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MARIA MARTA FURLANETTO E A CRONOTOPIA: UM PASSO ALÉM DE BAKHTIN

MARIA MARTA FURLANETTO AND THE CHRONOTOPIA: A STEP BEYOND BAKHTIN

MARIA MARTA FURLANETTO Y LA CRONOTOPÍA: UN PASO MÁS ALLÁ DE BAKHTIN

Resumo

Neste artigo, trato da noção de cronotopia de Maria Marta Furlanetto (2019) em Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Se Bakhtin restringiu sua análise da fenômeno à literatura romanesca, Furlanetto propõe estendê-la a outros campos, tomando por base aquilo que trata por figurações erigidas de marcas históricas e sociais presentes. Dito isso, demonstro a importância de sua contribuição para os estudos da cronotopia enquanto substrato presente nos distintos processos culturais. Em minha tese de doutorado sobre o processo discursivo no plenário do júri (Cruz, 2023), por exemplo, a concepção de cronotopia de Furlanetto foi essencial para examinar como as perspectivas enunciativas dos oradores tendem a evidenciar o permeio de traços espaçotemporais que os inspiram e lhes dão sustentação.

Palavras-chave:
Cronotopia; Bakhtin; Maria Marta Furlanetto

Abstract

In this article, I explore the notion of chronotopia as presented by Maria Marta Furlanetto (2019) in Chronotopia: A Broad-Spectrum Phenomenon. While Bakhtin limited his analysis of the phenomenon to novelistic literature, Furlanetto proposes extending it to other fields based on what she describes as figurations that arise from present historical and social markers. Consequently, I demonstrate the significance of her contribution to the study of chronotopia as a foundational element in various cultural processes. In my doctoral thesis on the discursive process in the jury courtroom (Cruz, 2023), for instance, Furlanetto’s conception of chronotopia was crucial for examining how the enunciative perspectives of speakers tend to highlight the interplay of spatiotemporal features that inspire and sustain them.

Keywords:
Chronotopy; Bakhtin; Maria Marta Furlanetto

Resumen

En este artículo, trato la noción de cronotopía de Maria Marta Furlanetto (2019) en Cronotopía: un fenómeno de amplio espectro. Si Bakhtin restringió su análisis del fenómeno a la literatura novelística, Furlanetto propone extenderlo a otros campos, basándose en lo que ella describe como figuraciones erigidas a partir de marcas históricas y sociales presentes. Dicho esto, demuestro la importancia de su contribución para los estudios de la cronotopía como sustrato presente en los distintos procesos culturales. En mi tesis doctoral sobre el proceso discursivo en el plenario del jurado (Cruz, 2023), por ejemplo, la concepción de cronotopía de Furlanetto fue esencial para examinar cómo las perspectivas enunciativas de los oradores tienden a evidenciar la permeación de rasgos espaciotemporales que los inspiran y los sostienen.

Palabras clave:
Cronotopia; Bakhtin; Maria Marta Furlanetto

1 INTRODUÇÃO

A cronotopia envolve a percepção das marcas espaçotemporais presentes nos processos culturais humanos. Toda atividade criadora do homem traz em si elementos relacionados ao tempo e ao espaço em que se encontra situada, funcionando tais elementos como vestígios da época e da sociedade que a circunda em dado lugar e em dado momento histórico. O cronótopo1 1 Grafia (acentuada) utilizada por Furlanetto. , portanto, na dicção de Clark e Holquist (apudFurlanetto, 2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019., p. 456), constitui “uma unidade para estudar textos de conformidade com a razão e a natureza das categorias temporais e espaciais representadas”.

Daí porque a identificação dos substratos cronotópicos contidos em determinada materialidade cultural assume papel de extrema relevância. É pela identificação, pela percepção deles em meio ao conteúdo materializado na obra analisada que podemos dela extrair indícios do contexto temporal e espacial que lhe deram ensejo, permitindo através dela enxergarmos dados relacionados a elementos como costumes, conceitos, estratificação, organização, forma de vida e de compreensão do mundo, geografia e outras tantas peculiaridades do lugar e da época em que foi produzida. Ou, como destaca Furlanetto (2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019., p. 457), o cronótopo atua como uma espécie de ponte entre a realidade e o simbolismo inserto na obra, compondo “a forma de o tempo e o espaço tomarem corpo e de serem, finalmente, figurados na vida pela atividade humana”.

É exatamente essa importância que a cronotopia assume no contexto das mais distintas formas de produção cultural que me leva a enaltecer e homenagear o trabalho de Maria Marta Furlanetto neste particular, fazendo-o através do presente artigo. Embora tenha a insigne professora catarinense delineado reflexões a respeito do tema em outras passagens de sua produção acadêmica, é em um artigo publicado em 2019 que nos brinda com a estruturação teórica de um pensamento vanguardista acerca do fenômeno cronotópico, propondo a adoção do cronótopo como marcador espaçotemporal presente, para além da literatura (como se limitara Bakhtin), em outras vertentes da produção cultural humana.

E tal proposição de Furlanetto não ficou apenas no estrito limite de sua obra. Ao menos em relação a mim, o pensamento da autora trouxe significativo impacto, pois representou o marco necessário para o preenchimento de lacuna teórica com que, em parte, deparava-me quando da montagem de minha tese de doutorado na área das ciências da linguagem. Por escrever sobre componentes dialógicos indutores da construção enunciativa de que oradores do plenário do Tribunal do Júri lançam mão para a formulação discursiva naquele ambiente, me incomodava o fato de detectar a presença de elementos relacionados ao tempo e ao espaço em que realizado o julgamento, sem no entanto, até certo ponto, encontrar amparo teórico para reconhecer, em certas composições argumentativas, a presença de enunciados repletos de dialogismo calcado em variáveis espaçotemporais.

Como Bakhtin restringira-se a focar a cronotopia apenas na arte literária, o dilargamento do espectro proposto por Furlanetto acabou por preencher o hiato teórico com que me deparara, permitindo-me avançar nesta parte da tese com o suporte e a segurança necessária em termos de teoria de base.

O presente artigo é, antes de tudo, uma homenagem à professora catarinense, cujo ideário me serviu de alicerce.

Para desenvolver o trabalho, adoto o seguinte percurso. Primeiramente, trago sintetizada a visão de Bakhtin sobre a cronotopia, insculpida basicamente em Questões de literatura e estética (1990BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni Barnardini et al. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990.), em que, malgrado delinear as linhas conceituais do fenômeno, restringe sua análise ao campo estritamente literário. Na sequência, abordo acerca da proposição de Furlanetto contida, fundamentalmente, no artigo Cronotopia: um fenômeno de largo espectro (2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019.), em que sugere a ampliação da perspectiva de incidência do fenômeno para distintas formas de produção cultural humana. Adiante, discorro sobre como o alargamento do espectro de utilização da cronotopia contribuiu para o desenvolvimento de parte de meus estudos doutorais, e a que termos pude chegar com o embasamento teórico alcançado a partir de tal proposição da autora aqui enaltecida.

Trago nas considerações finais a síntese do que foi delineado ao longo do texto e, sobretudo, as conclusões sobre a relevância de Furlanetto para as reflexões acerca das perspectivas de utilização da cronotopia, como elemento analítico através do qual se torna possível conhecer uma sociedade a partir dos indícios do espaço e do tempo em que assentada, presentes em suas materialidades culturais.

2 A CRONOTOPIA EM BAKHTIN

Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um dos mais importantes teóricos literários (e filósofo) do século XX. Dentre suas infindáveis contribuições para os estudos linguísticos, introduziu o conceito de cronotopia (manifestado como cronótopo) em sua análise da narrativa literária. O termo deriva das palavras gregas chronos (tempo) e topos (espaço), de modo a referir-se a uma espécie de interconexão espaçotemporal intrínseca que se manifesta na literatura. Para o teórico russo, a cronotopia não é apenas um elemento e efeito da narrativa, em verdade consituindo poderoso meio de compreender a essência da expressão artística nela contida.

Especificamente em Questões de literatura e estética, Bakhtin (1990BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni Barnardini et al. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990., p. 211) define o cronótopo como a “interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiliadas na literatura”, ao mesmo tempo observando na cronotopia um fenômeno literário que permite ao autor expressar uma visão de mundo completa e complexa, sendo cada cronótopo único e refletindo as crenças culturais, morais e filosóficas de uma época específica. Bakhtin argumenta que o cronótopo tem a capacidade de organizar a narrativa, dando-lhe forma e substância, e de influenciar a percepção do leitor sobre a realidade representada no texto.

Em outras palavras, por formar um todo dotado de concretude e passível de compreensão (Bakhtin, 1990BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni Barnardini et al. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990.), o cronótopo é o elemento no qual o tempo, o espaço e o ser humano, na expressão de Furlanetto (2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019.), “se amalgamam”, produzindo figurações reveladoras das marcas históricas e sociais em que se assenta a narrativa. Daí porque, como observei em minha tese, “quando falamos em cronotopia, expressamos a percepção, amalgamada em determinada materialidade, de um tempo e de um lugar em que o ato enunciativo se realiza e com os quais guarda alguma forma de relação ou identificação” (Cruz, 2023CRUZ, A. S. T da. O discurso no plenário do júri na perspectiva bakhtiniana dos gêneros: o Caso Kiss. 2023. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2023. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/5d7e4988-a810-4c37-a614-d90fa0b8d54f/download Acesso em: 14 maio 2024.
https://repositorio.animaeducacao.com.br...
, p. 56).

E isso se dá por diferentes razões. Primeiramente, o cronótopo permite que se reconheça, na narrativa literária, a existência de uma integração indissociável do tempo com o espaço. Ele nos lembra que ambos [tempo e espaço] estão intrinsecamente entrelaçados na experiência humana e, portanto, também na literatura, de modo que, ao explorarmos como esses elementos se manifestam nas obras literárias, podemos entender melhor a complexidade da criação artística e da própria vida.

Em paralelo, por refletir a identidade cultural de determinada sociedade, pode-se dizer que cada cronótopo é singular em seu papel de refletir crenças, valores e formas de enxergar o mundo em uma determinada cultura e em uma determinada época. Por exemplo, o cronótopo da estrada em romances de viagem representa a busca por autoconhecimento e aventura; o do castelo, comum em romances medievais, simboliza poder e hierarquia social. Ao analisarmos esses cronótopos, podemos desvendar as preocupações e aspirações de uma sociedade específica.

O cronótopo é também fundamental no desenvovimento da obra, por ser em seu entorno que a narrativa vai se organizando. Muito além de um substrato puramente temático, cada cronótopo traz consigo estrutura e atmosfera muito peculiares. O cronótopo da praça pública, para ilustrar, presente em obras como as de Rabelais, representa a liberdade de expressão e o intercâmbio de ideias. Essa organização ajuda a outorgar forma à história e a transmitir seu significado, dando consistência ao ideário que lhe é imanente.

Há também um outro aspecto ínsito ao cronótopo. Por Bakhtin considerar a literatura um fenômeno carregado de dialogismo, as relações dialógicas das personagens entre si e, também, aquelas que se estabelecem entre autor e leitor e entre texto e contexto cultural emolduram a cronotopia. Por não ser o cronótopo algo estático, aparecendo em constante processo de transformação, as interações dialógicas vão dando vida à cronotopia, conferindo-lhe dinamismo e permitindo sua evolução ao longo do tempo.

E, mais, a cronotopia tende a revelar uma visão mais ampla do mundo representado na obra. Ela não se limita a um único momento ou lugar, mas abrange a totalidade da experiência humana que a narrativa procura irradiar, permitindo-nos, a partir da compreensão de como o tempo e o espaço se entrelaçam, apreciar a riqueza e a profundidade da expressão artística.

Por tudo isso, é possível comparar a cronotopia a uma lente através da qual podemos examinar a relação entre tempo, espaço e cultura na literatura, convidando-nos a explorar a complexidade da existência e a apreciar a diversidade de perspectivas que a arte escrita oferece. Para Bakhtin (1990BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni Barnardini et al. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990.), o cronótopo acaba sendo uma densa ferramenta analítica, que revela como o tempo e o espaço são entrelaçados na narrativa literária para criar significado. O pensador nos propõe considerar como a literatura reflete e molda nossa compreensão do mundo, induzindo-nos a pensar de maneira mais profunda sobre a relação entre a narrativa e a experiência humana.

Ao lado da noção de cronotopia, Bakhtin desenvolveu também um conceito paralelo: o de exotopia, elemento este tratado especialmente em Estética da criação verbal (1997). Enquanto a cronotopia lida com a estrutura interna da obra, a exotopia permite ao autor e ao leitor ver essa estrutura de um ponto de vista externo. Isso porque uma visão exotópica envolve a capacidade de o observador enxergar uma personagem de fora, de um ângulo externo, distanciado, permitindo-lhe uma compreensão mais completa e multifacetada do alvo da observação, em uma perspectiva de complemento da própria cronotopia. A partir daí é possível, por exemplo, detectar influências ambientais e temporais decorrentes do lugar e da época em que vive a personagem, variáveis essas absolutamente determinantes para a identificação do cronótopo respectivo, em um propósito de adequada compreensão dos fatores interacionais que conglobam ser humano, tempo e espaço.

Segundo Amorim (2018AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2018.), em que pese a noção de exotopia ter sido atribuída a Bakhtin, o termo teria sido proposto por Tzvetan Todorov (1939-2017), quando da tradução do correspondente russo para o francês exotopie. No entanto, independentemente de quem de fato o tenha cunhado, a verdade é que, conforme já assinalei, “a exotopia, enquanto distanciamento necessário à percepção panorâmica do (con)texto, se torna, ao menos sob a ótica instrumental, fator de grande relevância e utilidade, no sentido da visualização e compreensão dos elementos que induzem à identificação e sistematização dos cronótopos imanentes ao fenômeno enunciativo persquisado”. E ganha ela especial relevância, acrescentei, “porque, em certos casos, é possível, em um mesmo material, identificar-se cronótopos de distintos níveis, na medida em que o observador vai-se distanciando exotopicamente do objeto da pesquisa” (Cruz, 2023CRUZ, A. S. T da. O discurso no plenário do júri na perspectiva bakhtiniana dos gêneros: o Caso Kiss. 2023. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2023. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/5d7e4988-a810-4c37-a614-d90fa0b8d54f/download Acesso em: 14 maio 2024.
https://repositorio.animaeducacao.com.br...
, p. 61).

Em suma, resumindo o pensamento bakhtiniano, assentando-se o cronótopo em uma percepção do homem como um ser espaçotemporal, fundido com o ambiente e a época em que vive, e funcionando a exotopia como importante ferramenta para a compreensão dos cronótopos nos distintos níveis em que se situam no contexto da obra analisada, podemos afirmar que ambos os conceitos, na verdade, muito antes de representarem qualquer paradoxo entre si, interagem e atuam complementarmente para a compeensão do indelével amálgama entre o homem, o tempo e o espaço.

3 FURLANETTO E A AMPLITUDE ESPECTRAL DA CRONOTOPIA

O pensamento de Furlanetto acerca da cronotopia aparece especialmente em um artigo que publicou em 2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019. na Revista de Estudos da Linguagem, da Universidade Federal de Minas Geais. Intitulado Cronotopia: um fenômeno de largo especto, o texto visita o obra de Bakhtin e agrega o pensamento da própria autora, em uma visão que procura estender o aproveitamento da noção de cronótopo a outras materialidades discursivas, alargando portanto o espectro de atuação do fenômeno, conforme o próprio título sugere, para além das materialidades literárias.

Após contextualizar as inquietudes de Bakhtin relacionadas à questão do espaço e do tempo, notadamente em face do próprio impacto que a Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein, acarretou no literato russo, Furlanetto discorre sobre como a percepção do tempo, enquanto quarta dimensão do espaço, evoluiu para a formulação conceptiva da ideia de cronótopo. Se, conforme preconiza Einstein, há uma interligação indissolúvel do espaço com o tempo, não sendo possível curvar aquele sem envolver a este (Hawking, 2009, apud Furlanetto, 2019), em uma combinação quadridimensional reportada como espaço-tempo, é possível dizer, conforme destaca Furlanetto (2019, p. 463), que “o cronótopo, teoricamente encarado, poderia ser uma metáfora conceitual, na teoria de Bakhtin, remetendo a uma figuração em formas semióticas diversas (umas mais visíveis, outras menos), dando suporte e visibilidade aos movimentos culturais e sócio-históricos”. Nessa perspectiva, a cronotopia atua como fruto da mescla de elementos espaciais e temporais que, a uma só vez, permitem alicerçar e evidenciar as bases dos processos formadores da cultura de uma sociedade, localizada em determinado lugar (elemento espacial) e em determinado momento histórico (elemento temporal), de maneira que “seria possível mostrar, assim, de modo mais ou menos consciente, como se manifestam as épocas, pelo aparecimento, desenvolvimento e transformação de seus gêneros, e a própria forma de desenvolvimento da história social” (Furlanetto, 2019, p. 463).

Em momento seguinte, a autora avança, abordando acerca da ordem das coisas e da ordem dos signos, imergindo em profunda reflexão sobre a natureza da linguagem e sua relação com a realidade. Incursiona, nesta etapa, sobre Bakhtin e sua análise cronotópica do romance, destacando a ilusão das pessoas de que há uma identidade plena entre a palavra e aquilo que se visa nomear, de que “a língua constituiria o ‘real’, além de que também seria homogênea em si mesma”, contudo sendo comum olvidarem-se de que diferentes estratos discursivos tendem a acarretar efeitos linguísticos heteroglóssicos.

No enfrentamento “linguagem versus realidade”, a autora destaca as contribuições de pensadores como Descartes, Locke, Hume e, em especial, Kant. Neste, é enaltecida a tentativa de sintetizar racionalismo e empirismo, ao propor que o mundo só pode ser compreendido através de categorias concebidas pelo homem, como causalidade e espaço-tempo, reinterpretadas por Bakhtin. Assim, a influência de Kant na formulação conceitual do cronótopo decorre da ideia de que o mundo somente é apreendido através das categorias concebidas pelo ser humano.

Esta parte do trabalho de Furlanetto é complementada, ainda na perspectiva do confronto entre língua e realidade, com alusão ao pensamento do filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser, no sentido de ser linguagem não apenas algo reflexivo da realidade, senão também fonte formadora e criadora do real. Lembra a autora, em linhas gerais, que Flusser argumenta acerca de haver tantos sistemas de conhecimento quanto línguas existentes, condicionando a própria realização da realidade a sua articulação através de palavras. Ou seja, a linguagem não constitui somente um instrumento de comunicação, mas verdadeiramente um poderoso ingrediente que molda nossa própria compreensão da realidade.

Furlanetto recorre também a Benveniste. Do linguista francês, extrai reflexões sobre formas temporais, vistas como as mais ricas representações da experiência subjetiva, porém, ao mesmo tempo, constituindo as mais difíceis de explorar. Lembra a distinção de Beveniste entre o tempo físico e o tempo crônico, o primeiro como uma sequência contínua, infinita e linear; o segundo, como o tempo dos eventos, nele incluindo-se nossas próprias vidas, tidas como um sequencial de ocorrências. Na visão do pensador reportado, a partir do eixo conglobado pelos elementos estativo (evento fundamental que marca o ponto zero), diretivo (indutor da noção de antes e depois) e mensurativo (unidades de mensuração), é possível situar certo acontecimento em algum ponto desse eixo. “E, por aí, sabemos nossa situação relativamente a acontecimentos, sabemos onde estamos na vastidão da história” (Furlanetto, 2019, p. 468).

Não obstante, segundo a autora, quando pensamos em tempo linguístico, deparamo- nos com um conceito organicamente vinculado ao ato de fala e definido pela função do discurso. Daí porque o momento presente da fala constitui a base das oposições temporais da linguagem, tornando o passado apenas memória e o futuro apenas um exercício prospectivo. Por isso, em termos de tempo linguístico, o que realmente interessa é o presente, no qual ocorre a coincidência entre o acontecimento e o discurso, este concebido por Benveniste, dessa forma, como a instância ordenadora do próprio tempo, permitindo que as oposições temporais da linguagem acabem por ser reinventadas a cada novo enunciado (Furlanetto, 2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019.). Assim, na visão do pensador francês, o aspecto temporal do discurso acaba funcionando como fator de intersubjetividade, permitindo a comunicação linguística. Isso se dá porque, malgrado a subjetividade intrínseca da experiência temporal, o componente interacional contido na comunicação é aceito pelos artífices da interlocução, o que acarreta a compreensão mútua através da língua.

Esta parte do trabalho da autora é concluída com a retomada de Bakhtin, quando assumia que “toda a nossa cognição está fundada no reconhecimento da existência do espaço-tempo, indispensável para a efetivação dos sentidos, o reconhecimento da subjetividade e o reconhecimento (percepção) da alteridade nos eventos humanos” (Furlanetto, 2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019., p. 470), concebidos como irrepetíveis. Daí a fundamentalidade da linguagem, por esta “subscrever a eficácia dos cronotopos nas culturas humanas” (Holquist, 2015HOLQUIST, M. A fuga do cronotopo. Trad. de Ivan Marcos Ribeiro e Luciana Moura Colucci de Camargo. In: BEMONG, N. et al. Bakhtin e o cronotopo: reflexões, aplicações e perspectivas. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. p. 34-51., p. 50) e, bem assim, segundo a autora, da importância de Benveniste e de seu trabalho da linguagem pelo viés das categorias pessoa e tempo.

Conforme se observa, ao construir todo um raciocínio vinculador do cronótopo com a linguagem, esta perspectivada pela ótica do tempo linguístico determinado por cada renovação enunciativa, Furlanetto ergue o arcabouço teórico necessário à compreensão da cronotopia como “um fenômeno de largo espectro”, para usar sua própria expressão. Isso porque, se é na linguagem que o cronótopo se assenta, o consectário lógico dessa premissa é o de que toda materialidade linguística é passível de análise cronotópica dos componentes enunciativos que a integram, não se limitando a perspectiva de detecção somente a corpos estritamente literários.

É por isso que, já na preleção do que virá à frente, Furlanetto de antemão adverte que “a tipificação, em Bakhtin, foi operada em seu estudo do romance, mas é extensível a qualquer manifestação cultural - servindo, aliás, em conjunção com as manifestações ideológicas, para operar e construir certa escala de visibilidade desse fenômeno [cronotopia] nos vários campos da vida social”. E arremata, acrescentando que “a visibilidade figurativa da literatura - mais especialmente da narrativa do romance - deve esmaecer, pelo menos em hipótese, nos gêneros menos afinados ao estético, sem por isso inexistir, visto que refletem técnica e axiologicamente a vida em sociedade” (Furlanetto, 2019, p. 463-464).

Em outras palavras, para Furlanetto, ao propor a cronotopia Bakhtin se voltou a demonstrar um conceito teoricamente ainda em construção, servindo suas reflexões como abertura de caminhos para que seus sucedâneos pudessem avançar em termos de observação, análise e refinamento teórico, exercício este que a própria autora realiza, ao agregar fundamentos teóricos que permitem vislumbrar a grande amplitude espectral que o cronótopo pode envolver, como fio condutor de materialidades enunciativas das mais variadas ordens.

4 A RELEVÂNCIA DA PERSPECTIVA DE FURLANETTO PARA MEUS ESTUDOS

Não obstante a importância do trabalho de Furlanetto para a construção do manancial teórico em torno do fenômeno da cronotopia em perspectiva mais ampla, sendo possível inclusive reconhecer-lhe o caráter de texto inaugural em determinados aspectos e que, portanto, tende a lhe conferir relevância universal, as reflexões da autora foram de especial significação particularmente a mim.

Primeiramente, o ideário de Furlanetto relativo à cronotopia serviu como base de sustentação teórica do texto, por mim subscrito, de um dos capítulos do livro (e-book) Direito, política e sociedade, intitulado Marcas cronotópicas na Constituição brasileira de 1988: considerações sobre suas matrizes espaçotemporais (Cruz, 2021). Em tal publicação, procuro identificar certos traços cronotópicos consentâneos com a propensão do constituinte pela adoção de normas focadas na qualificação da cidadania na perspectiva do alargamento das liberdades civis e, em paralelo, na minoração das forças estatais em seu atuar sobre o cidadão. Do ponto de vista sócio-histórico, eram tempos pós-regime militar de 64, em que o país ansiava por novos horizontes quanto a suas ordens social, política, jurídica e econômica, renegando o militarismo, visto à época majoritariamente pela nação como um modelo despótico e intervencionista.

Era, portanto, um período (tempo) em que o povo (fator humano) do Brasil (lugar) clamava por severas mudanças.

Vali-me de Furlanetto (2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019., p. 460), dentre outras citações, nesta que bem me parece retratar a grandeza de suas ideias:

[..] Ao mesmo tempo, procurando explicar esse dilargamento do espectro de alcance do fenômeno, Furlanetto acentua sua condição determinante sobre os gêneros, vistos como substratos fixadores da cosmovisão das eras em que aparecem. Daí concluir a autora que “o tratamento cronotópico é válido para os gêneros de ordem diferente do literário”, ainda que, assevera, “não se encontre comumente essa perspectiva de análise, pelo menos com uso específico do conceito” (Furlanetto, 2019, p. 458). Isso porque o importante, invocando palavras do próprio Bakhtin, é “a capacidade de ler os indícios do curso do tempo em tudo, começando pela natureza e terminando pelas regras e ideias humanas” (grifos no original).

No trabalho, propondo-me a um exercício exotópico para melhor visualizar o texto constitucional da forma mais panorâmica possível, identifico três cronótopos que, a mim, pareceram bem marcantes: em caráter mais abrangente, o que chamo de “cronótopo da cidadania”, o qual congrega, em patamar mais abaixo, os que denomino “cronótopo da plenitude das liberdades civis” e “cronótopo da mitigação da força estatal”.

Não pretendo, aqui, por não ser objetivo do presente estudo, imergir em maior detalhamento sobre os cronótopos observados na Constituição Federal e destacados em referido texto. Todavia, tenho como fundamental ressaltar que, somente tomando em conta o pensamento de extensão espectral da cronotopia proposto pela professora catarinense, é que foi possível incorporar, à análise cronotópica, arcabouço enunciativo contido no corpo constitucional, incluindo-o, quanto à teoria dos gêneros discursivos, naquele que nominei como “gênero normativo” (Cruz, 2021), a conglobar as formas de legiferação integrantes de determinada ordem jurídica.

Mais à frente, o pensamento de Furlanetto alicerçou, ainda de modo mais consistente, o estudo que desenvolvi na tese doutoral.

Busquei estudar o fenômeno discursivo protagonizado pelos oradores do Tribunal do Júri, valendo-me da teoria bakhtiniana dos gêneros como suporte teórico de base, inclinando-me pela identificação de marcações dialógicas próprias de referido processo enunciativo. Como fatores correlacionados ao dialogismo propriamente dito na formulação do discurso que se delineia em dito ambiente, elegi a ideologia, o estilo e a cronotopia, propondo tipificações específicas quanto a elementos dialógicos-ideológicos, dialógicos-estilísticos e dialógicos-cronotópicos presentes na discursividade de acusadores e defensores, utilizando como corpus de testagem os pronunciamentos havidos no júri do, assim chamado, Caso Kiss, realizado entre os dias 1º e 10 de dezembro de 2021, na comarca de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul.

Quanto à cronotopia, servi-me de novo do pensamento de Furlanetto para justificar o dilargamento espectral do fenômeno, de modo a estendê-lo a outros gêneros integrantes do universo cultural, para além da literatura romanceada, como houvera sido a opção mais restritiva de Bakhin. Há distintas passagens em meu trabalho doutoral em que me reporto à professora catarinense, dentre as quais destaco a seguinte, em que sintetizo seu pensamento, não sem antes havê-lo cotejado com proposições correlatas emergidas de Graham Pechey, Michael Holquist e Oziris Borges Filho. Digo lá:

Também em nosso país, Furlanetto (2019FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019.) chancela a posição [referindo-me à ampliação espectral]. No ideário da professora catarinense, embora Bakhtin se tenha fixado exclusivamente no campo artístico-literário, deixando de tratar o cronótopo em correlações com elementos culturais de outros matizes, é possível notar que “em qualquer outra manifestação o fenômeno ocorre, até porque foi essa observação, na vida cotidiana, que o levou [referindo-se ao pensador russo] ao estudo de uma esfera de interesse imediato” (Furlanetto, 2019, p. 457). Para a autora, a cronotopia apresenta-se como “um fenômeno de largo espectro”, notadamente por sua condição determinante sobre os gêneros, tidos estes como marcadores da cosmovisão das épocas em que emergem, daí sustentando que, malgrado não se encontrar, comumente, o uso do conceito destinado a uma perspectiva analítica fora da literatura, “o tratamento cronotópico é válido para os gêneros de ordem diferente do literário” (Furlanetto, 2019, p. 458). Isso porque, no dizer do próprio Bakhtin (1997, p. 243), é importante “a aptidão para ler, em tudo - tanto na natureza [tempo cíclico] quanto nos costumes do homem e até nas suas ideias (nos seus conceitos abstratos) [tempo histórico] -, os indícios da marcha do tempo” (itálico do original) (Cruz, 2023CRUZ, A. S. T da. O discurso no plenário do júri na perspectiva bakhtiniana dos gêneros: o Caso Kiss. 2023. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2023. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/5d7e4988-a810-4c37-a614-d90fa0b8d54f/download Acesso em: 14 maio 2024.
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, p. 59-60).

A par das possibilidades abertas de perspectivas analíticas espaçotemporais para outros gêneros discursivos e, mesmo, para gama mais ampla de materialidades culturais, com o respaldo teórico também de Furlanetto incursionei na identificação de variáveis ligadas à noção de espaço e tempo capazes de induzir, dialogicamente, construções composicionais no que chamei de “gênero discurso no plenário do júri” (Cruz, 2023CRUZ, A. S. T da. O discurso no plenário do júri na perspectiva bakhtiniana dos gêneros: o Caso Kiss. 2023. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2023. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/5d7e4988-a810-4c37-a614-d90fa0b8d54f/download Acesso em: 14 maio 2024.
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). Dessa maneira, foi possível identificar a correlação do processo discursivo, em termos cronotópicos, com o tamanho da cidade em que se realiza o julgamento, identificando variações enunciativas mais direcionadas ao que é peculiar em pequenos, médios e grandes conglomerados urbanos; com os fatores socioculturais de cada lugar; com as preconcepções acerca da causa sob julgamento erigida de fatores próprios de cada lugar e cada tempo; com a influência que o transcurso temporal entre a data do fato e a do julgamento pode exercer sobre o ânimo do Conselho de Sentença (grupo de sete jurados); e com a criminalidade na região e na época em que o júri é realizado.

Novamente sem mergulhar nos aspectos específicos de cada análise lá realizada, a verdade é que a categorização de variáveis espaçotemporais presentes naquele processo enunciativo, operando dialogicamente na construção dos enunciados e produzindo interações discursivas com os auditórios sociais alcançados, notadamente com o primário (corpo de jurados), só foi possível graças à formulação teórica que ampliou espectralmente a perspectiva de incidência de vetores cronotópicos em distintos gêneros discursivos e materialidades culturais diversas2 2 Na tese doutoral, identifico elementos cronotópicos presentes em sete das vinte cenas enunciativas especificamente analisadas (cenas 4, 9, 11, 12, 14, 19 e 20, constantes no Capítulo 10). .

Dessa maneira, a par de construções composicionais dialógicas relacionadas a elementos ideológicos e estilísticos compulsados, foi possível verificar que, também sob a ótica da cronotopia, certas regularidades e estabilizações se somam àqueles para autorizar a conclusão havida de que, de fato, o processo comunicacional que acontece no plenário do júri constitui um gênero discursivo específico.

Do que se observa, pois, o contributo de Furlanetto revelou-se crucial para minhas próprias reflexões sobre a cronotopia até aqui. Seu suporte teórico tem sido decisivo para o desenvolvimento de meus trabalhos que demandam análises relativas às influências do espaço e do tempo sobre o ser humano, seja na edificação da ordem constitucional que nos comanda desde 1988, seja nas sessões do Tribunal do Júri que, em nosso país, detém o monopólio de julgar os crimes dolosos vida, o bem mais caro para todos nós.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inquestionável a contribuição de Bakhtin para a compreensão da influência do tempo e do espaço sobre o ser humano, vislumbrando-o em uma perspectiva quadridimensional da realidade. O homem, como ser sócio-histórico, é ele no espaço-tempo, constituindo-se como tal a partir das experiências que vivencia em um processo construtivo delineado cronológica e topologicamente, cujo desenrolar vai deixando seus rastros e vestígios ao longo do percurso. A própria existência é, pois, permeada por marcações do tempo e lugar conformadores do ser humano, as quais vão eclodindo em meio às materialidades culturais que concebe.

Dentre estas, o pensador russo debruçou-se sobre o gênero literário, mais especificamente a literatura romanesca, na persecução dos marcos espaçotemporais ínsitos nas obras e personagens. A estrada, o castelo e a praça pública são apenas alguns dos exemplos de elementos reflexivos do momento e do lugar fundidos ao homem que os percorre ou vivencia no curso da narrativa, formando um entrelaçamento perfeito que congrega tempo-espaço-ser humano: o cronótopo.

A essa fusão Furlanetto reporta-se metaforicamente como “amálgama”, perspectivando-a, adiante mesmo do próprio Bakhtin, para outros gêneros e materialidades, estendendo os limites espectrais de seu alcance para um sem-número de corpus constituídos ou instituídos através das distintas formas de produção cultural. A cronotopia é, portanto, “um fenômeno de largo espectro”, que se assenta em tudo aquilo que o ser humano culturalmente produz, a partir dos valores reinantes em cada sociedade (espaço) e em cada momento histórico (tempo).

Bakhtin, pois, me falou do cronótopo; Furlanetto me contou sobre sua amplitude espectral.

Eis agora uma nova fusão, um novo amálgama: Bakhtin-Furlanetto. A origem e a derivação, o primeiro passo e o passo adiante...

Que mescla! Que simbiose!

Para mim, a composição teórica perfeita para ativar minhas próprias inquietudes e despertar minhas reflexões sobre as condicionantes temporais e espaciais do discurso relacionado ao Direito, até aqui por mim enfrentadas apenas em dois dos gêneros deste vasto campo: o normativo e o do discurso no plenário do júri.

Sabe-se lá quantos enfrentamentos ainda virão e até onde será possível ir.

É certo, porém, que, por onde quer que eu vá nas análises cronotópicas, Bakhtin e Furlanetto estarão ali, amalgamados e de prontidão...

REFERÊNCIAS

  • AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2018.
  • BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de Maria Ermantina Galvão G. Pereira, a partir do francês. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni Barnardini et al. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
  • CRUZ, A. S. T da. Marcas cronotópicas na Constituição brasileira de 1988: considerações sobre suas matrizes espaçotemporais. In: VASCONCELOS, A. W. S. de (org.). Direito, política e sociedade. Ponta Grossa: Atena, 2021b. p. 88-106. Disponível em: https://www.atenaeditora.com.br/post-ebook/4644 Acesso em: 14 maio 2024.
    » https://www.atenaeditora.com.br/post-ebook/4644
  • CRUZ, A. S. T da. O discurso no plenário do júri na perspectiva bakhtiniana dos gêneros: o Caso Kiss. 2023. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2023. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/5d7e4988-a810-4c37-a614-d90fa0b8d54f/download Acesso em: 14 maio 2024.
    » https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstreams/5d7e4988-a810-4c37-a614-d90fa0b8d54f/download
  • FURLANETTO, M. M. Cronotopia: um fenômeno de largo espectro. Revista de Estudos Linguísticos, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p. 453-482, 2019.
  • HOLQUIST, M. A fuga do cronotopo. Trad. de Ivan Marcos Ribeiro e Luciana Moura Colucci de Camargo. In: BEMONG, N. et al. Bakhtin e o cronotopo: reflexões, aplicações e perspectivas. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. p. 34-51.
  • 1
    Grafia (acentuada) utilizada por Furlanetto.
  • 2
    Na tese doutoral, identifico elementos cronotópicos presentes em sete das vinte cenas enunciativas especificamente analisadas (cenas 4, 9, 11, 12, 14, 19 e 20, constantes no Capítulo 10).

Editores de Seção:

Fábio José Rauen e Andreia da Silva Daltoé

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2024
  • Aceito
    29 Maio 2024
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