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VIRADA ICÔNICA E FENOMENOLOGIA DA CONSCIÊNCIA DE IMAGEM: CONSIDERAÇÕES EM RETORNO ÀS ANÁLISES DE EDMUND HUSSERL E SUA FACETA SEMIÓTICA1 1 Este texto é parte de um projeto de pesquisa apoiado pelas Fundações Alexander von Humboldt e CAPES para “Pesquisador Experiente” (Erfahrene Wissenschaftler) (n° 88881.145471/2017-01) realizado na Freie Universität Berlin em cooperação com a École Normale Supérieure de Paris e a Albert-Ludwig Universität Freiburg.

ICONIC TURN AND PHENOMENOLOGY OF IMAGE CONSCIOUSNESS: CONSIDERATIONS IN RETURN TO EDMUND HUSSERL’S ANALYSES AND ITS SEMIOTIC FACET

RESUMO

Este texto discute alguns problemas metodológicos e históricos concernentes à fenomenologia da consciência de imagem (Phänomenologie des Bildbewusstseins) elaborada por Edmund Husserl e algumas de suas repercussões teóricas. Primeiramente será tematizado o escopo mais amplo em que a abordagem filosófica das imagens auferiu relevância no século XX, a saber, a assim chamada “virada icônica” (ikonische Wenke) ou “pictórica” (pictorial turn), conforme as respectivas formulações de Gottfried Boehm e William Mitchell. Será situada nesse contexto a fenomenologia da imagem e, mais especificamente, a fenomenologia da consciência de imagem elaborada por Husserl, considerando-se, em especial, os eixos norteadores dos três direcionamentos que sobressaem nas teorias contemporâneas da imagem, a saber: as abordagens antropológica, semiótica e perceptiva. A partir da retomada de nuances semióticas remanescentes na fenomenologia da consciência de imagem, serão apresentados alguns pontos críticos acerca da classificação das análises de Husserl no escopo do direcionamento perceptivo e, finalmente, apontadas implicações do copertencimento à apresentação intuitiva da imagem (anschaulicher Darstellung des Bildes) daquilo que se denominará “circunstancialidade indicativa”.

Palavras-chave:
Virada icônica; Consciência de imagem; Fenomenologia do signo; Edmund Husserl; Gottfried Boehm

ABSTRACT

This text addresses some methodological and historical problems concerning the phenomenology of image consciousness (Phänomenologie des Bildbewusstseins) elaborated by Edmund Husserl as well as some of its theoretical repercussions. At first, I examine the broader scope in which the philosophical approach to images became relevant in the 20th century, the so-called “iconic turn” (ikonische Wenke) or “pictorial turn”, according to the respective terms proposed by Gottfried Boehm and William Mitchell. In this context I situate the phenomenology of image and, more specifically, the phenomenology of image consciousness elaborated by Husserl, considering, in particular, the guiding axes of three directions that stand out in contemporary theories of image, namely: the anthropological, the semiotic and the perceptual approach. By the resumption of semiotic nuances remaining in the phenomenology of image consciousness I present some critical points about the classification of Husserl’s analyses in the scope of perceptual approach. Finally, I point out some implications of the co-belonging to the intuitive image presentation (anschaulicher Darstellung des Bildes) of what can be called “indicative circumstantiality”.

Keywords:
Iconic turn; Image consciousness; Phenomenology of sign; Edmund Husserl; Gottfried Boehm

Georges Bataille (1980)BATAILLE, G. “La peinture préhistorique. Lascaux, ou la naissance de l’art”. Genève: Skira, 1980., em Lascaux ou la naissance de l’art, aponta para um acontecimento espetacular cuja relevância alteraria toda a história humana: não mais ou não ainda aquele afirmado na narrativa filosófica ocidental concernente à passagem do mito à razão, o famoso “milagre grego” do século V a.C., mas algo anterior a esse acontecimento, a saber, o “milagre de Lascaux”. O ato (humano) de inscrever riscos e manchas sobre as estruturas rochosas das grutas de Lascaux, na superfície das quais se deixam identificar formas de um ou outro animal, nisso se instauraria um ato de criação e de diferenciação do humano em relação ao meio.

Todavia, para além dessa possibilidade de leitura, perguntas outras despontam, tais como: a que remetem tais inscrições? Em que condições tais manchas e traços podem atuar enquanto imagens? Em que sentidos se mostra pertinente ou problemático apreender tal atitude ou condição enquanto ato especificamente humano de criação? Tais questões permanecem e incitam diferentes abordagens. Na verdade, elas não só permanecem, mas se intensificam, na medida em que na contemporaneidade estamos diante de e em interação com uma profusão de imagens, muitas das quais se passam por documentais quando não o são, enquanto outras, fictícias ou produzidas por sobreposição de outras imagens, têm muito a dizer sobre nossa experiência contemporânea, a começar pela miscelânea entre ‘imaginário’ e ‘real’.3 3 Ver, em especial, os trabalhos “History purposed” (1999) e “Fictitious Portraits” (1992) de Keith Cottingham, em que aparentemente estamos diante de fotografias feitas a partir de pessoas ‘reais’, sejam estas atualmente existentes, sejam postas como existentes em momentos históricos específicos. Em “History purposed” parecem ter sido retratadas pessoas com suas vestimentas e aspectos que nos permitem identificá-las como documentos etnográficos do século XIX. Mas tais imagens são produzidas tecnicamente a partir da sobreposição de outras imagens, diferindo assim das fotografias que, em sentido clássico, demandam um sujeito que se coloca em determinada perspectiva num ponto do espaço e dali, via mediação técnica, capta ou pretende captar o outro (cf. Serra, 2017). Sobre a obra “Fictitious Portraits”, cf. o comentário feito por E. Alloa (2015).

Tais questões, a complexidade de suas implicações e possíveis respostas nos fazem primeiramente acorrer à fenomenologia da imagem. Em especial, a dificuldade de se conferir um estatuto ontológico às imagens, acerca de seu ser real e suas determinações fáticas, ou ainda a dificuldade de dar provas sobre sua existência em separado das consciências para as quais elas portam sentidos e se instituem ‘enquanto imagens’ (als Bilde): tais impasses nos incitam a retornar à fenomenologia da consciência de imagem (Bildbewusstsein) inicialmente elaborada por Edmund Husserl (1859-1938) e retomada por fenomenólogos posteriores e por outros autores contemporâneos.

Na busca de analisar a especificidade da consciência de imagem, distinta de outros tipos de consciência, como a consciência meramente perceptiva, a consciência judicativa, a consciência rememorante e outras, Husserl inaugura um campo mais amplo de estudos fenomenológicos sobre os diferentes tipos de atos imaginantes, seus graus de evidência, suas camadas constitutivas, seus estatutos em relação aos âmbitos estético e cognitivo. Em contrapartida, os instigantes modos como as linhas, superfícies e hachuras parecem produzir sentidos por si mesmas, ou as situações em que os planos extensos e as intensidades afetivas povoam, por assim dizer, o campo visual de imprevisibilidades não visadas: tais aspectos nos conduzem a considerações de autores posteriores que, em especial desde o pós-estruturalismo francês, apresentam releituras e deslocamentos da fenomenologia da consciência de imagem.

Com o objetivo inicial de fornecer um mapeamento de posições, neste texto caberá primeiramente situar o escopo mais amplo em que a abordagem filosófica das imagens auferiu relevância no século XX, a saber, a assim chamada “virada icônica” (ikonische Wenke) ou “pictórica” (pictorial turn). Em seguida, serão considerados os eixos norteadores dos três direcionamentos que sobressaem nas teorias da imagem contemporâneas - a saber, o direcionamento antropológico, a abordagem semiótica e a abordagem perceptiva - com o intuito de inserir nesse contexto a fenomenologia da imagem e, mais especificamente, a fenomenologia da consciência de imagem elaborada por Husserl. Finalmente, serão apresentados alguns dos pontos críticos concernentes à classificação das análises de Husserl no escopo do direcionamento perceptivo, desde a retomada de algumas nuances semióticas remanescentes em sua abordagem das imagens.

I. Virada icônica e fenomenologia da imagem

Segundo uma tendência que foi se expandindo no século XX até os dias atuais, muito se discute sobre como a experiência contemporânea pode ser vista, descrita e interpretada por meio do impacto que as imagens - da imagem pictórica à imagem técnica - exerce em nossa vida quotidiana e em nossos modos de perceber, julgar e pensar. Edmund Husserl, fundador da fenomenologia, já indicava no início do século XX uma profusão de imagens ocasionando o impasse de delimitar o campo da imagem e o extracampo, a imagem e o referente: em sua alusão ao quadro de David Terniers, “Arqueduque Leopold Wilhelm em sua galeria em Bruxelas” (ca. 1650), a imagem figura uma galeria de imagens e é exposta numa galeria de imagens, como se o referente da imagem não pudesse mais ser buscado fora, no mundo externo.4 4 “Um nome enunciado nos lembra a Galeria de Dresden e a nossa última visita a ela: caminhamos através das salas, colocamo-nos diante de uma imagem/quadro (Bild) de Terniers que apresenta uma galeria de imagens (Bildergalerie). Se concebemos que imagens desta apresentariam de novo imagens que, por sua vez, apresentam inscrições legíveis e assim por diante, assim mensuramos qual entrelaçamento de representações e quais mediações devem ser efetivamente produzidas em relação às objetividades a serem apreendidas” (E. Husserl, HUA III/1, § 100; trad. minha). Husserl expressava, na verdade, não um ceticismo acerca da relação entre as imagens e os sentidos que elas presentificam ou aos quais elas remetem, mas uma necessidade de analisar as peculiaridades dos fenômenos imaginantes, suas diferentes modalidades, sem os considerar como meras representações de objetos percebidos. Leitor astuto desta e de outras considerações de Husserl, Jacques Derrida (1967DERRIDA, J. “La voix et le phénomène: Introduction au problème du signe dans la phénoménologie de Husserl”. Paris: PUF, 1967., p. 115 s.) assinala a condição de estarmos num labirinto em que imagem aponta para imagem, signos para outros signos, sem podermos delimitar o que está fora ou dentro da galeria, o que vem a ser, sem podermos demarcar a fronteira entre imagem e não imagem, entre o âmbito da representação e o da percepção.

Como assinala Laurent Lavaud (1999LAVAUD, L. “L’image”. Textes choisis et présentés par L. Lavaud. Paris: Flammarion, 1999., p. 12 s.), na contemporaneidade as imagens seriam “saturadas de irreal” e incapazes de cumprir “a função de reenvio à realidade da coisa, característico da imagem clássica”. Embora as noções de referente e representação sejam questionáveis e insuficientes, todavia, tais noções, juntamente com outras como remissão, apresentação, presentificação, mostração, ganham, nesse mesmo passo, um aprofundamento reflexivo sobre suas condições de uso e seus limites. Sublinha-se a proliferação contemporânea de imagens que nos consagraria à multiplicidade, à perda do sentido de origem e a uma concomitante necessidade filosófica de teorizar sobre os sentidos em que a apreensão da experiência é mediada por imagens ou implica remissões às mesmas. Após o homo rationalis clássico, o homo symbolicum de Ernst Cassirer (cf. Cassirer, 1994CASSIRER, E. “Ensaio sobre o Homem: Introdução a uma filosofia da cultura humana”. Trad. T. R. Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994.), alude-se ao homo pictor, a partir do texto homônimo de Hans Jonas (2015)JONAS, H. “La liberté par l’image. Homo pictor et la différence de l’homme”. Trad. E. Alloa. In: ALLOA, E. (Éd.). Penser l’image II: Antropologies du visuel. Dijon: Les presses du réel, 2015. pp. 57-76. que tematiza a distinção do humano menos pela posse da linguagem ou da razão, e tanto mais desde a capacidade de discernir e produzir imagens. Além disso, as próprias imagens passam a ser pensadas como estruturas autônomas de interação e, por vezes, como formas autônomas de ação, agência e motivação (cf. Simondon, 2008SIMONDON, G. (1965-1966). “Imagination et invention”. Lonrai: Les Éditions de la transparence, 2008.; Mitchell, 1986MITCHELL, W. J. T. “Iconology: Image, Text, Ideology”. Chicago/London: Univ. Chicago Press, 1986.)5 5 Ao criticar a noção sartreana de imagem enquanto fundada na atividade da consciência posicional, G. Simondon (2008) afirma a função vital intrínseca à imagem bem como sua atividade copertencente e precedente à percepção. Por sua vez, W. Mitchell (1986) propõe-se a analisar imagens enquanto agentes na história, enquanto criações e em suas diferentes formas de agência: “Images are not just a particular kind of sign, but something like an actor on the historical stage, a presence or character endowed with legendary status, a history that parallels and participates in the stories we tell ourselves about our own evolution from creatures ‘made in the image’ of a creator, to creatures who make themselves and their world in their own image” (Mitchell, 1986, p. 9). .

A proposição de William Mitchell acerca de uma virada pictórica (pictorial turn) no século XX ecoa a terminologia similar apresentada pelo filósofo e historiador da arte Gottfried Boehm. Desde o final dos anos 1970 e especialmente na obra Was ist ein Bild6 6 Em fins dos anos 1970 e início dos anos 1980, na tentativa de reunião de reflexões filosóficas contemporâneas sobre a imagem, Boehm organiza a obra “Was ist ein Bild”, publicada em 1994, com textos de filósofos renomados, historiadores da arte e outros autores proeminentes, entre os quais Jacques Lacan, Hans-Georg Gadamer, Hans Jonas, Meyer Schapiro, Bernard Waldenfels. (O que é uma imagem?), Boehm (1994)BOEHM, G. “Die Wiederkehr der Bilder”. In: ___ (Hrsg.). Was ist ein Bild. München: Fink, 1994. pp. 11-38., no esteio da fenomenologia e da hermenêutica, empregou primeiramente o termo “ikonische Wende” (virada icônica) para aludir a um “retorno das imagens” (Rückkehr der Bilde) nas reflexões filosóficas desde o século XIX. Em analogia com a “virada linguística” (linguistic turn), a virada icônica refere-se a um novo panorama que, consolidado no século XX, veio a modificar o eixo norteador das abordagens filosóficas. Se, como é conhecido, a análise da linguagem sucedeu à centralidade da problemática moderna sobre o conhecimento e suas origens, que, por sua vez, sobreveio ao questionamento clássico sobre o ser, finalmente, a virada icônica alude à expansão por que passou o âmbito das imagens e suas abordagens teórico-filosóficas no século XX, tais como: as epistemologias do ícone (especialmente desde as análises de C. Peirce); as teorias dos símbolos (em especial em E. Cassirer e no pós-estruturalismo francês); as fenomenologias da imagem (de E. Husserl a B. Waldenfels); as novas estéticas da imagem fotográfica (a partir das abordagens tornadas célebres de W. Benjamin e R. Barthes); as teorias da imagem onírica (de S. Freud a M. Richir); a metaforologia de H. Blumenberg; entre outras.

Quase simultaneamente a Boehm, Mitchell (1986)MITCHELL, W. J. T. “Iconology: Image, Text, Ideology”. Chicago/London: Univ. Chicago Press, 1986. emprega o termo “pictorial turn” (virada pictórica), para se referir a uma revolução ocasionada pelas imagens no século XX e que se fez notar desde o modo como imagens já seriam cruciais no fornecimento de modelos e esquemas às ciências, e mais expressamente nas novas relações entre arte, ciência e tecnologia digital, acarretando novas formas de produção, distribuição e consumo de imagens. Em um texto em que esses defensores respectivamente da “virada icônica” e da “virada pictórica” dialogam (Boehm; Mitchell, 2009BOEHM, G., MITCHELL, W. J. T. “Pictorial versus Iconic Turn: Two Letters”. Culture, Theory & Critique, 2009, Vol. 50, Nr. 2, pp. 103-121.), ambos atentam para aproximações e diferenças em suas abordagens. Enquanto Boehm enfatiza a necessidade de pensar a imagem como conceito filosófico e a inserção deste tema no âmbito contemporâneo do problema do sentido, mais propriamente em continuidade com a “virada linguística” e a ser redefinido a partir de novos problemas como a imagem digital, Mitchell sublinha, em especial, a proposta de perscrutar as relações entre semiótica e as questões formais do significado, bem como de expandir a teoria da imagem em sua intercessão com artes visuais, cinema, cultura de massa, política e ideologia. Desde influências parcialmente distintas (no caso de Mitchell: N. Goodman, C. Peirce, K. Marx, Escola de Frankfurt; no caso de Boehm especialmente as tradições fenomenológica e hermenêutica e tradições de teoria da arte) ambos ressaltam a “virada” (pictórica/ icônica) como um vasto campo ainda em curso de instauração, caracterizado especialmente pela expansão de possibilidades signitivas de comunicação não verbal por muito tempo negligenciadas nas diversas atualizações do “iconoclasmo ocidental”. Esta expressão, retirada do campo religioso, conota a tendência de certas tradições filosóficas, seja de herança racionalista, idealista, empirista ou transcendental, de preterir os campos da imagem e imaginação em prol de aspectos cognitivos e práticos considerados mais relevantes, ou de reconhecêlos se e na medida em que contribuem para o conhecimento.

Acerca da pergunta sobre como situar as abordagens fenomenológicas nesse contexto, apresenta-se de modo sinóptico o seguinte percurso: Foram precursores os escritos de Husserl sobre a consciência de imagem (Bildbewusstsein) redigidos especialmente entre 1904 e 1925 e posteriormente reunidos na HUA XXIII: Phantasie, Bildbewusstsein, Erinnerung (Fantasia, consciência de imagem, lembrança). Além desses textos, já nas Investigações Lógicas (HUA XIX: Logische Untersuchungen, 1901) e, mais tarde, de maneira mais esparsa, em obras como Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica7 7 HUA III/1: Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie. Erstes Buch: Allgemeine Einführung in die reine Phänomenologie. e Análises sobre a síntese passiva8 8 HUA XI: Analysen zur passiven Synthesis. Aus Vorlesungs- und Forschungsmanuskripten, 1918-1926. encontram-se importantes desdobramentos de suas análises sobre a consciência de imagem e demais atos imaginativos. Tais abordagens do fundador da fenomenologia foram cruciais para as elaborações posteriores da fenomenologia da imagem, da imaginação e, mais tarde, do imaginário, o que se levou a efeito, num primeiro momento, respectivamente por seu assistente Eugen Fink (1966)FINK, E. “Vergegenwärtigung und Bild”. In: ___ Studien zur Phänomenologie (19301939). Den Haag: Martinus Nijhoff, 1966. pp. 1-78. na obra Vergegenwärtigung und Bild (1930) e por seu discípulo Roman Ingarden (1962)INGARDEN R. “Untersuchungen zur Ontologie der Kunst: Musikwerk - Bild - Architektur - Film”. Tübingen: Max Niemeyer, 1962., na parte intitulada “Das Bild” de sua obra Üntersuchungen zur Ontologie der Kunst (escrita a partir de 1927). Posteriormente, outros fenomenólogos inspiraram-se em Husserl, sendo possível identificar, com algumas exceções, menos descontinuidades do que propriamente um prosseguimento ou aprofundamento do modo de abordagem fenomenológico.

Em sentido geral, podem ser distinguidas três fases na assim denominada investigação da imagem em orientação fenomenológica (Cf. Kapust, 2009KAPUST, A. “Phänomenologische Bildpositionen”. In: SACHS-HOMBACH, K. (Hrsg.). Bildtheorien: Anthropologische und kulturelle Grundlagen des Visualistic Turn. Frankfurt: Suhrkamp, 2009. pp. 255-283.). Na fenomenologia inicial (Husserl, Fink e Ingarden), a ênfase recai sobre a consciência de imagem, seus modos de doação (Gegebenheitsweisen), suas diferenciações em relação à percepção e a outros atos de (re)presentificação (Vergegenwärtigung) e des-presentificação,9 9 Entvergegenwärtigung, conforme a formulação de E. Fink (1966). bem como sobre as delimitações entre os âmbitos cognitivo, estético e simbólico na constituição e instituição das imagens. Já numa fase intermediária, em que se situam Jean-Paul Sartre com suas obras L’Imagination (1936) e L’imaginaire (1940) e as reflexões de Maurice Merleau-Ponty - em Le doute de Cézanne (1945), em alguns textos reunidos em Sens et non-sens (1948) e em Le visible et l’invisible (1964) -, enfatizam-se, respectivamente: a espontaneidade da consciência imaginativa e a expansão do campo do imaginário para além da consciência de imagem (Sartre); a constituição expressiva da imagem no mundo e em sua relação com o corpo, bem como a invisibilidade intrínseca ao visível (Merleau-Ponty). Por sua vez, fenomenólogos subsequentes, como Marc Richir, Bernard Waldenfels e Jean-Luc Marion, voltam-se com novas questões a problemas concernentes ao aparecer enquanto imagem e às especificidades das experiências estética e onírica desde a primazia dos fenômenos imaginativos não passíveis de se derivarem da percepção.

Finalmente, autores contemporâneos influenciados pela fenomenologia, como Jacques Derrida, Roland Barthes, Hubert Damisch e, mais recentemente, Georges Didi-Huberman, problematizam os limites da fenomenologia da imagem e as relações limítrofes entre doação de sentido subjetiva, pretensão transcendental e estatuto ontológico da imagem. A partir de transformações instauradas pela arte contemporânea e pela difusão da imagem digital, vêm à tona nesses enfoques problemas como: o recuo da pintura figurativa e a destituição dos referentes da imagem; as diferentes materialidades da expressão pictórica e os modos como interferem no visível; as mutações tecnológicas, especialmente na fotografia digital e na imagem técnica.

Não sendo o objetivo, no escopo limitado deste artigo, de reconstruir e detalhar cada uma das abordagens dos autores mencionados, na sequência, pretende-se situar o direcionamento das análises de Husserl pelo prisma da classificação de seu enfoque proposto por Lambert Wiesing (2015) enquanto “abordagem perceptiva” da imagem. Trata-se de indagar a pertinência dessa classificação à luz de aspectos do percurso de Husserl em suas elaborações da consciência de imagem e a partir do horizonte de algumas de suas releituras posteriores.

II. Os três direcionamentos contemporâneos da filosofia da imagem e a abordagem fenomenológica de Husserl

Uma tentativa de classificar as análises de Husserl sobre a consciência de imagem à luz de outras abordagens contemporâneas foi proposta por L. Wiesing em Artifizielle Präsenz: Studien zur Philosophie des Bildes (2005). Para esse autor, as análises de Husserl sobre a consciência de imagem devem ser classificadas como “abordagem perceptiva da imagem”, direcionamento que deve se demarcar em relação a dois outros: a “abordagem semiótica” e a “abordagem antropológica” das imagens. Trata-se de situar as ideias norteadoras dessa classificação e de apontar alguns de seus pontos críticos.

Começando pela última, a abordagem antropológica enfatiza o surgimento de imagens a partir da espontaneidade da consciência humana, tal como Sartre (1986)SARTRE, J.-P. “L’imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination”. Paris: Gallimard, 1986. o sublinha, ou como uma criação ou artefato, no sentido em que Jonas (2015)JONAS, H. “La liberté par l’image. Homo pictor et la différence de l’homme”. Trad. E. Alloa. In: ALLOA, E. (Éd.). Penser l’image II: Antropologies du visuel. Dijon: Les presses du réel, 2015. pp. 57-76. o formula, acentuando a atividade de produção humana cuja relação indireta e inventiva com o meio afirma o traço específico do homem em relação a outros seres vivos, ao animal mais especificamente, incapaz, segundo Jonas, de apreender e de produzir imagens enquanto tais.10 10 Tanto L. Wiesing quanto E. Alloa incluem também na abordagem antropológica das imagens o pensamento de Vilém Flusser. Nas palavras de Alloa (2015b, p. 24): “Flusser considère qu’avec l’avènement des nouvelles images de synthèse, celles-ci nous font revenir en deçà de l’ère de la linéarité du texte, pour redécouvrir une puissance de visualisation qui, plus encore que la raison ou le langage, singularise l’humain.” Por meio da produção e apreensão de imagens, o homem se apartaria da circulação causal das coisas reais - enfatiza Jonas com referência implícita à noção de motivação em Husserl, já que nenhuma causalidade física determinaria a produção de imagens.11 11 “Ce qui est figuré dans l’image est isolé du commerce causal des choses et traduit vers une existence non dynamique qui est celle de l’image - un mode d’existence qu’il ne faut confondre ni avec celui de la chose qui représente ni avec celui de la réalité représentée” (Jonas, 2015, p. 63). “Dans l’image, le lien de causalité est interrompu. Elle est livre de figurer toutes les situations de cause à effet, y compris l’acte de peindre luimême. Mais même dans ce cas, l’image ne représente pas la causalité de son propre devenir” (id., p. 64). Mas o fato de a consciência de imagem emergir como intencionalidade específica sem se determinar por qualidades e estímulos físicos não corresponderia ainda à afirmação de que o homem originalmente se diferencia dos demais viventes pela apreensão e produção de imagens. Uma exceção ocorre quando o âmbito imagético é apreendido em sentido mais amplo, incluindo a imaginação e os respectivos atos do figurar, fantasiar, sonhar e os fenômenos correlatos nas artes visuais, ficção e sonho. Justamente uma tentativa nesse sentido foi feita por Sartre em L’imaginaire, obra na qual a pintura, o desenho e todas as imagens artísticas foram incluídas numa fenomenologia do imaginário, bem como a imagem mental, as imagens oníricas e as ficções. O fato de Wiesing incluir Sartre como outro representante do direcionamento antropológico da teoria da imagem deve-se a que, de acordo com Sartre em L’imaginaire, à consciência imaginante é específica a espontaneidade que lhe permite libertar-se da passividade e da sucessão constitutivas dos atos perceptivos e, em outro sentido, instituir-se enquanto consciência de imagem como um ato específico de posição.12 12 Em L’imaginaire, ver, em especial: “Première partie: Le certain” (Sartre, 1986, pp. 11-39). Enquanto, para Husserl, a consciência de imagem neutraliza a consciência posicional dos atos de percepção e lembrança, para Sartre, a consciência de imagem, embora seja consciência de “um nada de real”, é ainda assim uma consciência que põe a si mesma,13 13 Conforme Sartre (1986, p. 32): “l’acte positionnel est constitutif de la conscience de l’image.” ao distinguir na imagem um objeto que não coincide com o conteúdo apresentado, um objeto que não pode, de nenhum modo, ser meramente imanente à consciência, nem ser na consciência uma figuração em miniatura do objeto real. Essa relação de transcendência na constituição do imaginário é relação segundo a qual as modalidades no interior da família das imagens pressupõem a consciência reflexiva que aparta radicalmente a intencionalidade da imagem e a da percepção, ou, no sentido mais próprio a Sartre, cinde imaginário e real.14 14 “[...] les objets du monde des images ne sauraient en aucune façon exister dans le monde de la perception; ils ne remplissent pas les conditions nécessaires” (Sartre, 1986, p. 26). “L’image et la perception, loin d’être deux facteurs psychiques élémentaires de qualité semblable et qui entreraient simplement dans des combinaisons différentes, représentent les deux grandes attitudes irréductibles de la conscience. Il s’ensuit qu’elles s’excluent l’une l’autre” (id., p. 231). Passar ao imaginário implica, nesse sentido, para Sartre, uma nadificacão (néantisation) dos objetos perceptivos, enquanto Husserl acentua a neutralização (Neutralisierung), na medida em que a posição de existência, característica dos atos de percepção e lembrança, é suspensa, não implicando, todavia, uma mera oposição entre existência acessível à percepção e inexistência dos objetos imaginários.15 15 Cf. Dastur, 2008, p. 123: “Il faut cependant noter que Sartre parle plutôt de « néantisation » du monde que de neutralisation, précisément parce que pour lui toute conscience est positionnelle.” Sobre o conceito de neutralização em Husserl, ver: E. Husserl, Hua III/1, § 109-112; A. Serra (2009).

Como Bernard Waldenfels (2004_____. “Phänomenologie der Aufmerksamkeit”. Frankfurt: Suhrkamp, 2004., p. 212) assinala de modo crítico em relação a Sartre e apoiando-se em algumas das análises de Husserl: “Tratase aqui realmente de um salto ontológico que separa o ser real do não-ser imaginariamente produzido, como defendem Sartre e seus seguidores?”16 16 “Doch handelt es sich hierbei wirklich um einen ontologischen Sprung, der reales Sein von imaginär erzeugtem Nichtsein trennt, wie Sartre und seine Anhänger meinen?” (trad. minha). Nas análises de Husserl sobre a consciência de imagem, as determinações metafísicas e ontológicas, incluindo as determinações antropológicas da imagem, são inibidas, enquanto a separação entre percepção e consciência de imagem, à diferença de Sartre, não é determinada de modo estanque. Isso já se observa nas análises de Husserl (especialmente na HUA XXIII) acerca da relação entre as três camadas constitutivas da imagem, a saber, a imagem física (physisches Bild), a imagem aparecente ou o objeto-imagem (Bildobjekt) e o sujeito ou tema da imagem (Bildsujet). Na medida em que Husserl descreve a consciência de imagem prioritariamente como ato intuitivo, estaria implicado, por um lado, o vínculo com o campo sensível, propriamente a visibilidade, através do que o sentido da imagem se manifesta. Por outro lado, na acepção de intuição (Ansschauung), Husserl amplia o campo dos atos intuitivos, que não se restringem aos atos de percepção sensível ou os atos de presentação perceptiva (Gegenwärtigung), mas também englobam os atos de (re)presentificação (Vergegenwärtigung) por imagem, fantasia e lembrança. Husserl destaca a tripla objetividade dos atos da consciência de imagem nos casos de quadros, fotografias etc., os quais consistem em um objeto-imagem (Bildobjekt) que aparece sobre e mediante a imagem física (physisches Bild) e, além desses, o sujeito ou tema da imagem (Bildsujet) que se presentifica (Husserl, HUA XXIII, §§ 8-14).

Dessa distinção husserliana derivam, em geral, leituras que enfocam seu caráter idealista, na medida em que o tema da imagem (Bildsujet) deve se presentificar na imagem aparecente - no objeto-imagem - que se institui sobre o suporte ou, em sentido lato, sobre a imagem física. Para Jonas, por exemplo, a imagem atua propriamente como uma entidade ideal entre a materialidade do substrato e a coisa representada (Cf. Jonas, 2015JONAS, H. “La liberté par l’image. Homo pictor et la différence de l’homme”. Trad. E. Alloa. In: ALLOA, E. (Éd.). Penser l’image II: Antropologies du visuel. Dijon: Les presses du réel, 2015. pp. 57-76., p. 66 s.). Igualmente Sartre (1986)SARTRE, J.-P. “L’imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination”. Paris: Gallimard, 1986. enfatiza em que medida a instauração da imagem se serve do suporte material que, enquanto tal, se apaga para a mostração figurativa a partir da consciência que visa à imagem enquanto tal.17 17 “La photo n’est plus l’objet concret que me fournit la perception: elle sert de matière à l’image” (Sartre, 1986, p. 47). Nessa acepção, Husserl teria não apenas fornecido um novo método para a análise da imagem, mas, na expressão de Sartre (2010_____. “A imaginação”. Trad. P. Neves. Porto Alegre: L&PM, 2010., p. 122 s.), “uma teoria da imagem inteiramente nova”, enquanto “eidética da imagem”, fixando-a e descrevendo-a “tal como aparece à intuição reflexiva.”18 18 Sartre refere-se à teoria da imagem de Husserl exposta em Ideias I (Husserl, HUA III/1). Cabe lembrar que nessa obra Husserl apresenta um resumo de elaborações mais detalhadas desenvolvidas a partir de 1904 nos manuscritos posteriormente reunidos na HUA XXIII.

Mas, como pontua Hans Rainer Sepp, em sua obra Bild: Phänomenologie der Epoché I (2012, p. 231 s.), o fenômeno da imagem se constitui, nas análises de Husserl, ambiguamente, dificultando sua classificação simples como subespécie de percepção e como mero produto da idealidade. Isso dificulta corroborar a noção de consciência de imagem como espontaneidade da consciência humana doadora de sentido, ou ainda como materialidade e sensibilidade passíveis de se reduzirem para a manifestação do sentido ideal. A insuficiência do direcionamento antropológico residiria, em especial, no foco excessivo sobre a atividade produtora da imagem, geralmente identificada à consciência e, desta, à criação humana, implicando, concomitantemente, uma atenção muito limitada conferida aos níveis adjacentes que, independentemente da atividade da consciência, constituem imagem e fazem sentido.

Passando agora ao segundo direcionamento contemporâneo da teoria da imagem, o direcionamento semiótico, seguindo a classificação proposta por Wiesing (2005)WIESING, L. “Artifizielle Präsenz: Studien zur Philosophie des Bildes”. Frankfurt: Suhrkamp, 2005., este direcionamento aponta, em especial, para as contribuições analíticas de Nelson Goodman: Languages of Art: An Approach to a Theory of Symbols (Goodman, 1976GOODMAN, N. “Languages of Art: An Approach to a Theory of Symbols”. Indianopolis: Indiana, 1976.), que, por sua vez, partem da distinção de Charles Peirce (1998)PEIRCE, C. (1932). “Elements of Logic”. In: ___. Collected Papers. Weiss, Bristol 1998. entre os três principais tipos de signos (ícone, índice e símbolo). Com ênfase no estatuto semiótico da imagem, Goodman (1976)GOODMAN, N. “Languages of Art: An Approach to a Theory of Symbols”. Indianopolis: Indiana, 1976. volta-se especialmente à questão sobre e em que medida imagens deixam-se classificar como ícones, embasadas nas relações de semelhança, e em que sentidos imagens também reivindicam uma dimensão simbólica, na medida em que a semelhança se faz insuficiente como quesito para a instauração de imagens e para a alusão aos referentes.19 19 “The plain fact is that a picture, to represent an object, must be a symbol for it, stand for it, refer to it; and that no degree of resemblance is sufficient to establish the requisite relationship of reference. Nor is resemblance necessary for reference; almost anything may stand for almost anything else” (Goodman, 1976, p. 5). A menor relevância das relações de semelhança, segundo as quais uma imagem se constitui pela relação representativa com o objeto ou com a ideia a que se assemelha, esse modelo perde a sua relevância, na medida em que não há imagem que não compartilhe minimamente de algum referencial não visível, implicando também certos padrões de figuração específicos de uma dada sociedade não identificáveis em outras, além da necessidade de se reportar a códigos culturais singulares pelos quais imagens são interpretadas. Nesse sentido, mesmo a semelhança se faz uma relação simbólica e não uma relação formal abstrata aplicável a quaisquer sociedades. Entre a busca dos referenciais da imagem a serem decodificados e a resistência da imagem em relação ao aporte referencialista, têm-se várias nuances em que o lugar da imagem se diferencia desde o ícone representativo até a suposta ausência de referencialidade. Enquanto o primeiro se apresenta exemplarmente na pintura figurativa clássica, a última condição veio à tona especialmente desde as vanguardas da arte moderna e suas respectivas teorizações. Nesse espectro temático as análises de Husserl podem oferecer uma contribuição para as diferenciações das imagens entre a “transparência” - em relação ao sentido a ser decodificado - e a “opacidade”, no sentido dos modos em que as imagens resistem a ser expressão manifesta dos sentidos supostos e se afirmam, em diferentes níveis, desde as dimensões simbólica e indicativa. Como aponta Gottfried Boehm:

Husserl conclui que toda coisa é simultaneamente alguma coisa e ao mesmo tempo o horizonte sobre o fundo no qual alguma coisa se mostra. [...] A coisa pertence ao reino do sucessivo: ela é limitada, singularizada, justaposta e atrai a atenção; o horizonte, ao contrário, abre o reino da simultaneidade: é fluido, contínuo, indivisível, potencial e indeterminado, ele difrata o olhar. Se aplicarmos as análises de Husserl às imagens, poderíamos dizer que as imagens são constituídas de uma associação do contínuo e dos elementos diferenciáveis que se mostram diante ou nele (Boehm, 2015_____. “Aquilo que se mostra. Sobre a diferença icônica”. In: ALLOA, E. (Org.). Pensar a imagem. Trad. C. Rodrigues (coord.), F. Fragozo, A. Serra, M. Poyares. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. pp. 23-38., p. 30).

Também Annabelle Dufourcq (2012_____. “Merleau-Ponty: une ontologie de l’imaginaire”. Dordrecht/Heidelberg/London/ New York: Springer, 2012., p. 12) baliza que a dimensão imaginária, introduzida por Husserl, afirma primacialmente uma parte “cambiante” de “esboços fluidos” atuante em cada ato da consciência: “Tal dimensão assombra a percepção e torna flutuante cada presença dada na qual já encontramos muitas lacunas, o reenvio a outras coisas e pessoas apenas parcialmente determinadas, um simbolismo evasivo.”20 20 “[...] parler d’une dimension imaginaire du réel consiste à affirmer que le noyau de présence du perçu reconnu comme stable est indissociable d’une part ouverte et foisonnante d’esquisses sensibles fluentes. Cette dimension hante la perception et rend flottante chaque chose présente donnée en laquelle on trouve déjà maintes lacunes, le renvoi à d’autres choses et personnes seulement partiellement déterminées, un symbolisme évasif” (trad. minha). Ver as considerações mais detalhadas da autora sobre a noção de imaginário em Husserl em: Dufourcq, 2011. Embora Husserl tenha, de fato, em certas passagens, ressaltado a fenomenalidade da imagem em seu caráter mostrativo, ofuscando em grande medida seu embasamento material e deixando menos destacadas as remissões simbólicas e indicativas, todavia, suas análises inscreveriam a não disjunção, e, mesmo, certa tensão entre a visada imaginativa, os modos de presentificação do sentido e os componentes indicativos, simbólicos e materiais da imagem. Como afirma Sepp:

Ela [a imagem nas análises de Husserl] tem que se afirmar contra seu suporte, não pode ser encoberta por seus estímulos de superfície, e deve igualmente resistir diante da tendência à onipotência do tema. Nessa dupla fronte de resistência, a constituição da medialidade da imagem é bastante frágil. (Sepp, 2012SEPP, H. R. “Bild: Phänomenologie der Epoché I”. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2012., p. 231; trad. minha)21 21 “Es [das Bild] hat sich gegenüber seinem Träger zu behaupten, darf von seinen Oberflächenreizen nicht zugedeckt werden, und muss ebenso ein Übermächtigwerden des Sujets abwehren. In dieser Zwei-FrontenAbwehr ist die Konstitution der Medialität des Bildes durchaus fragil.”

Tais considerações nos permitem passar, já criticamente, à classificação atribuída por Wiesing (2005)WIESING, L. “Artifizielle Präsenz: Studien zur Philosophie des Bildes”. Frankfurt: Suhrkamp, 2005.à consciência de imagem de Husserl como direcionamento perceptivo. A direção teórico-conceitual perceptiva teria sido desenvolvida principalmente por Merleau-Ponty e deveria encontrar sua introdução explícita nas análises de Husserl, especialmente na mencionada obra HUA XXIII. Segundo Wiesing, a primeira característica desse direcionamento consiste na tentativa não semiótica de responder à pergunta sobre o que é uma “apresentação” (Darstellung), distinguindo-a do âmbito da “representação” (Vorstellung) e da remissão pelo signo. O termo “apresentação” enfatiza o caráter imediato da aparência e as diferenciações derivadas da própria “aparição” (Erscheinung), sem a mediação que caracteriza o signo. O termo “objetoimagem” (Bildobjekt) que Husserl emprega para aludir ao objeto que aparece enquanto imagem e que não coincide nem com a imagem física (physisches Bild) nem com o tema (ou sujeito/assunto) da imagem (Bildsujet), deveria ser, nesse sentido, “um conceito decididamente anti-semiótico” (Wiesing, 2005WIESING, L. “Artifizielle Präsenz: Studien zur Philosophie des Bildes”. Frankfurt: Suhrkamp, 2005., p. 30). De acordo com essa interpretação, se a direção semiótica diferencia a trissecção da imagem em “representação, representante e representado” e trabalha com conceitos como significante e significado, conteúdo e referente, remissão e alusão, Husserl apresentaria tais diferenças exclusivamente como distinções fenomenológicos que viriam à luz enquanto percepção sobre a qual se instaura a imagem. Todavia, o ofuscamento dos aspectos semióticos e simbólicos da consciência de imagem em Husserl, graças à primazia da percepção, como sugere Wiesing, não pode ser sustentado.

Nesse sentido, caberá retomar, na sequência, dois momentos iniciais das análises de Husserl em que a abordagem semiótica da imagem é introduzida, a saber, não em separado do direcionamento perceptivo, mas de modo intricado com este. Trata-se de considerar algumas das implicações desse copertencimento da fenomenologia da imagem a tais direcionamentos.

III. A constituição gradativa e o teor semiótico da imagem em Husserl

Já nas Investigações Lógicas há um lugar em que a imagem e os atos imaginantes não são necessariamente subordinados a uma função cognitiva de visualização do significado quando falta a intuição perceptiva - segundo a concepção mais explícita que se depreende das análises de Husserl nesta obra - nem também são enfocados segundo a primazia das qualidades perceptivas do campo visual. De modo incipiente, a imagem ganha o estatuto menos elevado de uma indicação (Anzeige), caracterizando-se por um vínculo contingente associativo, ancorado em alguma situação fática ou em um suporte material. De acordo com o exemplo de Husserl, um tipo de signo que pode ser um monumento - e, por extensão, uma imagem figurada - atua como um índice (Anzeichen) sempre que o objeto ou circunstância presente se destina a ser um signo de outra coisa. Conforme o filósofo:

Quando dizemos que o estado-de-coisas A é um índice (Anzeichen) do estado-decoisas B, que o ser de um indica que o outro seja, podemos então, na expectativa, estar completamente certos de encontrar também realmente este último estado-de-coisa; mas, falando deste modo, não queremos dizer que exista uma relação inteligível, uma conexão objetivamente necessária entre A e B (Husserl, 2012_____. “Investigações Lógicas”. Vol. 2, Parte 1: Investigações para a Fenomenologia e a Teoria do Conhecimento. Trad. Pedro Alves e Carlos Morujão. Rev. M. A. Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012., p. 23).

Mais tarde, Husserl (HUA XXIII, § 9) especificará tratar-se de uma relação de semelhança quando na imagem algo (suposto A) aponta para outro algo (suposto B) que se lhe assemelha e que não se faz presente do mesmo modo (que A) no campo perceptivo. A imagem também terá uma função (re)presentificante (vergegenwärtigende), pois não é sempre fora da imagem que é buscado aquilo que é indicado (das Angezeigte), mas é na imagem mesma que uma mostração intuitiva irá ocorrer.22 22 “Wir schauen im Bild selbst das Sujet, wir schauen das letztere in das erstere hinein, das Bild (genauer gesprochen das Bildobjekt) bringt in <sich> selbst das Sujet zur anschaulichen Vorstellung, und dies in grösserem oder geringerem Ausmass, nach einer grösseren oder geringeren Zahl von verbildlichenden Momenten” (Husserl, HUA XXIII, § 25, p. 50). Importa a Husserl, todavia, detalhar a relação entre, por um lado, os componentes intuitivos (anschauliche Gehalte), que tornam manifestos ou apresentam (darstellen) o sentido ou tema da imagem (Bildsujet), e, por outro, os componentes signitivos (signitive Gehalte), propriamente simbólicoindicativos que não exercem tal função mostrativa.

Saliente-se que, na “Primeira Investigação Lógica”, Husserl (HUA XIX/1) resguarda apenas para a linguagem a relação mostrativa do sentido ou significado. Toda linguagem é uma expressão (Ausdruck) quando é propriamente manifesta pelos signos expressivos, na medida em que é enquanto tal compreendida e vinculada a uma intenção de significação (Bedeutungsintention) e ainda passível de alcançar correlação objetiva em uma intuição que venha a preencher parcial ou plenamente a intenção.23 23 “Dos signos indicativos, distinguimos os significativos, as expressões. [...], tomamos o termo expressão certamente num sentido restrito, cujo domínio de validade exclui muitas coisas que são designadas como expressão na linguagem comum” (Husserl, 2012, p. 26 s.). Husserl também pontua que, para atuar como expressão, a linguagem não precisa ser necessariamente pronunciada a outrem; basta que ocorra um vínculo entre a intenção de significação (Bedeutungsintention) e a expressão (Ausdruck), o que pode ocorrer igualmente no monólogo silencioso: “[...] cada parte de um discurso, assim como todo e qualquer signo essencialmente do mesmo tipo, é uma expressão, não devendo importar se o discurso é ou não efetivamente dito, portanto, se ele é ou não dirigido a uma pessoa qualquer com um propósito comunicativo” (id., p. 27). Já a função expressiva da imagem pode ser depreendida de considerações posteriores de Husserl; trata-se de uma expressividade que não pode prescindir, por um lado, dos caracteres aparecentes (erscheinende) que atraem para si a atenção e, por outro, da função (re)presentificante do sentido, ao que Husserl propriamente atribui a dimensão intuitiva dos atos de (re)presentificação (Akte der anschaulichen Vergegenwärtigung) por imagem. Vez ou outra os caracteres aparecentes podem atrair para si sobremaneira a atenção, sobrelevando-se, neste caso, o aparecer estético da imagem. Como exemplos desta circunstância Husserl enumera a pincelada larga de certos mestres e o efeito estético do mármore, ao que se poderiam acrescentar outras facetas que, na visada da imagem, destacam-se no curso da aparição e afetam a sensibilidade, importando que, em tal condição, a afecção estética predomine sobre a visada do sentido da imagem.24 24 “[...] wie es bei der ästhetischen Betrachtung der Fall ist, bei gleicher Auffassungsgrundlage die Meinung eben nicht ausschliesslich auf das Sujet geht, vielmehr ein Interesse, und zwar ein ästhetisches Gefühlsinteresse, am Bildobjekt hängt, und an ihm auch nach nichtanalogisierenden Momenten hängt. Ich erinnere, da ich früher darüber nicht gesprochen habe, an die ästhetische Funktion der Reproduktionsmittel und -materialien, z.B. die breite Pinselführung mancher Meister, an die ästhetische Wirkung des Marmors usw” (Husserl, XXIII, § 25, p. 52).

Embora a relação da imagem com o sentido não seja da mesma ordem que a relação de uma expressão linguística com o significado, a imagem transitará entre tais níveis: entre a função mediata da indicação e a imediatez que torna visível o sentido e, ao mesmo tempo, atrai para si a atenção nos casos em que a imagem aparecente (das erscheinende Bild) exerce apelo estético. A referência imagética consiste, primeiramente, no fato de a conexão entre o que se apresenta e o sentido a que remete se basear no princípio de associação por similaridade, de caráter icônico. No entanto, essa conexão também pode surgir a partir de qualquer motivação que permita conceber o que aparece como uma “visualização de” ou um “apontar para”. À imagem subsiste ainda o estatuto de pura fenomenalização ao tornar visível não simplesmente outra coisa, mas a visibilidade mesma.25 25 Embora seja possível depreender esta última implicação desde as análises de Husserl, são propriamente fenomenólogos posteriores que ressaltam esse passo, a saber, Marc Richir (1998) em suas considerações sobre o “fenômeno enquanto fenômeno” (le phénomène en tant que phénomène) e Bernard Waldenfels (1994) em seus apontamentos sobre a visibilidade da imagem (Sichtbarkeit der Bilde). É precisamente essa tensão ou ambiguidade entre a função apresentante desempenhada pela intuição e o espaço contingente e factual das remissões indicativas e simbólicas que será conservada na fenomenologia da consciência da imagem de Husserl.

Uma passagem da VI Investigação Lógica enfraquece previamente, nesse sentido, a tese da primazia da percepção na constituição da imagem na fenomenologia de Husserl. Mitigando avant la lettre a ordenação de sua fenomenologia como ponto culminante do intuicionismo (como, por exemplo, viria a se ressaltar na interpretação de Emmanuel Levinas, 1988LEVINAS, E. “En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger”. Paris: Vrin, 1988.), Husserl (HUA XIX/2, §§ 22-23) concebe a pura intuição e a pura representação signitiva como duas possibilidades ideais, mas que no fenômeno geralmente se combinam em diferentes graus ou teores. Para obter a pureza da intuição preservando-a “enquanto tal” (als solche), ou propriamente para separar os componentes puramente intuitivos (rein intuitive Gehalte), o ato correspondente pode abstrair deles os teores signitivos (signitive Gehalte); o que implica que tal pureza não compete à “intuição em si”, mas se instaura a partir do ato que se lhe volta desde circunstâncias e enfoca a clareza e a visibilidade, na medida em que, simultaneamente, os momentos constitutivos menos evidentes são afastados. Como casos limítrofes, Husserl concebe essa distinção por meio da seguinte equação baseada na unidade sintética gradualmente constituída: a apreensão (Auffassung) de algo em suas determinidades (Bestimmtheiten) constituiu-se por teores signitivo-simbólicos e por teores intuitivos, de modo que, se o conteúdo intuitivo (i) for zero, o conteúdo signitivo (s) deve ser igual a 1 (i = 1, s = 0); pelo contrário, se o conteúdo signitivo (s) for igual a 1, o conteúdo intuitivo deve ser zero (i = 0, s = 1). Afirma-se, no entanto, a acepção de que a composição dos teores signitivo-simbólico e intuitivo é gradual, devendo ser considerados os níveis, camadas e modalidades em que cada um deles pode predominar.

Nesse mesmo direcionamento, Husserl distingue entre os casos limites de puro conteúdo perceptivo (Wr: reinen Wahrnehmungsinhalt) e puro conteúdo imagético (br: reinen Bildinhalt): no primeiro tipo, a percepção estaria livre de interferência dos componentes imaginativos; o segundo caso, por sua vez, corresponderia à pura imaginação da imagem ou à pura imaginação. Para essa condição Husserl (HUA XIX/2, § 23) apresenta uma equação similar à descrita acima: “Wr + br = 1”, ou seja, os pesos correspondentes dos teores perceptivos puros (Wr) e dos teores imagéticos puros (br) se compõem de maneira gradual e segundo o modo como cada intencionalidade se direciona ao que aparece de forma situacional e diferenciada. As determinações tornam-se possibilidades novamente sujeitas a modificações, dependendo das novas configurações perspectivas.

Nessas equações da unidade sintética da apreensão já se anuncia a acepção husserliana de que as imagens não têm estatuto ontológico - mas podem obter diferentes determinidades intencionais e situacionais. A concepção da imagem como visualização perceptiva mostra-se inadequada, pois pertence à constituição fenomenológica da imagem conter componentes simbólicos que não aderem à visibilidade, bem como facetas indicativas que inscrevem na mostração da imagem lacunas e remissões vagas a elementos ausentes. Imagens não são meras intuições, seja quando consideradas desde a primazia dos elementos de presentificação perceptiva, seja de acordo com a presentificação de qualidades assimiladas a outros objetos por semelhança. Uma exceção ocorre quando, pelo ato intencional correspondente, os teores signitivo-simbólicos são a posteriori reduzidos a zero. Mas imagens também não são menos signos, a não ser quando e na medida em que, desta vez, pela intencionalidade respectiva os momentos intuitivos sejam reduzidos a zero. Essa confluência entre os teores intuitivos e os indicativo-simbólicos na constituição da imagem seria não um ponto fraco das análises de Husserl, mas, antes, nisso se afirma uma potência constitutiva das imagens nos modos em que se constituem “enquanto tais” (als solche): por um lado, refratam-se a determinações com alcance ontológico, na medida em que, desde intencionalidades e circunstancialidades específicas, transitam entre diferentes determinações potenciais; por outro lado e por essa via, descortinam-se possibilidades outras de análise fenomenológica, como, por exemplo, o enfoque do simbólico pela fenomenologia.26 26 Este tema é recorrente nas contribuições de Marc Richir (1988; 2004) no que concerne à relação entre fenomenologia e instituição simbólica.

Embora Wiesing, conforme foi descrito, apreenda a abordagem husserliana da imagem como direcionamento perceptivo sem descortinar o entrelaçamento deste com a dimensão simbólico-indicativa, todavia, suas considerações sobre o caráter funcional do signo são importantes para balizar o direcionamento semiótico subjacente às análises de Husserl. Signos emergem desde o ato em que algo é apreendido enquanto signo de algo outro, ou seja, algo não é simplesmente e de início signo, mas adquire tal função ao atuar enquanto signo de algo outro para uma intencionalidade.27 27 “Demnach wird ein Gegenstand genau dann zu einem Zeichen, wenn er von jemanden dazu verwendet wird, um mit ihm auf etwas zu verweisen” (Wiesing, 2005, p. 38). A referência principal neste caso é a acepção de C. Peirce (1998, p. 172), segundo a qual: “Nada é um signo a menos que seja interpretado como um signo” (“Nothing is a sign unless it is interpreted as a sign.”). Essa formulação, aliás, já se encontra atuante na abordagem de Husserl sobre o índice, como foi mostrado, ou seja, um índice atua como signo de algo outro, na medida em que algo presente (A) aponta para algo ausente (B), sendo B apreendido intencionalmente como passível de situar-se facticamente. A relação entre A e B é, assim, de contingência e não de necessidade, na medida em que A pode ser apreendido como índice de B ausente, mas também como índice de B’, B’’, ou mesmo de C ou D, bastando, para tanto, que haja uma motivação embasando esse vínculo indicativo. Em outras palavras, algo aparecente (Erscheinendes) enquanto A ou enquanto momento de A deve poder permitir que A remeta a B e também possivelmente a B’, B’’, C ou D, conforme o espectro vinculante que seja salientado a partir de alguma motivação. Se, pois, na instauração da imagem enquanto imagem, a modalidade associativa vinculante é geralmente a semelhança, todavia, não o é tão somente.

Em consonância com esse princípio, como bem o formula Reinhard Brandt (1999)BRANDT, R. “Die Wirklichkeit des Bildes: Sehen und Erkennen - Vom Spiegel zum Kunstbild”. München/Wien: Carl Hanser, 1999., imagens não são forçosamente signos nem o são naturalmente, já que nenhuma imagem “deve ser” um signo, mas qualquer imagem “pode atuar como” signo.28 28 “Damit etwas zum Zeichen für etwas anders wird, bedarf es einer assoziativer Verbindung; man nimmt etwas wahr und wollzieht die Operation der Verbindung mit etwas anderem auf Grund einer bestimmten Gewohnheit oder Regel oder Ad-hoc-Vereinbarung […] / “Zeichen können, sie müssen jedoch nicht darstellen, was sie bezeichnen. […] Bilder können, sie müssen jedoch nicht als Zeichen fungieren.” (Brandt, 1999, p. 132). Uma das consequências importantes extraídas por esse autor é de que, à diferença dos signos que devem remeter naturalmente a algo, para a apresentação da imagem (Dasrstellung des Bildes), a negação é constitutiva, ou seja, nenhuma associação é inerente à própria imagem: “Für das Bild ist die Negation konstitutiv; das Bild ist dem, was es darstellt, nicht (nur) assoziativ verbunden, sondern es ist es nicht, das “nicht” ist ihm inhärent” (id., p. 134). Tal concepção invalidaria seja a tese de que “há imagens que são signos”, seja a tese oposta de que “há imagens que não são signos”. As análises de Husserl permitem afirmar que toda imagem pode ser apreendida como signo, bem como passar dessa modalidade de apreensão a uma outra, sem que, para tanto, sua apreensão “enquanto imagem” seja invalidada. Enquanto Wiesing (2005WIESING, L. “Artifizielle Präsenz: Studien zur Philosophie des Bildes”. Frankfurt: Suhrkamp, 2005., p. 38 s.) ressalta que se deva, a partir disso, substituir a linguagem substancializante da imagem pela linguagem funcionalizante (imagens podem funcionar como signos desde que...), salientamos aqui a “circunstancialidade”, ou seja, a possibilidade de tratar imagens enquanto imagens se e na medida em que são apreendidas através do que as diferencia em relação ao que não é imagem, segundo as circunstâncias que se apresentam e a partir das quais a intencionalidade se inscreve.29 29 Sobre outros desdobramentos dessa noção de circunstancialidade, ver: A. Serra, 2018; 2021. A partir dos respectivos realces dos teores em questão (perceptivos ou indicativo-simbólicos) constitutivos, uma imagem pode passar a uma percepção simples e uma percepção simples pode se tornar imagem; assim também, uma imagem pode ser apreendida enquanto signo, mas também como presentificação de sentido, enquanto Darstellung, prescindindo abstrata e momentaneamente da mediação que caracteriza os signos indicativos. Enquanto os modos de passagem da percepção à imagem são mais simples de precisar, a fronteira entre signo e apresentação intuitiva é menos certeira. Na abordagem de Husserl, como mostrado, não se trata propriamente de uma passagem que pudesse equivaler a uma determinação ontológica que exclua uma outra: a dimensão semiótica convive com a apresentação intuitiva como teores constitutivos da imagem, podendo predominar uma ou outra.

Nesse sentido, o problema do assim chamado enfoque idealista de Husserl acerca das imagens não é que suas análises fenomenológicas desconsiderem as diferenciações e transições, mas que tratem de modo introdutório ou incipiente circunstâncias tais como: as motivações afetivas implícitas que eclodem na instituição das imagens como condição para a emergência do sentido (cf. Barthes, 1980BARTHES, R. “La chambre claire: Note sur la photographie”. Paris: Gallimard/Seuil/ Cahiers du Cinéma, 1980.); os desvios concernentes ao tema da imagem (Bilsujet) na medida em que aspectos não figurativos roubam a cena, como se sem motivo aparente;30 30 Cf. as remissões de Gilles Deleuze (2002) às superfícies monocolores na pintura de Francis Bacon, bem como as alusões de Georges Didi-Huberman (1990) ao trecho-de-branco (“pan de blanc”) no quadro “Annunciazione” (ca. 1435) de Fra Angelico. Ver: A. Serra, 2018. o caráter não meramente coadjuvante, mas propriamente instituidor da imagem a partir do que é classicamente denominado como seus suportes materiais, entorno da imagem ou parergon (cf. Derrida, 1978_____.“Le parergon”. In: ___ La vérité en peinture. Paris: Flammarion, 1978. pp. 44-94.; 2013_____. “Les dessous de la peinture, de l’écriture et du dessin: support, substance, sujet, suppôt et supplice” (Conférence prononcée par Derrida à la Fondation Maeght à Saint-Paul-de-Vence, 2002). In: ___ Penser à ne pas voir: Écrits sur les arts du visible (1979-2004), édition de G. Michaud, J. Masó, J. Bassas. Paris: Éditions de la différence, 2013. pp. 242-255.; Serra, 2014_____. “Imagem e suporte: Fenomenologia e desconstrução”. Ek-stasis: Revista de Hermenêutica e Fenomenologia, Rio de Janeiro, UERJ, Vol. 3, 2014, pp. 25-42.).

Desse modo, partindo de considerações sobre a inserção da fenomenologia da consciência de imagem no âmbito da assim denominada virada icônica ou pictórica e em relação aos três principais direcionamentos da teoria da imagem na contemporaneidade, este texto pretendeu salientar em que medida as análises de Husserl introduzem relevantes abordagens acerca das nuances semióticas da imagem, para além da faceta intuitiva (perceptiva e presentificante) e do escopo idealista em geral atribuídos às suas análises.

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    Ver, em especial, os trabalhos “History purposed” (1999) e “Fictitious Portraits” (1992) de Keith Cottingham, em que aparentemente estamos diante de fotografias feitas a partir de pessoas ‘reais’, sejam estas atualmente existentes, sejam postas como existentes em momentos históricos específicos. Em “History purposed” parecem ter sido retratadas pessoas com suas vestimentas e aspectos que nos permitem identificá-las como documentos etnográficos do século XIX. Mas tais imagens são produzidas tecnicamente a partir da sobreposição de outras imagens, diferindo assim das fotografias que, em sentido clássico, demandam um sujeito que se coloca em determinada perspectiva num ponto do espaço e dali, via mediação técnica, capta ou pretende captar o outro (cf. Serra, 2017_____. “Foto-grafia e desconstrução”. Viso: Cadernos de Estética Aplicada, Vol. 20, 2017, pp. 31-49.). Sobre a obra “Fictitious Portraits”, cf. o comentário feito por E. Alloa (2015)ALLOA, E. “Entre a transparência e a opacidade - o que a imagem dá a pensar”. In: ___ (Org.). Pensar a Imagem. Trad. C. Rodrigues (coord.), F. Fragozo, A. Serra, M. Poyares. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. pp. 7-19..
  • 4
    “Um nome enunciado nos lembra a Galeria de Dresden e a nossa última visita a ela: caminhamos através das salas, colocamo-nos diante de uma imagem/quadro (Bild) de Terniers que apresenta uma galeria de imagens (Bildergalerie). Se concebemos que imagens desta apresentariam de novo imagens que, por sua vez, apresentam inscrições legíveis e assim por diante, assim mensuramos qual entrelaçamento de representações e quais mediações devem ser efetivamente produzidas em relação às objetividades a serem apreendidas” (E. Husserl, HUA III/1, § 100; trad. minha).
  • 5
    Ao criticar a noção sartreana de imagem enquanto fundada na atividade da consciência posicional, G. Simondon (2008)SIMONDON, G. (1965-1966). “Imagination et invention”. Lonrai: Les Éditions de la transparence, 2008. afirma a função vital intrínseca à imagem bem como sua atividade copertencente e precedente à percepção. Por sua vez, W. Mitchell (1986)MITCHELL, W. J. T. “Iconology: Image, Text, Ideology”. Chicago/London: Univ. Chicago Press, 1986. propõe-se a analisar imagens enquanto agentes na história, enquanto criações e em suas diferentes formas de agência: “Images are not just a particular kind of sign, but something like an actor on the historical stage, a presence or character endowed with legendary status, a history that parallels and participates in the stories we tell ourselves about our own evolution from creatures ‘made in the image’ of a creator, to creatures who make themselves and their world in their own image” (Mitchell, 1986MITCHELL, W. J. T. “Iconology: Image, Text, Ideology”. Chicago/London: Univ. Chicago Press, 1986., p. 9).
  • 6
    Em fins dos anos 1970 e início dos anos 1980, na tentativa de reunião de reflexões filosóficas contemporâneas sobre a imagem, Boehm organiza a obra “Was ist ein Bild”, publicada em 1994, com textos de filósofos renomados, historiadores da arte e outros autores proeminentes, entre os quais Jacques Lacan, Hans-Georg Gadamer, Hans Jonas, Meyer Schapiro, Bernard Waldenfels.
  • 7
    HUA III/1: Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie. Erstes Buch: Allgemeine Einführung in die reine Phänomenologie.
  • 8
    HUA XI: Analysen zur passiven Synthesis. Aus Vorlesungs- und Forschungsmanuskripten, 1918-1926.
  • 9
    Entvergegenwärtigung, conforme a formulação de E. Fink (1966)FINK, E. “Vergegenwärtigung und Bild”. In: ___ Studien zur Phänomenologie (19301939). Den Haag: Martinus Nijhoff, 1966. pp. 1-78..
  • 10
    Tanto L. Wiesing quanto E. Alloa incluem também na abordagem antropológica das imagens o pensamento de Vilém Flusser. Nas palavras de Alloa (2015b_____. “Anthropologiser le visuel?”. In: ___ (Éd.). Penser l’image II: Antropologies du visuel. Dijon: Les presses du réel, 2015b. pp. 5-41., p. 24): “Flusser considère qu’avec l’avènement des nouvelles images de synthèse, celles-ci nous font revenir en deçà de l’ère de la linéarité du texte, pour redécouvrir une puissance de visualisation qui, plus encore que la raison ou le langage, singularise l’humain.”
  • 11
    “Ce qui est figuré dans l’image est isolé du commerce causal des choses et traduit vers une existence non dynamique qui est celle de l’image - un mode d’existence qu’il ne faut confondre ni avec celui de la chose qui représente ni avec celui de la réalité représentée” (Jonas, 2015JONAS, H. “La liberté par l’image. Homo pictor et la différence de l’homme”. Trad. E. Alloa. In: ALLOA, E. (Éd.). Penser l’image II: Antropologies du visuel. Dijon: Les presses du réel, 2015. pp. 57-76., p. 63). “Dans l’image, le lien de causalité est interrompu. Elle est livre de figurer toutes les situations de cause à effet, y compris l’acte de peindre luimême. Mais même dans ce cas, l’image ne représente pas la causalité de son propre devenir” (id., p. 64).
  • 12
    Em L’imaginaire, ver, em especial: “Première partie: Le certain” (Sartre, 1986SARTRE, J.-P. “L’imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination”. Paris: Gallimard, 1986., pp. 11-39).
  • 13
    Conforme Sartre (1986SARTRE, J.-P. “L’imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination”. Paris: Gallimard, 1986., p. 32): “l’acte positionnel est constitutif de la conscience de l’image.”
  • 14
    “[...] les objets du monde des images ne sauraient en aucune façon exister dans le monde de la perception; ils ne remplissent pas les conditions nécessaires” (Sartre, 1986SARTRE, J.-P. “L’imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination”. Paris: Gallimard, 1986., p. 26). “L’image et la perception, loin d’être deux facteurs psychiques élémentaires de qualité semblable et qui entreraient simplement dans des combinaisons différentes, représentent les deux grandes attitudes irréductibles de la conscience. Il s’ensuit qu’elles s’excluent l’une l’autre” (id., p. 231).
  • 15
    Cf. Dastur, 2008DASTUR, F. “L’approche du problème de l’imagination”. In: BENOIST, J. (Éd.). Husserl. Paris: Cerf, 2008. pp. 105-124., p. 123: “Il faut cependant noter que Sartre parle plutôt de « néantisation » du monde que de neutralisation, précisément parce que pour lui toute conscience est positionnelle.” Sobre o conceito de neutralização em Husserl, ver: E. Husserl, Hua III/1, § 109-112; A. Serra (2009)SERRA, A. M. “Neutralisierung”. In: GANDER, H.-H. (Hrsg.). Husserl-Lexikon. Darmstadt: WBG - Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2009. pp. 208-209..
  • 16
    “Doch handelt es sich hierbei wirklich um einen ontologischen Sprung, der reales Sein von imaginär erzeugtem Nichtsein trennt, wie Sartre und seine Anhänger meinen?” (trad. minha).
  • 17
    “La photo n’est plus l’objet concret que me fournit la perception: elle sert de matière à l’image” (Sartre, 1986SARTRE, J.-P. “L’imaginaire: Psychologie phénoménologique de l’imagination”. Paris: Gallimard, 1986., p. 47).
  • 18
    Sartre refere-se à teoria da imagem de Husserl exposta em Ideias I (Husserl, HUA III/1). Cabe lembrar que nessa obra Husserl apresenta um resumo de elaborações mais detalhadas desenvolvidas a partir de 1904 nos manuscritos posteriormente reunidos na HUA XXIII.
  • 19
    “The plain fact is that a picture, to represent an object, must be a symbol for it, stand for it, refer to it; and that no degree of resemblance is sufficient to establish the requisite relationship of reference. Nor is resemblance necessary for reference; almost anything may stand for almost anything else” (Goodman, 1976GOODMAN, N. “Languages of Art: An Approach to a Theory of Symbols”. Indianopolis: Indiana, 1976., p. 5).
  • 20
    “[...] parler d’une dimension imaginaire du réel consiste à affirmer que le noyau de présence du perçu reconnu comme stable est indissociable d’une part ouverte et foisonnante d’esquisses sensibles fluentes. Cette dimension hante la perception et rend flottante chaque chose présente donnée en laquelle on trouve déjà maintes lacunes, le renvoi à d’autres choses et personnes seulement partiellement déterminées, un symbolisme évasif” (trad. minha). Ver as considerações mais detalhadas da autora sobre a noção de imaginário em Husserl em: Dufourcq, 2011DUFOURCQ. “La dimension imaginaire du réel dans la philosophie de Husserl”. Dordrecht/ Heidelberg/London/New York: Springer, 2011..
  • 21
    “Es [das Bild] hat sich gegenüber seinem Träger zu behaupten, darf von seinen Oberflächenreizen nicht zugedeckt werden, und muss ebenso ein Übermächtigwerden des Sujets abwehren. In dieser Zwei-FrontenAbwehr ist die Konstitution der Medialität des Bildes durchaus fragil.”
  • 22
    “Wir schauen im Bild selbst das Sujet, wir schauen das letztere in das erstere hinein, das Bild (genauer gesprochen das Bildobjekt) bringt in <sich> selbst das Sujet zur anschaulichen Vorstellung, und dies in grösserem oder geringerem Ausmass, nach einer grösseren oder geringeren Zahl von verbildlichenden Momenten” (Husserl, HUA XXIII, § 25, p. 50).
  • 23
    “Dos signos indicativos, distinguimos os significativos, as expressões. [...], tomamos o termo expressão certamente num sentido restrito, cujo domínio de validade exclui muitas coisas que são designadas como expressão na linguagem comum” (Husserl, 2012_____. “Investigações Lógicas”. Vol. 2, Parte 1: Investigações para a Fenomenologia e a Teoria do Conhecimento. Trad. Pedro Alves e Carlos Morujão. Rev. M. A. Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012., p. 26 s.). Husserl também pontua que, para atuar como expressão, a linguagem não precisa ser necessariamente pronunciada a outrem; basta que ocorra um vínculo entre a intenção de significação (Bedeutungsintention) e a expressão (Ausdruck), o que pode ocorrer igualmente no monólogo silencioso: “[...] cada parte de um discurso, assim como todo e qualquer signo essencialmente do mesmo tipo, é uma expressão, não devendo importar se o discurso é ou não efetivamente dito, portanto, se ele é ou não dirigido a uma pessoa qualquer com um propósito comunicativo” (id., p. 27).
  • 24
    “[...] wie es bei der ästhetischen Betrachtung der Fall ist, bei gleicher Auffassungsgrundlage die Meinung eben nicht ausschliesslich auf das Sujet geht, vielmehr ein Interesse, und zwar ein ästhetisches Gefühlsinteresse, am Bildobjekt hängt, und an ihm auch nach nichtanalogisierenden Momenten hängt. Ich erinnere, da ich früher darüber nicht gesprochen habe, an die ästhetische Funktion der Reproduktionsmittel und -materialien, z.B. die breite Pinselführung mancher Meister, an die ästhetische Wirkung des Marmors usw” (Husserl, XXIII, § 25, p. 52).
  • 25
    Embora seja possível depreender esta última implicação desde as análises de Husserl, são propriamente fenomenólogos posteriores que ressaltam esse passo, a saber, Marc Richir (1998)_____. “Qu’est-ce qu’un phénomène?” Les Études philosophiques, Paris, PUF, Nr. 4: Le phénoménal et sa tradition, Octobre-Décembre 1998, pp. 435-449. em suas considerações sobre o “fenômeno enquanto fenômeno” (le phénomène en tant que phénomène) e Bernard Waldenfels (1994)WALDENFELS, B. “Ordnungen des Sichtbaren”. In: BOEHM, G. (Hrsg.). Was ist ein Bild. München: Fink, 1994. pp. 233-252. em seus apontamentos sobre a visibilidade da imagem (Sichtbarkeit der Bilde).
  • 26
    Este tema é recorrente nas contribuições de Marc Richir (1988RICHIR, M. “Phénoménologie et institution symbolique - phénomènes, temps et êtres”. Grenoble: Jérôme Million, 1988.; 2004_____. “Phantasia, imagination, affectivité - Phénoménologie et anthropologie phénoménologique”. Grenoble: Jérôme Million, 2004.) no que concerne à relação entre fenomenologia e instituição simbólica.
  • 27
    “Demnach wird ein Gegenstand genau dann zu einem Zeichen, wenn er von jemanden dazu verwendet wird, um mit ihm auf etwas zu verweisen” (Wiesing, 2005WIESING, L. “Artifizielle Präsenz: Studien zur Philosophie des Bildes”. Frankfurt: Suhrkamp, 2005., p. 38). A referência principal neste caso é a acepção de C. Peirce (1998PEIRCE, C. (1932). “Elements of Logic”. In: ___. Collected Papers. Weiss, Bristol 1998., p. 172), segundo a qual: “Nada é um signo a menos que seja interpretado como um signo” (“Nothing is a sign unless it is interpreted as a sign.”).
  • 28
    “Damit etwas zum Zeichen für etwas anders wird, bedarf es einer assoziativer Verbindung; man nimmt etwas wahr und wollzieht die Operation der Verbindung mit etwas anderem auf Grund einer bestimmten Gewohnheit oder Regel oder Ad-hoc-Vereinbarung […] / “Zeichen können, sie müssen jedoch nicht darstellen, was sie bezeichnen. […] Bilder können, sie müssen jedoch nicht als Zeichen fungieren.” (Brandt, 1999BRANDT, R. “Die Wirklichkeit des Bildes: Sehen und Erkennen - Vom Spiegel zum Kunstbild”. München/Wien: Carl Hanser, 1999., p. 132). Uma das consequências importantes extraídas por esse autor é de que, à diferença dos signos que devem remeter naturalmente a algo, para a apresentação da imagem (Dasrstellung des Bildes), a negação é constitutiva, ou seja, nenhuma associação é inerente à própria imagem: “Für das Bild ist die Negation konstitutiv; das Bild ist dem, was es darstellt, nicht (nur) assoziativ verbunden, sondern es ist es nicht, das “nicht” ist ihm inhärent” (id., p. 134).
  • 29
    Sobre outros desdobramentos dessa noção de circunstancialidade, ver: A. Serra, 2018_____. “Image et structuration minimale chez Derrida, Deleuze et Didi-Huberman”. La Part de l’Oeil, Vol. 32, 2018, pp. 83-95.; 2021_____. “Variations circonstancielles: différenciation de l’autre chez les Amérindiens”. Études phénoménologiques, 2021, pp. 39-57..
  • 30
    Cf. as remissões de Gilles Deleuze (2002)DELEUZE, G. “Francis Bacon. Logique de la sensation”. Paris: Du Seuil, 2002. às superfícies monocolores na pintura de Francis Bacon, bem como as alusões de Georges Didi-Huberman (1990)DIDI-HUBERMAN, G. “Devant l’image”. Paris: Minuit, 1990. ao trecho-de-branco (“pan de blanc”) no quadro “Annunciazione” (ca. 1435) de Fra Angelico. Ver: A. Serra, 2018_____. “Image et structuration minimale chez Derrida, Deleuze et Didi-Huberman”. La Part de l’Oeil, Vol. 32, 2018, pp. 83-95..

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2020
  • Aceito
    21 Dez 2020
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