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A PERFORMATIVIDADE DE CORPOS FEMININOS QUE NÃO SE CALAM: AS INDEXICALIZAÇÕES DA FIBROMIALGIA

The Performativity of Female Bodies that Do Not Silence: The Indexicalizations of Fibromyalgia

La performatividad de cuerpos femeninos que no se callan: las indexicalizaciones de la Fibromialgia

Resumo

A constituição subjetiva feminina - discursiva, portanto - requereu historicamente várias formas de resistência para ter lugar no mundo social, as quais produziram sofrimentos ou foram pela dor produzidas. Não solucionada pelo discurso médico, a Fibromialgia, síndrome dolorosa que acomete predominantemente mulheres, parece representar o corpo que resiste - em um jogo de relações de poder, de discursos sempre em disputa. A performatividade de mulheres fibromiálgicas, nas discursividades em que se constituem, pode sinalizar para aquilo que o corpo parece não querer silenciar, embora a medicalização assim intente fazer. Esses sinais podem ser compreendidos em alguma medida como indexicalizações discursivas em sentido amplo, para além das formas linguísticas em sentido estrito, na medida em que apontam para discursos sobre o que é ser mulher e o que pode ser uma mulher.

Palavras-chave:
Discurso; Performatividade; Resistência; Histeria; Fibromialgia

Abstract

The female subjective constitution - therefore discursive - historically required various forms of resistance to take place in the social world, which produced suffering or were produced by pain. Unresolved by the medical discourse, Fibromyalgia, a painful syndrome that predominantly affects women, seems to represent the body that resists and does not conform - in a game of power relations, of discourses that are always in dispute. The performativity of women with fibromyalgia in the discourses in which they are constituted can signal what the body seems not to want to silence, although medicalization intends to do so. These signals can be understood to some extent as discursive indexicalizations in the broad sense, beyond linguistic forms in the strict sense, insofar as they point to discourses about what it is to be a woman and what a woman can be.

Keywords:
Discourse; Performativity; Resistence; Hysteria; Fibromyalgia

Resumen

La constitución subjetiva femenina, y por ende discursiva, ha requerido históricamente diversas formas de resistencia para encontrar su lugar en el mundo social, las cuales han producido sufrimientos o han sido producidas por el dolor. La Fibromialgia, un síndrome doloroso que afecta principalmente a mujeres y que no ha sido resuelto por el discurso médico, parece representar el cuerpo que resiste y que no se conforma, en un juego de relaciones de poder y discursos en constante disputa. La performatividad de las mujeres con Fibromialgia, en los discursos en los que se constituyen, puede señalar aquello que el cuerpo parece no querer silenciar, a pesar de los intentos de medicalización por hacerlo. Estas señales pueden ser comprendidas en cierta medida como indexicalizaciones discursivas en un sentido amplio, más allá de las formas lingüísticas en sentido estricto, ya que apuntan a discursos sobre lo que significa ser mujer y lo que puede ser una mujer.

Palabras clave:
Discurso; Performatividad; Resistencia; Histeria; Fibromialgia

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este artigo aborda a relação entre discurso e gênero a partir do olhar para o corpo como o lugar em que discursos são produzidos e localizados em dado contexto histórico e social. Temos por objetivo proceder ao exercício reflexivo de como a constituição subjetiva - aqui entendida como um fenômeno discursivo e performativo - de mulheres diagnosticadas com a Fibromialgia aponta (indexicaliza) para outros discursos no mundo social.

Para tanto, trabalhamos teoricamente com o conceito de performatividade, retomado por Butler (1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge, 1997.; 2021), a partir de alguns pressupostos, dentre os quais se pode citar: a) a Fibromialgia ocorre predominantemente em mulheres e, por isso, pode ser compreendida como um problema social de gênero; b) a dor pode ser entendida, do ponto de vista de uma compreensão da ação psíquica da força do poder, como condição para se provar a própria existência; c) ser mulher se dá pela performatividade de constituir-se como mulher, ou seja, por meio da reiteração de normas do que é considerado ser mulher; d) a performatividade pode ser lida também como indexicalidade: os sujeitos atuam segundo tudo o que veio antes deles e a isso também respondem (no sentido de apontar para) em alguma medida.

Diante das demandas de uma subjetividade ideal a ser constituída socialmente, pretendemos refletir, a partir de uma aproximação da Fibromialgia com a histeria, acerca dos modos que o corpo encontra de se discursivizar em meio às relações de poder em que está engendrada sua existência, e conduzir, assim, à suposição de que a sintomatologia pode indexicalizar discursos opressores que restringem as diversas possibilidades de subjetivação.

2 FIBROMIALGIA: UM DISCURSO SINTOMÁTICO

Dado esse ponto de partida, cabe questionar: como a dor física que marca o sujeito em sua singularidade pode ser articulada ao agenciamento do dizer no trajeto de instauração de um discurso? Esse questionamento nos conduz, tendo em vista o percurso que estamos propondo neste artigo, à consideração das distintas demandas performativas atribuídas a homens e mulheres.

O modo como a diferença entre os sexos se articula socialmente a todos os atos dos sujeitos surgiu como uma preocupação dos estudos feministas, que buscaram compreender a que se prestava o estatuto de hierarquia conferido a essa distinção tomada como natural. Nessa seara, a categoria de gênero tem se mostrado producente e subversiva no que respeita à análise de uma postulação social que se impõe aos corpos, de modo a desnaturalizar aquilo que se tomou por dado biológico inquestionável.

Tanto no processo de se tornar subordinado pelo poder quanto no processo de se tornar um sujeito de desejo, que talvez estejam indissociáveis, há agenciamento dos corpos. Em outras palavras, interpelados pelo discurso ou agentivos discursivamente, os sujeitos se constituem psiquicamente e agem, performam socialmente, por meio da linguagem. Ao enunciarem, aqueles reconhecidos e denominados como homens e mulheres, em situações concretas dos usos linguísticos, estão atuando um caráter performativo de gênero, eclipsando, por consequência, as relações de poder com um aspecto de naturalidade.

De acordo com Butler (2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020., p. 10), “[…] o poder não é apenas aquilo a que nos opomos, mas também, e de modo bem marcado, aquilo de que dependemos para existir e que abrigamos e preservamos nos seres que somos”. Nesse sentido, pode-se tornar mais complexa a discussão de por que razão uma condição física e psíquica de sofrimento não pode ser simplesmente resolvida quando sua suposta causa é trazida à consciência. Complementar à compreensão de poder por Butler, para as finalidades deste artigo, é a noção de performatividade (Butler, 1997; 2021), que pode ser entendida como a atuação dos sujeitos com base em discursos impostos reiteradamente, com relação aos quais eles podem conviver ou entrar em conflito, e que são por eles internalizados e incorporados.

A performatividade, portanto, se relaciona às posições tomadas pelos sujeitos no interior de significados consolidados historicamente. Nesse contexto, pode-se entender, a partir da leitura que Butler faz de Foucault, que há princípios reguladores que postulam como um corpo feminino pode ou deve corresponder, em sua existência material no mundo, a seu sexo biológico.

A relação entre as expectativas sociais impostas sobre as performances1 1 Conforme alerta Butler (2019 [1993]), a performatividade não pode ser equiparada a uma performance, visto que aquela precisa ser entendida dentro de um processo de iterabilidade, uma repetição de normas sob regulação. Já as performances de gênero “[...] só podem acontecer dentro de uma cena discursiva plena de constrangimentos que limitam o que conta como inteligível” (Borba, 2014, p. 449). Exemplo dessas performances são as normas de gênero heterossexuais, consideradas por Butler (2019 [1993]) como performances impostas, com as quais todos temos de negociar. de gênero e o adoecimento físico e psíquico não é uma discussão recente, embora os processos de medicalização, acentuados e crescentes2 2 Pesquisas da área da Antropologia têm mostrado o processo histórico da medicalização das mulheres na sociedade capitalista no que respeita aos distúrbios entendidos como psiquiátricos (Maluf, 1999; Canesqui, 2007; 2013; Fleischer; Franch, 2015). , indiquem a necessidade de ratificação desse reconhecimento. Pesquisas de vertente psicanalítica têm argumentado em direção à compreensão da Fibromialgia como uma histeria contemporânea3 3 Entendemos que é tempo de agência de um movimento que proponha um contrabando discursivo em relação à expressão “histeria” e seus vocábulos derivados, de modo que se entenda o fenômeno como uma reação crítica à realidade sócio-discursiva que se impõe. Esperamos deixar mais claro esse posicionamento ao longo deste texto. (Costa; Pollo, 2014COSTA, J. B.; POLLO, V. Fibromialgia: histeria da atualidade? Trivium, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 126, dez. 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-48912014000200016&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 5 set. 2022.
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; Lopes Besset et al 2010; Leite; Pereira, 2003LEITE, A. C. de C.; PEREIRA, M. E. C. Sofrimento e dor no feminino. Fibromialgia: uma síndrome dolorosa. Psychê, v. 7, n. 12, p. 97-106, dez. 2003.), principalmente porque não há achados clínicos, no âmbito da medicina, que justifiquem as queixas das pacientes e das analisandas. No caso das histéricas que deram origem ao campo de conhecimento da Psicanálise,

Freud percebeu que o sintoma físico era reflexo de um processo mental que há muito estava reprimido, e proporcionava a suas pacientes um lugar de escuta no qual esses sintomas eram trabalhados no sentido de encontrar seu estatuto de palavra. Certamente, as mulheres que Freud ouvia não são as mesmas dos tempos atuais. Mais de um século se passou desde então; nem a mulher ocupa a mesma posição social que ocupava no final do século XIX, nem a sexualidade se apresenta do mesmo modo que à época da repressão vitoriana. Mas será que as questões sobre feminilidade e sexualidade mudaram tanto assim? Curiosamente, cada vez mais novas patologias vêm sendo descritas, como se o sintoma roubasse, de novo, o lugar da palavra (Slompo; Bernardino, 2006SLOMPO, T. K. M. e S; BERNARDINO, L. M. F. Estudo comparativo entre o quadro clínico contemporâneo “fibromialgia” e o quadro clínico “histeria” descrito por Freud no século XIX. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 9, n. 2, p. 263-278, 2006., p. 264).

Assim como a histeria do século XIX, a Fibromialgia também não apresenta elementos passíveis de diagnóstico por meio da realização de exames médicos. Estima-se que a síndrome afete entre 2% e 5% da população em geral, dos quais 80% a 90% são mulheres. Duas características principais definem a condição: dor crônica generalizada e sensibilidade exacerbada quando da pressão em determinadas partes do corpo. No entanto, essas duas queixas são acompanhadas de outras, visto que uma especificidade importante da Fibromialgia é que ela produz sintomas múltiplos e diversos (Martínez-Lavín, 2014). A síndrome acomete predominantemente mulheres, e, dado o caráter social relevante dessa predominância, é necessário avançar com discussões para descortinar os elementos desse acometimento que parece ter preferência - não gratuita - por um certo gênero.

Como vêm propondo algumas reflexões de estudos sociais e pragmáticos do discurso, há “[...] um material comum na base do uso da língua e da vida psíquica [...]” (Silva, 2011SILVA, D. do N. e. Pragmática da violência: o Nordeste na mídia brasileira. Rio de Janeiro: 7 Letras: Faperj, 2011., p. 31). Corroboramos essa perspectiva principalmente a partir de nossa ancoragem nos estudos de Butler (2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020.), para quem não é possível descrever a sujeição e a subjetivação sem que se reconheça a psique - aqui discursivamente compreendida - como o lugar de possibilidade de resistência. Assim, faz-se necessário considerar como o impacto das experiências linguísticas transforma as condições de constituições subjetivas, visto que a linguagem estrutura relações e engendra formas de reconhecimento.

Pensar as relações que se estabelecem entre o ser mulher e a posição de gênero decorrente dos ideais de feminilidade de um tempo requer, em grande medida, atentar para o fato de que “[...] contextos de uso não podem ser vistos como cenas isoladas de um eterno presente, onde dois ou mais indivíduos intencionais interagem; os contextos são, ao contrário, atos históricos e sociais onde dois ou mais agentes sociais interagem por meio da linguagem” (Silva, 2014, p. 216).

Não por acaso os relatos freudianos sobre a histeria reverberam até hoje nos estudos discursivos. Eles representam um modo de expressão de uma feminilidade que entrara em crise no século XIX - uma crise vivida pelas mulheres, no embate entre os anseios de tornarem-se sujeitos de um discurso e seu lugar preestabelecido como objeto do discurso de outrem, de uma dada cultura. Maria Rita Kehl (2016KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.) explica que a sintomatologia histérica emerge para salvá-las

[…] justamente porque é a expressão (possível) da experiência delas, em um período em que os ideais tradicionais de feminilidade (ideais produzidos a partir das necessidades da nova ordem familiar burguesa) entraram em profundo desacordo com as recentes aspirações de algumas dessas mulheres enquanto sujeitos (Kehl, 2016KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 152).

Os corpos oferecem um contexto para que discursos produzam identidades. As enunciações materiais postulam as identidades articuladas pelo gênero e, por vezes, operam em favor de uma violência imposta ao corpo que enuncia. Por meio de dispositivos (Foucault, 2019FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.), o poder atua sobre a interioridade do sujeito, ou sua psique, a fim de tornar os processos de subjetivação um trajeto para a construção de uma identidade fixa, una e indivisível4 4 Cabe pontuar que, na perspectiva discursiva, tem-se trabalhado com a ideia de identificação no lugar de identidade, justamente para assinalar que identidade é um discurso fora do sujeito, com o qual este pode identificar-se ou não. .

Os pesquisadores, por exemplo, atuam, não raras vezes, na manutenção de determinados dispositivos de poder por meio do discurso científico, na medida em que, de acordo com Cameron et al. (1993 apudPinto, 2014PINTO, J. P.. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, Daniel do Nascimento e; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. de. (org.) Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 171-190., p. 180), “isso que chamamos de verdade em ciência organiza o que nós ‘sabemos’ sobre os grupos sociais e fornece elementos para o controle social”. Por outro lado, os regimes de verdade podem dar sustentação aos discursos de resistência, tal como exemplificam Cameron et al. (1993 apud Pinto, 2014, p. 180): “a classificação de certos indivíduos como ‘homossexuais’ expõe essas pessoas ao controle social, mas também dá a elas a identidade definitiva que elas podem usar para organizar os ‘direitos gays’”. Segundo Pinto (2014, p. 180), “o limite entre uma posição e outra, entre colaborar com o controle social de uma comunidade ou criar instrumentos para a luta pelos seus interesses, é uma tênue linha” (Pinto, 2014, p. 180).

Se, por um lado, o diagnóstico oferece um lugar discursivo para as mulheres sintomáticas, por outro as reduz a uma categoria patológica que as distancia de reflexões sobre seu lugar no mundo e o modo como sua psique responde às imposições sociais da performatividade feminina. A classificação expõe esses sujeitos ao controle social, mas também lhes dá uma identidade a partir da qual é possível desenvolver movimentos de luta em favor desse grupo. Nesse sentido, conferir direitos a mulheres fibromiálgicas pode representar um movimento ambíguo, na medida em que a concessão, por exemplo, de direitos trabalhistas, como o afastamento definitivo das atividades laborais, pode significar a exclusão desses sujeitos de um contexto de outras conquistas próprias que estão para além da vida privada, no sentido que Arendt (2020ARENDT, H. A condição humana. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2020.) confere a este termo quando da distinção que faz entre os domínios públicos e particulares da sociedade burguesa. As lutas ditas identitárias, quando não problematizadas à luz das forças de saber-poder que constituem as subjetividades, podem atuar como produtoras de novas exclusões e encerrar novamente essas mulheres à esfera familiar e privada a que historicamente foram circunscritas.

Subverter a identidade, nesse caso, e para retomar o subtítulo de uma das obras de Butler que nos interessam para o desenrolar deste processo analítico, é negar o binarismo apaziguador das diferenças e questionar os papéis de gênero a que temos sido submetidos. Por vezes essa subversão não acontece tão claramente no âmbito da consciência, mas pode se manifestar no corpo como sintoma - uma enunciação materializada na recusa inconsciente de aceitar determinados modos de subjetivar-se.

3 PERFORMATIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA DE MULHERES: DEMANDAS INTERMINÁVEIS E ALTERNATIVAS AO NÃO LUGAR

A interpretação que Judith Butler (1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge, 1997.; 2018) faz de John L. Austin (1976AUSTIN, J. L. How to Do Things with Words. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1976.) constitui um aporte significativo para os estudos da relação entre a linguagem e a construção social de homens e mulheres, de modo que conduziu à emergência teórica da noção de performatividade. A autora, conforme Pinto (2014PINTO, J. P.. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, Daniel do Nascimento e; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. de. (org.) Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 171-190., p. 175),

[...] pretende desconstruir enfoques feministas essencialistas e, para isso, argumenta que um dos efeitos dos atos de fala hegemônicos sobre os corpos é o de tomar sua existência um fundamento real incontestável do sujeito. Resumidamente, para Butler, o ‘sexo’ é um efeito do ‘gênero’. Não a anatomia, mas o discurso que se organiza em torno desta.

Aquilo que Butler entende por performatividade decorre de sua compreensão de que “[...] os atos pelos quais o gênero é constituído têm semelhanças com atos performativos que se dão no contexto teatral” (Butler, 2018, p. 4), sendo indissociável da concepção de poder adotada em suas obras, visto que a dinâmica de nossa existência encontra no poder uma via de mão dupla. Nos termos de Butler (2020, p. 10): “‘Sujeição’ significa tanto o processo de se tornar subordinado pelo poder quanto o processo de se tornar um sujeito”. É por esse contexto interpretativo que propomos a compreensão do ser mulher como uma sucessão de atos performativos em dada localização sócio-histórica.

A atuação das mulheres muito se pauta na ambivalência alternada entre recompensa e castigo - ou entre o atendimento de demandas e o vazio de um não saber relacionado à própria existência. O furo em um ideal totalizante é trabalho para uma edificação subjetiva cuja pedra angular é o recalcamento de discursos em uma operação defensiva. Diante dos imperativos sociais,

fadado a buscar o reconhecimento de sua própria existência em categorias, termos e nomes que não criou, o sujeito busca o sinal de sua existência fora de si, num discurso que é ao mesmo tempo dominante e indiferente. As categorias sociais significam simultaneamente subordinação e existência (Butler, 2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020., p. 29).

Invalidado pelo perverso movimento de recusa ao saber do outro e de desautorização de outros lugares de saber, o sujeito mulher se vê impedido de realizar certos desejos - o que a psicanálise chamaria de um investimento libidinal malsucedido. Poderíamos aqui adentrar questões sobre a formação do ideal do eu ou do super eu, visto que essas categorias podem dar sentido às expectativas subjetivas que a mulher atribui para si em sua vivência cotidiana, mas nos ateremos a sua menção com a finalidade de localizar essa temática num campo de diálogo entre uma nova psicanálise possível e a análise do discurso. As exigências de desempenho ganham nomes, e a palavra, discursivamente operante, vai, dia após dia, criando categorias aceitáveis de existência.

Numa sociedade em que às mulheres nunca foi destinado um campo de atuação dos próprios desejos, a condição de ‘rainhas do lar’, por exemplo, poderia constituir uma posição a ser almejada. No entanto, esse lugar por ela ocupado não é reconhecido como valor no capitalismo (Federici, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. Trad. de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.); trata-se de um trabalho não remunerado para a manutenção de um status quo em que os homens, a quem pertence o mundo e, por consequência, o espaço público, se haveriam com as possibilidades de conquista de tudo aquilo que o mundo social comporta.

Semelhantemente, os esforços do sujeito feminino em alcançar quaisquer nuances de possibilidades para sua existência também têm se manifestado historicamente na busca por um ideal de beleza que as coloque em um lugar de reconhecimento pelo outro. Nessa tentativa de ser vista como sujeito, a mulher passa a movimentar-se numa espécie de esteira rolante que não lhe permite sair do lugar em que se encontra - assim se vão constituindo as diversas formas de opressão, em um movimento contínuo e ambíguo de afirmação e recusa. Trata-se de uma demanda discursiva tributária de um ideal de feminilidade que designava uma mulher objetalizada, cujos anseios limitavam-se à esfera familiar conjugal. Para Freud (1977 [1908] apud Silva; Ferrari, 2022SILVA, L. R. da; FERRARI, A. G. Psicanálise e Feminismo em Karen Horney: a crítica ao referencial masculino. Revista Subjetividades, v. 22, n. 3, 2022., p. 3), em seu tempo havia uma “[...] moral dupla, mais permissiva com homens do que com mulheres em relação às exigências sexuais da vida moderna”.

Autoras feministas contemporâneas, como Wolf (2019WOLF, N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. 5. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.) e Solnit (2017aSOLNIT, R. A mãe de todas as perguntas: reflexões sobre os novos feminismos. São Paulo: Companhia das Letras, 2017a.; 2017b), dissertam sobre como os costumes sociais, ao longo da história, sempre criaram pressupostos de dor, na consciência feminina, diretamente relacionados ao ser mulher, que foram ganhando novos discursos ao longo do tempo histórico, substituindo os entraves superados pela luta feminista de direitos civis por novos dispositivos de assujeitamento, como se não fosse socialmente concebível a constituição do sujeito feminino apartado da dor.

Ao que parece, a subjetividade feminina, quando desvencilhada de artifícios opressores, carece de referências, de bases elementares a sua sustentação. Dito de outro modo, a mulher pode não se ver como mulher sem que sua existência lhe cause dor. As exigências sociais em relação à aparência, ao comportamento e aos deveres familiares ainda são sobrecargas oriundas de discursos que constituíram e constituem a subjetividade feminina. Configuram-se, a partir do pressuposto da abnegação, as formações discursivas que engendram a (não)existência da mulher, na medida em que desta é sempre requerido o distanciamento de si. De acordo com Butler (2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020., p. 16),

[…] o desejo de sobrevivência, o desejo de ‘ser’, é um desejo amplamente explorável. Aquele que mantém a promessa de existência contínua explora o desejo de sobrevivência. ‘Eu prefiro existir na subordinação do que não existir’ é uma das fórmulas dessa situação (em que o risco de ‘morte’ também é possível).

Pelo viés psicanalítico freudiano, é possível compreender a dor como uma condição autoimposta de comprovação da própria existência. Abnegada da possibilidade de existir com outros, a mulher estaria propensa a um investimento narcísico, a partir do qual se configuraria um autoerotismo (Freud, 2016FREUD, S. Obras completas, volume 6: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Trad. de Paulo César de Souza. 11. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. [1901-1905]) em que a pulsão se satisfaria no próprio corpo. Dito de outro modo, quando as condições materiais para a sublimação das pulsões não se viabilizam, o sintoma prevalece no lugar da palavra.

Em dado momento de sua obra, Freud havia dito que às mulheres correspondia uma menor capacidade para a sublimação, porque teriam uma certa rigidez nas posições definidas para o destino de sua libido (Freud, 1989 [1932]). As razões pelas quais haveria pouca ‘energia’ para se empregar no “desenvolvimento cultural” (Freud, 1989 [1932]), contudo, parecem ser atribuídas - pelo que indicam o contexto da época em que os textos freudianos foram elaborados e, por consequência, sua própria escrita pouco problematizadora a esse respeito - a uma suposta natureza ou estrutura feminina; ao que certamente hoje nos opomos5 5 Estamos alinhados à proposta de Maria Rita Kehl, elaborada em sua obra “Deslocamentos do feminino”, qual seja, a de apontar aquilo que Freud, “[…] que soube ouvir e dar voz ao recalcado e aos discursos emergentes em sua época, não conseguia escutar nas queixas das mulheres a quem ele mesmo deu voz” (Kehl, 2016, p. 16). . A situação feminina das mulheres contemporâneas de Freud era de grande repressão, restando-lhes apenas a esfera privada como espaço restrito de constituição subjetiva. A psicanálise parte do pressuposto, então, de que os sintomas histéricos seriam

[…] o substituto - como que a transcrição - de uma série de processos psíquicos, tendências e desejos investidos de afetos, que um processo psíquico especial (a repressão) privou do acesso à resolução mediante a atividade psíquica capaz de consciência. Portanto, essas formações mentais, retidas no estado de inconsciência, buscam uma expressão adequada a seu valor afetivo, uma descarga, e a encontram, na histeria, mediante o processo da conversão, em fenômenos somáticos - os sintomas histéricos (Freud, 2016FREUD, S. Obras completas, volume 6: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Trad. de Paulo César de Souza. 11. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. [1901-1905], p. 60-61).

A conversão atua em substituição à palavra, que, por razões várias, não pôde ser discursivizada, e, nesse contexto de (não)silenciamento, o corpo indexicaliza, por meio dos sintomas, os discursos que operam para produzir o apagamento ou a impossibilidade de construção dessa subjetividade que sofre em um processo em que lhe é demandada certa performatividade.

Pensar a luta pela existência, a partir das reflexões engendradas por Butler (2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020.), requer a compreensão dessa performatividade como uma noção que supõe a constituição do sujeito no processo próprio em que este performa. No que respeita ao gênero, trata-se de considerar um campo de reconhecimento sempre no nível do discurso e da iterabilidade, distanciando-se, portanto, da noção de performance de gênero como um ato singular ou deliberado. Para que reconhecimentos de gênero se estabeleçam socialmente, são necessárias práticas reiterativas e citacionais (em alusão a Derrida) pelas quais o discurso possa produzir os efeitos daquilo que ele nomeia.

Ao se assumir o corpo como lugar material de linguagem, pode-se, por consequência, considerar o gênero como discurso possível de reconhecimento. O corpo, quando modelado por forças políticas com interesses estratégicos em mantê-lo limitado a marcadores sexuais (Butler, 1997BUTLER, J. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge, 1997.; 2021) e apresentado como passivo e anterior ao discurso, ganha significado a partir de uma inscrição na cultura decorrente de algo que supostamente existiria previamente a qualquer discursividade. Em oposição a esse postulado, alinhamo-nos a Butler (1997; 2021), para quem o ‘sexo’ é um efeito do ‘gênero’, e agimos com suspeição em relação a qualquer generalidade ou atributo pré-discursivo que se possa vincular aos papéis sociais conferidos a mulheres e homens. Assim, essa desarticulação “[...] não aceita sua identificação simples e impede a associação simétrica e constante entre determinadas características chamadas femininas e as mulheres, e as chamadas masculinas e os homens, tornando o campo de investigação mais heterogêneo e nada binário” (Pinto, 2014PINTO, J. P.. Linguagem, feminismo e efeitos de corpo. In: SILVA, Daniel do Nascimento e; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. de. (org.) Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 171-190., p. 176).

O gênero é uma repetição estilizada de atos no tempo (Butler, 2018BUTLER, J. Os atos performativos e a constituição do gênero: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. Trad. de Jamille Pinheiro Dias. Caderno de Leituras, v. 78, 2018 [1990]. Disponível em: https://chaodafeira.com/wp-content/uploads/2018/06/caderno_de_leituras_n.78-final.pdf. Acesso em: 30 ago. 2022.
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), ou seja, trata-se de uma categoria material, que é percebida somente porque é desempenhada, não existindo em abstrações, mas no próprio desempenho do papel. A estilização do gênero se deve ao recorte social e temporal; mudando-se esse recorte, altera-se, por consequência, o conteúdo da prática performativa. Nesse sentido, a inscrição dos sujeitos na história não é rigidamente estabelecida a tal ponto que não possa ser modificada, o que se deve às possibilidades das práticas discursivas criadas e reelaboradas socialmente. Tal como explica Maria Rita Kehl, “[…] que as mulheres, por exemplo, ocupem o lugar da inocência ou do pecado, da castração ou da onipotência, da sexualidade desenfreada e ameaçadora que deve ser submetida aos freios do pudor e da castidade […], depende, em última instância, das práticas falantes” (Kehl, 2016, p. 20). Parece-nos, portanto, que a existência da mulher se condicionou, e ainda se condiciona em alguma medida, a um não saber sobre o desejo que nela habita, o que acaba por impedir determinadas inscrições de novos significantes6 6 Entendemos possível a leitura dos sintomas também como significantes; no entanto, estes seriam manifestos pelo corpo em lugar das práticas discursivas dissonantes dos discursos socialmente homologados, as quais poderiam dar lugar a novos modos de significação para a existência. que possam criar representações, diferentes daquelas impostas, e orientar para novas escolhas de vida.

De natureza discursiva, o sofrimento psíquico é sempre coexistencial, e, no que respeita aos sofrimentos gendrados (Zanello, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.), é preciso considerar que os sintomas ocupam o lugar de uma outra coisa e, por isso mesmo, apontam para algo externo ao sujeito. Assim, não é possível pensar os sujeitos neuróticos (a exemplo das histéricas), como “[...] fruto de determinações intrapsíquicas universais, mas como alguém que se produz no vínculo com o outro (e com o Outro) ou, como afirma Lacan, sujeito não de uma psicologia individual, mas sempre de uma psicologia social” (Kehl, 2016KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 27).

No caso da Fibromialgia, a assunção desse conjunto sintomático como um modo de subjetivação predominante de mulheres - e, por consequência, como um discurso que se constitui a partir de outras discursividades - é o que possibilita a análise para as suas indexicalizações no contexto social. A que respondem os sintomas? O que denunciam? Para responder a esses questionamentos, é preciso introduzir uma perspectiva a respeito da historicidade dos sujeitos, na qual coexistem formações discursivas, dispositivos de poder e agenciamentos.

4 DISCURSIVIDADE DE ASPECTOS PSÍQUICOS DA FIBROMIALGIA: ENTRE A PSICOPATOLOGIA E A INSURREIÇÃO

O discurso da medicina ocupa uma posição que estabelece uma relação de saber-poder com tudo aquilo que é posto em um lugar de objeto nessa estrutura de conhecimento. A partir dessa dinâmica, os enunciados médicos - aqui entendidos como dispositivos de saber-poder em curso, possibilitados pela linguagem científica - caracterizam os sofrimentos como patológicos à medida que a funcionalidade corpórea deixa de atender aos ditames de normas sociais reguladoras. A partir de Foucault, podemos depreender que a ‘normalidade’, requerida socialmente para uma corporeidade tida como razoável, é efeito de um processo de construção (Braga, 2010BRAGA, S. O travesti e a metáfora da modernidade. Palhoça: Unisul, 2010.).

Também no campo da psicopatologia, a “verdade crítica da doença” (Foucault, 2019FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019., p. 200) é produzida pelo saber médico-científico, que confere aos desvios normativos contornos discursivos de nomeação e consequente tratamento para a inserção dos discursos dissonantes do laço social - a doença reconhecida pode então, nessa hipótese, seguir seu curso, por meio da medicalização, em meio às demandas de produtividade requeridas dos sujeitos em cada tempo7 7 A esse respeito, cabe o questionamento: estaria a medicalização produzindo novas subjetividades? . Conforme explica Pereira (2013PEREIRA, M. V. A escrita acadêmica - do excessivo ao razoável. Revista Brasileira de Educação, v. 18 n. 52, jan.-mar. 2013., p. 216), “[...] a ciência ancora-se em uma certa performance discursiva que constitui campos de validade”, e sua materialização discursiva “[...] busca expedientes de universalização e generalidade”.

Historicamente, as ciências procuraram produzir regras de enunciação que contribuíssem para que essa linguagem aparecesse de maneira neutra e impessoal. E essa impessoalidade opera como um artifício que tenta afastar o sujeito da linguagem, como se o texto científico pudesse se elevar para além do mundo e da história. A neutralidade pretendida pelo discurso científico, ao longo dos séculos, contribuiu para disseminar a ideia acerca da possibilidade de uma verdade universal que, na mesma esteira da linguagem que a enuncia, existe fora do mundo e da história (Pereira, 2013PEREIRA, M. V. A escrita acadêmica - do excessivo ao razoável. Revista Brasileira de Educação, v. 18 n. 52, jan.-mar. 2013., p. 216-217).

A realidade do exercício do poder se dá, neste momento histórico, conforme defende Foucault (2019FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.), espraiada pelas relações intersubjetivas, de tal modo que não se pode mais falar de um poder externo que assujeita somente, mas de enlaces ao mesmo tempo repressores e produtivos. Assim, é possível falar de um julgamento e de formas de tortura que não ocorrem somente sobre o corpo, mas também em relação àquilo em que corpo possa estar implicado.

Passa-se a julgar, também, as paixões, os instintos, as anomalias, as enfermidades, as inadaptações, os efeitos do meio ambiente ou a hereditariedade. A partir desse momento tem-se a diluição da responsabilidade do julgamento. Para isso, passa a ser requisitada uma série de elementos e personagens extrajurídicos. A nova cena constitui-se de peritos legalmente autorizados pelo discurso científico: psiquiatras, psicólogos e educadores (Braga, 2010BRAGA, S. O travesti e a metáfora da modernidade. Palhoça: Unisul, 2010., p. 31).

Nesse movimento de reconhecimento que produz a nomeação, a legitimação da Fibromialgia como doença não foi capaz de solucionar os impasses, decorrentes da sintomatologia histérica, da exigência discursiva de se habitar uma identidade coerente, a qual é requerida dentro de um pacto civilizatório normatizado, situado em determinado tempo histórico. A síndrome parece manifestar no corpo uma resistência aos discursos normalizadores, porque a psique em questão se mostra nos excessos do corpo. Ela excede os efeitos encarceradores, transborda para ser vista e reconhecida.

A Fibromialgia, assim como o corpo que ela representa, também resiste. Trata-se de uma resistência ao saber científico da medicina sobre a realidade material e disfuncional do fenômeno corpóreo e psíquico, porquanto os saberes médicos ainda não foram capazes de encontrar causas, evidências, tratamento eficaz e cura. Por outro lado, regularidades são percebidas nas queixas dos sujeitos fibromiálgicos, em um discurso de dor e sobrecarga - decorrente de um perfil psíquico de muita exigência consigo mesmo - que perdura e parece recorrente (Gonzalez, 2013GONZALEZ, B. I. D. Aspectos Psicológicos da Fibromialgia: personalidade e história de vida. Tese de Doutorado em Psicologia Clínica. Universidade de Lisboa, 2013.; Oliveira et al, 2019OLIVEIRA, J. P. R.; BERARDINELLI, L. M. M.; CAVALIERE, M. L. A.; ROSA, R. C. A.; COSTA, L. P. da; BARBOSA, J. S. de O. O cotidiano de mulheres com fibromialgia e o desafio interdisciplinar de empoderamento para o autocuidado. Revista Gaúcha de Enfermagem, n. 40, 2019.). Não há resolução salvadora para essa ‘doença’ cuja etiologia permanece refratária aos procedimentos médicos.

Os sintomas podem ser compreendidos como resultantes de conflitos inconscientes, que possuem significação simbólica. Partindo-se do pressuposto de que não há realidade que seja pré-discursiva, todos os elementos que compõem o campo do simbólico não podem prescindir das especificidades subjetivas e históricas. Por muito tempo, o discurso científico esforçou-se para se ver isento dessas especificidades, com vistas a protocolar a existência de um discurso único e verdadeiro. No entanto, como bem advertiu Foucault, a ciência não é neutra, não existe a verdade, existem regimes de verdade. A regulação dos corpos e seu psiquismo passa pela conjectura da homogeneidade, e o estatuto da psicopatologia, portanto, se estabelece em uma realidade social e histórica que, predominantemente ao longo dos tempos, se tem forjado sob a lógica da uniformização limitante.

Diante da postulação de uma subjetividade idealizada a ser performada socialmente, o corpo, enquadrado e formado por determinada matriz discursiva, passa a performar num misto de sujeição-assujeitamento, resistência e modos de subjetivação. Esse processo inconsciente é produzido no conflito entre as normas - que operam como fenômenos psíquicos, restringindo e produzindo o desejo (Butler, 2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020.) - e as possibilidades de agência dos sujeitos.

Na psique, o ideal do sujeito corresponde ao ideal do Eu, ao qual o Supereu consulta, por assim dizer, para avaliar o Eu. Lacan define esse ideal como “posição” do sujeito dentro do simbólico, a norma que instala o sujeito dentro da linguagem e, portanto, dentro dos esquemas disponíveis de inteligibilidade cultural. Esse ser viável e inteligível, esse sujeito, é sempre produzido a um custo, e tudo aquilo que resiste à exigência normativa pela qual os indivíduos são instituídos permanece inconsciente (Butler, 2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020., p. 92).

O custo da existência do sujeito fibromiálgico é operado pelo inconsciente no embate entre a subordinação e a existência. Ainda que validemos a teoria da existência de estruturas clínicas, tal qual propõe a psicanálise, podemos reconhecer, a partir da ótica proposta por este estudo, que o que distancia uma dada estrutura da classificação de psicopatologia é a inserção do discurso no laço social. As teorias psicanalíticas, a despeito de serem producentes para o estudo daquilo que está no nível do inconsciente, devem ser revistas à luz da cultura em que se inscrevem, para que se distanciem de generalizações e universalizações em estudos que demandam uma atenção a atravessamentos sociais específicos. Ou seja, como defendeu Horney (1966 [1939] apudSilva; Ferrari, 2022SILVA, L. R. da; FERRARI, A. G. Psicanálise e Feminismo em Karen Horney: a crítica ao referencial masculino. Revista Subjetividades, v. 22, n. 3, 2022.), a psicanálise não deve se tornar uma ferramenta de adequação ou normalização de sujeitos, mas sim operar como uma prática que se ocupe da saúde psíquica do sujeito, esta entendida como uma liberdade subjetiva para usufruto de suas potencialidades.

Com vistas a um diagnóstico do presente, é possível adentrar as nuances discursivas que constituem a histeria contemporânea para questionar a que propósitos exógenos ao corpo as manifestações clínicas estão servindo. Decorrentes desse questionamento, outros podem ser elaborados: o que intenta dizer o corpo que sofre? Ou melhor, contra o que exatamente esse corpo de posiciona? Em condições favoráveis à existência desses sujeitos, seria a histeria deslocada para o campo da psicopatologia? Ou, ainda, em havendo possibilidades de existência do ser mulher em sua diversidade, caberia a designação de uma estrutura clínica histérica? Ademais, o contrabando discursivo de “histeria” - no tocante ao lugar da histeria contemporânea - poderia operar para um deslocamento de sentido que propiciasse a referência às histéricas como aquelas que resistem criticamente, por meio de seu corpo, à realidade material imposta?

Nesse sentido, poderíamos ousar pensar em “[…] possíveis práticas de estetização da existência que emergem no contexto dos feminismos contemporâneos […]” (Rago, 2011RAGO, M.. A aventura de contar-se: Foucault e a escrita de si de Ivone Gebara. In: SOUZA, L. A. F. de; SABATINE, T. T.; MAGALHÃES, B. R. de (org.). Michel Foucault: sexualidade, corpo e direito. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. p. 1-18., p. 3), a fim de que se dê lugar a novas formas de existir. Trata-se de uma construção possível, porquanto o discurso produz aquilo de que ele fala, e, nesse contexto, o poder, que não é apenas repressivo, também atua entre os sujeitos para produzir novas formas de subjetivação.

Os acontecimentos discursivos e suas regularidades, a partir dessa visão, podem ser percebidos como indexicais ao apontarem para elementos de discursivização acerca da constituição subjetiva feminina historicamente localizada. Parece necessário, portanto, entender esses elementos não como mera descrição, mas como atos linguísticos reiterados, que condensam uma historicidade e assumem significados culturais locais em relação às estruturas sociais mais amplas.

Materialidades linguísticas que emergem de entrevistas realizadas com mulheres diagnosticadas com Fibromialgia (Slompo; Bernardino, 2006SLOMPO, T. K. M. e S; BERNARDINO, L. M. F. Estudo comparativo entre o quadro clínico contemporâneo “fibromialgia” e o quadro clínico “histeria” descrito por Freud no século XIX. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 9, n. 2, p. 263-278, 2006.; Gonzalez, 2020; Ortiz, 2023ORTIZ, D. R. Subjetividades discursivas del dolor crónico femenino: una aproximación psicoanalítica. Tese (Doutorado) - Universidadde Puerto Rico, Departamento de Psicología, Puerto Rico, 2023.; Souza; Laurenti, 2017SOUZA, B. de; LAURENTI, C. Uma interpretação molar da dor crônica na Fibromialgia. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 37 n.2, p. 363-377, abr./jun. 2017.) denotam a expressividade de discursos pautados em dispositivos que posicionam a mulher em um lugar de abnegação - quando o outro parece se localizar em destaque em relação ao si mesma (Gonzalez, 2013). As recorrências desses modos de ser/dizer-se sugerem uma discursivização da existência a partir do silenciamento, do descontentamento e da insatisfação perante a realidade, mesmo, ou sobretudo, por esta ser discursiva.

Na disputa pelos sentidos engendrada nos jogos de poder discursivos estão os dispositivos mais vinculados à existência feminina ainda nos dias de hoje, tal como o dispositivo materno, ainda tão enraizado nas diversas formas de cuidado atribuídas às mulheres em nossa sociedade, que relegam seu próprio bem-estar para conceder um lugar privilegiado à satisfação do outro (Zanello, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.).

Descortinar as aparências e desvelar como são constituídas as subjetividades das pacientes é compreender que o eu existe a partir da prática da linguagem, nas enunciações possíveis. “É preciso se livrar do sujeito constituinte [e] chegar a uma análise que possa dar conta da constituição do sujeito na trama histórica”, como nos ensina Foucault (2019FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019., p. 43).

Além disso, conforme muito bem tem explanado Butler (2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020.) acerca das relações de poder que nos constituem, é preciso considerar os aspectos da sujeição também como possibilidade de existência. Entender que discursos tornam possíveis as subjetividades é elementar nesse percurso de construção de inteligibilidades sobre os aspectos agentivos do sujeito diante da opressão.

A despeito dessa existência circunscrita e forjada nos imperativos sociais, uma teoria psíquica do poder conduz à compreensão de que o corpo que dói é a representação de algo que resiste à regularização, e, retomando novamente a fala de Kehl (2016KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 152), a histeria pode salvar as mulheres justamente porque é a expressão da experiência delas - a expressão de uma “[...] crise […] entre os anseios de tornarem-se sujeitos de um discurso e seu lugar preestabelecido como objetos do discurso formado pelos ideais de feminilidade de seu tempo”.

Há movimentos feministas que afirmam “[…] que a histeria é uma forma implícita de feminismo. É uma tentativa das pacientes mulheres […] de escapar da realidade diária, que é percebida como injusta e impossível de vivenciar. Compreendida dessa maneira, a histeria é uma protolinguagem” (Haute; Geyskens, 2016HAUTE, P. van; GEYSKENS, T. Psicanálise sem Édipo? Uma antropologia clínica da histeria em Freud e Lacan. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., local. 189). Nesse sentido, os sintomas corporais podem ser compreendidos

[…] como um código ao qual essas mulheres aderiram para comunicar uma mensagem que elas, por diversos motivos, não são capazes de expressar de outra maneira. Essas mensagens estão alicerçadas em nossas posições como “homem” ou “mulher” e nos modos como podemos ou devemos experimentar (ou dar forma) a nossa masculinidade ou feminilidade (Haute; Geyskens, 2016HAUTE, P. van; GEYSKENS, T. Psicanálise sem Édipo? Uma antropologia clínica da histeria em Freud e Lacan. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., local. 192).

As demandas intermináveis de um padrão de feminilidade vigente em nossa cultura nos conduzem a concluir que muitas formas de opressão ainda perduram (embora tenham sido ressignificadas e transmutadas ao longo do tempo) e nos remetem às contingências das pacientes histéricas de Freud. “Assim como a histeria, no século XIX, [a Fibromialgia] vem denunciar que algo precisa ser dito, revelado, colocado em palavras. Afinal é um corpo que fala, que dói” (Slompo; Bernardino, 2006SLOMPO, T. K. M. e S; BERNARDINO, L. M. F. Estudo comparativo entre o quadro clínico contemporâneo “fibromialgia” e o quadro clínico “histeria” descrito por Freud no século XIX. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 9, n. 2, p. 263-278, 2006., p. 275). Os jogos de poder estabelecidos pelo binarismo e pelos papéis de gênero tentam perpetuar apenas um caminho para a constituição da subjetividade feminina, qual seja, aquela que se molda a normalizações socialmente preestabelecidas - padronizações que, em última instância, conduzem a sujeitos desprovidos de si e, por consequência, desprovidos do dizer.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos, a partir do exercício analítico que aqui propusemos, que as mulheres que apresentam os sintomas da Fibromialgia encontram-se em uma posição em que se reconhecer como sujeito é enredar-se em uma trama discursiva que conferiu ao feminino a existência a partir de condições de subordinação - ou, ainda, em um lugar cujos discursos não representam o reconhecimento almejado. Trata-se de uma existência pautada em uma vida psíquica em luta, a qual indexicaliza, por meio da linguagem, elementos de uma constituição subjetiva forjada em uma condição abjetal.

Essas indexicalizações não necessariamente podem e devem ser apresentadas como pontos lineares na história; talvez seja mais producente pensá-las em uma perspectiva genealógica, tal qual propôs Foucault, de tal modo que as irrupções dos acontecimentos possam ser relacionadas a discursividades que reverberam e que precisam ser trazidas à discussão porque parecem justificar ou pautar uma dada constituição subjetiva que adoece os sujeitos no presente. Os discursos que subjazem aos dispositivos materno e amoroso (Zanello, 2018ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.), por exemplo, são ainda avidamente circulantes e compõem as condições de uma vida feminina aceitável/respeitável socialmente.

Não se trata de um apego apaixonado por sua própria subordinação, como bem advertiu Butler (2020BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. São Paulo: Autêntica, 2020.), mas de formas de agenciamento subjetivo na busca por caminhos possíveis de existência. Construir outros trajetos, fora dos ditames sob os quais os sintomas persistem, é revolucionário e requer o conhecimento e a visualização de modos de existir em discursividades ainda não homologadas, para que estas possam ocupar lugar em um inconsciente cultural. Ou seja, é preciso que outras realidades ganhem existência a partir de nomeação de outros discursos.

A Fibromialgia tem sido posicionada, por analogia, ao lado da histeria freudiana porque, assim como a sintomatologia identificada pelo neurologista no século XIX, a síndrome da atualidade parece configurar-se como (tem efeitos de) um discurso de resistência inconsciente. O corpo fibromiálgico é um corpo que resiste às indexicalizações dos discursos a que corresponde, na medida em que subverte a lógica de um conformismo em relação às condições materiais da existência da mulher também neste século.

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    Conforme alerta Butler (2019BUTLER, J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo, N-1, 2019 [1993]. [1993]), a performatividade não pode ser equiparada a uma performance, visto que aquela precisa ser entendida dentro de um processo de iterabilidade, uma repetição de normas sob regulação. Já as performances de gênero “[...] só podem acontecer dentro de uma cena discursiva plena de constrangimentos que limitam o que conta como inteligível” (Borba, 2014BORBA, R. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu, n. 43, p. 441-474, jul.-dez. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/T86yvM4tkCzZts3kVwqKPQG/?lang=pt. Acesso em: 8 jan. 2024.
    https://www.scielo.br/j/cpa/a/T86yvM4tkC...
    , p. 449). Exemplo dessas performances são as normas de gênero heterossexuais, consideradas por Butler (2019 [1993]) como performances impostas, com as quais todos temos de negociar.
  • 2
    Pesquisas da área da Antropologia têm mostrado o processo histórico da medicalização das mulheres na sociedade capitalista no que respeita aos distúrbios entendidos como psiquiátricos (Maluf, 1999MALUF, S. Antropologia, narrativas e a busca de sentido. Horizontes Antropológicos, v. 5, n. 12, p. 69-82, 1999.; Canesqui, 2007CANESQUI, A. M. (org.). Olhares socioantropológicos sobre os adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2007.; 2013; Fleischer; Franch, 2015FLEISCHER, S.; FRANCH, M. Uma dor que não passa: Aportes teórico-metodológicos de uma Antropologia das doenças compridas. Política & Trabalho: Revista de Ciências Sociais, v. 42, p. 13-28, jan./jun. 2015.).
  • 3
    Entendemos que é tempo de agência de um movimento que proponha um contrabando discursivo em relação à expressão “histeria” e seus vocábulos derivados, de modo que se entenda o fenômeno como uma reação crítica à realidade sócio-discursiva que se impõe. Esperamos deixar mais claro esse posicionamento ao longo deste texto.
  • 4
    Cabe pontuar que, na perspectiva discursiva, tem-se trabalhado com a ideia de identificação no lugar de identidade, justamente para assinalar que identidade é um discurso fora do sujeito, com o qual este pode identificar-se ou não.
  • 5
    Estamos alinhados à proposta de Maria Rita Kehl, elaborada em sua obra “Deslocamentos do feminino”, qual seja, a de apontar aquilo que Freud, “[…] que soube ouvir e dar voz ao recalcado e aos discursos emergentes em sua época, não conseguia escutar nas queixas das mulheres a quem ele mesmo deu voz” (Kehl, 2016, p. 16).
  • 6
    Entendemos possível a leitura dos sintomas também como significantes; no entanto, estes seriam manifestos pelo corpo em lugar das práticas discursivas dissonantes dos discursos socialmente homologados, as quais poderiam dar lugar a novos modos de significação para a existência.
  • 7
    A esse respeito, cabe o questionamento: estaria a medicalização produzindo novas subjetividades?

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2023
  • Aceito
    06 Fev 2024
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