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MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO: DO DENUNCISMO ÀS POLÍTICAS DE IGUALDADE RACIAL

BRAZILIAN BLACK MOVEMENT: FROM DENUNCIATION TO RACIAL EQUALITY POLICIES

Resumo:

O objetivo deste artigo é mapear alguns aspectos da trajetória do movimento negro brasileiro na sua fase contemporânea. Argumenta-se que houve uma mudança de perspectiva do movimento em relação ao Estado. Se até a década de 1980 muitos ativistas negros relutavam em estabelecer uma interlocução com o poder público, na década de 1990 e, sobretudo, na aurora do terceiro milênio, a institucionalidade converteu-se na arena privilegiada de pressão do movimento a fim de entabular políticas de igualdade racial. Tal mudança de perspectiva causou impacto nas políticas públicas de reconhecimento e de redistribuição.

Palavras-chave:
Afro-Brasileiro; Movimento Negro; Relações Raciais; Ações Afirmativas

Abstract:

This study aims to map some aspects of the path the Brazilian Black movement took in its contemporary phase. It assumes the change in the movement’s perspective toward the State. If many Black activists were reluctant to focus on the public administration apparatus up to the 1980s, institutionality became the privileged arena the movement used to fight for the development of policies focused on racial equality in the 1990s and especially in the early third millennium. Such a change in perspective impacted public recognition and redistribution policies.

Keywords:
Afro-Brazilian; Black Movement; Race Relations; Affirmative Actions

Este artigo tem a finalidade de reconstituir aspectos da trajetória do movimento negro brasileiro em sua fase contemporânea. Pretende-se mostrar como o protesto negro relacionou-se com o Estado brasileiro no decorrer das últimas décadas. Se a princípio muitos ativistas negros esposavam o “denuncismo” 1 1 O “denuncismo” é uma referência à estratégia de muitas organizações negras que, até a redemocratização, incorriam mais na denúncia do racismo do que na proposição de medidas para a sua erradicação, ou seja, investiam mais em agendas reativas do que afirmativas. e eram refratários em abrir um canal de diálogo e negociação com o poder público, mais tarde, a estrutura institucional converteu-se na esfera privilegiada de atuação do movimento a fim de entabular políticas de promoção da igualdade racial. 2 2 As políticas de promoção da igualdade racial são ações ou políticas públicas e/ou privadas que visam combater o racismo e as desigualdades raciais em todas as esferas da vida social, quer por meio de políticas universais, direcionadas a todos os cidadãos; quer por meio de políticas específicas, destinadas aos grupos que são discriminados racialmente na sociedade (Ribeiro, 2014 ).

Os ativistas, que ocupam cargos nas instâncias do Estado, barganham a criação, defesa e implementação de políticas públicas, seja com o movimento negro, seja com os gestores burocrático-administrativos. Isso determina as possibilidades e os limites da capacidade desses ativistas conseguirem impor a adoção de medidas políticas através de processos governamentais e burocráticos que reflitam os interesses manifestos da população afro-brasileira, que eles representam. Tal mudança de paradigma do ativismo negro empoderou as políticas públicas de reconhecimento e redistribuição.

Como Nancy Fraser assinala, o reconhecimento representou uma ampliação dos marcadores da contestação política e uma ressignificação do entendimento da justiça social. Por esse novo viés, o caminho para a construção da justiça social se caracteriza, por um lado, pelo reconhecimento da diferença (de raça, gênero, sexualidade, religião e nacionalidade), pela valorização da identidade de um grupo e pelo respeito à diversidade à luz da transformação da ordem simbólica e reconfiguração de relações sociais e culturais. Por outro, a construção da justiça social se caracteriza pela distribuição, considerando não apenas a transferência de rendimentos, mas também a reorganização da estrutura econômica e de classe em vista da supressão das desigualdades sociais e possibilidades de vivência da democracia. Portanto, para se alcançar a justiça social, faz-se necessário se valer do reconhecimento e da redistribuição combinadamente (Fraser, 2002FRASER, Nancy. 2002. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, pp. 7-20. , 2007FRASER, Nancy. 2007. Reconhecimento sem ética. Lua Nova, n. 70, pp. 101-138. ). 3 3 De um ponto de vista diferente de Nancy Fraser, Axel Honneth argumenta que não somente os esforços por reconhecimento englobam as lutas por justiça redistributiva, como também é uma ética pautada no reconhecimento que, por abordar outros aspectos da vida que não o econômico, permite uma concepção de justiça mais ampla e associada aos princípios democráticos. Ao fazer uma leitura da doutrina liberal clássica, Honneth postula que o Estado é o locus do valor da igualdade: é só perante o Estado, ou melhor, por meio de leis e programas governamentais asseguradores de direitos, que os cidadãos são verdadeiramente iguais (Honneth, 2003 , 2007 ).

Nesse sentido, o movimento negro brasileiro contemporâneo tem encampado de forma crescente tanto lutas pelo reconhecimento – ações que envolvem a afirmação da identidade e diferença – quanto demandas associadas à teoria da justiça distributiva, que se relaciona à estrutura econômica da sociedade e às assimetrias de classes. Isso levou o movimento a buscar a institucionalização da justiça. O pressuposto é de que, na medida em que se enfronha e participa das instituições públicas, o movimento tende a suscitar mudanças, quer nos padrões normativos e culturais (reconhecimento), quer no quadro das desigualdades sociais (redistribuição), dos bens, serviços e recursos.

Mas, o que é movimento negro? A somatória de esforços dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade, em particular os derivados dos preconceitos e discriminações raciais. É em torno da experiência do racismo e antirracismo que os negros identificam interesses comuns, unem-se na esfera pública como sujeitos políticos, definem programas, cenografias, repertórios, plataformas de atuação e envidam esforços em favor de objetivos específicos (Pinto, 2013PINTO, Regina Pahim. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. Ponta Grossa: Editora UEPG; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2013. ).

O movimento negro constitui, assim, uma arena fluída de debates (consensos, negociações e conflitos) e agenciamentos que articula discursos, signos, projetos e ações coletivas à luz do ideal de igualdade racial e justiça social, a fim de garantir à população afro-brasileira direitos humanos, cidadania, “reconhecimento e redistribuição” (Neves, 2005NEVES, Paulo Sérgio da C. 2005. Luta anti-racista: entre reconhecimento e redistribuição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, pp. 81-96. ).

Embora se arvore porta-voz das lutas, aspirações e reivindicações da população afro-brasileira, esse movimento não é monolítico. Pelo contrário, caracteriza-se pela estrutura multifacetada, pelo caráter plural (com diversos projetos e formatos organizacionais, de cunho social, político, cultural, religioso etc.) e pelos múltiplos arranjos, interesses, retóricas, clivagens e disputas internas. Uma união das iniciativas e agrupamentos que, apesar das diferenças e multiplicidade de concepções, fundem-se ocasionalmente numa só organização, ou num conglomerado com metas comuns.

Em vista disso, cabe dizer que este artigo não pretende traçar um apanhado do movimento negro in totum . Seu intuito, bem mais modesto, é priorizar as iniciativas e organizações antirracistas mais voltadas à ação na esfera pública, em detrimento das experiências culturais e/ou religiosas. Sintomaticamente, será dado destaque para quatro frentes de incidência das lutas negras, protagonizadas por mulheres, pela juventude, por quilombolas e ativistas do meio educacional, sem, contudo, negligenciar experiências, empreendimentos e repertórios cujo eixo da mobilização girou em torno da gramática político-institucional.

A história do movimento negro é integrada à história do Brasil, e não algo à parte. Isso significa que sua trajetória reflete as várias conjunturas políticas, sociais, econômicas e culturais pelas quais tem passado o país. O movimento negro contemporâneo nasceu no contexto da ditatura do regime militar, quando este entrou em crise e se desencadeou um processo de distensão e “abertura política” (Andrews, 2015ANDREWS, George. 2015. Mobilização política negra no Brasil, 1975-1990. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 13-39. ; Mitchell, 1985MITCHELL, Michael. 1985. Blacks and the Abertura Democrática. In: FONTAINE, Pierre-Michel (org.). Race, class and power in Brazil. Los Angeles: Center for Afro-American Studies: UCLA. pp. 95-119. ). Foi aí que novos personagens entraram em cena no Brasil. Trabalhadores, setores populares, mulheres, estudantes e gays se (re)articularam coletivamente, desfraldando suas bandeiras no campo dos direitos e da cidadania.

Esses novos movimentos sociais, apesar de travarem lutas específicas em torno de diversos marcadores, faziam em comum oposição ao regime. “Davam as costas ao Estado”, expressão que alguns estudiosos têm utilizado para designar o posicionamento dos novos movimentos sociais que contestavam o autoritarismo e a repressão da ditadura militar (Evers, 1983EVERS, Tilman. 1983. De costas para o Estado, longe do Parlamento. Novos Estudos Cebrap, v. 2, n. 1, pp. 25-39. ; Martins, 2005MARTINS, Carlos Estevam. 2005. Vinte anos de democracia? Lua Nova, n. 64, pp. 13-37. ). Com o movimento negro não foi diferente. Naquele panorama, ele se posicionou contra o Estado, aliás, de “costas ao Estado”, priorizando a autonomia política e organizacional em relação às estruturas governamentais e às agremiações partidárias.

Do MNU ao paradigma das ações afirmativas

Em 18 de junho de 1978, o Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR) foi criado em São Paulo, como reação à discriminação do Clube Tietê a quatro atletas negros e, também, à violência contra Robson Silveira da Luz, negro, trabalhador e pai de família, que foi acusado de roubar frutas de um caminhão e acabou sendo preso, torturado no Distrito Policial e morto. O MUCDR é considerado o marco inaugural do movimento negro contemporâneo. Um ato público, realizado em 7 de julho nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, reunindo mais de mil pessoas, consistiu na primeira atividade pública da nova organização. Na ocasião, foram lidas moções de apoio de grupos negros de vários estados. Uma carta aberta lançada à população anunciava importantes posições do movimento. O protesto do MUCDR repercutiu nacional e internacionalmente, contribuindo para a emergência da mobilização racial e o desenvolvimento de diferentes ações dos novos movimentos sociais que esgrimiam contra a ditadura (Brauns, Santos e Oliveira, 2020BRAUNS, Ennio; SANTOS, Gevanilda; OLIVEIRA, José Adão de. 2020. Movimento Negro Unificado: a resistência nas ruas. São Paulo: Edições Sesc; Fundação Perseu Abramo. ; Covin, 2006COVIN, David. 2006. The Unified Black Movement in Brazil (1978-2002). Jefferson: McFarland & Company. )

Em 23 de julho, ocorreu a primeira assembleia de estruturação do MUCDR, quando decidiu-se adicionar o vocábulo “negro” ao nome da entidade, dali em diante chamada de Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Na segunda assembleia, realizada no Rio de Janeiro nos dias 9 e 10 de setembro, foram aprovados o Estatuto, a Carta de Princípios e o Programa de Ação (Movimento Negro Unificado, 1988MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO (org.). 1988. 1978-1988: 10 anos de lutas contra o racismo. São Paulo: Confraria do Livro. ).

O MNUCDR promoveu o seu 1º Congresso também no Rio de Janeiro, em dezembro de 1979. Entre outras deliberações, aprovou-se abreviar o nome da organização para Movimento Negro Unificado (MNU). Com o intuito de fazer um trabalho de base e ter penetração no meio popular, o MNU formou os Centros de Luta, ramificando-se por algumas cidades, com sucursais abertas no Rio de Janeiro, em Vitória, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre (González, 2020GONZÁLEZ, Lélia. 2020. O Movimento Negro Unificado: um novo estágio na mobilização política negra. In: GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. pp. 112-126. ).

O MNU procurava conscientizar as pessoas negras e os brasileiros em geral para o problema do racismo, assim como açulava seus membros a se insurgirem contra esse problema. Do ponto de vista dos referenciais, a agremiação foi influenciada, externamente pelos movimentos de direitos civis e do poder negro nos Estados Unidos, bem como pelos movimentos de libertação nacional na África, especialmente das colônias portuguesas. Já em âmbito interno, a agremiação foi influenciada pela perspectiva no campo da esquerda, de oposição à ditadura. Politizando a questão do negro, o MNU abraçou uma nova concepção de luta antirracista, que articulava os temas raça e classe . As bandeiras específicas do negro deviam ser desfraldadas em combinação com as bandeiras gerais que clamavam por emprego, educação, moradia, saúde, segurança pública etc. (Hanchard, 2001HANCHARD, Michael George. 2001. Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ. ).

Com uma nova liturgia de sentidos, o MNU procurou conectar-se a diferentes associações, grupos e instituições com propósitos distintos, entidades da sociedade civil, profissionais, estudantis, intelectuais, artístico-culturais e até instâncias religiosas (como a Igreja Católica, com seus coletivos – Movimento da União e Consciência Negra e Agentes de Pastoral Negros). A existência de uma temática negra abarcava de grupos de ativistas (os novos e também os experientes) as instituições formais como partidos, sindicatos e universidade (Brauns, Santos e Oliveira, 2020BRAUNS, Ennio; SANTOS, Gevanilda; OLIVEIRA, José Adão de. 2020. Movimento Negro Unificado: a resistência nas ruas. São Paulo: Edições Sesc; Fundação Perseu Abramo. ).

Fato é que a mensagem do MNU conquistou corações e mentes de uma parcela da população afro-brasileira, razão pela qual, na sua esteira, surgiram o Centro de Cultura Negra (CCN) do Maranhão, a Associação Cultural Zumbi (ACZ), em Maceió; o Grupo Negro da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), em Belém; o Grupo de União e Consciência Negra (Grucon), no Rio de Janeiro, entre muitas outras organizações negras espraiadas em diferentes estados do país.

A conjuntura nacional – sob o espectro da “abertura política” e gradual transição para o governo civil – era de agitação política. E os ativistas negros não perderam o bonde da história. Ao mesmo tempo em que atacavam o chamado “mito da democracia racial”, 4 4 Democracia racial significa um sistema de relações raciais desprovido de qualquer barreira legal ou institucional para a igualdades de todos os cidadãos, independentemente de sua origem racial e, em certa medida, um sistema de relações raciais desprovido de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação. Durante o regime militar, a democracia racial tornou-se ideologia oficial do Estado brasileiro. Porém, como os cidadãos negros não desfrutavam de igualdade de direitos e oportunidades em relação aos brancos em todos os domínios da vida pública (renda, ocupação, escolaridade, acesso à saúde, a condições de moradia etc.), os ativistas do movimento negro acusavam a ideologia da democracia racial de “mito”, no sentido de se tratar de uma falsa consciência, ou seja, uma visão distorcida da realidade (Guimarães, 2001 , 2018 ). eles buscavam estabelecer alianças com grupos e instituições que labutavam contra o regime militar. Afinal, viviam numa sociedade que não era nem uma democracia política nem, como logo perceberam, uma democracia racial. Como atores políticos, suas questões ficavam a reboque do poder (Alberto, 2011ALBERTO, Paulina L. 2011. Terms of inclusion: black intellectuals in twentieth-century Brazil. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. ; Andrews, 2015ANDREWS, George. 2015. Mobilização política negra no Brasil, 1975-1990. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 13-39. ; Cardoso, 1987CARDOSO, Hamilton. 1987. Limites do confronto racial e aspectos da experiência negra do Brasil. In: SADER, Emir (org.). Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo: Cortez. pp. 82-104. ).

Durante a década de 1980, um grupo de mulheres negras se convenceu da necessidade de brandir simultaneamente contra o racismo e o sexismo, já que essas duas formas de opressão estariam interligadas. Para Luiza Bairros, somente à luz da dimensão do racismo e sexismo, conjugadamente, pode-se conferir significados às diferentes percepções e experiências de ser negro (vividas através do gênero) e de ser mulher (vividas através da raça) (Bairros, 1995BAIRROS, Luiza. 1995. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas, v. 3, n. 2, pp. 458-463. ). Compartilhando dessa premissa, algumas mulheres negras trilharam caminhos próprios de autodeterminação política, soltaram suas vozes, brigaram por espaço de representação, ora no movimento negro, ora no movimento feminista, e se fizeram presentes em todos os espaços de relevância para a discussão das questões da mulher negra. O resultado disso foi o enegrecimento do movimento feminista e a ampliação do protagonismo das mulheres no movimento negro (Carneiro, 2003CARNEIRO, Sueli. 2003. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: Ashoka Empreendimentos; Takano Cidadania (org.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano. pp. 49-58. ).

Nesse contexto, foram desenvolvidos os primeiros encontros regionais de negros, do Norte-Nordeste, do Sul-Sudeste, além dos encontros estaduais e nacionais de mulheres negras. Esses eventos foram fundamentais para o intercâmbio de informações, troca de experiências, definição de estratégias de luta e a construção das redes de relações que injetaram mais musculatura ao movimento negro brasileiro. No caso das mulheres negras, aqueles encontros serviram para elas se estruturarem, organizarem uma representação nacional e definirem suas agendas (Domingues, 2009aDOMINGUES, Petrônio. 2009a. Entre Dandaras e Luizas Mahins: mulheres negras e anti-racismo no Brasil. In: PEREIRA, Amauri; SILVA, Joselina (org.). O movimento negro brasileiro: escritos sobre os sentidos de democracia e justiça social no Brasil. Belo Horizonte: Nandyala. pp. 17-48. ; Rodrigues e Prado, 2010RODRIGUES, Cristiano Santos; PRADO, Marco Aurélio Máximo. 2010. Movimento de mulheres negras: trajetória política, práticas mobilizatórias e articulações com o Estado brasileiro. Psicologia & Sociedade, v. 22, n. 3, pp. 445-456. ).

No decurso da redemocratização do país, com a volta das eleições diretas para os governos estaduais em 1982, alguns ativistas negros se aproximaram ou aderiram a alguns dos novos partidos políticos – sobretudo ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) –, inaugurando os primeiros gestos no sentido de cavar espaço junto ao poder público. Foi nessa ambiência que se conceberam os órgãos governamentais para tratar das questões relacionadas à população afro-brasileira. O pioneirismo, nesse aspecto, coube ao Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, fundado durante o governo de Franco Montoro, em 1984.

A princípio, vários ativistas e grupos expressaram desconfiança em relação à política partidário-eleitoral e rechaçaram “ocupar espaço” no governo. Os perigos de cooptação, tutela e clientelismo da cultura política nacional eram as razões mencionadas para se evitar as “armadilhas” da adesão às agremiações partidárias e às gestões políticas. Predominava uma aversão aos “guetos” no interior das estruturas burocráticas dos governos (Hanchard, 2001HANCHARD, Michael George. 2001. Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ. ; Santos, 2007SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. 2007. Movimento negro e Estado: o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (1983-1987). São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo: Coordenadoria dos Assuntos da População Negra. ).

Apesar disso, setores do movimento negro participaram das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, com o lançamento inclusive de candidaturas próprias. As lideranças negras não conseguiram passar pelo teste das urnas (Andrews, 1998ANDREWS, George. 1998. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: EDUSC, 1998. ; Garrido, 2019GARRIDO, Mírian Cristina de Moura. 2019. Nas constituições dos discursos sobre afro-brasileiros: uma análise histórica da ação militante no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Jundiaí: Paco Editorial. ), mas duas de suas proposituras foram contempladas na Constituição promulgada em 1988: a tipificação do racismo como crime inafiançável e imprescritível e o reconhecimento do direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos (Neris, 2018NERIS, Natália. 2018. A voz e a palavra do movimento negro na Constituinte de 1988. Belo Horizonte: Casa do Direito. ).

Segundo Edward Telles, a Constituição de 1988 trouxe alterações nas “bases legais da defesa dos direitos humanos no país, e também reconheceu os princípios de tolerância, do multiculturalismo e da dignidade individual. Direitos e identidades tornaram-se a base de centenas de leis antirracistas em vários níveis jurisdicionais” (Telles, 2003TELLES, Edward. 2003. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford. , p. 71). A partir da chamada “constituição cidadã”, o movimento negro arvorou-se como sujeito coletivo de direitos, expandiu-se, fortaleceu-se e ganhou destaque no processo de construção da Nova República – termo utilizado para designar o pacto de governabilidade que se seguiu ao fim da ditadura.

Um raio em céu azul

Os avanços institucionais das questões da população negra foram significativos com a redemocratização do país (Rios, 2014RIOS, Flavia. 2014. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. Tese de Doutorado em Sociologia. São Paulo: USP. ). Em alguns estados e municípios foram entabulados programas específicos direcionados à redução das desigualdades raciais e ao reconhecimento da cultura afro-brasileira, culminando com a instalação, pelo então presidente José Sarney, da Assessoria para Assuntos Afro-brasileiros e da Comissão do Centenário da Abolição da Escravatura. Como corolário desse processo, em 1988, foi criada a Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, com a incumbência de ser o interlocutor entre a comunidade afro-brasileira e o poder público.

Se, de um lado, o governo federal investiu no caráter ufanista e festivo das comemorações do Centenário da Abolição, de outro, o movimento negro contestou esse posicionamento oficial. Houve um grande esforço dos ativistas em todo o país para colocar em debate o “mito” da democracia racial através de campanhas públicas, atos de rua, manifestações políticas e uso de pesquisas acadêmicas. Um dos pontos altos nesse aspecto foi a “Marcha contra a farsa da Abolição”, ocorrida no Rio de Janeiro em 11 de maio de 1988. Consistiu em uma grande passeata da Candelária à Central do Brasil, no coração da cidade. Seu cartaz de divulgação, intitulado “Nada mudou – Vamos mudar”, apresentava duas imagens justapostas: uma gravura representando negros sendo vendidos como escravos antes de 1888 e uma fotografia contemporânea de negros amarrados pelo pescoço com uma corda, sendo vigiados por um policial (Pereira, 2013PEREIRA, Amilcar Araujo. 2013. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas. ).

A “Marcha contra a farsa da Abolição” ganhou repercussão nacional, sobretudo devido à postura do Exército brasileiro, que acionou um grande arsenal militar para impedir a passagem dos ativistas negros pelo busto de Duque de Caxias (o patrono daquela Força Armada), que fica em frente ao Comando Militar do Leste, ao lado da Central do Brasil. A postura do Exército, contraditoriamente, deu mais projeção para o movimento negro e suas lideranças, que reivindicavam direitos e denunciavam a inexistência da democracia racial no Brasil, mesmo 100 anos após a Abolição (Hanchard, 2001HANCHARD, Michael George. 2001. Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ. ).

Em vários estados, lideranças e entidades do movimento negro promoveram eventos (debates, plenárias e atos públicos) para problematizar e se contrapor às celebrações oficiais da efeméride. Isso avivou a discussão sobre a questão racial no Brasil, o que motivou a formação de novas organizações negras por todo o país, como a União de Negros pela Igualdade (Unegro), na cidade de Salvador, em 1988; o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), no Rio de Janeiro, em 1989, e o Geledés, na capital paulista, em 1988.

A criação do Geledés aconteceu no mesmo ano de realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras, o que animou a ideia de formação de outras organizações dedicadas exclusivamente às questões de gênero e raça em várias partes do país. Ao longo da década de 1990, o movimento de mulheres negras alargou seu raio de ação, ampliou sua representatividade, ganhou força, visibilidade e impacto na esfera pública, com a criação de fóruns, redes de conexões (nacionais e internacionais) e articulações com diversas instituições locais, estaduais e regionais, o que contribuiu para recrudescer e legitimar o debate público em torno da questão racial, de gênero e feminista no Brasil (Roland, 2000ROLAND, Edna. 2000. O movimento de mulheres negras brasileiras: desafios e perspectivas. In: GUIMARÃES, Antonio Sérgio A.; HUNTLEY, Lynn (org.) Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. pp. 237-256. ).

Além de emular o movimento de mulheres negras, a experiência do Geledés foi importante em outro aspecto: a busca de fontes alternativas de financiamento. As entidades negras sempre enfrentaram o problema da precariedade de recursos, problema que, ora inviabilizava, ora limitava seus projetos e ações. Nesse sentido, o Geledés também serviu de paradigma para muitas outras entidades, na medida em que sua atuação se caracterizava pela implementação de programas e projetos financiados majoritariamente por instituições estrangeiras (como a Fundação Ford e a Fundação MacArthur) ou da chamada “cooperação internacional” (Caldwell, 2007CALDWELL, Kia Lilly. 2007. Negras in Brazil: Re-envisioning Black Women, Citizenship, and the Politics of Identity. New Jersey: Rutgers University Press. ).

No decorrer da década de 1990, surgiram novos órgãos governamentais para tratar das questões relacionadas à população negra, como a Secretaria Extraordinária para Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras (Seafro), no Rio de Janeiro. Instituída no governo de Leonel Brizola em 1991, a Seafro se destacou, entre outras medidas, pela criação de uma Delegacia Especial para Crimes de Racismo. Se a princípio vários ativistas e grupos temiam que esses órgãos governamentais pudessem implicar em perda de autonomia do movimento, naquele novo cenário reconheceu-se cada vez mais que essas agências significou um avanço democrático à medida que permitiu a incorporação ao aparelho estatal da temática racial e a responsabilização do governo pela implantação de políticas públicas destinadas à população negra (Rios, 2014RIOS, Flavia. 2014. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. Tese de Doutorado em Sociologia. São Paulo: USP. ; Rodrigues e Freitas, 2022).

A partir dali, os órgãos consultivos e, posteriormente, executivos de gestões municipais, estaduais e Federal – as coordenadorias, assessorias, secretarias e similares – passaram a discutir, em âmbito estatal, a pauta que o movimento negro vinha postulando contra o racismo no mercado de trabalho, na educação, na saúde, na segurança pública, enfim, em diferentes áreas. Fato é que aquelas agências significaram a porta de entrada pelas quais os ativistas negros puderam se inserir no aparato estatal e ter acesso a outros órgãos da máquina governamental, a políticos e gestores públicos.

Enquanto isso as entidades negras se diversificaram, assumindo novos contornos, perfis e dimensões, às vezes com plataformas rivais. Surgiram várias Organizações Não Governamentais (ONGs), como o Grupo Mulheres Negras Dandara no Cerrado (1991), em Goiana; a Criola (1992), no Rio de Janeiro; o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e da Desigualdade (1992) e a Fala Preta! Organização de Mulheres Negras (1997), em São Paulo, entre muitas outras. Inscritas no universo do chamado Terceiro Setor, as ONGs negras procuram executar políticas de parceria entre o poder público e a sociedade civil, incursionando em áreas onde a prestação de serviços sociais é carente ou até mesmo ausente. Em linhas gerais, elas atuam em determinados temas específicos (mercado de trabalho e relações raciais; saúde da mulher negra; defesa e garantia de direitos humanos; educação e racismo etc.) por meio de projetos financiados, seja por agências públicas ou privadas – nacionais e internacionais (Santos, 2009SANTOS, Marcio André de O. 2009. Política negra e democracia no Brasil contemporâneo: reflexões sobre os movimentos negros. In: HERINGER, Rosana; PAULA, Marilene de (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, ActionAid. pp. 227-258. ).

Nesse clima de emergência de organizações negras de novo tipo, é importante salientar a profissionalização dos militantes, “que recebem recursos e aportes financeiros para realizar seus trabalhos. São homens e mulheres, em sua grande maioria militantes negros dedicados à luta contra o racismo”, que passaram a desenvolver suas atividades de maneira remunerada. “Não somente auferindo recursos financeiros mas, fundamentalmente, tendo oportunidades de se qualificar, de estudar temas específicos e inclusive ingressar na vida acadêmica, fazendo cursos de graduação e pós-graduação” (Pereira, 2013PEREIRA, Amilcar Araujo. 2013. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas. , pp. 314-315).

Até as organizações negras tradicionais, como o Centro de Cultura Negra (CCN) do Maranhão e o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), passaram a encampar projetos focados em determinadas áreas e financiados, quer pelo poder público quer por agências multilaterais – instituições da cooperação internacional. Sem a perspectiva de frente única, o movimento negro tornou-se cada vez mais policêntrico e especializado, com as entidades se dedicando a domínios específicos de intervenção e manejando estratégias e táticas de articulação política mais direta.

Uma das demandas emblemáticas do movimento negro nesse período é a da regularização das “terras de preto”, que projetou o movimento quilombola na esfera pública no Brasil. Um marco desse processo foi o I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais, ocorrido em Brasília em 1995, que preparou o terreno para a unificação de um movimento que já vinha se esboçando a nível regional. No ano seguinte, em 1996, foi criada na cidade de Bom Jesus da Lapa (BA) a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), congregando mais de 20 organizações locais e estaduais de diversos rincões.

Desde então, constata-se o ímpeto dos quilombolas, que cumprem seu papel na condição de sujeitos políticos empenhados em demonstrar à sociedade civil (universidade, igreja, imprensa, movimentos sociais) e aos setores do governo a legitimidade de suas reivindicações. As comunidades quilombolas têm se mobilizado nacionalmente para exigir títulos de propriedades das terras e políticas econômicas (de desenvolvimento sustentável), de saúde, educacionais e culturais em seus territórios. Com isso, seus direitos, anseios e narrativas identitárias passaram a fazer parte da agenda nacional (Arruti, 2009ARRUTI, José Maurício. 2009. Políticas públicas para quilombos: terra, saúde e educação. In: PAULA, Marilene de; HERINGER, Rosana (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, ActionAid. pp. 75-110. ; Souza, 2016SOUZA, Bárbara Oliveira. 2016. Aquilombar-se: panorama sobre o movimento quilombola brasileiro. Curitiba: Appris. ).

Uma forma de atuação específica do movimento negro que ganhou envergadura foi o trabalho na área educacional. Na verdade, a batalha em prol de uma educação étnico-racial é histórica: remonta à fase primeva do MNU, quando seus ativistas reclamavam a introdução dos estudos africanos nos currículos escolares, assim como uma reavaliação do papel do negro na História do Brasil e, em uníssono, denunciavam o racismo no sistema de ensino, por meio da crítica ao livro didático, ao currículo e à formação dos professores (Domingues, 2009bDOMINGUES, Petrônio. 2009b. O recinto sagrado: educação e antirracismo no Brasil. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, pp. 963-994. ). Apesar disso, foi somente na década de 1990 que o movimento negro se apropriou da educação com maior vulto como estratégia de ação política. Ao lado do “denuncismo”, o movimento se lançou a projetos inovadores.

Desses projetos, ganhou destaque o trabalho para levar jovens negros às universidades por meio da criação de cursos pré-vestibulares para negros e carentes. Diferentemente das ONGs, tais cursos se baseiam no trabalho voluntário feito por professores e coordenadores de cada núcleo. Em Salvador, a experiência pioneira foi a do pré-vestibular para negros e carentes da Cooperativa Educacional Steve Biko, criado em 1992; em São Paulo, a do Núcleo de Consciência Negra na Universidade de São Paulo (USP), lançado em 1994 e, no Rio de Janeiro, a do Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro), nascido em 1993. Desses cursos pré-vestibulares, o Educafro foi o que mais investiu em uma sólida infraestrutura, convertendo-se em modelo para experiências semelhantes em várias partes do país.

Nesse contexto, a ideologia do multirracialismo (ou seja, do reconhecimento das diferenças construídas pelo preconceito) foi acompanhada pelas expectativas de conquista das garantias de igualdade econômica, social e política, que despontou em escala crescente como ideologia de maior potencial para combater, em sua expressão coletiva nacional, o preconceito racial (Guimarães, 2008GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. 2008. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez. ).

Outra forma de atuação específica do movimento negro, que floresceu na década de 1990, foi o trabalho da juventude ou dedicado às pessoas dessa faixa geracional. As reflexões apontam para a importância do reconhecimento da organização dos jovens negros no processo de redefinir e alargar a concepção de política racial, na medida em que esses sujeitos protagonizam novas formas de resistência e pugnam por igualdade e justiça a partir de novas ferramentas que têm conseguido, mesmo com dificuldades, questionar paradigmas e estabelecer novos métodos de luta no enfretamento do racismo. O movimento hip-hop , com expressiva inserção nas periferias de muitas capitais brasileiras, é uma evidência disso. Aglutinados em posses ou coletivos, seus adeptos utilizam o rap , com canções engajadas fazendo crônicas e denúncias da violência policial, e o grafite como linguagens para protestar e contestar a ordem vigente.

Aliás, a preocupação do movimento negro sobre a atuação policial é um tópico privilegiado para compreender como violência e racismo se relacionam, entrelaçam-se e se retroalimentam. Trata-se de uma questão recorrente na agenda do movimento, “cujas expressões públicas, isto é, as palavras de ordem e as bandeiras de luta, revelam toda uma sorte de problemas vividos pela população negra e conectados com a própria violência de Estado” (Ramos, 2021RAMOS, Paulo César. 2021. Gramática negra contra violência de Estado: da discriminação racial ao genocídio negro (1978-2018). Tese de Doutorado em Sociologia. São Paulo: USP. , p. 24)

Durante a década de 1990, o movimento negro multiplicou seus quadros, diversificou sua agenda, alargou seu repertório, ampliou sua capilaridade pelo território nacional (e internacional), adquiriu mais reconhecimento, pari passu em que pavimentou se não estreitou um diálogo com o Estado. A consciência do racismo tendeu a fazer da militância uma metáfora da atividade política prática. O movimento foi precursor na defesa das políticas de ações afirmativas – também conhecidas como políticas compensatórias ou reparatórias –, das quais fazem parte as cotas raciais, uma proposta controvertida, que polarizou o debate público. 5 5 Ação afirmativa é “todo programa, público ou privado, que tem por objetivo conferir recursos ou direitos especiais para membros de um grupo social desfavorecido, com vistas a um bem coletivo. Etnia, raça, classe, ocupação, gênero, religião e castas são as categorias mais comuns em tais políticas” (Feres Júnior et al ., 2018 , p. 13). Para o conceito de ações afirmativas e de cotas raciais, considerada a modalidade mais polêmica das ações afirmativas, ver Feres Júnior et al . ( 2018 ) e Moehlecke ( 2002 ).

Enquanto isso o MNU continuava desenvolvendo suas atividades, elaborando e ventilando retóricas raciais a partir de seus encontros e congressos – o que provocavam discussões e enunciações voltadas ao combate à violência racial –, porém já sofria a concorrência de outras entidades negras que se arvoravam de representação nacional, 6 6 Hanchard argumenta que, “depois do ardor inicial do fim dos anos setenta e início dos oitenta, o MNU parece haver perdido um pouco de seu ímpeto. No fim da década de 1980, entretanto, uma nova geração de ativistas do MNU emergiu em várias partes do país. […] Contudo, embora milite em áreas em que o movimento negro em geral é visivelmente atuante, o MNU tornou-se apenas mais uma organização entre muitas, e não a entidade abrangente que pretendia ser” (Hanchard, 2001 , p. 152). como a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), a Coordenação Nacional dos Estudantes Negros Universitários (Cecun), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o Movimento Pelas Reparações (MPR) dos afrodescendentes 7 7 O Movimento Pelas Reparações (MPR) surgiu na cidade de São Paulo em 1993. Suas lideranças argumentavam que, devido aos “crimes, aos danos e às atrocidades” causadas pelo tráfico transatlântico, o Estado brasileiro teria uma dívida não só moral, como também pecuniária com todos os descendentes de escravizados. O MPR fez o cálculo presumível do valor dessa dívida e, a partir daí, passou a cobrar do Estado brasileiro o pagamento de US$ 102 mil para todo afrodescendente. Pari passu em que se estruturou e animou debates, seminários e encontros em vários estados (como Maranhão, Bahia, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro), o movimento cresceu em número de adeptos, recebeu apoio de alguns políticos e defensores dos direitos humanos e ganhou espaço na imprensa nacional e internacional, porém, não prosperou, encerrando suas atividades no último quartel da década de 1990 (Domingues, 2018 ). Sobre as reparações no Brasil, ver ainda: Saillant ( 2016 ). e a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Ressaltam-se, ainda, as redes nacionais de mulheres negras 8 8 “Até o momento são contabilizados três Encontros Nacionais de Mulheres Negras (1988, 1991 e 2001), ressaltando-se, a partir deles, a criação de três formatos de organização nacional – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, o Fórum Nacional de Mulheres Negras e a Coordenação Nacional de Mulheres Negras” (Ribeiro, 2014 , p. 140). e as articulações de sindicalistas, evangélicos e homossexuais negros, de religiosos de matriz africana, de representantes dos clubes sociais negros e do ativismo (na esfera estético-identitária, cultural, jurídica, do trabalho, da saúde, dentre outras áreas), que tendia a se apropriar da consciência racial como um guia para a ação política.

De frente para o Estado

Naquele cenário, o setor hegemônico do movimento negro reformulou sua estratégia antirracista ante a cultura política da Nova República: a democracia representativa, que abriu um ciclo de oportunidades ao ativismo negro, no sentido de desenvolver dispositivos e recursos de interlocução e participação nas instâncias da sociedade política. Em escala crescente, as atividades da sociedade civil serviram de base para formação e práxis políticas, proporcionando aos ativistas a oportunidade de associação política e ação coletiva.

Um marco importante da projeção do movimento negro, relacionado ao início de sua jornada em favor das ações afirmativas no Brasil, foi a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, ocorrida em Brasília no dia 20 de novembro de 1995, durante as comemorações dos 300 anos da morte de Zumbi. A Marcha atraiu à capital federal cerca de 30 mil pessoas do movimento negro, de mulheres negras, de comunidades remanescentes de quilombos e de outros setores do movimento social (União Nacional dos Estudantes (UNE); Central Única dos Trabalhadores (CUT); Central de Movimentos Populares (CMP); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros). No final do evento, uma comissão entregou ao então presidente Fernando Henrique Cardoso um documento com uma série de reinvindicações, entre as quais a de “desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta” (Pereira, 2013PEREIRA, Amilcar Araujo. 2013. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas. , p. 319).

No mesmo dia da Marcha, o presidente instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI), grupo ligado ao Ministério da Justiça, que contava com representantes do movimento negro. Em 1996, o presidente decretou a instalação do Grupo de Trabalho para Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTDEO), com a finalidade de discutir e definir um programa de ações que visassem ao combate da discriminação racial no mundo do trabalho.

A Marcha foi considerada bem-sucedida, representando um momento de unidade das organizações negras. Com uma série de repercussões, sinalizou para as transformações pelas quais o movimento negro passava naquele instante. À medida que se oxigenou em termos de promover novos canais de interlocução com diferentes setores da sociedade civil e do Estado brasileiro, o movimento adquiriu mais legitimidade institucional. O próprio fato de uma comissão da Marcha Zumbi dos Palmares ter sido recebida no Palácio do Planalto, pelo presidente da República, é um indicador desse reconhecimento governamental.

Um ano após a marcha, em 20 de novembro de 1996, Zumbi dos Palmares foi consagrado herói nacional, com o seu nome inscrito no Livro dos heróis da pátria . Houve a oficialização da presumível data de morte de Zumbi – 20 de novembro – como Dia Nacional da Consciência Negra. Essa data se tornou feriado em vários municípios e estados. Também em 1996, Fernando Henrique Cardoso admitiu publicamente, em um seminário internacional ocorrido em Brasília, que o Brasil é um país que não se viu livre do racismo. Foi a primeira vez na história que um presidente da República reconheceu a existência desse problema aqui (Grin, 2010GRIN, Monica. 2010. Raça e antirracismo: o Governo Fernando Henrique Cardoso e a aceitação da “raça”. In: GRIN, Monica. “Raça”: debate público no Brasil (1997-2007). Rio de Janeiro: Mauad. pp. 109-125. ).

Entre as décadas de 1980 e 1990, o movimento negro passou por transformações, que o levaram às novas formas de articulação e atuação. Se predominou uma postura de estar de “costas para o Estado”, a partir dali ganhou força uma outra visão: a de que o Estado era a principal instituição que deveria prover e reparar os negros pelos séculos de escravidão e racismo, uma vez que esse mesmo Estado republicano não teria garantido efetivamente seus direitos. Enfim, o movimento redefiniu a postura de confronto e antagonismo ante o poder público, esposando cada vez mais a esfera da institucionalidade como um dos eixos axiais de sua intervenção, daí o engendrar de novas táticas, retóricas, urdiduras e disputas pela construção de políticas públicas de “igualdade racial” (Paschel, 2016PASCHEL, Tianna S. 2016. Becoming Black Political Subjects: Movements and Ethno-Racial Rights in Colombia and Brazil. New Jersey: Princeton University Press. ; Rodrigues, 2020RODRIGUES, Cristiano. 2020. Afro-latinos em movimento: protesto negro e ativismo institucional no Brasil e na Colômbia. Curitiba: Appris. ).

Com a instalação do GTI e GTDEO, o governo aventou a possibilidade de promover políticas de “ações afirmativas”, políticas que passaram a ser conhecidas por segmentos mais amplos da sociedade, vindo ensejar uma inédita arena de debates no país (Grin, 2010GRIN, Monica. 2010. Raça e antirracismo: o Governo Fernando Henrique Cardoso e a aceitação da “raça”. In: GRIN, Monica. “Raça”: debate público no Brasil (1997-2007). Rio de Janeiro: Mauad. pp. 109-125. ). Isso se aprofundou no limiar do terceiro milênio, em meio ao processo de preparação para a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e as Intolerâncias Correlatas. A dinâmica da mobilização negra para o evento revelou aspectos sintomáticos no que tange à mudança da relação entre o movimento negro e o Estado: definitivamente, a postura dos ativistas transmutou-se do “denuncismo” para demandas propositivas mediante a ocupação dos fóruns e canais de diálogo e negociação com o poder público (Santos, 2009SANTOS, Marcio André de O. 2009. Política negra e democracia no Brasil contemporâneo: reflexões sobre os movimentos negros. In: HERINGER, Rosana; PAULA, Marilene de (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, ActionAid. pp. 227-258. ). Houve ali uma proativa articulação entre o movimento negro e o governo brasileiro, o que colocou na ordem do dia a questão das desigualdades raciais (Santos, 2021SANTOS, Marcio André de O. 2021. Movimentos negros e lutas antirracistas no Brasil e na Colômbia. Rio de Janeiro: Telha. ).

A III Conferência Mundial contra o Racismo transcorreu entre os meses de agosto e setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul. Convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU), é considerada o mais amplo conclave internacional nessa área até o momento. A participação do Brasil na Conferência foi proativa, inclusive coube a Edna Roland, uma liderança do movimento de mulheres negras, a relatoria final do evento. Depois de muita discussão, foram aprovados a Declaração e o Programa de Ação de Durban, documentos que incentivaram os Estados signatários a se comprometerem na execução de medidas efetivas para o combate às desigualdades raciais (Paschel, 2016PASCHEL, Tianna S. 2016. Becoming Black Political Subjects: Movements and Ethno-Racial Rights in Colombia and Brazil. New Jersey: Princeton University Press. ).

Sob o impacto da Conferência de Durban, o governo brasileiro incrementou uma série de iniciativas e estratégias compreendidas como ações afirmativas. O Plano Nacional de Direitos Humanos lançado em 2002, por exemplo, trouxe algumas das propostas relacionadas à eliminação da desigualdade racial. Medidas de ações afirmativas foram sugeridas pelos Ministérios da Cultura, da Educação, do Trabalho e do Desenvolvimento Agrário, mas a maior parte delas não chegou a ser concretizada. De todo modo, pela primeira vez o Estado brasileiro implementou políticas compensatórias em benefício – e não em prejuízo – da população negra, o que representou um marco na história da nação, pois refletiu o “reconhecimento do governo da existência de racismo no Brasil e o fim do conceito da democracia racial” (Telles, 2003TELLES, Edward. 2003. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford. , pp. 75-76).

Com os ventos soprando a favor, o ativismo negro intensificou sua peleja em termos de defender políticas de ações afirmativas. À luz desse princípio, o governo do estado do Rio de Janeiro, em 2001, sancionou uma lei determinando que 40% das vagas das universidades públicas estaduais fossem reservadas para negros. Em 2003, a Universidade de Brasília (UnB) tornou-se a primeira universidade federal a adotar cotas raciais em seus processos seletivos de ingresso na graduação, estabelecendo que 20% das vagas do vestibular fossem destinadas a candidatos negros, além de prever a disponibilização de vagas para indígenas de acordo com demanda específica (Feres Júnior. et al. , 2018FERES JÚNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto; DAFLON, Verônica Toste; VENTURINI, Anna Carolina. 2018. Ação afirmativa: conceitos, história e debates. Rio de Janeiro: EdUERJ. ).

Em 2002, o Ministério do Desenvolvimento Agrário já havia instituído uma política de cotas de 20% de negros para a contratação de pessoal – política, aliás, que o Governo Federal estendeu para outros ministérios e, posteriormente, para o funcionalismo público em geral. No interregno de 2001 a 2004, Rosana Heringer listou 60 iniciativas classificadas de ações afirmativas. Dessas, 23 eram iniciativas do governo federal, 21 de governos municipais e estaduais, 12 do setor privado e 11 de organizações da sociedade (Heringer, 2006HERINGER, Rosana. 2006. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: um balanço do período 2001-2004. In: FERES Jr., João; ZONINSEIN, Jonas (org.). Ação afirmativa e universidade: experiências nacionais comparadas. Brasília: UnB. pp. 79-109. ).

O sistema de ações afirmativas deu um salto no governo de Luiz Inácio “Lula” da Silva (Lima, 2010LIMA, Márcia. 2010. Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula. Novos Estudos CEBRAP, n. 87, pp. 77-95. ; Paula, 2011PAULA, Marilene de. 2011. A promoção da igualdade racial na era Lula. In: PAULA, Marilene de (org.). Nunca antes na história desse país…? Um balanço das políticas do governo Lula. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll. pp. 60-75. ). Com uma semana de seu mandato como presidente da República, ele sancionou, em 9 de janeiro de 2003, a Lei n. 10.639, que alterava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), introduzindo nos currículos das escolas públicas e privadas dos ensinos fundamental e médio a obrigatoriedade do ensino da história e da cultural dos afro-brasileiros e africanos. O ensino dessa temática tem por finalidade o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, assim como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas na formação da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias e asiáticas. Consistiu em uma importante medida no sentido de fomentar o multiculturalismo a fim de problematizar e, quem sabe, superar o aspecto eurocêntrico ainda presente no ensino de História e das outras disciplinas nas escolas brasileiras (Gomes, 2017GOMES, Nilma Lino. 2017. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes. ). Outrossim, foi instituída a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), no Ministério da Educação, com a atribuição de reduzir as desigualdades educacionais, com base no conceito de diversidade.

Em 21 de março de 2003, no Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, Lula criou a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), órgão com status de ministério, que tinha por finalidade garantir a proteção dos direitos de indivíduos e grupos étnico-raciais afetados pela discriminação e demais formas de intolerância com ênfase na população negra. A Seppir coroou o aprofundamento das relações político-institucionais entre movimento negro e Estado. Se a sua criação não previa representação formal de entidades negras, vez que se tratava de uma indicação da presidência da República, o “conjunto dos seus agentes era oriundo do ativismo negro. Inclusive, identificava-se informalmente o pertencimento organizacional dos que ali estavam vinculados” (Santos, 2022SANTOS, Jocélio Teles dos. 2022. Ativismo negro no Brasil: frente ao Estado e no Estado (1970-2016). Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS Editora. , p. 207). Seja como for, a Seppir sinalizou o acolhimento, tanto de demandas dos ativistas, quanto dos compromissos hipotecados no bojo da III Conferência Mundial contra o Racismo (Santos, 2009SANTOS, Marcio André de O. 2009. Política negra e democracia no Brasil contemporâneo: reflexões sobre os movimentos negros. In: HERINGER, Rosana; PAULA, Marilene de (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, ActionAid. pp. 227-258. ). Em 20 de novembro de 2003, dois decretos do presidente da República foram publicados, instituindo o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e os procedimentos para a titulação das terras das comunidades quilombolas.

O triunfo da “estadania”? 9 9 “Estadania” foi o termo cunhado por José Murilo de Carvalho para se referir a relação do cidadão brasileiro com o Estado, que se caracterizaria por uma excessiva valorização, para não falar dependência, do poder público. No Brasil, haveria uma cultura política estatista, ou governista, segundo a qual é o Estado quem incorpora, ou deveria incorporar, os indivíduos ao mundo dos direitos por via, seja de políticas públicas, seja da concessão, da troca de favores – práticas clientelistas – e da lógica do privilégio (e não do direito assegurado por garantias constitucionais) (Carvalho, 1995 , 2001 ).

Naquela tessitura, assentou-se o novo paradigma do ativismo negro brasileiro, que passou a mirar a sociedade política como esfera fulcral de contestação e incidência, tornando-se, assim, um importante ator no regime de Estado, não apenas advogando o efetivo usufruto de direitos civis e sociais para a população negra, mas elaborando e implementando, em conjunto com órgãos governamentais, políticas focais em áreas as mais diversas, tais como mulheres, juventude, educação e comunidades remanescentes de quilombos.

Ante o protagonismo quilombola, o governo federal procurou formular e executar políticas públicas para a área. Em 2004, foi lançado o Programa Brasil Quilombola, que previa ações e recursos compartilhados entre vários órgãos do Governo Federal, em articulação com os estados e municípios, almejando intensificar a regularização fundiária; infraestrutura e qualidade de vida das comunidades; inclusão produtiva e desenvolvimento local ou “etnodesenvolvimento”; direitos e cidadania. O movimento quilombola, ainda que enfrente uma série de desafios, consolidou sua estratégia de interlocução com o Estado brasileiro (Arruti, 2009ARRUTI, José Maurício. 2009. Políticas públicas para quilombos: terra, saúde e educação. In: PAULA, Marilene de; HERINGER, Rosana (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, ActionAid. pp. 75-110. ; Oliveira, 2009OLIVEIRA, Frederico Menino Bindi de. 2009. Mobilizando oportunidades: estado, ação coletiva e o recente movimento social quilombola. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. São Paulo: USP. ; Souza, 2016SOUZA, Bárbara Oliveira. 2016. Aquilombar-se: panorama sobre o movimento quilombola brasileiro. Curitiba: Appris. , 2018SOUZA, Bárbara Oliveira. 2018. Direitos quilombolas: mobilizações e narrativas. Tempos Históricos, v. 22, n. 2, pp. 18-48. ).

Em 2005, o movimento negro tentou reeditar a Marcha Zumbi dos Palmares de 1995, agora chamada de Marcha Zumbi + 10 Contra o Racismo e pelo Direito à Vida. A qualificação +10 (mais dez) na designação do ato público indicava uma postura de continuidade na estratégia de pressionar o Estado brasileiro por políticas de promoção da igualdade racial. No entanto, o ativismo negro se dividiu e acabou realizando duas Marchas em Brasília – uma no dia 16 de novembro, e outra no dia 22 de novembro daquele ano. 10 10 Durante a preparação da Marcha, houve discordâncias acerca do financiamento para a realização do evento. O ponto de impasse era: o movimento devia ou não aceitar fundos governamentais? Como decorrência disso, duas Marchas foram organizadas: uma, no dia 16 de novembro, para grupos que não aceitavam financiamento do governo e apostavam na organização autônoma do protesto negro, e outra, no dia 22 de novembro, para grupos financiados pelo governo.

Como resposta aos diversos setores de militância relativa à juventude e à população negra, a Secretaria Nacional da Juventude, vinculada à Presidência da República, promoveu a I Conferência Nacional de Políticas para Juventude, em 2008, reunindo em Brasília um grande número de jovens negros. O conclave foi precedido, no ano anterior, pelo I Encontro Nacional da Juventude Negra, ocorrido na cidade de Lauro de Freitas (BA), com o apoio da Seppir e da própria Secretaria Nacional de Juventude. O tema do evento foi “Novas perspectivas na militância étnico/racial” e contou com a participação de delegações de 17 estados brasileiros. Como desdobramentos, foram criados o Fórum Nacional de Juventude Negra e a Campanha Nacional Contra o Genocídio da Juventude Negra (Ribeiro, 2014RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil (1986-2010). Rio de Janeiro: Garamond, 2014. ).

O binômino “violência” e “racismo” se incorporava ao léxico político-institucional. Para os militantes jovens que se insurgiam contra o “genocídio negro”, era lugar-comum evocar a violência, uma vez que compartilhavam o entendimento de que toda forma de discriminação era também uma forma de violência. Assim, “falar sobre e agir contra ela com base em experiências de violação de direito de natureza racial tratava-se sempre de falar de violência”, um repertório de vivências naquele momento cristalizado na expressão “genocídio da juventude negra” (Ramos, 2021RAMOS, Paulo César. 2021. Gramática negra contra violência de Estado: da discriminação racial ao genocídio negro (1978-2018). Tese de Doutorado em Sociologia. São Paulo: USP. , p. 23). 11 11 Nesse contexto, ganhou projeção o movimento Reaja ou Será Morto, uma organização que nasceu na cidade de Salvador, em 2005, tendo como escopo lutar contra a violência policial (relacionada às execuções sumárias e extrajudiciais), os esquadrões da morte e os grupos de extermínio. Notadamente, o Reaja ou Será Morto denuncia o racismo do Estado, acusando-o de perpetrar uma política de genocídio cujo principal alvo é a juventude negra. Em atividade há mais de uma década, a organização teceu uma rede de articulação nacional e internacionalmente. Promove, desde 2013, a Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro. Em suas últimas edições, o evento recebeu o apoio de diversos grupos em várias capitais, que realizam atos públicos. Havia a expectativa de que o Governo Federal, por meio de políticas públicas em defesa dos direitos humanos, investisse recursos e operosidades na reversão da condição de vulnerabilidade dos jovens negros à violência – particularmente à violência policial –, considerando que esse segmento populacional é atravessado pela experiência do racismo.

Ainda no governo Lula, elaborou-se o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em 2009 e, no ano seguinte, aprovou-se o Estatuto da Igualdade Racial, com a meta de fixar direitos para os afro-brasileiros em várias instâncias da vida social, econômica e cultural (Moura e Ramos, 2020MOURA, Joana Tereza Vaz de; RAMOS, Paulo César. 2020. As narrativas do movimento negro no campo político brasileiro: do protesto à política institucionalizada. Antropolítica, n. 50, pp. 224-247. ; Santos, 2021SANTOS, Marcio André de O. 2021. Movimentos negros e lutas antirracistas no Brasil e na Colômbia. Rio de Janeiro: Telha. ). Na sessão de 25 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais as cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). Os ministros acompanharam, por unanimidade, o voto do relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, para quem as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabeleciam um ambiente acadêmico plural e diversificado, e tinham o objetivo de superar distorções sociais historicamente cristalizadas (Van Dijk, 2021VAN DIJK, Teun A. 2021. Discurso antirracista no Brasil: da abolição às ações afirmativas. São Paulo: Contexto. ).

Em 29 de agosto de 2012, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei n. 12.711, estabelecendo cotas de no mínimo 50% das vagas das instituições federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. O segundo artigo da Lei previa o preenchimento das vagas pelos candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção igual à sua distribuição nas Unidades da Federação onde estão localizadas as instituições federais do ensino superior, e de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Santos, 2018SANTOS, Fernanda Barros dos. 2018. Estado e movimentos sociais negros (1980-2010). Tempo e Argumento, v. 10, n. 25, pp. 144-182. ).

Diante do ineditismo dessas medidas no âmbito governamental, os marcos legais adquiriram grande relevância, catalisando a aliança das frações hegemônicas do movimento negro com o Estado. Nesse cenário, a organização de mulheres negras merece um destaque especial. Como fruto de sua participação enérgica nas Conferências Nacionais dos Direitos da Mulher, desde 2003, e na elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em sua edição de 2007, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), órgão que nasceu vinculado à Presidência da República, deu abertura para discutir as questões da mulher negra, chegando até a traçar formulações e propostas específicas que incorporavam a perspectiva de raça/etnia nas políticas públicas direcionadas às mulheres (Rodrigues e Prado, 2010RODRIGUES, Cristiano Santos; PRADO, Marco Aurélio Máximo. 2010. Movimento de mulheres negras: trajetória política, práticas mobilizatórias e articulações com o Estado brasileiro. Psicologia & Sociedade, v. 22, n. 3, pp. 445-456. ; Ribeiro, 2014RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil (1986-2010). Rio de Janeiro: Garamond, 2014. ).

Isso foi possível porque o movimento de mulheres negras tem apresentado novos caminhos para forjar e agenciar as políticas raciais, com a ampliação dos horizontes de possibilidades nas hostes pela justiça social e direitos humanos, o aprimoramento das conexões internacionais e a aposta na interseccionalidade entre raça, gênero e classe social, com ênfase no protagonismo da mulher negra, de um lado, e no enegrecimento do feminismo, de outro. Mais recentemente, o movimento patrocinou a Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo e Pelo Bem Viver, em Brasília, no dia 18 de novembro de 2015. Foi um dia em que milhares de vozes se manifestaram publicamente por melhores condições de vida e de cidadania para as mulheres negras.

Malgrado a sua autonomia, o movimento de mulheres negras também tem apostado na aproximação e na aliança com o Estado, vincando as questões de raça e gênero na esfera político-institucional e se enfronhando nas agências e instâncias da administração governamental, a fim de entabular políticas públicas transversais relacionadas, no limite, à produção de experiências de emancipação do bem viver (Caldwell, 2017CALDWELL, Kia Lilly. 2017. Health Equity in Brazil: Intersections of Gender, Race, and Policy. Urbana: University of Illinois Press. ; Rodrigues e Freitas, 2021RODRIGUES, Cristiano; FREITAS, Viviane Gonçalves. 2021. Ativismo Feminista Negro no Brasil: do movimento de mulheres negras ao feminismo interseccional. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, pp. 1-54. ).

As mudanças no cenário político internacional, com a ascensão de discursos sobre multiculturalismo, e no contexto nacional, com o retorno à democracia, facultaram o ambiente para que o movimento negro fosse mais assertivo na esfera pública, combatesse as ideias antigas sobre a questão racial e estabelecesse, em escala crescente, uma interlocução e pressão sobre o Estado, que, por sua vez, procurou acomodar esse lobby , avalizando a discussão sobre o racismo no Brasil e conferindo aos ativistas negros e negras espaço e voz nessas discussões. Os ativistas aproveitaram esse novo pacto nacional – uma urdidura de como o Brasil deveria ser – para pleitear e negociar mudanças (Rodrigues, 2020RODRIGUES, Cristiano. 2020. Afro-latinos em movimento: protesto negro e ativismo institucional no Brasil e na Colômbia. Curitiba: Appris. ).

Da década de 1990 em diante as inflexões observadas na relação entre movimento negro e poderes estatais influenciaram na construção de uma “agenda política racial” (Santos, 2009SANTOS, Marcio André de O. 2009. Política negra e democracia no Brasil contemporâneo: reflexões sobre os movimentos negros. In: HERINGER, Rosana; PAULA, Marilene de (org.). Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, ActionAid. pp. 227-258. , p. 244). Delineou-se um ciclo de oportunidades político-institucionais caracterizado pelo reconhecimento público do racismo e pela implementação de medidas governamentais corretivas. Conforme as pesquisas recentes têm apontado, o contexto e a dinâmica de interações entre os atores políticos importam no processo de mudança institucional (Rios, 2012RIOS, Flavia. 2012. O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978-2010). Lua Nova, n. 85, pp. 41-79. ; Rodrigues, 2020RODRIGUES, Cristiano. 2020. Afro-latinos em movimento: protesto negro e ativismo institucional no Brasil e na Colômbia. Curitiba: Appris. ; Santos, 2021SANTOS, Marcio André de O. 2021. Movimentos negros e lutas antirracistas no Brasil e na Colômbia. Rio de Janeiro: Telha. ). Especificamente, o movimento negro influencia e instiga a adoção de políticas públicas nos cenários em que tem capacidade de mobilizar redes de militantes dentro e fora da administração pública, nos distintos níveis de governança, e que tenha uma inserção na coalização política do poder (Guimarães, 2018GUIMARÃES, Carlos Augusto Sant’Anna. 2018. Movimento negro e mudança institucional no Brasil: políticas municipais de promoção da igualdade racial em perspectiva comparada (1995-2015). Tese de Doutorado em Ciência Política. Campinas: Unicamp. ).

Seja como for, o movimento negro passou a concentrar suas energias políticas nas plataformas de articulação e atuação “de frente para o Estado”. Isso se expressa na sua escolha pelo caminho da disputa e ocupação do poder público, por meio do Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados); 12 12 Desde a década de 1990, parlamentares negros (deputados e senadores) defendem a necessidade de uma ação unitária e coordenada no Congresso Nacional, em vista do enfrentamento das desigualdades raciais. Foi fruto desses esforços que, em 2003, criou-se a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial; em 2008, houve o registro da Frente Parlamentar em Defesa dos Quilombos. As duas frentes mencionadas fundiram-se em uma, formando em 2011 a Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas. Mais recentemente, em 2019, foi lançada a Frente Parlamentar com Participação Popular Feminista e Antirracista, coordenada por seis deputadas. dos órgãos e/ou instâncias de mediação governamentais específicos para tratar da questão racial; do engajamento dos ativistas nos gabinetes e mandatos parlamentares ou da alocação deles em cargos da máquina burocrática; das negociações, acordos e arranjos programáticos relacionados à implementação das políticas raciais; da retórica pragmática de alinhamento à governabilidade e ordem jurídico-institucional (Campos e Machado, 2020CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. 2020. Raça e eleições no Brasil. Porto Alegre: Zouk. ), em síntese, essa realpolitik se traduz na institucionalização do movimento, que tem focalizado o Estado, menos no que haveria de omissão, e mais nas ações que deveria gerir e executar.

Considerações finais

O movimento negro é constituído em torno dos dilemas, impasses e desafios ligados ao racismo e antirracismo. Ou seja, é a questão racial que confere a esse movimento social especificidade em relação aos outros. O movimento negro brasileiro contemporâneo formou-se no processo de embate e oposição, quer à ditadura, quer ao racismo. Após a redemocratização do país, o movimento assumiu diferentes formas, programas, repertórios e direções. Isso não impediu que ele se constituísse como sujeito coletivo que fez (e faz) das lides em favor dos direitos e da cidadania da população afro-brasileira sua razão de existir.

Diante das vicissitudes do movimento negro, verifica-se que as antigas estruturas organizacionais convivem ou se entrelaçam com as novas. O que significa que esse movimento – com seus diversos formatos organizacionais (de cunho social, político, cultural, religioso etc.), arranjos, interesses, estilos, correntes de pensamento e ação política – caracteriza-se pelo caráter plural (com várias tensões e disputas internas), multifacetado e heterogêneo. A coexistência dos movimentos das comunidades quilombolas, da juventude, do meio educacional e das mulheres são exemplos disso.

Em face das ações coletivas e dos pleitos desses movimentos, o Estado brasileiro passou a dar uma resposta normativa-institucional. Por sinal, uma complexa estrutura institucional foi erigida para acomodar a agency negra. Conforme assinala Tianna Paschel, os ativistas do movimento negro se tornaram atores políticos proativos no cenário nacional. Seus discursos adquiriram mais credibilidade no seio da sociedade civil, assim como suas demandas se legitimaram perante o Estado (Paschel, 2016PASCHEL, Tianna S. 2016. Becoming Black Political Subjects: Movements and Ethno-Racial Rights in Colombia and Brazil. New Jersey: Princeton University Press. ).

O ativismo negro ampliou sua área de abrangência, diversificou suas formas de atuação e auferiu algumas conquistas, como as políticas de ações afirmativas, das quais fazem parte os programas de cotas raciais e a Lei n. 10.639, que instituiu o ensino da história e cultura da África e dos afro-brasileiros (Pereira; Maia e Lima, 2020PEREIRA, Amilcar Araujo; MAIA, Jorge Lucas; LIMA, Thayara Cristine S. 2020. Os “rolês” do movimento negro brasileiro na atualidade, nas “pegadas” da educação. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, v. 1, n. 75, pp. 162-183. ). Esse ativismo cumpre um papel “educador” na sociedade brasileira (Gomes, 2017GOMES, Nilma Lino. 2017. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes. ), tendo contribuído para dar visibilidade aos anseios, problemas, dilemas, impasses e projetos da população negra no campo “acadêmico” (Pereira e Pereira, 2021PEREIRA, Aline; PEREIRA, Vantuil. 2021. Miradas sobre o poder: a nova agência política do movimento negro brasileiro (2004-2021). Revista Brasileira de História, v. 41, n. 88, pp. 33-56. ) dos direitos e da cidadania (Alberto, 2011ALBERTO, Paulina L. 2011. Terms of inclusion: black intellectuals in twentieth-century Brazil. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. ).

Também contribuiu como um dos núcleos formadores do movimento protagonizado por mulheres negras, que, por sua vez, vocalizou o léxico do feminismo negro e inscreveu como problema público as questões interseccionadas de “raça” e “gênero”. Foi o ativismo negro que alardeou a importância de considerar a questão racial quando o assunto é violência (especialmente a violência que vitimiza a juventude negra) e que pautou na agenda nacional a questão da regularização das terras das comunidades quilombolas, o que revelou para a maior parte da população brasileira, até mesmo para muitos militantes negros dos centros urbanos, todo uma miríade de comunidades negras rurais que até então eram desconhecidas.

Se no início da fase contemporânea o movimento negro concentrava seus esforços na denúncia do “mito da democracia racial”, acusando sobretudo o papel supostamente demiúrgico do Estado, mais tarde muitos ativistas passaram a reivindicar políticas de inclusão racial e a dialogar com os poderes estatais de modo mais profícuo, profissionalizado e sistemático. Hoje o movimento acumula experiências práticas de reconhecimento do problema racial mediante a institucionalização das políticas públicas e ações afirmativas. Tem quem diga, inclusive, que o referido “mito” já foi (ou está em vias de ser) sepultado (Guimarães, 2006GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. 2006. Depois da democracia racial. Tempo Social, v. 18, n. 2, pp. 269-287. ; Mitchell e Reiter, 2009REITER, Bernd; MITCHELL, Gladys. 2009. After the racial democracy. In: REITER, Bernd; MITCHELL, Gladys (org.). Brazil’s New Racial Politics. Boulder: Lynne Rienner Publishers. pp. 217-226. ).

As últimas décadas testemunharam transformações profundas nas relações político-institucionais entre o movimento negro e a sociedade política no Brasil. As estruturas partidárias existentes, por exemplo, tornaram-se mais sensíveis aos interesses e às necessidades dos afro-brasileiros. Prova disso é que as agremiações partidárias, de todas as constelações político-ideológicas, incorporaram, ainda que desigualmente, a discussão sobre o racismo e dedicam atenção às candidaturas negras (Campos e Machado, 2020CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. 2020. Raça e eleições no Brasil. Porto Alegre: Zouk. ). Por outro lado, as agências do Estado, encarregadas de combater as desigualdades raciais, em âmbito municipal, estadual ou federal, permitiram aos ativistas e políticos negros uma experiência na administração pública e acesso a secretarias, ministérios, políticos e gestores do Estado. Embora essas agências costumem manejar poucos recursos, elas assumem o relevante papel de documentar, articular e dar publicidade à questão das desigualdades raciais, para torná-la uma questão sensível tanto às pessoas negras quanto brancas, pré-requisito para reverter a consciência pública da questão em uma pressão política tangível.

Conforme assinala Jocélio dos Santos, no período entre 2003 e 2016 salta aos olhos a expressiva participação de ativistas negros em ministérios, secretarias, fundações e conselhos – espaços designados participativos e esferas decisórias estatais. Não são sujeitos isolados, mas, na sua maioria, vinculados a entidades e organizações do movimento negro. Esse fato impulsiona uma maior capacidade de viabilização de projetos com interfaces no “mundo oficial”, mas também aponta a dinâmica e a ambiguidade na incorporação de discursos das entidades negras pelas instâncias públicas (Santos, 2022SANTOS, Jocélio Teles dos. 2022. Ativismo negro no Brasil: frente ao Estado e no Estado (1970-2016). Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS Editora. ).

A esses sujeitos, que à medida que assumem cargos na estrutura governamental e participam como representantes oficiais em eventos públicos, enfatizam a vinculação com o movimento negro, Santos nomeia de “agente duplo”, ativistas/gestores negros que articulam uma dupla identidade: institucional e racial (ou afropolítica). O autor mostra como esses ativistas – provenientes do movimento negro, que se inserem nos espaços institucionais – assumem uma postura ambivalente, produzindo novas concepções e estratégias sobre as instâncias governamentais. “Os ativistas-agentes”, frisa Santos, “foram por mim definidos como portadores de um estatuto especial, em virtude de sua associação e vinculação com o Estado. Eram representantes de instâncias oficiais e detinham uma posição dentro e fora da hierarquia burocrática”. Decerto, “representações contraditórias sobre o Estado estariam sendo operacionalizadas e traduzidas em documentos de caráter oficial”. Com efeito, o desafio é entender “como essas práticas se encaixam na ‘cultura institucional’ estatal, enquanto simultaneamente remodelam as interpretações de quem era anteriormente crítico ao Estado” (Santos, 2022SANTOS, Jocélio Teles dos. 2022. Ativismo negro no Brasil: frente ao Estado e no Estado (1970-2016). Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS Editora. , p. 18).

A narrativa recorrente no movimento negro era que o Estado não o representava. Era racista. Entretanto, no período pós-redemocratização e, sobretudo, no terceiro milênio, emergiram novas concepções sobre as instâncias governamentais, com o Estado passando a ser concebido como uma espécie de multicamada, contraditória, um conjunto translocal de instituições, práticas e indivíduos ou, antes, um lócus de enfrentamentos, tensões e disputas.

Quando a Seppir foi criada, em 2003, temia-se o “aparelhamento” do movimento negro na instituição. Foi um debate que polarizou as posições de ativistas de várias entidades negras. Os que eram contrários à Seppir, argumentavam que haveria uma guetificação para o atendimento das demandas pugnadas por setores do ativismo, o que impediria certos segmentos de exercitarem a crítica ao governo (Paula, 2011PAULA, Marilene de. 2011. A promoção da igualdade racial na era Lula. In: PAULA, Marilene de (org.). Nunca antes na história desse país…? Um balanço das políticas do governo Lula. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll. pp. 60-75. ). 13 13 A Seppir, criada em 2003 como uma secretaria com status de ministério, deixou de existir no segundo semestre de 2015, quando da reestruturação e redução das pastas ministeriais no segundo governo da presidenta Dilma Rousseff. Com a reforma ministerial, surgiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Na estrutura do novo ministério, passava a existir a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A crise política levou ao processo de impeachment da presidenta, em 31 de agosto de 2016. Para muitos, um golpe parlamentar. A partir daí, mais uma mudança afetaria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. O governo de Michel Temer, que assumiu a presidência após o impeachment , extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Realocou a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial para o recém-criado Ministério da Justiça e Cidadania. Uma secretaria sem status de ministério e tampouco com a qualificação “especial”. A agenda regressiva continuou no governo de Jair Bolsonaro a partir de 2019, que manteve a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, porém vinculada ao recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com o novo mandatário, Lula, que tomou posse em janeiro de 2023, o órgão foi transformado no Ministério da Igualdade Racial (MIR), tendo sido nomeada Anielle Franco – irmã de Marielle Franco, vereadora e ativista pelos direitos humanos, assassinada em 2018 – para comandar a pasta. Mais recentemente, tem-se apontado o refluxo, quando não o esvaziamento, do movimento negro, motivado pela ida de lideranças para administrações públicas em âmbito municipal, estadual ou federal.

Há críticos, inclusive, que veem essas agências estatais como o “canto da sereia”, um ato puramente cosmético do bloco do poder para seduzir a clientela negra, sem importância real. Contudo, as pesquisas recentes têm evidenciado que o movimento negro não se encontra entorpecido com a ascensão de inúmeros ativistas à esfera do governo. Tensões não desaparecem, tanto com partidos políticos de diversos matizes ideológicos, como entre as próprias organizações negras, que do governo participam, seja por meio de apoio governamental aos seus projetos ou de seus ativistas que, no Estado, passam a ser agentes institucionais (Santos, 2022SANTOS, Jocélio Teles dos. 2022. Ativismo negro no Brasil: frente ao Estado e no Estado (1970-2016). Salvador: EDUFBA; Feira de Santana: UEFS Editora. ).

Assim, faz-se necessário rever a ideia da relação maniqueísta entre Estado e movimento negro. Por um lado, trata-se de investigar os significados das políticas e ações estatais, rompendo com a perspectiva de oposição entre manipuladores e cooptados; por outro, é necessário ir além de um mero pragmatismo dos sujeitos na ação política, em que se visualizaria a elaboração de políticas públicas com a instrumentalização das veias capilares do Estado – em instituições como ministérios, secretarias e fundações.

A agenda que articula a promoção da igualdade racial no Brasil contemporâneo está intimamente relacionada à atuação de agentes institucionalizados em estruturas de mediação política no interior do Estado e nas demais interações societais. O estudo do movimento negro no Brasil deve estar conectado às reconfigurações do quadro mais abrangente da mobilização da sociedade civil e política no contexto pós-redemocratização, quanto se abriu uma janela de oportunidades para os novos movimentos sociais.

Enquanto no passado o posicionamento majoritário do movimento negro era de estar de “costas para o Estado”, no presente seus militantes e lideranças procuram interferir na estrutura governamental, galvanizam o intercruzamento de proposições junto aos partidos e coalizões políticas do poder e negociam mecanismos institucionais em prol das políticas públicas, em especial as de igualdade racial (Rodrigues, 2020RODRIGUES, Cristiano. 2020. Afro-latinos em movimento: protesto negro e ativismo institucional no Brasil e na Colômbia. Curitiba: Appris. ).

É verdade que a institucionalização 14 14 De acordo com Flavia Rios, a institucionalização do movimento negro “deve-se, em partes, à progressiva profissionalização dos militantes, à especialização do ativismo, à formalização das organizações civis, à ampliação de redes políticas nos planos nacional e internacional, à aproximação dos partidos políticos, ao treinamento de lideranças nos espaços participativos e executivos do aparato estatal” (Rios, 2018 , p. 278). ser utilizada como potencializador das demandas do movimento negro não exclui o conflito e a mobilização por fora e contra o Estado (Leitão e Silva, 2017LEITÃO, Leonardo Rafael Santos; SILVA, Marcelo Kunrath. 2017. Institucionalização e contestação: as lutas do Movimento Negro no Brasil (1970-1990). Política e Sociedade, v. 16, n. 37, pp. 315-347. ), porém, o atual contexto sugere que as relações entre esse movimento e o poder público se traduzem mais em ações junto e não contra o Estado, de construção de mediações e parcerias visando mudanças no ordenamento racial hegemônico. Esse ator coletivo tem se inclinado às agências nacionais e multilaterais e, sobretudo, da administração pública como arenas privilegiadas de intervenção em vista de formular e empregar medidas que acenem para o fim das desigualdades raciais. Talvez isso ocorra porque as lideranças negras estejam convencidas da importância do Estado como agente indutor e realizador de políticas de reconhecimento e redistribuição.

Apesar desse processo estar sendo confrontado pela onda conservadora que ganhou força no Brasil (Domingues, 2019DOMINGUES, Petrônio. 2019. Democracia e autoritarismo: o racismo e o antirracismo. In: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil de hoje. São Paulo: Companhia as Letras. pp. 98-115. ; Johnson III, 2021JOHNSON III, Ollie A. 2021. Breve panorama das vozes negras sobre política brasileira. In: PEREIRA, Amilcar Araújo (org.). Narrativas de (re)existência: antirracismo, história e educação. Campinas: Editora Unicamp. pp. 103-122. ), o movimento continua investindo na estratégia de conquista e ocupação do poder. Talvez o exemplo mais emblemático seja a Coalizão Negra Por Direitos, criada na cidade de São Paulo, em 2019, a fim de “lutar por um país justo, com igualdade de direitos e oportunidades”. Para tanto, empenha-se em “enfrentar as assimetrias e desigualdades raciais, bem como buscar efetivação da justiça social redistributiva e da justiça racial restaurativa”, conforme consta em seu programa fundacional. Sua meta é representar diferentes vozes do movimento: mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, negros e negras católicos, evangélicos, de religiões de matriz africana, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores precarizados, informais e desempregados, todos em coalização num pacto contra as consequências nocivas do racismo estrutural no Brasil. Trata-se, portanto, de um pool de mais de cem coletivos e instituições de negras e negros de todas as regiões do país. Não há uma sede; o que existe é uma secretaria operativa, que articula a ação conjunta do movimento. Em 2020, um de seus principais chamados foi: “Enquanto houver racismo, não haverá democracia!”. 15 15 Carta Proposta da Coalizão Negra Por Direitos. Disponível em: https://coalizaonegrapordireitos.org.br/sobre/ . Acesso em: 26 fev. 2024.

A despeito de seu caráter multifacetado e de uma perspectiva policentrada, o movimento negro brasileiro procura estabelecer liames entre a nação e o Estado, sinalizando transmutar sua política de articulação nos marcos da sociedade civil numa política emergente de contestação e engajamento na arena da sociedade política. Daí a criação de uma organização suprapartidária cuja finalidade é engendrar uma plataforma nacional de direitos (civis, sociais e políticos), baseada num consenso dos diversos grupos a respeito de um programa antirracista, que atenda às necessidades básicas dos afro-brasileiros.

A Coalizão Negra Por Direitos vem promovendo uma ampla mobilização racial, ocupando o debate público e elegendo a via político-institucional, especialmente advocacy , como esfera privilegiada de insurgência contra o quadro de desigualdades raciais e violação dos direitos humanos. Assim, a Coalizão Negra Por Direitos atualiza o projeto estratégico do movimento negro brasileiro de levar suas pautas aos diversos espaços de representação política em organismos e fóruns nacionais (e internacionais), em vista da incidência e disputa das instituições do Estado (em âmbito municipal, estadual e nacional), ou seja, em vista da conquista e ocupação das diversas instâncias do poder público.

Ao longo da Nova República, o movimento negro não apenas viu algumas de suas demandas se transformarem em políticas, como também passou a participar ativamente de sua formulação. Em que pese os reveses ocasionados pela recessão democrática dos últimos anos, o setor hegemônico do movimento tem consolidado uma gramática de luta política aberta e direta com o Estado e os setores dominantes da sociedade civil, mobilizando-se especialmente em torno de ideias de igualdade racial e justiça social. Talvez ciente de que, para se tornar mais pujante na correlação de forças ligadas ao poder e ampliar sua base de apoio político, o movimento deve se posicionar proativamente sob a forma de coalizões no debate público nacional e pressionar mais os governos, políticos formais e suas instituições.

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  • VAN DIJK, Teun A. 2021. Discurso antirracista no Brasil: da abolição às ações afirmativas. São Paulo: Contexto.
  • 1
    O “denuncismo” é uma referência à estratégia de muitas organizações negras que, até a redemocratização, incorriam mais na denúncia do racismo do que na proposição de medidas para a sua erradicação, ou seja, investiam mais em agendas reativas do que afirmativas.
  • 2
    As políticas de promoção da igualdade racial são ações ou políticas públicas e/ou privadas que visam combater o racismo e as desigualdades raciais em todas as esferas da vida social, quer por meio de políticas universais, direcionadas a todos os cidadãos; quer por meio de políticas específicas, destinadas aos grupos que são discriminados racialmente na sociedade (Ribeiro, 2014RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil (1986-2010). Rio de Janeiro: Garamond, 2014. ).
  • 3
    De um ponto de vista diferente de Nancy Fraser, Axel Honneth argumenta que não somente os esforços por reconhecimento englobam as lutas por justiça redistributiva, como também é uma ética pautada no reconhecimento que, por abordar outros aspectos da vida que não o econômico, permite uma concepção de justiça mais ampla e associada aos princípios democráticos. Ao fazer uma leitura da doutrina liberal clássica, Honneth postula que o Estado é o locus do valor da igualdade: é só perante o Estado, ou melhor, por meio de leis e programas governamentais asseguradores de direitos, que os cidadãos são verdadeiramente iguais (Honneth, 2003HONNETH, Axel. 2003. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34. , 2007HONNETH, Axel. 2007. Reconhecimento ou redistribuição? A mudança de perspectiva na ordem moral da sociedade. In: SOUZA, Jessé; MATTOS, Patrícia (org.). Teoria crítica no século XXI. São Paulo: Anablume. pp. 79-94. ).
  • 4
    Democracia racial significa um sistema de relações raciais desprovido de qualquer barreira legal ou institucional para a igualdades de todos os cidadãos, independentemente de sua origem racial e, em certa medida, um sistema de relações raciais desprovido de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação. Durante o regime militar, a democracia racial tornou-se ideologia oficial do Estado brasileiro. Porém, como os cidadãos negros não desfrutavam de igualdade de direitos e oportunidades em relação aos brancos em todos os domínios da vida pública (renda, ocupação, escolaridade, acesso à saúde, a condições de moradia etc.), os ativistas do movimento negro acusavam a ideologia da democracia racial de “mito”, no sentido de se tratar de uma falsa consciência, ou seja, uma visão distorcida da realidade (Guimarães, 2001GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. 2001. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Novos Estudos Cebrap, v. 20, n. 61, pp. 147-162. , 2018GUIMARÃES, Carlos Augusto Sant’Anna. 2018. Movimento negro e mudança institucional no Brasil: políticas municipais de promoção da igualdade racial em perspectiva comparada (1995-2015). Tese de Doutorado em Ciência Política. Campinas: Unicamp. ).
  • 5
    Ação afirmativa é “todo programa, público ou privado, que tem por objetivo conferir recursos ou direitos especiais para membros de um grupo social desfavorecido, com vistas a um bem coletivo. Etnia, raça, classe, ocupação, gênero, religião e castas são as categorias mais comuns em tais políticas” (Feres Júnior et al ., 2018FERES JÚNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto; DAFLON, Verônica Toste; VENTURINI, Anna Carolina. 2018. Ação afirmativa: conceitos, história e debates. Rio de Janeiro: EdUERJ. , p. 13). Para o conceito de ações afirmativas e de cotas raciais, considerada a modalidade mais polêmica das ações afirmativas, ver Feres Júnior et al . ( 2018FERES JÚNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto; DAFLON, Verônica Toste; VENTURINI, Anna Carolina. 2018. Ação afirmativa: conceitos, história e debates. Rio de Janeiro: EdUERJ. ) e Moehlecke ( 2002MOEHLECKE, Sabrina. 2002. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa, n. 117, pp. 197-217. ).
  • 6
    Hanchard argumenta que, “depois do ardor inicial do fim dos anos setenta e início dos oitenta, o MNU parece haver perdido um pouco de seu ímpeto. No fim da década de 1980, entretanto, uma nova geração de ativistas do MNU emergiu em várias partes do país. […] Contudo, embora milite em áreas em que o movimento negro em geral é visivelmente atuante, o MNU tornou-se apenas mais uma organização entre muitas, e não a entidade abrangente que pretendia ser” (Hanchard, 2001HANCHARD, Michael George. 2001. Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ. , p. 152).
  • 7
    O Movimento Pelas Reparações (MPR) surgiu na cidade de São Paulo em 1993. Suas lideranças argumentavam que, devido aos “crimes, aos danos e às atrocidades” causadas pelo tráfico transatlântico, o Estado brasileiro teria uma dívida não só moral, como também pecuniária com todos os descendentes de escravizados. O MPR fez o cálculo presumível do valor dessa dívida e, a partir daí, passou a cobrar do Estado brasileiro o pagamento de US$ 102 mil para todo afrodescendente. Pari passu em que se estruturou e animou debates, seminários e encontros em vários estados (como Maranhão, Bahia, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro), o movimento cresceu em número de adeptos, recebeu apoio de alguns políticos e defensores dos direitos humanos e ganhou espaço na imprensa nacional e internacional, porém, não prosperou, encerrando suas atividades no último quartel da década de 1990 (Domingues, 2018DOMINGUES, Petrônio. 2018. Agenciar raça, reinventar a nação: o Movimento Pelas Reparações no Brasil. Análise Social, n. 227, pp. 332-361. ). Sobre as reparações no Brasil, ver ainda: Saillant ( 2016SAILLANT, Francine. 2016. “Reconhecimento e reparações: o exemplo do movimento negro no Brasil”. In: MATTOS, Hebe (org.). História oral e comunidade: reparações e culturas negras. São Paulo: Letra e Voz. pp. 17-48. ).
  • 8
    “Até o momento são contabilizados três Encontros Nacionais de Mulheres Negras (1988, 1991 e 2001), ressaltando-se, a partir deles, a criação de três formatos de organização nacional – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, o Fórum Nacional de Mulheres Negras e a Coordenação Nacional de Mulheres Negras” (Ribeiro, 2014RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil (1986-2010). Rio de Janeiro: Garamond, 2014. , p. 140).
  • 9
    “Estadania” foi o termo cunhado por José Murilo de Carvalho para se referir a relação do cidadão brasileiro com o Estado, que se caracterizaria por uma excessiva valorização, para não falar dependência, do poder público. No Brasil, haveria uma cultura política estatista, ou governista, segundo a qual é o Estado quem incorpora, ou deveria incorporar, os indivíduos ao mundo dos direitos por via, seja de políticas públicas, seja da concessão, da troca de favores – práticas clientelistas – e da lógica do privilégio (e não do direito assegurado por garantias constitucionais) (Carvalho, 1995CARVALHO, José Murilo. 1995. Cidadania: tipos e percursos. Estudos Históricos, v. 9, n. 18, pp. 337-359. , 2001CARVALHO, José Murilo. 24 jun. 2001. Cidadania, estadania, apatia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 8. ).
  • 10
    Durante a preparação da Marcha, houve discordâncias acerca do financiamento para a realização do evento. O ponto de impasse era: o movimento devia ou não aceitar fundos governamentais? Como decorrência disso, duas Marchas foram organizadas: uma, no dia 16 de novembro, para grupos que não aceitavam financiamento do governo e apostavam na organização autônoma do protesto negro, e outra, no dia 22 de novembro, para grupos financiados pelo governo.
  • 11
    Nesse contexto, ganhou projeção o movimento Reaja ou Será Morto, uma organização que nasceu na cidade de Salvador, em 2005, tendo como escopo lutar contra a violência policial (relacionada às execuções sumárias e extrajudiciais), os esquadrões da morte e os grupos de extermínio. Notadamente, o Reaja ou Será Morto denuncia o racismo do Estado, acusando-o de perpetrar uma política de genocídio cujo principal alvo é a juventude negra. Em atividade há mais de uma década, a organização teceu uma rede de articulação nacional e internacionalmente. Promove, desde 2013, a Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro. Em suas últimas edições, o evento recebeu o apoio de diversos grupos em várias capitais, que realizam atos públicos.
  • 12
    Desde a década de 1990, parlamentares negros (deputados e senadores) defendem a necessidade de uma ação unitária e coordenada no Congresso Nacional, em vista do enfrentamento das desigualdades raciais. Foi fruto desses esforços que, em 2003, criou-se a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial; em 2008, houve o registro da Frente Parlamentar em Defesa dos Quilombos. As duas frentes mencionadas fundiram-se em uma, formando em 2011 a Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas. Mais recentemente, em 2019, foi lançada a Frente Parlamentar com Participação Popular Feminista e Antirracista, coordenada por seis deputadas.
  • 13
    A Seppir, criada em 2003 como uma secretaria com status de ministério, deixou de existir no segundo semestre de 2015, quando da reestruturação e redução das pastas ministeriais no segundo governo da presidenta Dilma Rousseff. Com a reforma ministerial, surgiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Na estrutura do novo ministério, passava a existir a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A crise política levou ao processo de impeachment da presidenta, em 31 de agosto de 2016. Para muitos, um golpe parlamentar. A partir daí, mais uma mudança afetaria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. O governo de Michel Temer, que assumiu a presidência após o impeachment , extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Realocou a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial para o recém-criado Ministério da Justiça e Cidadania. Uma secretaria sem status de ministério e tampouco com a qualificação “especial”. A agenda regressiva continuou no governo de Jair Bolsonaro a partir de 2019, que manteve a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, porém vinculada ao recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com o novo mandatário, Lula, que tomou posse em janeiro de 2023, o órgão foi transformado no Ministério da Igualdade Racial (MIR), tendo sido nomeada Anielle Franco – irmã de Marielle Franco, vereadora e ativista pelos direitos humanos, assassinada em 2018 – para comandar a pasta.
  • 14
    De acordo com Flavia Rios, a institucionalização do movimento negro “deve-se, em partes, à progressiva profissionalização dos militantes, à especialização do ativismo, à formalização das organizações civis, à ampliação de redes políticas nos planos nacional e internacional, à aproximação dos partidos políticos, ao treinamento de lideranças nos espaços participativos e executivos do aparato estatal” (Rios, 2018RIOS, Flavia. 2018. Antirracismo, movimentos sociais e Estado (1985-2016). In: LAVALLE, Adrian Gurza; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika; SZWAKO, José. (org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ. pp. 255-283. , p. 278).
  • 15
    Carta Proposta da Coalizão Negra Por Direitos. Disponível em: https://coalizaonegrapordireitos.org.br/sobre/ . Acesso em: 26 fev. 2024.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2023
  • Aceito
    24 Jan 2024
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