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Será o fim da recessão?

Será o fim da recessão?

Lídia Goldenstein

Economista e membro do Grupo de Conjuntura Econômica do CEBRAP

Em fins de 1982, quando o Brasil não tinha mais reservas de dólares para pagar sua dívida externa e os banqueiros internacionais estavam com medo de emprestar para os países muito endividados (o México acabara de pedir moratória), as autoridades econômicas brasileiras resolveram recorrer ao Fundo Monetário Internacional. Esta instituição, conhecida pelas iniciais de seu nome, FMI, é uma espécie de clube, onde cada sócio contribui com algum dinheiro. Os sócios são os países e, dependendo do tamanho da sua contribuição, têm mais ou menos votos nas decisões do clube.

No início de 1983, os ministros da área econômica brasileira assinaram um documento, chamado "Carta de Intenções", onde se comprometiam com o FMI a cumprir uma série de metas estabelecidas para a economia durante o ano.

O problema da dívida externa brasileira parecia resolvido: o FMI ia emprestar alguns dólares e os banqueiros internacionais, os dólares restantes. Os banqueiros internacionais, nossos credores, voltariam a ter confiança no país e a emprestar dólares, porque o FMI estava tomando conta da nossa economia.

Infelizmente, não foi tão fácil assim. O programa preparado pela equipe do FMI, juntamente com as autoridades econômicas brasileiras, partia de uma visão de economia conhecida como teoria monetarista, que acredita que os problemas econômicos — dívida externa e inflação — podem ser resolvidos através de uma recessão.

A idéia é que a recessão permite obter um superávit em nossa balança comercial. De um lado, a queda no nível de atividade econômica (recessão) provoca uma redução na procura de bens que serão transformados na indústria e demais produtos importados, e, de outro, provoca uma queda na procura interna. Isto é, as pessoas e empresas ganham menos e consomem menos, fazendo sobrar mais produtos para exportação. Assim, com o aumento das exportações e a queda nas importações, sobrariam mais divisas (dólares) e, aos poucos, com este dinheiro, o país iria pagando sua dívida externa. Além disso, a queda na procura interna iria permitir que a inflação diminuísse, pois, segundo esta teoria econômica, é o excesso de procura que provoca a inflação.

Para provocar a desaceleração na economia e cumprir as metas acordadas com o FMI, foi tomada uma série de medidas durante o ano de 1983: arrocho salarial, corte nos gastos públicos, aumento dos impostos, manutenção de altas taxas de juros.

Porém, as metas eram muito rigorosas, o que tornava impossível o seu cumprimento. E, como as metas não estavam sendo cumpridas, tanto o FMI como os banqueiros internacionais pararam de emprestar para o Brasil o dinheiro que haviam prometido. O Brasil, sem o dinheiro, recomeçou a atrasar seus pagamentos internacionais. Novas negociações foram feitas e mais medidas recessionistas foram tomadas.

Aparecem alguns indicadores otimista

No fim do ano, o Brasil conseguiu um superávit comercial de US$6,5 bilhões, graças, fundamentalmente, à queda de 21% das importações provocada pela recessão, pois as exportações cresceram apenas 8,5%. Mas, a inflação não só não baixou, como pulou de 99,7% em 1982 para 211 % em 1983. A teoria monetarista não funcionou: tiraram dinheiro de circulação, caiu a demanda mas a inflação subiu!

Para 1984, outra Carta de Intenções para o FMI foi assinada pelas autoridades econômicas brasileiras e, novamente, foram fixadas metas extremamente difíceis de serem atingidas. Lendo esta Carta de Intenções para 1984, todos os economistas que não acreditam nos métodos do FMI fizeram um prognóstico: que este ano seria ainda pior que o de 1980, a recessão aprofundar-se-ia, mais empresas iriam pedir falência e as taxas de desemprego cresceriam.

Entretanto, após os primeiros meses do ano, alguns indicadores econômicos pareciam desmentir as previsões pessimistas. Iniciou-se, então, um intenso debate. De um lado, o governo e alguns economistas dizendo que a recessão havia acabado, que a economia já estava se recuperando e o desemprego diminuindo. Do outro, aqueles que dizem que estamos longe de uma recuperação, que as coisas ainda vão continuar difíceis por muito tempo.

Na verdade, o que está ocorrendo é que o Brasil começou a exportar muito mais do que estava previsto no próprio acordo assinado com o FMI, permitindo que os setores da economia brasileira que conseguem exportar tivessem um crescimento (produtos químicos, material de transporte, metalúrgica básica, etc.). A partir deste novo quadro de excelente desempenho das exportações e crescimento de alguns setores da economia, duas perguntas se colocam: por que as exportações estão indo tão bem e qual o impacto delas sobre a economia como um todo?

Por que cresceram as exportações?

O crescimento das exportações pode ser atribuído a três causas fundamentais. A mais importante é a política econômica americana. Os EUA estão com um enorme déficit comercial — importações maiores que as exportações —, que está sendo financiado com os dólares que entram no país à procura das altas taxas de juros que eles estão pagando. Portanto, a manutenção do crescimento das nossas exportações depende de os EUA manterem esta política econômica, o que é muito difícil, pois os produtores americanos estão reclamando cada vez mais da concorrência dos produtos importados e exigindo uma maior proteção para seus produtos. Além disso, a manutenção das taxas de juros elevados nos EUA tem causado problemas, tanto para os outros países (por exemplo, aumenta a dívida externa brasileira) como pode causar problemas dentro dos próprios EUA. Se as taxas de juros subirem muito, a economia americana, que é nossa principal compradora, pára de crescer e volta a importar menos do Brasil.

Forças contrárias: salários e juros

Os dois outros fatores que ajudam a explicar o crescimento de nossas exportações são a política salarial e a política cambial brasileiras. Ambas têm contribuído de forma significativa para baixar o preço dos produtos que exportamos e, desta forma, contribuem para torná-los mais competitivos no exterior. Mas, ao mesmo tempo, ambas têm causado sérios problemas para a economia, que, de certa maneira, diminuem o aspecto positivo de incrementarem as exportações.

A política de arrocho salarial tem tido como conseqüência uma queda muito acentuada nas vendas dos produtos de consumo da população. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP, a massa salarial caiu, em termos reais, 13,5% no primeiro trimestre deste ano em São Paulo. Neste mesmo período, no mesmo Estado as vendas reais nas indústrias de alimentos caíram 18,5%, as de mobiliário caíram 5,8%, as de produtos de material plástico caíram 24,9%.

Ou seja, os setores não exportadores, que são os que têm maior peso na economia brasileira, não só não estão retomando seu crescimento como, muito ao contrário, continuam com suas vendas caindo. E não é só a política salarial que impede a retomada destes setores. Toda a política econômica continua voltada para o cumprimento das rígidas metas que o FMI impôs para a economia brasileira, o que freia qualquer eventual possibilidade de retorno ao crescimento. As taxas de juros continuam elevadíssimas, desincentivando qualquer investimento produtivo; o gasto público está cada vez mais contido; e os empréstimos do Banco do Brasil estão sob forte controle.

A recuperação econômica e o atendimento às atuais metas do FMI são incompatíveis (este artigo foi escrito antes das novas conversações entre o governo brasileiro e o FMI). E o que é pior é que até as autoridades econômicas brasileiras já assumiram publicamente que as metas, com exceção da de superávit comercial, são impossíveis de ser atingidas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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