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Um diagnóstico anglófono da TV latino-americana

SINCLAIR, John; STRAUBHAAR, Joseph. Latin American television industries. 2013. British Film Institute, Palgrave Macmillan, Londres; Nova York: 205p.

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Com o intuito de mensurar o valor do tipo de indústria de TV formada na América Latina ao longo do último século até nossos dias, John Sinclair e Joseph Straubhaar em Latin American Television Industries atualizam a história da Mídia regional, especialmente, mas não apenas, de países como o Brasil e o México, com a menção e a interpretação de casos como a emergência de Xuxa como figura internacional nos anos 1990 e a clara censura perpetrada pelo governo da Venezuela durante a era de Hugo Chavez (1999-2013) e cujo marco foi o momento em que o sinal da RCTV foi lhe retirado, em 2007. Por intermédio desses procedimentos, mensurados mediante descrição e análise de alguns casos, expõem sua hipótese central: é possível haver singularidade na indústria regional de televisão mesmo que esse seja um meio de comunicação globalizado desde suas origens. A principal contribuição do professor da Universidade do Texas em Austin Joseph D. Straubhaar, nesta versão de um livro antes escrito apenas pelo australiano John Sinclair, professor da Universidade de Melbourne, é acrescentar um viés pós-colonial em vez de tão somente seguir pelo caminho da História e da Economia Política. O livro anterior, no que o atual está baseado, tinha o título de Latin American Television. A Global View (Oxford/Nova York: Oxford University Press, 1999, com uma reimpressão em 2002).

Nos quatro capítulos iniciais, os autores versam precisamente acerca das semelhanças entre as origens do rádio e da TV na região, quando eles dizem ter havido mais influência das empresas privadas norte-americanas NBC e CBS do que das iniciativas do governo norte-americano, especificamente do chamado Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), encabeçado pelo magnata ilustrado Nelson Rockefeller. Eles descrevem os primórdios dos principais grupos regionais como o cubano CMQ, do mexicano Televisa e da TV Globo. Em que pese essa parte da pesquisa ser muito descritiva e os dados serem explicitados sob um prisma informativo, muito recorrente na academia dos países de língua inglesa, sobressai, porém, a visão panorâmica que tende a assinalar verdadeiros focos de interesse a ponto de sentirmos que podem inspirar novos estudos: 1) a criação da Rede Centro-Americana de TV (Central American Television Network, CATVN); 2) o pouco explorado investimento da ABC na Argentina e no Chile; 3) as novas regulações de meios audiovisuais no Brasil que compelem os canais a cabo a formarem sua grade de programação com conteúdo independente e nacional; 4) a criação da Telesur e da TV Brasil, e os esforços da mexicana TV Azteca na América Central; 5) o surgimento de novas leis que limitam as ações dos gigantes Grupo Cisneros, da Venezuela, e Grupo Clarín, da Argentina; 6) o fato de que a Espanha importe mais conteúdo latino-americano produzido nos Estados Unidos do que propriamente de algum país da região. A despeito de que esses sejam assuntos de vulto por si mesmos, os autores conseguem expô-los com leveza e habilidade, precisamente devido ao perfil panorâmico e ao acréscimo do referido viés pós-colonial.

O quinto e o sexto capítulos estão escritos de maneira que, ao mesmo tempo em que informam, nos oferecem alguma crítica, procedimento pouco usual no mundo latino, acostumado a enunciados mais taxativos quando se tratam de estudos acerca da TV. Por exemplo, o fato de o Grupo Televisa não ter estabelecido boas relações com o Partido Socialista Obrero Español (PSOE) quando houve a onda de privatizações no decênio de 1980, encerra sua conclusão subtextual: daí provém a escassa participação de conteúdo do grupo na grade da televisão ibérica. De outro lado, a TV Globo sempre manteve diálogo com Salazar e seus sucessores durante a ditadura (1926 - 1974) e depois, quando Portugal decidiu privatizar o setor. Hoje, tanto Globo como Record têm significativa participação no mercado de Mídia português. As seções em que eles analisam a participação da TV Globo nos países lusófonos da África (especialmente Moçambique e Angola) também têm corolários agudos: as guerras contra as colônias não trouxeram bons resultados para a indústria de TV portuguesa no continente, pois lá preferem o conteúdo brasileiro, ao qual há um sentimento mais amigável e próximo. Ainda nesses últimos capítulos, há bons argumentos quando estabelecem os desafios que as indústrias de TV latino-americanas terão com a consolidação da agenda global para o setor. As telenovelas (uma das especialidades de Joseph D. Straubhaar) e a versatilidade cultural são os valores vernáculos da TV latino-americana aos que eles creditam a força das empresas locais para continuar crescendo mundo afora. Com efeito, nesses fatores descansa a singularidade regional.

‘Desler’ o livro?

O livro equilibra boa informação documental com um estilo aprazível e objetivo, muito embora de permeio, a sustentar tudo, estejam avaliações corriqueiras na academia norte-americana que valeriam ser repensadas. Encontramos alguns exemplares dos sutis paradoxos que essa visão promove aos diagnósticos. Primeiro, quando descrevem as ações da NBC e da CBS separando-as das estratégias do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, eles realmente se esquecem do papel crucial que as empresas desempenham na política exterior dos Estados Unidos, o que relativiza, sem cancelar, a distância entre as esferas pública e privada. Outra ideia bem arraigada concerne a que o Estado nos países da América Latina é forte porque parece ter grande ingerência na vida de seus cidadãos. Essa certeza desencoraja a análise mais afincada do fato de que esses pretensos Estados fortes – que desde o início reconheceram a necessidade de se imprimir um estatuto legal à indústria de TV que a mantivesse sob o controle do interesse público – na verdade entregaram desde sempre a empresários com propósitos comerciais a condução desse meio. O livro não se detém nessa contradição, tampouco é seu objetivo. Também não almeja recordar que à diferença de um Estado sim muito forte e presente como o norte-americano, que apoia e controla a indústria de TV desde a criação de leis até a supervisão de seu cumprimento, permitindo inclusive que a iniciativa privada se encarregue de uma boa fatia do bolo, nosso republicanismo funciona com regras implícitas e estruturas ausentes. É mesmo difícil admitir que os Estados latino-americanos não conseguiram ainda encontrar o jeito de lidar com uma tal distinção, com frequência tratando matéria pública como assunto privado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015
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