. 1, p. 75–82, 2019. O conteúdo está disponível em https://seer.ufrgs.br/paraonde/article/view/91719/52664. Acesso em: 15 nov. 2022.
https://seer.ufrgs.br/paraonde/article/v...
).

Dessa forma, o desenvolvimento territorial consiste num processo gerador de conhecimento inclusive científico, promovendo a capacitação desses agentes, bem como a criação de tecnologias chamadas sociais, possibilitando a formação de sócio-habilidades no âmbito das potencialidades associativas, a produção e elaboração de processo criativos relativamente aos insumos disponíveis e a formação de agentes capazes de criarem e fortalecerem as redes produtivas.

Nesse sentido, os documentos estudados oferecem o aporte teórico necessário sobre desenvolvimento territorial, baseando-se em métodos e metodologias que focam na especificação e diferenciação dos recursos territoriais, visando à criação de valor econômico, cultural e patrimonial no mercado globalizado.

Esses métodos de valorização dos recursos territoriais visam incentivar a formulação e adoção de estratégias que considerem as peculiaridades socioculturais, econômicas e ambientais locais, unicamente atrativas e potenciais, de tal forma que possam impulsionar o desenvolvimento de um conjunto de produtos e serviços.

Seguindo a ideia já exposta acerca do território, os recursos, naturais que são, apenas atingem seu caráter territorial na integralidade quando decorre a atuação humana neste, para moldá-los e transformá-los de acordo com determinadas necessidades; ou seja, quando os seres humanos lhes atribuem determinadas características e propriedade, no âmbito de determinada comunidade. Nesse sentido, Pecqueur (2000, p. 32)PECQUEUR, B. Le développement local: mode ou modèle. 2. ed. Paris: Syros-la Découverte, 2000. define os recursos territoriais como “característica construída de um território específico numa perspectiva de desenvolvimento”.

Ainda, os recursos territoriais podem ser classificados em dimensões cíclicas e segundo uma abordagem sistêmica e holística por serem atributos de localização relacionados à história de determinado local e, também, caracteres de aprendizagem relacionados à sua construtividade; relacionam-se com as redes de coopetição estabelecidas entre os atores locais de forma conflituosa ou coordenada, sinérgica. De acordo com Janin e Perron (2020, p. 20)JANIN, C.; PERRON, L. Valorizar os recursos territoriais: chaves para a ação – guia metodológico. Tradução de Domitila Madureira. Florianópolis, SC: Epagri, 2020. 147 p. (Epagri Documentos, n. 304)., um recurso é “qualquer objeto material ou ¡material cujo valor é reconhecido localmente, e, portanto, pode ser objeto de uma valorização individual ou coletiva”.

Esses recursos podem ser do tipo genéricos (ou comuns, ordinários) ou específicos, resultantes de um processo de reconhecimento sobre o modo de produção associado a um determinado território.

Em linhas gerais, um recurso só passa a ser reconhecido como tal quando lhe é atribuído um valor pelos agentes daquele meio social. E tal valorização, mercantil ou não (patrimonial, cultural, ambiental), deve derivar de um projeto construído coletivamente.

Assim, como os recursos territoriais são resultados de processos de evolução e construção coletiva, a sua natureza é sistêmica, ou seja, a sua valorização depende de uma correlação, de uma associação com os demais recursos existentes, conformando elos de uma cadeia que são baseados e estruturados na complementaridade e sinergia, atuando como fator imprescindível e distintivo.

Nesse sentido, tem-se justamente a definição de território valorizado. Para que um território se destaque no cenário globalizado, é fundamental que este apresente alguma vantagem competitiva, geralmente na forma de algum atributo que lhe confira um caráter de excepcionalidade. Por isso, é preciso que esse espaço se desenvolva a partir de suas vocações e recursos (existentes e potenciais), que “funcionarão como alavanca de desenvolvimento econômico e “assinatura” e afirmação da sua singularidade (Janin; Perron, 2020, p. 22JANIN, C.; PERRON, L. Valorizar os recursos territoriais: chaves para a ação – guia metodológico. Tradução de Domitila Madureira. Florianópolis, SC: Epagri, 2020. 147 p. (Epagri Documentos, n. 304).). Enquanto alguns territórios buscam a valorização por meio de produtos econômicos (agrícolas, artesanais, industriais), outros optam pela valorização cultural, patrimonial, turística e/ou natural (biodiversidade), como os exemplos apresentados dos Pays de Thônes e de Maurienne e os Parques de Vercors e de Bauges.

Assim sendo, os territórios devem desenvolver estratégias de valorização de seus recursos “específicos” que estejam íntimos e ligados à sua história e ao seu contexto socioespacial particular, distinguindo-lhes em relação a outras demais localidades.

Entende-se, desse modo, que esses recursos específicos são a base da abordagem de valorização territorial por meio da qual os atores envolvidos identificam, reconhecem e se apropriam do valor coletivo desses recursos territoriais, promovendo ações de valorização em diversas vertentes (política, econômica, cultural, turística, ambiental, etc.), visando à manutenção dessas especificidades em prol de vantagens em relação à sua competitividade.

4 CONCLUSÕES

As comunidades europeias possuem em seu DNA (herança histórica) a cultura da colaboração e do associativismo, o que contribuiu bastante para a implantação, o aprimoramento e a manutenção de políticas públicas e projetos voltados ao desenvolvimento territorial em seu continente, principalmente no contexto da economia moderna e competitiva globalmente, considerando-se o cenário de propriedade intelectual e das IGs.

Notadamente, os europeus possuem diversos casos de boas práticas relacionadas à valorização de seus recursos territoriais, que, além de serem reconhecidos pelo mercado internacional, serviram como exemplos e base de construção dos procedimentos metodológicos de ambos os guias que foram aqui estudados.

Além disso, a partir deste estudo, fica claro que a valorização e o desenvolvimento territorial são frutos de conhecimentos tácitos e implícitos construídos e adquiridos com o passar dos anos no âmbito de determinada localidade.

Como esse tema das indicações geográficas exige acentuada mobilização, colaboração e engajamento da coletividade envolvida no território, objetivando obter resultados práticos, percebe-se que, no contexto brasileiro, ainda existem diversos desafios a serem enfrentados para amplificação do desenvolvimento territorial e ampliação da proteção da propriedade intelectual e das indicações, eg. A necessidade de intensificação da prática associativista em regiões como o Nordeste, a continuidade dos projetos públicos independentemente do partido político em exercício; o fomento da cultura empreendedora e intraempreendedora nas organizações públicas e privadas, nas instâncias municipais, regionais, locais e estaduais; a cultura de desenvolvimento econômico e sustentável a longo prazo, etc.

A despeito da falta de infraestrutura brasileira para a prática, em larga escala, do desenvolvimento territorial e da proteção dos ativos intangíveis e ¡materiais da propriedade industrial, conclui-se que os guias representam instrumentos poderosos na viabilidade de projetos coletivos, já em curso no país, por facilitarem e norteiam o planejamento e a realização de ações e estratégias de valorização dos recursos territoriais, sendo essas metodologias já legitimadas por conhecimentos e experiências de outros países, auxiliando a tornar agenda pública de desenvolvimento territorial mais efetiva e prioritária.

Os guias metodológicos chamam ainda a atenção por justamente conterem um propósito mais didático, com a utilização do “Metaplannings” e apelos cíclicos visuais, e não se prendem meramente às formalidades que devem ser descritas e estruturadas, já que trazem também experiências que demonstram os caracteres da diversidade e identidade geográficas, determinantes no reconhecimento das indicações e dos recursos territoriais. Ademais, acreditamos que os métodos trazidos abordam a caracterização do chamado terroir em termos de diferenciação do território geográfico, indicando-se as especificidades quanto às condições edafo morfoclimáticas e humanas particulares em que decorre a produção de determinado bem notoriamente qualificado.

Analisamos também que os guias metodológicos detêm uma proposta transdisciplinar, trazendo novas abordagens focalizadas em características e valores diferenciados como atribuições intrínsecas relacionadas aos recursos territoriais, quais sejam, discurso, valor, linguagem e territorialização, que contribuem para basear o enquadramento de determinado produto e serviço como Indicação Geográfica.

REFERÊNCIAS

  • BENKO, G.; PECQUEUR, B. Os recursos de territórios e os territórios de recursos. Geosul, Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 31–50, jul./dez. 2001.
  • CALDAS, A. S.; CERQUEIRA, P. S.; PERIN, T. F. Mais além dos arranjos produtivos locais: as indicações geográficas protegidas como unidades de desenvolvimento local. RDE. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, n. 11, p. 5–15, 2005.
  • HAESBAERT, R. Territórios e multiterritorialidade: um debate. Revista GEOgraphia, Rio de Janeiro, Ano IX, n. 17, p. 19–45, 2007.
  • JANIN, C.; PERRON, L. Valorizar os recursos territoriais: chaves para a ação – guia metodológico. Tradução de Domitila Madureira. Florianópolis, SC: Epagri, 2020. 147 p. (Epagri Documentos, n. 304).
  • MAIORKI, G. J.; DALLABRIDA, V. R. A Indicação Geográfica de produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no desenvolvimento territorial. In: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial: reflexões sobre o tema e potencialidades no Estado de Santa Catarina. 1. ed. São Paulo: Editora LiberArs, 2015. v 1, p. 41–56.
  • MELO, J. P. B; COSTA, José da Silva. A problemática e as políticas de desenvolvimento local. In: COSTA, José da Silva. Compêndio de economia regional. Coimbra, Portugal: Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional [APDR], 2002. p. 515–33.
  • PECQUEUR, B. Le développement local: mode ou modèle. 2. ed. Paris: Syros-la Découverte, 2000.
  • RIBEIRO. Território e políticas de desenvolvimento territorial no Brasil. Revista Para onde?, Porto Alegre, v 11, n. 1, p. 75–82, 2019. O conteúdo está disponível em https://seer.ufrgs.br/paraonde/article/view/91719/52664 Acesso em: 15 nov. 2022.
    » https://seer.ufrgs.br/paraonde/article/view/91719/52664
  • SANTOS, M. O retorno do território. OSAL, Ano VI, n. 16, p. 251-61, jan./abr., 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2022
  • Revisado
    20 Jun 2023
  • Aceito
    24 Jun 2023
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