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PENSAMENTO E LINGUAGEM: A HIPÓTESE DE DESENVOLVIMENTO DE VIGOTSKI REVISITADA PELA PSICANÁLISE

Thought and Language: Vygotsky’s Development Hypothesis Revisited by Psychoanalysis

Pensamiento y lenguaje: la hipótesis de desarrollo de Vygotsky revisitada por el psicoanálisis

Resumo

Este ensaio faz um resgate das ideias vigotskianas apresentadas em “As raízes genéticas do pensamento e da linguagem” (Vigotski, 2009[1934]) a partir da crítica de Bronckart (2006[1997]) em “Ação discurso e racionalização: a hipótese de desenvolvimento de Vygotsky revisitada”. Ele retoma, portanto, a apreciação bronckartiana à hipótese de desenvolvimento de Vigotski, lançando um novo olhar sobre a gênese da linguagem e do pensamento humano calcado na psicanálise de Winnicott (1975, 1983, 1990, 2000, 2011, 2012). Os resultados sugerem uma reconfiguração que privilegia interações sociais e provisões ambientais na ontogênese do pensamento e da linguagem de forma mais completa e explícita, rejeitando a hipótese vigotskiana das raízes disjuntas e seu esquema de desenvolvimento em “Y”.

Palavras-chave:
Pensamento; Linguagem; Vygotski; Interacionismo Sociodiscursivo; Psicanálise

Abstract

This essay retrieves the Vygotskian ideas presented in “The genetic roots of thought and language” (Vigotsky, 2009[1934]) from the criticism reported by Bronckart (2006[1997]) in “Action, discourse and rationalization: Vygotsky’s developmental hypothesis revisited”. He therefore resumes the Bronckartian appreciation of Vygotsky’s developmental hypothesis, taking a fresh look at the genesis of language and human thought based on Winnicott’s psychoanalysis (1975, 1983, 1990, 2000, 2011, 2012). The results suggest a reconfiguration that privileges, in a more complete and explicit way, social interactions and environmental provisions in the ontogenesis of thought and language, rejecting the Vygotskian hypothesis of disjunct roots and its “Y” development scheme.

Keywords:
Thought; Language; Vygotsky; Sociodiscursive Interactionism; Psychoanalysis

Resumen

Este ensayo rescata las ideas vygotskianas presentadas en “Las raíces genéticas del pensamiento y del lenguaje” (Vygotski, 2009[1934]) a partir de la crítica señalada por Bronckart (2006[1997]) en “Acción, discurso y racionalización: la hipótesis de desarrollo de Vygotsky revisitada”. Por lo tanto, retoma la apreciación bronckartiana de la hipótesis de desarrollo de Vygotsky, arrojando una nueva mirada sobre la génesis del lenguaje y el pensamiento humano basada en el psicoanálisis de Winnicott (1975, 1983, 1990, 2000, 2011, 2012). Los resultados sugieren una reconfiguración que privilegia interacciones sociales y provisiones ambientales en la ontogenia del pensamiento y el lenguaje de manera más completa y explícita, rechazando la hipótesis vigotskiana de las raíces disjuntas y su esquema de desarrollo en “Y”.

Palabras clave:
Pensamiento; Lenguaje; Vygotski; Interaccionismo Sociodiscursivo; Psicoanálisis

1 INTRODUÇÃO

Este ensaio é um recorte de nossa tese intitulada “Linguagem, língua e desenvolvimento humano: por um nó teórico epistemológico entre Interacionismo Sociodiscursivo e Psicanálise”1 1 A tese foi orientada pela professora Regina Celi Mendes Pereira e defendida em 2018 no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (PROLING/UFPB). O estudo foi condecorado com o Prêmio PRPG de Teses/2019 (PRPG/UFPB). . Nele, nós resgatamos as ideias vigotskianas apresentadas em “As raízes genéticas do pensamento e da linguagem” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]) a partir da retomada da crítica bronckartiana publicada no texto “Ação discurso e racionalização: a hipótese de desenvolvimento de Vygotsky revisitada” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]).

Ante nossa posição como psicóloga de abordagem psicanalítica - vinculada aos interesses investigativos da Linguística Aplicada (LA) -, nossa contribuição traz à baila a obra de Donald Woods Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975., 1983, 1990, 2000, 2011, 2012), pediatra e psicanalista inglês que, construindo sua teoria do desenvolvimento emocional, acabou por adentrar na problemática da origem do pensamento e da linguagem subsidiariamente.

Nosso objetivo, então, é retomar a crítica bronckartiana à hipótese de desenvolvimento de Vigotski, lançando um novo olhar sobre a gênese da linguagem e do pensamento humano, calcado na psicanálise de Winnicott. Isso, julgamos, se mostra especialmente importante ao Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) porque, ainda que Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]) tenha censurado a hipótese central vigotskiana do caráter radicalmente distinto das raízes do pensamento e da linguagem, suas palavras não ressoaram nas vozes dos adeptos de seu quadro teórico-epistemológico, que, conforme referiu o próprio Bronckart (2006[1997], p. 60), continuam “parafraseando e expandindo essa tese, como, imprudentemente, temos feito várias vezes”.

Seja, então, por aquilo que se diga silenciando ou aquilo que se silencie dizendo, o fato é que existe uma lacuna, uma abertura ao debate acadêmico, que contempla, em nosso entendimento, não tão-somente a pertinência ou não do caráter distinto das raízes do pensamento e da linguagem, mas todo o processo de desenvolvimento humano na e pela linguagem. Tema, então, de discussão neste estudo.

2 A CRÍTICA BRONCKARTIANA À HIPÓTESE DE DESENVOLVIMENTO DE VIGOTSKI

Em seu texto “Ação, discurso e racionalização: a hipótese de desenvolvimento de Vygotsky revisitada”, Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]) recupera a tese vigotskiana - formulada no quarto capítulo de “A construção do pensamento e da linguagem” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]) - das raízes disjuntas do desenvolvimento humano. Embora já bem conhecida, nos parece importante formulá-la, resumidamente.

Segundo Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]), nas etapas iniciais da ontogênese coexistiriam duas raízes disjuntas, que corresponderiam: ao “estágio pré-verbal da inteligência” e ao “estágio pré-intelectual da fala”. A capacidade da criança para resolver, sem recorrer à linguagem, diversos problemas cognitivos demonstra a existência da primeira raiz; e o desenvolvimento de formas sucessivas de interação com os parceiros sociais, reguladas pelas produções vocais que, em princípio, “não têm nada de comum com o desenvolvimento do pensamento” (Vigotski, 2009[1934], p. 130), atesta a segunda.

Em certo momento, “mais ou menos aos dois anos de idade, as curvas da evolução do pensamento e da fala, até então separadas, cruzam-se e coincidem para iniciar uma nova forma de comportamento muito característica do homem” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 130): a língua, ou a capacidade de representação e produção de entidades sonoras reconhecidas pelo meio social como “signos”, que lhe serve para nomear e comunicar. A partir daí, conforme bem resumiu Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1996]), as produções verbais das crianças passam a preencher, primeiro, uma função social, de comunicação e interação com o meio; e, depois, uma função individual, de controle das próprias ações, ou de pensamento. Isto é, “a fala se torna intelectual e o pensamento verbalizado” (Vigotski, 2009[1934], p. 131, grifos do autor).

Sobre a inscrição da primeira raiz, então, Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]) perpetra alguns comentários e questionamentos às formulações vigotskianas. Primeiro, para ele, parece pouco interacionista e social a concepção de que a criança, nesse estágio, trate os objetos em seus aspectos puramente físicos, abstraindo seu estatuto de instrumento social. Segundo, se o objeto é, conforme assinala frequentemente o próprio Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]), um instrumento moldado pelo uso social, “como se pode sustentar a tese do paralelismo entre a inteligência dos antropoides e a das crianças?” (Bronckart, 2006[1997], p. 64-65) e descrever a inteligência pré-verbal como uma idade do chimpanzé? Por fim, confrontando os fragmentos vigotskianos de que a) a inteligência prática provém das relações mecânicas e cria meios mecânicos apropriados a fins mecânicos (Bühler, 1924 apud Vigotski, 2009[1934]) e de que, b) antes do aparecimento da fala, a ação se torna subjetivamente significativa, ou seja, conscientemente intencional (Bühler, 1924 apud Vigotski, 2009[1934]), então “a consciência poderia se construir independentemente de qualquer mediação social, por abstração e interiorização direta das propriedades dos esquemas de ação”? (Bronckart, 2006[1997], p. 64). Bronckart (2006[1997], p. 64) conclui que “esses dois enunciados não são nada menos que contraditórios”, ao tempo que deixam Vigotski “muito próximo, certamente, da posição piagetiana, à qual pretendia se opor!” (Bronckart, 2006[1996], p. 35).

Sobre a inscrição da segunda raiz, a crítica bronckartiana a esse estágio baseia-se, fundamentalmente, no fragmento vigotskiano de que as raízes pré-intelectuais da fala (ou seja, o grito, o balbucio e até as primeiras palavras das crianças) “não têm nada em comum com o desenvolvimento do pensamento” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 130). Ademais, discute se é mesmo possível admitir que não exista relação alguma entre as ações “puras”, práticas, provenientes da primeira raiz, e as ações socializadas, que se desenvolveriam em paralelo, no âmbito da segunda raiz (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1996], 2006[1997]). E afirma: “uma concepção como essa não pode ser sustentada” (Bronckart, 2006[1996], p. 36).

Ainda, tomando como certo que “a aparição da linguagem na criança, ou seja, a emergência de uma capacidade de produção de entidades sonoras reconhecidas pelos que o cercam como signos de uma língua natural, procederia da fusão dessas duas raízes” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997], p. 61, grifo do autor), questiona: “É a linguagem enquanto estrutura autônoma que é interiorizada, ou é, como o autor parece indicar em outras passagens, a “ação mediada pelos signos”?” (Bronckart, 2006[1997], p. 65). Ou, em outras palavras, “qual é a relação que se estabelece entre comunicação, ação e linguagem?” (Bronckart, 2006[1996], p. 36).

Por último, ressalta que mesmo que Vigotski tenha “assinalado a imperiosa necessidade de definir unidades psicológicas objetiváveis (ou unidades de análise2 2 Examinando as principais mudanças conceituais que emergiram no pensamento de Vigotski entre 1924 e 1934, enquanto suas perspectivas se desenvolviam, Minick (2002) identifica três fases principais no desenvolvimento do pensamento de Vigotski sobre os construtos que serviram como suas unidades de análise e princípios explanatórios. Primeiramente, entre 1925 e 1930, Vigotski se concentrou numa unidade analítica a qual chamou de “ato instrumental”. Por volta de 1929, entretanto, ele começa a abandonar esse conceito e muda seu foco de pesquisa para o que denominou “sistema psicológico”. E, por fim, em seus escritos de 1933 e 1934, o interesse volta-se para a análise do desenvolvimento do significado da palavra. É importante frisar, contudo, conforme mesmo salienta Minick (2002), que, conquanto exista um elevado grau de continuidade entre essas três fases no desenvolvimento do arcabouço teórico de Vigotski, seus escritos ficaram sempre vulneráveis às críticas sobre a delimitação de sua unidade de análise. ), [...] o autor não teve sucesso em obter tais unidades em sua obra” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997], p. 65-66). E, dessa ausência, também, “saltam aos nossos olhos as dificuldades e as contradições que acabam de ser evocadas” (Bronckart, 2006[1997], p. 66).

A partir desses apontamentos, portanto, o autor conclui que a pertinência global do esquema de desenvolvimento vigotskiano “não deixa de colocar graves problemas” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1996], p. 35). É necessário admitir que “ele é, apesar de tudo, insatisfatório, ou mesmo contraditório em diversos pontos e que mereceria, por consequência, ser consideravelmente aperfeiçoado” (Bronckart, 2006[1997], p. 63).

Nesse sentido, dialogamos com a crítica bronckartiana, tecendo novos fios no tear da problemática da emergência do pensamento e da linguagem. Nossa tomada de posição traz à baila a teorização psicanalítica winnicottiana; com isso pretendemos, como também almejou Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[2003], p. 93), “contribuir para uma reorientação das posições e das perspectivas de pesquisa da Psicologia nesse domínio”.

3 A PSICANÁLISE DE WINNICOTT: FUNDAMENTOS TEÓRICOS3 3 Levando em consideração as limitações de espaço que envolvem a escrita deste ensaio, bem como o objetivo aqui proposto, as ideias de Winnicott são apresentadas de forma breve, de modo a oferecer ao leitor apenas a base daquilo que ele erigiu em teoria.

Longe de uma psicanálise que faz abstração dos pré-construtos históricos e das interações sociais, Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.[1971]a, p. 79) defende que não é possível fazer uma descrição do desenvolvimento humano “inteiramente em termos do indivíduo, mas considerando que [...] o comportamento do ambiente faz parte do próprio desenvolvimento pessoal do indivíduo e, portanto, tem de ser incluído”.

Nos termos dessa hipótese, pois, há uma dependência absoluta do bebê ao ambiente e, como sua expressão maior, à mãe4 4 Quando se refere à mãe, Winnicott não está, de maneira alguma, excluindo o pai ou qualquer pessoa que se dedique ao cuidado infantil inicial e que, portanto, cumpra essa função de maternagem, mas ocorre que o que lhe interessa é, de fato, o aspecto materno daquele que, em sua atitude para com o bebê, cuide deste. . O bebê depende inteiramente da disponibilidade de uma mãe genuinamente preocupada com seus cuidados, embora desconheça, nesse primeiro momento, esse estado de dependência, uma vez que, sob seu ponto de vista, ele e o meio não se diferenciam. Existe indiscriminação entre externo e interno, isto é, “entre aquilo que constitui o não-EU e o EU” (Winnicott, 2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1968], p. 80).

Isto acontece porque a adaptação suficientemente boa da mãe possibilita ao bebê a experiência de onipotência, ou, como coloca Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.[1953]), a experiência de “controle mágico”, o sentimento de que sujeito e objeto (ambiente) são uma só coisa, não havendo distinção entre os dois. O bebê desenvolve a convicção de que ele é os cuidados maternos e de que ele é a confiabilidade do ambiente, haja vista que não tem nenhuma condição, em termos de amadurecimento, para se dar conta de que o objeto é algo externo. “A qualidade do ambiente é indistinguível (da qualidade) do si-mesmo” (Muratori, 2015MURATORI, R. O caso B e o conceito winnicottiano de objeto subjetivo. E-prints: Revista Internacional de Psicanálise Winnicottiana, v. 10, n. 1, p. 1-16, 2015., p. 6, grifos do autor). Nestes termos, Winnicott (1975[1953]) formula sua ideia de “objeto subjetivo”.

Na jornada, então, que vai do subjetivamente concebido ao objetivamente percebido, Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.[1953]) introduz a noção de “objeto transicional ou fenômeno transicional”. Refere-se, com isso, a um objeto específico ou padrão de comportamento que começa a surgir por volta dos quatro e seis meses de idade quando, aos poucos, a mãe se desliga do estado intenso de identificação primária com o filho e encaminha um período de dependência relativa do bebê ao meio. O objeto ou fenômeno transicional intermedeia a transição do estado em que o bebê sente-se fundido à mãe ao estado em que, alternativamente, passa a percebê-la como pessoa, separada de si.

São, portanto, objetos ou fenômenos que, segundo Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.[1953]), não fazem parte do corpo do bebê (não vêm de dentro), embora ainda não sejam plenamente reconhecidos como pertencentes à realidade externa (e tampouco de fora), o que equivale a dizer que eles habitam uma área intermediária, ou, como preferiu o autor, um “espaço potencial”, localizado “na interação entre nada haver senão eu e a existência de objetos e fenômenos situados fora do controle onipotente” (Winnicott, 1975[1967], p. 139).

Eles têm a função de produzir conforto, segurança e preencher o espaço aberto à medida que a mãe diminui seu grau de adaptação às necessidades do bebê. Nesse sentido, são substitutos transitórios do conforto psicológico que o corpo materno exerce na vida emocional da criança.

Sob esse prisma, o objeto ou fenômeno transicional constitui um símbolo da união do bebê e da mãe, “no ponto, no tempo e no espaço, do início de seu estado de separação” (Winnicott, 1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.[1967], p. 135, grifos do autor). O fato de ele não ser a mãe é tão importante quanto o fato de representar a mãe e seus cuidados. Aqui teríamos, portanto, segundo afirmou Winnicott (1975[1953], p. 19), “a raiz do simbolismo” humano.

A separação, logo, é evitada (e o espaço potencial, portanto, preenchido) pelo uso de símbolos e com tudo o mais que acaba a se somar a uma vida cultural, da qual a linguagem verbal é o principal exemplo.

Entre os oito meses e o primeiro ano de vida, tendo vivenciado todo esse processo, a criança torna-se capaz de “levar em consideração o fato de que, embora a realidade psíquica interior continue sendo pessoal (apesar de enriquecida pela percepção do meio ambiente), mesmo assim existe um ambiente e um mundo exterior a ela” (Winnicott, 2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1966]a, p. 48). Existe uma realidade compartilhada, separada e concreta. Existe uma mãe, um pai, uma família, um grupo social. Existe, ao mesmo tempo, um sentimento de identidade pessoal, um EU, que “tem um lugar na comunidade sem por isso perder sua individualidade” (Winnicott, 2011[1950], p. 30). E existe, conforme reivindicou Winnicott (1975[1953], p. 15, grifo do autor), uma “terceira parte da vida de um ser humano, parte que não podemos ignorar, constitui uma área intermediária de experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade interna quanto a vida externa”.

Esse enriquecimento inclui, como ressaltou Winnicott (2011WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2011.[1958]), a organização dos mecanismos mentais superiores (da capacidade de pensar, de relacionar causa e efeito, de usar o tempo como forma de medida e também medir o espaço, de catalogar eventos, acumular memórias e classificá-las) aos quais se tem que conceder tempo para surgirem, se desenvolverem e se estabelecerem como parte da aparelhagem do novo sujeito, caso não haja “empecilhos a seu funcionamento, devidos à imaturidade e a danos cerebrais associados ao processo do nascimento” (Winnicott, 1975[1971]b, p. 115).

4 UM RETORNO À CRÍTICA BRONCKARTIANA À HIPÓTESE DE DESENVOLVIMENTO DE VIGOTSKI

Uma vez colocados os fundamentos da teoria de Winnicott, retomamos, aqui, a crítica bronckartiana, imprimindo nossa própria tomada de posição sobre o tema. Propomos, assim, ao mesmo tempo, uma reconfiguração que privilegia, de forma mais completa e explícita, as interações sociais e as provisões ambientais na ontogênese do pensamento e da linguagem, calcados, notadamente, nas ideias winnicottiannas. Vejamos.

Conforme apresentamos, sobre a inscrição do “estágio pré-verbal da inteligência”, Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]) refere, em sua crítica, que Vigotski parece pouco interacionista social quando trata a interação primitiva da criança com o mundo no que ele tem de físico, e não mediada pela linguagem e pelas relações sociais. De nossa parte, não acreditamos, assim como Matencio (2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63., p. 52), que, de fato, o autor “defenda que o desenvolvimento pré-verbal da inteligência é disjunto de toda interação social e semiótica”. Isso, parece-nos, está determinado, de saída, por sua inscrição no Materialismo Histórico. Mas, reconhecemos, não está explícito quando o autor aborda o assunto em “As raízes genéticas do pensamento e da linguagem”, capítulo ao qual Bronckart faz referência.

Não existe, é verdade, um fragmento evidente no qual Vigotski reforce os aspectos particulares da interação social humana na fase pré-verbal da inteligência, em especial na seção II, quando discorre sobre o desenvolvimento ontogenético. Nesse capítulo, entretanto, o autor dialoga, constantemente, com os estudos de Kohler, Bühler e Yerkes e toda uma série de investigações no campo da psicologia animal. Sua questão básica para isso era: “é possível constatar de modo indubitável se os antropoides possuem o mesmo tipo de intelecto que o homem?” (Vigotski, 2009[1934], p. 140). Ao tentar responder a essa pergunta, todavia, ele não enfatiza o papel da experiência social na inteligência prática da criança. Mas parece-nos que isso não é, efetivamente, um problema, pois, nesse estado inicial, a interação da criança com o meio é, deveras, tão-somente mecânica, como ele dizia, conquanto ela se ache inscrita numa tradição de pré-construídos que confere aos objetos um status social.

Sirgado (2000) pontua isso muito bem. Ele diz que a adaptação assemelha-se ao fenômeno migratório, que exige uma adequação do imigrante às condições sociais e culturais do novo mundo. Nesse estado do desenvolvimento, a criança, a partir de sua interação com o meio, adapta suas condutas individuais, essencialmente biológicas, às práticas sociais. Ao invés, todavia, de avaliarmos como a criança se comporta no meio social, Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.; 1983; 1990; 2011; 2012) sugere abalizarmos como o meio social age na criança para integrá-la a um ambiente de origem e natureza fundamentalmente cultural. Isso porque, como bem descreveu, a noção de realidade, longe de ser inata, se constrói progressivamente.

Sabemos, calcados em Winnicott (2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1966]b), que a fase inicial da vida é marcada por um relacionamento humano pautado na identificação do bebê com a mãe, e dela com seu filho. Sabemos, também, que no estado de dependência absoluta, o ambiente humano é de grande importância. Ele proverá o sentimento de confiança, a integração psicossomática e a capacidade da criança de sentir-se real em sua relação com o mundo dos objetos e dos fenômenos. Até lá, o único liame possível entre o que mais tarde se tornará sujeito e objeto é constituído por ações ou interações que se produzem a meio caminho, entre os dois - ações, de início, não operadas por uma consciência e um sistema de signos.

Certamente por isso essa fase da vida foi denominada, por Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]), “idade chimpanzóide”, afinal, o uso de instrumentos entre macacos antropoides, também, é independente da atividade simbólica e, portanto, do pensamento. “Essa analogia direta entre a inteligência prática na criança e respostas similares apresentadas por macacos tornou-se o princípio e guia do trabalho experimental nesse campo” (Vigotski, 2007[1930], p. 5). Sob esse prisma, julgamos impertinente a crítica bronckartiana de que, uma vez que o objeto é, para a criança, um instrumento moldado pelo uso social, não se pode sustentar a tese do paralelismo entre a inteligência dessa e dos antropoides, notadamente porque, nesse estado, a criança não reconhece, ainda, o significado do mundo das coisas vivas, ou a realidade compartilhada.

Nesse primeiro momento, conforme arrazoaram Silva e Peixoto Júnior (2017SILVA, S. G.; PEIXOTO JÚNIOR, C. A. A Teoria da Comunicação no pensamento clínico de Donald W. Winnicott. Cadernos de Psicanálise, v. 39, n. 36, p. 65-83, 2017.), a semiotização (da língua e das coisas) é uma instância secundária para o bebê, na medida em que a sucessão de cuidados, por meio de uma cadeia de sensações visuais, táteis, gustativas, auditivas e olfativas é o que estrutura a experiência. Assim sendo, como exemplificou Winnicott (2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1968]), uma mãe pode dizer: “Dane-se, seu idiotinha” de um jeito tão agradável que o bebê, encantado, lhe retribua um sorriso. Ou, mais sutilmente, embalar um: “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega este menino...”, que verbalmente não é lá muito agradável, mas pode ser muito doce como canção de ninar. A voz da mãe remete, pois, nessas situações, mais a afeto do que ao que é dito. É a melodia de sua voz que envolve o bebê e lhe diz sobre uma relação de confiança. Importa-nos, aqui, que o objeto (a língua, as coisas) com o qual o bebê se relaciona não é, para ele, símbolo de nenhum outro.

A conclusão, então, é aquela já esboçada por Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 149, grifos do autor): “um desenvolvimento não é a simples continuação direta de outro, mas ocorre uma mudança do próprio tipo de desenvolvimento - do biológico para o social”. Ou, conforme Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.; 1990; 1983[1963]a), a passagem da dependência absoluta para a dependência relativa é a passagem do estado de natureza para o estado da cultura.

Não podemos deixar em suspenso, ainda, uma última crítica a esse primeiro estágio, o “pré-verbal da inteligência”. Talvez Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 129) tenha sido infeliz ou, no mínimo, pouco explicativo ao trazer a citação de Bühler:

Costumava-se dizer que a fala era o princípio da hominização (Menschwerden): talvez sim, mas antes da fala há o pensamento associado à utilização de instrumentos, isto é, a compreensão das relações mecânicas, e a criação de meios mecânicos para fins mecânicos; ou, em resumo, antes do aparecimento da fala a ação se torna subjetivamente significativa - em outras palavras, conscientemente intencional.

Temos certeza, entretanto, de que ele não considerou, conforme presumiu Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997], p. 64), que “a consciência poderia se construir independentemente de qualquer mediação social, por abstração e interiorização direta das propriedades dos esquemas de ação”. São inúmeras as passagens em que ele sustenta absolutamente o contrário, ou seja, que “o pensamento verbal não é uma forma natural e inata de comportamento, mas uma forma histórico-social” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 149) - e essa é, apenas, uma delas. O que, enfim, Vigotski (2009[1934], p. 129) pretendia reforçar, através das palavras de Bühler, era a “independência das reações intelectuais rudimentares em relação à fala”, e isso, não se pode negar, está lá, posto.

Todavia, para não incorrermos em erro quando se trata do problema do paralelismo entre antropoides e seres humanos, seguimos Winnicott (2011WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2011.[1960], p. 23) quando diz que “de um modo ou de outro, as mães e bebês humanos possuem certas qualidades humanas que devem ser respeitadas. Também possuem reflexos e instintos grosseiros, mas não é possível descrever satisfatoriamente o ser humano em termos daquilo que ele compartilha com os animais”. Para não deixar de dizer o óbvio, então: não podemos descrever as ações dos bebês em termos dos que eles compartilham com os animais simplesmente porque “os bebês são humanos desde o início” (Winnicott, 2012[1964], p. 32). E, rematando com Bühler (1924 apudVigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 117), “nenhum viajante jamais confundiu um gorila ou um chimpanzé com um homem”.

A afirmativa vigotskiana de que “o pensamento e a linguagem têm raízes genéticas inteiramente diversas” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 112) esteve, no entanto, solidamente estabelecida sob toda uma série de investigações no campo da psicologia animal. Vigotski (2009[1934]) buscava mesmo compreender a ontogênese a partir da filogênese. E é, portanto, sob esse pano de fundo - ou seja, calcado nas “decisivas e modernas [à época] investigações do intelecto e da linguagem dos antropoides, particularmente nos estudos de Köhler e Yerkes” (Vigotski, 2009[1934], p. 112) - que ele assenta sua tese das raízes disjuntas, e isso, certamente, precisa ser considerado na compreensão de sua teoria.

Ela parece, pois, bastante aceita se pensarmos, como ele propôs, na existência, nos antropoides, “de um intelecto semelhante ao do homem com ausência de um mínimo de linguagem semelhante à humana” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 113). É tentando demonstrar a “independência entre os atos do chimpanzé e a linguagem” (Vigotski, 2009[1934], p. 114) que Vigotski formula didaticamente a conclusão básica de que “o pensamento e a linguagem possuem diferentes raízes genéticas” (Vigotski, 2009[1934], p. 128).

Pensar o desenvolvimento nos termos de uma psicologia animal, no entanto, embora muito tentador para a época, é, para Winnicott (2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1966a]), absolutamente inadequado porque, conforme já citamos, “os bebês são humanos desde o início” (Winnicott, 2012[1964], p. 32). Humanos, queremos dizer, porque inseridos, desde sempre, numa comunidade de pessoas humanas. Sobre isso, ele refere:

os processos de maturação, facilitados de uma forma extremamente complexa pelos seres humanos que cuidam do bebê, terminam por fazer com que a criança repudie o que é não-EU, vindo a constituir o EU. Chega um momento em que, se a criança pudesse falar, diria EU sou (Winnicott, 2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1966]a, p. 47).

Ao contrário, “o animal não pode construir para si uma representação de si mesmo” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997], p. 74). Por esse motivo Winnicott (2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1966]b, p. 7) diz: “não acredito na história de Rômulo e Remo, por maior que seja meu respeito pelas lobas. Alguém humano encontrou e cuidou dos fundadores de Roma, se de fato pretendemos atribuir alguma verdade a este mito”.

Desse modo, o desenvolvimento humano natural não é análogo ao das espécies animais e só a posteriori torna-se sócio-histórico, conforme atribuiu Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]) às declarações vigotskianas. Ele é sui generis, peculiar, singular, desde o início, simplesmente por ser sócio-histórico.

Debruçando-se, então, sobre a outra raiz, o “estágio pré-intelectual da fala”, Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]) baseia sua crítica, exclusivamente, no fragmento textual vigotskiano de que as raízes pré-intelectuais da fala “não têm nada em comum com o desenvolvimento do pensamento” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 130). Sobre isso, devemos iniciar dizendo, conforme Matencio (2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63.) já o fez, que Vigotski (2009[1934]) apenas defende sua tese central de que o pensamento e a fala têm raízes genéticas diferentes. Assim sendo, segundo ele, conquanto o grito, o balbucio, e até as primeiras palavras da criança sejam estágios absolutamente nítidos no desenvolvimento da fala, eles não são operados por um pensamento, isto é, são estágios pré-intelectuais.

Eles são, como o próprio Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]) proferiu, e Matencio (2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63.) retomou, uma forma de comportamento predominantemente emocional, uma linguagem afetivo-volitiva e um meio de contato social. Silva e Peixoto Júnior (2017SILVA, S. G.; PEIXOTO JÚNIOR, C. A. A Teoria da Comunicação no pensamento clínico de Donald W. Winnicott. Cadernos de Psicanálise, v. 39, n. 36, p. 65-83, 2017., p. 71) referem que “o choro é um tipo de comunicação que pode representar um número infinito de sentidos, identificados, unicamente, pela mãe que se encontra em estado de preocupação materna primária”. É uma comunicação, contudo, estranha a um significado objetivo, permanente e estável. A função simbólica da linguagem só é possível quando já se atingiu um nível relativamente elevado no desenvolvimento da linguagem e, como acrescentou Winnicott (1983WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.[1963]b), das relações objetais.

A comunhão desses temas, pois, não passou alheia à teorização winnicottiana. “Examinando-se diretamente a comunicação e a capacidade de se comunicar, pode-se ver que elas estão intimamente ligadas às relações objetais” (Winnicott, 1983WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.[1963]b, p. 164). De forma geral, então, descrevendo as relações objetais ele chegou, gradativamente, ao tema das comunicações. Esse não deixou, contudo, de ser um tema subsidiário em seus estudos, mas de grande relevância para entendermos como a criança ascende à palavra a partir de provisões ambientais - suficientemente boas, diga-se de passagem.

Segundo Winnicott (1983WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.[1963]b, p. 166, grifos do autor), com as relações objetais

ocorre uma mudança no propósito e nos meios da comunicação entre o bebê e a mãe, à medida que o objeto muda de ser subjetivo a ser percebido objetivamente, enquanto a criança gradualmente deixa para trás a área de onipotência como uma experiência de vida. Na medida em que o objeto é subjetivo, é desnecessário que a comunicação com ele seja explícita.

Do contrário, quando o objeto é objetivamente percebido, ocorre a necessidade de utilização e apreciação pelo indivíduo dos modos de comunicação. Isto é, “ao tempo em que as mães se tornam percebidas objetivamente, seus bebês se tornam mestres de várias técnicas de comunicação indireta, a mais óbvia das quais é o uso da linguagem” (Winnicott, 1983WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.[1963]b, p. 170). Há, nesse meio-termo, como já vimos, um período transitório, no qual objetos e fenômenos transicionais têm lugar e começam a estabelecer o uso de símbolos para a criança.

Aqui, conforme consideraram Silva e Peixoto Júnior (2017SILVA, S. G.; PEIXOTO JÚNIOR, C. A. A Teoria da Comunicação no pensamento clínico de Donald W. Winnicott. Cadernos de Psicanálise, v. 39, n. 36, p. 65-83, 2017., p. 74), o autor

expõe sua pedra de toque sobre a teoria da comunicabilidade humana. No início da relação mãe-bebê, a comunicação entre eles é dada a partir da relação com o objeto subjetivo, que se constitui no atendimento das necessidades, na medida em que a mãe se oferece como um continente para o bebê. No progresso dos contatos de carinho e afeto com o infante, o objeto deixa de ser subjetivo, passa a ser objetivamente percebido e estabelecer a diferença entre o “eu” e o “não-eu”. Nesse instante, a mãe já foi internalizada como um objeto bom e o bebê atravessou o período da transicionalidade, que marca sua saída da dependência absoluta e seu ingresso na dependência relativa, rumo à independência.

Em estado de dependência absoluta, o bebê vivencia a experiência de onipotência: eu necessito, eu crio o objeto. Cabe ressaltar que isso acontece apenas na medida em que a mãe está ali para apresentá-lo. Ela concretiza exatamente aquilo que ele está a desejar; com isso, ele passa a desenvolver a ilusão de que o que ele encontra foi por ele criado. “O objeto tem de ser encontrado para ser criado” (Winnicott, 1983WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.[1963]b, p. 165). Assim sendo, nesse estado inicial tudo de que ele necessita é por ele direta e subjetivamente criado, não havendo, portanto, necessidade de mediação por símbolos substitutivos.

À medida que o objeto se torna objetivamente percebido pela criança (quando ela passa a reconhecer a realidade compartilhada como “não-eu”), também se tornam significativas as capacidades sociointerativas, semióticas e culturais, elaboradas pelas gerações precedentes - matrizes, portanto, do pensamento consciente.

Precisamos concordar com Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]) que, conquanto o grito, o balbucio, e até as primeiras palavras da criança sejam estágios absolutamente nítidos no desenvolvimento da fala, eles não são operados por um pensamento, que só será adquirido a posteriori. Discordamos, todavia, de que essas raízes pré-intelectuais da fala não tenham “nada em comum com o desenvolvimento do pensamento” (Vigotski, 2009[1934], p. 130), simplesmente porque, como Vigotski (2009[1934], p. 149) mesmo proferiu, “o desenvolvimento do pensamento da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem”. E, em sua teoria, não se pode negar que é a língua que, interiorizada, é a célula viva do pensamento consciente.

Se assim for, precisamos pactuar com Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1996], 2006[1997]) que não seria mesmo possível admitir que não exista relação alguma entre as ações “puras”, práticas, provenientes da primeira raiz, e as ações socializadas, que se desenvolveriam paralelamente, no âmbito da segunda raiz. Piaget (2015PIAGET, J. O desenvolvimento mental da criança. In: PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015[1940]. p. 3-63.[1940], p. 8), em sua obra, já referia que o conhecimento prático “é decisivo para todo o curso da evolução psíquica”, uma vez que ele constitui a subestrutura do conhecimento representativo posterior.

Não é de todo, portanto, infundada a crítica bronckartiana de que Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]) é, apesar de tudo, contraditório em diversos pontos. A isso, poderíamos acrescentar o fato básico de que ele designa um “estágio pré-verbal da inteligência” e um “estágio pré-intelectual da fala” (Vigotski, 2009[1934]). Ora, se na primeira raiz temos um intelecto que precede a fala, como podemos ter, na segunda, uma fala anterior ao intelecto? Esses enunciados, por sua natureza, não são nada menos que contraditórios, precisamos asseverar.

Isso se resolveria, talvez, se considerássemos, por exemplo, um intelecto anterior à fala no âmbito da primeira raiz e uma linguagem anterior ao pensamento verbal no âmbito da segunda. Não sendo assim, Molon (2011MOLON, S. I. Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia em Estudo, v. 16, n. 4, p. 613-622, 2011., p. 614-615) salienta a constante “necessidade de se tentar compreender os diferentes significados e sentidos atribuídos às mesmas palavras na elaboração conceitual do seu pensamento, isto é, de procurar as explicações e implicações dos diversos modos de fazer sentido em cada texto”. Isso se deve, sobretudo, pela “quase total ausência de definições dos termos que ele utiliza, mesmo tratando-se de termos-chave para a construção desse pensamento” (Pino, 2005PINO, A. As marcas do humano: as origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005., p. 95).

Muito se alegou (Matencio, 2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63.; Molon, 2011MOLON, S. I. Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia em Estudo, v. 16, n. 4, p. 613-622, 2011.) aos problemas de tradução terminológica, é verdade. Miller (2011MILLER, R. Vygotsky in Perspective. New York: Cambridge University Press, 2011.) afirma que os textos vigotskianos dificilmente podem ser qualificados como “originais” devido a numerosas omissões e perdas involuntárias e acidentais no processo de conversão textual de uma língua para outra. A tradução para o português de “Pensamento e linguagem” (Vigotski, 2008VIGOTSKI, L. S. Pensamento e Linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008[1934].[1934]), por exemplo, lançada pela Martins Fontes5 5 Amplamente difundida no Brasil e utilizada no cerne da Linguística Aplicada, com a qual, inclusive, a própria Matencio (2007) dialoga. , foi, de fato, traduzida a partir de uma tradução para o inglês, resumida e realizada por Hanfman e Vakar, o que, com certeza, poderia trazer vários problemas dessa ordem. Uma segunda tradução (agora do texto integral), no entanto, foi publicada sob o título “A construção do pensamento e da linguagem” e traduzida diretamente do russo por Paulo Bezerra (Professor Livre-Docente em Literatura Russa pela Universidade de São Paulo - USP, para não deixar de pontuar sua competência). Ao contrário, então, do que se poderia esperar, ela mantém as mesmas contradições terminológicas. Junta-se a isso o fato de este último ratificar, no prólogo da edição, sua preocupação e fidedignidade ao aparato conceitual vigotskiano.

Não é demais, ainda, acrescentar que, no prefácio à tradução inglesa, Hanfmann e Vakar (2008HANFMANN, E; VAKAR, G. Prefácio à tradução inglesa. In: VIGOTSKI, L. S., Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. XV-XVII.) já referiam que, ao organizar o livro para publicação, Vigotski não foi suficientemente organizado - talvez por tê-lo preparado às pressas -, tornando um tanto difícil a apreensão imediata de sua unidade interna essencial. Eles acenam, também, que o editor da primeira edição russa, em seu prefácio, já apontava numerosas digressões polêmicas que faziam com que o desenvolvimento das ideias vigotskianas ficasse um tanto obscuro. Apesar disso, decidiu deixar o texto de Vigotski intacto.

Nessa direção, Molon (2011MOLON, S. I. Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia em Estudo, v. 16, n. 4, p. 613-622, 2011.) acrescenta que, devido aos constantes e graves problemas de saúde, que intensificaram sua escrita, Vigotski não revisou seus escritos; por isso mesmo, seu texto é marcado por ambiguidades, contradições, avanços e hesitações conceituais. “Seus textos carregam a intensidade de sua criação. Com isso expressam os diferentes significados e sentidos que ele usava para a mesma palavra” (Molon, 2011, p. 614).

Parece-nos, contudo, pertinente o fato, alvitrado por Matencio (2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63., p. 52), de que “na época em que Vygotsky escreve, as noções de língua, linguagem e fala eram ainda relativamente mal-resolvidas no campo da própria linguística, que começava a se constituir como disciplina científica”. Também parece válido o fato, referenciado por Minick (2002MINICK, N. O desenvolvimento do pensamento de Vygotsky: uma introdução a Thinking and Speech (Pensamento e Linguagem). In: DANIELS, H. (org.). Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31-60.), de que o corpus vigotskiano sofreu uma série de mudanças conceituais no período pleno de suas construções teóricas, entre 1924 e 1934, havendo, segundo Miller (2011MILLER, R. Vygotsky in Perspective. New York: Cambridge University Press, 2011.), ideias que ele mesmo criticou extensivamente e rejeitou em seus escritos posteriores. Muitos desses trabalhos, portanto, ainda de acordo com o autor supracitado, foram compilados e publicados fora do devido lugar no desenvolvimento geral da teoria vigotskiana - muitas vezes até mesmo sob um título que não ocorre nos escritos de Vigotski. Essas alegações, todavia, infelizmente, podem justificar, mas não invalidar as recorrentes contradições encontradas na obra do autor russo.

A partir desses apontamentos constatamos, portanto, que, na crítica bronckartiana, há de existir algum fundamento. Nesse sentido, discordamos de Matencio (2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63., p. 52) quando o nega: “não se pode, ao meu ver, dizer que a obra claramente programática desse autor seja de fato contraditória”. Molon (2011MOLON, S. I. Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia em Estudo, v. 16, n. 4, p. 613-622, 2011.), Sawaia (2011SAWAIA, B. B. Prefácio: Vygotsky: um teórico desbravador de fronteiras ontológicas e epistemológicas. In: MOLON, S. I. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 9-13.) e Abreu (2017ABREU, D. C. Contribuições de Vygotsky para o estudo das emoções: um diálogo entre a Psicologia e a Linguística Aplicada. Revista Eletrônica do ISAT, v. 8, n. 1, p. 22-41, 2017.), endossando nossa posição, também discordam; eles referem que a obra vigotskiana apresenta, sim, pontos de tensão, imprecisão, ambiguidade e nebulosidade decorrentes tanto de sua complexidade quanto de seu inacabamento. Mas advertem que essa diversidade conceitual não deve significar ausência de fundamentos e tampouco a adesão ao pluralismo e ao relativismo absoluto.

Algum nível desse problema de elaboração conceitual pode advir, também, do fato de Vigotski ter sido pouco alusivo acerca do estatuto das funções psicológicas inferiores, conforme se ressentiu Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]). Para explicar, então, como o físico se transforma em psíquico (centro da problemática vigotskiana), introduzimos, com este trabalho, a teoria winnicottiana. Ela, indubitavelmente, supre algumas “faltas” na teorização do autor russo e, muito próximo ao que Piaget (1971PIAGET, J. A epistemologia genética. Petrópolis: Vozes, 1971.; 1996[1937]; 2015[1940]) postulou como sendo inato, salienta a importância das relações ambientais e, por trás delas, a mãe. Sobre isso, Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.[1971]b, p. 97) diz:

Percebemos a importância vital da provisão ambiental, especialmente no início mesmo da vida infantil do indivíduo, e, por esse motivo, efetuamos um estudo especial do meio ambiente propício em termos humanos e em termos de crescimento humano, na medida em que a dependência possui significado.

Isso rebate a clássica crítica, endereçada a Piaget, e também formulada por Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1996]), de que os processos desenvolvimentais, essencialmente biológicos, parecem operar em uma relação de total independência do mundo social. Em Piaget, as interações indivíduo-meio ocorreriam “sem que as mediações sociais, a ação dos adultos e suas atribuições de significações desempenhassem nenhum papel” (Bronckart, 2006[1996], p. 43). Assim sendo, “a discretização das unidades de pensamento estaria ligada à emergência da linguagem só por uma relação de simples coincidência” (Bronckart, 2006[1996], p. 43).

Não podemos esquecer que Bronckart (2012BRONCKART, J.-P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. 2. ed. São Paulo: EDUC, 2012[1999].[1999]) sempre julgou que, por mais que a análise proposta por Piaget abandonasse a atividade social em que esses processos se realizam e mesmo que os tomasse apenas no estado inicial da ontogênese dos conhecimentos humanos, ela continuava globalmente pertinente. Se o sócio-interacional era o entrave à teorização piagetiana, podemos assegurar que ela assume outra roupagem quando visitada pelas considerações winnicottianas.

Estudando o desenvolvimento primitivo, Winnicott (1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.; 1990; 2011[1958]; 2011[1960]; 2011[1950]; 2012[1966]b; 2012[1964]; 2012[1968]) pôde responder sobre o que acontece quando a criança ainda é um bebê; como ocorre a relação de mutualidade com o outro; como a criança ascende a uma vida cultural e, consequentemente, à linguagem (ou, mais precisamente, à língua), por exemplo. Daqui em diante, todo processo de interiorização dos signos (nos termos saussurianos6 6 Em referência a Ferdinand de Saussure. ) para construção das funções psicológicas superiores, tal como descrito por Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934]), guarda toda sua pertinência.

Sobre a questão das raízes disjuntas? Bem, preferimos entender, como o entende Winnicott (1990WINNICOTT, D. W. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990.), que o desenvolvimento físico, o mental, o emocional, o linguístico e o social estão, todos, implicados no processo de constituição do sujeito. Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 128) mesmo refere que, na ontogênese, a relação entre as duas linhas de desenvolvimento - do pensamento e da linguagem -, por ele propostas, “é bem mais obscura e confusa”.

Nesse sentido, apontar o caráter disjunto não significa, para Vigotski, dizer que não há, no desenvolvimento do indivíduo, relação alguma entre pensamento e linguagem. Como ele mesmo afirmou, “as curvas desse desenvolvimento convergem e divergem constantemente, cruzam-se, nivelam-se em determinados períodos” (Vigotski, 2009[1934], p. 111). Porém, continuava obscuro, para ele, àquela época, como esse processo efetivamente se dá no curso ontogenético humano, “se ocorre de forma súbita, catastrófica ou evolui de modo lento e gradual e só depois irrompe, se é resultado de uma descoberta ou de uma simples ação estrutural ou de uma longa mudança funcional” (Vigotski, 2009[1934], p. 148).

Essa é, inclusive, como proferiu Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[2003], p. 102), “uma das críticas regularmente endereçadas a esse esquema”. Sobre isso, alega:

o pensamento consciente é uma capacidade especificamente humana, tendo emergido não mais de um gesto criador ou de uma mutação genética, mas sob o impacto de significações sociossemióticas que pressupõem uma capacidade de linguagem cujas condições de atribuição ao homem continuam misteriosas” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[2003], p. 102).

É isso, pois, que tentamos elucidar, ao longo deste trabalho, no diálogo com as formulações winnicottianas. No que concerne, então, à importância de nosso estudo, Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 150), afirmara: “um estudo especial deverá analisar essa [...] questão do pensamento e da linguagem, assim como outras questões que comentamos de passagem e são atinentes à análise funcional e estrutural desses processos” (Vigotski, 2009[1934], p. 150).

O ponto nevrálgico, superado, logo, por Winnicott, e que as escolas da psicologia se recusaram a levar em conta,

é que, no homem, o estabelecimento desse conjunto de capacidades [biocomportamentais] produziu uma transformação radical no meio, provocou a emergência, acima deste último, do que Dilthey (1947) qualificava de “mundo de obras e de cultura”. E desde que o homem é confrontado com esse mundo em ação, com o qual tem que necessariamente interagir, suas capacidades psíquicas são, ao mesmo tempo, reflexo dessas interações e instrumento de sua transformação permanente (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[2003], p. 103).

Destarte, segundo Winnicott (2012WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.[1968], p. 79), no estado primitivo do desenvolvimento humano existe “um complexo anatômico e fisiológico, e, junto a isso, um potencial para o desenvolvimento de uma personalidade humana”. A provisão ambiental, estabelecida inicialmente por cuidados maternos suficientemente bons, fornece a vitalidade dos tecidos e da saúde funcional, bem como a sensação de segurança emocional que irá permitir que o bebê suporte a gradual constatação da existência de um ambiente externo a si mesmo que, pouco a pouco, se impõe a ele.

Se, então, no início, a adaptação do ambiente ao bebê é absoluta, em breve essa adaptação total não é mais necessária e uma desadaptação gradual se revela útil e inevitável. O intelecto, logo, segundo Winnicott (1990WINNICOTT, D. W. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990., p. 161), surge para

explicar, admitir e antecipar a desadaptação (até certo ponto), transformando assim a desadaptação novamente em adaptação total. As experiências são catalogadas, classificadas e relacionadas a um fator tempo. Muito antes de o pensamento se transformar numa característica, possivelmente necessitando de palavras para se realizar, o intelecto já tem uma tarefa a cumprir.

“A mente alia-se à mãe e a alivia de parte de suas funções” (Winnicott, 2011WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2011.[1958], p. 9). Assim sendo, no início há o soma, e então a psique, que na saúde vai gradualmente ancorando-se ao soma por intermédio do inter-relacionamento, de complexidade crescente, entre um e outra. Cedo ou tarde aparece um terceiro fenômeno, chamado intelecto ou mente, proveniente da organização desse relacionamento (Winnicott, 1990). Se tomarmos isso como certo, podemos dizer que as raízes (e raiz enquanto germe, princípio, origem) da fala e do pensamento estão assentadas em terreno bastante primitivo: na capacidade da mãe de dar apoio ao ego do filho e de ser, progressivamente, malsucedida nessa adaptação, possibilitando, assim, uma primeira fase, de ilusão, e, posteriormente a desilusão gradativa.

Conforme referiu Pereira (2014PEREIRA, M. R. A. A constituição do si mesmo e o uso da mente em Winnicott: Ressonâncias escolares. 2014. 165f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014., p. 91),

acrescido da atividade mental, o bebê desenvolve uma forma de compreender, de ser capaz de esperar pelo atendimento às suas necessidades, recorrendo a elaborações que envolvem o princípio de causalidade, estabelecendo relações entre a movimentação do ambiente, os barulhos que ele ouve, com a constatação de que já estão providenciando aquilo que irá satisfazer as suas necessidades.

A atividade mental, de acordo com Winnicott (1990WINNICOTT, D. W. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990.; 2011[1958]), em princípio é apenas uma consciência (e consciência implica a existência de uma mente) da dependência do outro e da confiabilidade da mãe e de seu amor (que chega à criança sob a forma de cuidados físicos e adaptação a suas necessidades); tem a função de relacionar causa e efeito, de usar o tempo como forma de medida e também medir o espaço, de catalogar eventos, acumular memórias e classificá-las, antes mesmo de se tornar pensamento verbal.

Isso posto, o processo de desilusão é a mola propulsora do funcionamento linguístico e mental. O falar e o pensar originam-se nas experiências pessoais da criança, quando o ambiente deixa de se adaptar plenamente a ela. De forma geral, então,

chegar a estabelecer relações objetivas com a realidade externa, criar ideias a partir da própria experiência e refletir sobre elas em um contexto mais amplo, ser capaz de manter relações simbólicas com o ambiente, são possibilidades que não se desenvolvem independentes dos acontecimentos que se sucedem no processo de amadurecimento, especialmente em seus estágios iniciais. Se tudo corre bem em termos maturacionais, considerando-se a existência de um bom tecido cerebral e as condições ambientais satisfatórias, a capacidade mental da criança, à medida que ela se desenvolve, vai ganhando complexidade e profundidade, alcançando expressões cada vez mais próximas de sua potencialidade (Pereira, 2014PEREIRA, M. R. A. A constituição do si mesmo e o uso da mente em Winnicott: Ressonâncias escolares. 2014. 165f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014., p. 95).

É nesse sentido que defendemos que as bases, as raízes, do pensamento e da fala são contíguas a um estado anterior ao momento em que a noção de objeto passa a ter sentido para a criança. “Essas questões muito primitivas começam quando a mãe, identificando-se com seu filho, é capaz e tem vontade de dar apoio no momento em que for necessário” (Winnicott, 2011WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2011.[1960], p. 26).

Sob essa perspectiva, o que ocorreria seriam mudanças estruturais e funcionais, profundas e refinadas, no curso do desenvolvimento, onde, em dado momento, “o pensamento se torna verbal e a fala se torna intelectual” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 133, grifos do autor). Esta talvez tenha sido uma tomada de consciência tardia do próprio Vigotski. No capítulo “Pensamento e palavra”, ele não mais discute as raízes do pensamento e da linguagem (ou, mais precisamente, da fala), mas as relações entre pensamento e palavra, como bem pontuou Matencio (2007MATENCIO, M. L. M. Textualização, ação e atividade: reflexões sobre a abordagem do interacionismo sociodiscursivo. In: GUIMARÃES, A. M. M.; MACHADO, A. R.; COUTINHO, A. (org.), O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 51-63.).

Se, portanto, as condições iniciais de existência interferem na aquisição da fala e na qualidade do pensamento, a hipótese das duas raízes disjuntas da linguagem e do pensamento humanos deve, conforme sugeriu Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]), de fato, ser rejeitada. Precisamos concordar que ela parece mesmo constituir o resultado de uma projeção da filogênese sobre a ontogênese. Talvez, no entanto, Bronckart não estivesse munido de argumentos suficientes para defender sua própria tese, enriquecida, neste trabalho, com a teoria winnicottiana.

Não podemos negar, entretanto, que, uma vez que a criança ascende à fala e às capacidades elementares de pensamento em determinado ponto do desenvolvimento ontogenético, por volta dos dois anos de idade, “a fala se torna intelectual e o pensamento verbalizado” (Vigotski, 2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 131). Esse é o momento crucial em que a criança descobre que cada coisa tem seu nome, ou seja, quando ela descobre a função simbólica da linguagem. A partir do emprego dos signos, a língua se interioriza, e a criança passa a “usar a “memória lógica”, isto é, a operar com relações interiores em forma de signos interiores” (Vigotski, 2009[1934], p. 138).

Mas, retomando a pergunta de Vigotski (2009VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009[1934].[1934], p. 138), “por que a linguagem se interioriza?”. Porque, conforme explicou Delari Junior (2013), a dinâmica das relações entre as funções psíquicas muda de acordo com as situações concretas em que se dá a vida humana. Ou seja, “aquilo que muda no desenvolvimento não são tanto as funções como tais (ainda que estas, de fato, também mudem), mas antes, principalmente, os nexos das funções entre elas” (Delari Junior, 2013, p. 160, grifo nosso).

De acordo com Vigotski (1996VIGOTSKI, L. S. Sobre os sistemas psicológicos. In: VYGOTSKY, L. S., Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996[1930]. p. 103-135.[1930]), a partir das relações interfuncionais vão surgindo novos agrupamentos desconhecidos, os quais, inclusive, culminam com a emergência da própria consciência. Vista por esse ângulo, “a relação entre o pensamento e a palavra é, antes de tudo, não uma coisa mas um processo, um movimento [contínuo, de vaivém] do pensamento à palavra e da palavra ao pensamento” (Vigotski, 2009[1934], p. 409). Assim sendo, “as grandes mudanças no desenvolvimento ontogenético são caracterizadas por saltos qualitativos” (Delari Junior, 2013, p. 162), e não quantitativos, conforme, outrora, sugeriu Piaget (2015PIAGET, J. O desenvolvimento mental da criança. In: PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015[1940]. p. 3-63.[1940]).

5 REMATE

As ideias de Winnicott se baseiam na existência de um estádio no desenvolvimento dos seres humanos que precede a objetividade e a perceptividade. O deslocamento, então, desse estádio primário para um estado em que a percepção do objeto (ou seja, da realidade) é possível não envolve apenas um processo de maturação biológica; envolve, além disso, as interações sociais e provisões ambientais que culminam com a emergência da linguagem (língua, em seu sistema de signos) e do pensamento.

Uma vez, portanto, aceita sua teoria, ela reconfigura a hipótese de Vigotski sobre a ontogênese do pensamento e da linguagem, de forma que podemos mesmo dizer, como já referia Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. As unidades de análise da psicologia e sua interpretação: interacionismo social ou interacionismo lógico? In: BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006[1996]. p. 25-57.[1997]), que a tese vigotskiana das raízes disjuntas e seu esquema de desenvolvimento em “Y” deve ser rejeitada. Se assim for, teremos a raiz do simbolismo humano assentada, como já dissemos, na capacidade da mãe de dar apoio ao ego do filho e de ser, progressivamente, malsucedida nessa adaptação, possibilitando, assim, uma primeira fase, de ilusão, e posteriormente a desilusão gradativa.

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  • WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
  • 1
    A tese foi orientada pela professora Regina Celi Mendes Pereira e defendida em 2018 no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (PROLING/UFPB). O estudo foi condecorado com o Prêmio PRPG de Teses/2019 (PRPG/UFPB).
  • 2
    Examinando as principais mudanças conceituais que emergiram no pensamento de Vigotski entre 1924 e 1934, enquanto suas perspectivas se desenvolviam, Minick (2002) identifica três fases principais no desenvolvimento do pensamento de Vigotski sobre os construtos que serviram como suas unidades de análise e princípios explanatórios. Primeiramente, entre 1925 e 1930, Vigotski se concentrou numa unidade analítica a qual chamou de “ato instrumental”. Por volta de 1929, entretanto, ele começa a abandonar esse conceito e muda seu foco de pesquisa para o que denominou “sistema psicológico”. E, por fim, em seus escritos de 1933 e 1934, o interesse volta-se para a análise do desenvolvimento do significado da palavra. É importante frisar, contudo, conforme mesmo salienta Minick (2002), que, conquanto exista um elevado grau de continuidade entre essas três fases no desenvolvimento do arcabouço teórico de Vigotski, seus escritos ficaram sempre vulneráveis às críticas sobre a delimitação de sua unidade de análise.
  • 3
    Levando em consideração as limitações de espaço que envolvem a escrita deste ensaio, bem como o objetivo aqui proposto, as ideias de Winnicott são apresentadas de forma breve, de modo a oferecer ao leitor apenas a base daquilo que ele erigiu em teoria.
  • 4
    Quando se refere à mãe, Winnicott não está, de maneira alguma, excluindo o pai ou qualquer pessoa que se dedique ao cuidado infantil inicial e que, portanto, cumpra essa função de maternagem, mas ocorre que o que lhe interessa é, de fato, o aspecto materno daquele que, em sua atitude para com o bebê, cuide deste.
  • 5
    Amplamente difundida no Brasil e utilizada no cerne da Linguística Aplicada, com a qual, inclusive, a própria Matencio (2007) dialoga.
  • 6
    Em referência a Ferdinand de Saussure.

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2020
  • Aceito
    08 Abr 2024
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