Resumo
Este artigo propõe a ideia de trabalho perpétuo como categoria analítica para aprofundar a compreensão das dinâmicas de espoliação e exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo. O que se pretende demonstrar é como a flexibilização dos contratos de trabalho produz trabalhadores e trabalhadoras que não podem dispor da interrupção de suas trajetórias produtivas, seja pela ausência ou pela intermitência da seguridade social. Essa disponibilidade ininterrupta para o trabalho exige um trabalhador ideal, que atualiza e aprofunda as desigualdades de gênero e idade já presentes no mercado de trabalho. Para construir esse argumento, serão apresentados dados empíricos, recolhidos de entrevistas em profundidade realizadas com profissionais homens e mulheres do setor de Tecnologia da Informação (TI) atuantes nas cidades de Campinas e São Paulo.
Palavras-chave: Capitalismo Flexível; Trabalho Perpétuo; Gênero; Juventude
Abstract
This article proposes the idea of perpetual work as an analytical category to further understand the dynamics of spoliation and exploitation of labor in the contemporary capitalism. The aim is to demonstrate how the flexibility of employment contracts produces workers who cannot afford the interruption of their productive trajectories due to both the absence and interval of social security. This uninterrupted availability for labor requires an ideal worker that updates and deepens the inequalities of gender and age already present in the labor market. To build this argument, empirical data will be presented, gathered from in-depth interviews conducted with male and female workers from Information Technology departments in Campinas and São Paulo.
Keywords: Flexible Capitalism; Perpetual Work; Gender; Youth
Ao reler as entrevistas realizadas para minha pesquisa de doutorado, identifiquei um fator presente em todo o texto da tese como preocupação de fundo, embora nunca claramente enunciado (Castro, 2013). Trabalhadores homens e mulheres do setor de Tecnologia de Informação (TI)1 então entrevistados me contavam, nas entrelinhas de suas histórias de vida, sobre a incapacidade de interromper suas trajetórias produtivas, fosse essa interrupção para cuidar da saúde, tirar licença-maternidade, desfrutar do descanso remunerado nos finais de semana, feriados e férias, ou mesmo para se aposentar.
Apesar da heterogeneidade de interrupções possíveis em uma trajetória de trabalho, recortadas por sexo, idade e condições de saúde, os entrevistados e entrevistadas que precisavam ou gostariam de parar de trabalhar compartilhavam de um problema comum. Eles descreviam o ato de suspender o trabalho remunerado por um tempo e/ou de maneira definitiva como uma impossibilidade para a reprodução de suas vidas - ou, quando conseguiam, como uma realidade vivida de maneira precária.
Essa impossibilidade pode ser explicada pela soma de três fatores: a organização empresarial do setor, a construção de um trabalhador ideal, que atenda às necessidades dessa organização, e a ausência de uma rede de proteção trabalhista e social.
Como veremos, o setor de TI é altamente pulverizado, composto predominantemente de micro e pequenas empresas focadas na prestação de serviços. A elevada competitividade decorrente desse desenho as leva a oferecer os menores custos e prazos para seus clientes. Para atender a essa dinâmica, é preciso que os trabalhadores estejam disponíveis o tempo todo para as empresas e/ou clientes, realizando jornadas que ultrapassam as oito horas previstas em lei e atuando ininterruptamente em finais de semana e feriados. Essa rotina exaustiva é comum no setor e forma uma identidade profissional pautada numa ideia traduzida como flexibilidade: ser trabalhador de TI é trabalhar muito e estar disponível sempre (Castro, 2013).
No caso em questão, essa ideia de disponibilidade se ampliava para além das jornadas de trabalho intensas e extensas, típicas do capitalismo flexível. O sentido de disponibilidade total do trabalhador para as empresas, já tão bem apresentado por outros autores2, se alarga da jornada de trabalho para a extensão da vida, na medida em que se articula à profusão de contratos flexíveis que fraudam relações trabalhistas e são abundantes no setor3. A rede de proteção trabalhista e social, ao se encurtar, prolonga e/ou torna imprevisível o tempo de trabalho necessário à reprodução da própria vida.
Era essa a experiência que esses trabalhadores e trabalhadoras compartilhavam em suas trajetórias heterogêneas, mas que não era racionalizada no seu cotidiano ou fora verbalizada nas entrevistas. Os contratos flexíveis, em especial o PJ, também eram incorporados como parte de sua identidade profissional, e eram elogiados como vantajosos perante os encargos da CLT (Castro, 2015). O elogio se amparava na ideologia empreendedora, que deslizava da ideia da gestão de sua própria empresa, aberta para receber a remuneração do trabalho, para a gestão de si e de seus direitos, criando o consentimento necessário para a manutenção da contratação realizada à margem da lei.
O problema social em questão é o de que o capitalismo flexível, ao privatizar a gestão e negociação dos direitos trabalhistas, cria a ilusão de que a conquista desses direitos depende das habilidades de negociação de cada pessoa e não da proteção do Estado ou da luta classista. No entanto, se a certeza de ser um bom ou uma boa negociadora e gestora desses direitos era fala recorrente entre os entrevistados e entrevistadas, ela era questionada quando a estrutura de desigualdade na relação patrão e empregado se sobrepunha à narrativa da agência individual como mecanismo que dá conta de regular, sozinha, direitos trabalhistas e sociais. Era justamente nesses momentos, nos quais os direitos negociados individualmente não eram garantidos - ou ameaçavam não ser - que as hierarquias se revelavam, e que a noção do trabalho perpétuo, que aqui elaboro, ganhava vida.
Expande-se, pois, uma experiência laboral de desproteção, comum em mercados de trabalho desestruturados, para um conjunto de trabalhadores com elevadas remuneração e escolaridade4. A singularidade das experiências de trabalho aqui narradas está no entrelaçamento entre a retórica empreendedora, os contratos flexíveis e a produção de um trabalhador ideal cuja identidade está vinculada, como veremos, a um ideal de juventude e gênero, que se traduz pela capacidade de o corpo resistir aos excessos das jornadas e de não parar para as atividades reprodutivas de si mesmo e/ou dos outros. Nesse sentido, a construção deste trabalhador ideal discrimina com especial perversidade mulheres, pessoas com saúde fragilizada e em processo de envelhecimento, revelando mecanismos de hierarquização social e reprodução das desigualdades ao não levar em conta as diferenças presentes nos corpos que atuam no mercado de trabalho. É o entrelaçamento desses elementos que tornam o sistema de poder do novo capitalismo ilegível no estudo de caso aqui apresentado, para retomar o achado de Sennett (2009).
Para demonstrar tal tese, divido este artigo em três momentos: (1) uma breve descrição da organização empresarial predominantes no setor de TI no Brasil; (2) uma reflexão sobre a produção do trabalhador ideal no capitalismo contemporâneo e seu viés de juventude e gênero; (3) a apresentação dos dados de campo, de maneira a demonstrar como eles indicam a ideia do trabalho perpétuo como elemento constitutivo do capitalismo flexível e como mecanismo que atualiza e aprofunda desigualdades de classe, gênero e idade no mercado de trabalho.
Antes, porém, cabe um breve esclarecimento metodológico. Os dados aqui apresentados são fruto de pesquisa realizada entre janeiro de 2011 e março de 2012, na qual foram formalmente entrevistadas 60 pessoas em profundidade, com questionário semiestruturado: 30 homens e 30 mulheres, que se reconheciam como trabalhadores de TI e atuavam como tais em empresas de diferentes portes5 nas cidades de Campinas (SP) e São Paulo (SP). A amostra foi construída em um esquema de snowball, com um(a) entrevistado(a) indicando outros(as), de modo a dar conta da diversidade das formas de contratação e de sua vivência6. Nesse sentido, a quantidade de pessoas entrevistadas e o seu perfil foram limitados pelo esgotamento e/ou repetição no padrão das histórias profissionais e de vida segundo esses critérios, que obviamente restringem o escopo da análise em questão. Para este artigo, contaremos com excertos de nove entrevistas. Os nomes apresentados são fictícios e seguem o acordo de anonimato firmado entre eles(as) e a pesquisadora. O perfil de cada trabalhador(a) aparecerá quando de sua menção no decorrer do artigo.
Capitalismo flexível e organização empresarial do setor de TI no Brasil
O crescimento do setor de TI coincide, no Brasil, com um período de adoção de medidas neoliberalizantes nos planos econômico, político e social. A despeito da formação de disciplinas acadêmicas na área de informática no país terem se iniciado no fim da década de 19607, Tapia (1995) aponta que a massificação da indústria, com a formação de um mercado de trabalho correspondente, só se tornou realidade no final da década de 1980. Até então, nossa indústria informática era regida pelo modelo de reserva de mercado.
Apesar de a IBM ter instalado sua primeira fábrica no Brasil em 1971, em Sumaré (SP), o Estado brasileiro buscava privilegiar a indústria nacional para fortalecê-la e promover a pesquisa e a formação de profissionais na área de tecnologia. Nosso primeiro microcomputador de tecnologia nacional, da empresa estatal Cobra Computadores, foi lançado em 1980, mesmo ano em que o lobby das multinacionais da informática começou a ganhar força no Congresso Nacional. Após uma série de disputas políticas, somadas à crise econômica que assolava o país e que impedia o investimento em áreas que exigiam custos muito elevados, decidiu-se, durante o governo Sarney (1985-1990), pela abertura à entrada de empresas estrangeiras que fabricavam microcomputadores e seus componentes (Tapia, 1995).
O crescimento e massificação da indústria e do mercado de trabalho em informática coincidiu, pois, com os anos que compreendem o final dos anos 1980 e início da década de 1990 e que ficaram conhecidos pela abertura ao mercado internacional, intensificação da reestruturação produtiva e desregulamentação trabalhista. O Brasil acompanhava um ajuste internacional do processo de acumulação capitalista, que buscava uma solução para a crise que se desenhava desde os anos 1960 e atingiu seu ápice com a crise do petróleo, no final da década de 1970. O diagnóstico para o problema era que o modelo taylorista-fordista era deveras rígido, por ser baseado na produção em massa, homogeneizada e organizada em estoque. Entendia-se que a chave para retomar o aumento da lucratividade era apostar na flexibilidade e passou-se a adotar a produção por demanda, mais heterogênea e diversificada, nomeada toyotismo. Do operário-massa, típico do taylorismo-fordismo, passou-se a valorizar o operário polivalente, típico do toyotismo. E da produção centralizada, passou-se à descentralização da produção, subcontratando e terceirizando fornecedores e mão de obra, de modo a adaptar a produção à demanda. Esse modelo foi a base para modificar as relações de produção hegemônicas vigentes até então no Ocidente capitalista. Mas não só elas. O movimento de reestruturação da produção veio acompanhado de uma reestruturação econômica, social e política (Harvey, 2008).
Esse movimento global, que trouxe em seu bojo novas formas de organizar o trabalho e a vida econômica, política e social, foi o que permitiu Harvey (2008) afirmar que estaríamos vivenciando uma nova fase de acumulação do capital, nomeada de acumulação flexível. Ela leva esse nome porque a flexibilidade é o que dá o tom na mudança dos processos e mercados de trabalho, na produção de mercadorias e nos padrões de consumo. Esse modelo ficou caracterizado pela compressão do tempo e espaço, induzida pela automação da produção e uso de tecnologias da informação e comunicação, que produzem maior intensificação do trabalho, desregulamentação da legislação trabalhista (com adoção de regimes de trabalho e contrato flexíveis, como o trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado), diminuição do poder sindical, deslocalização e desverticalização da produção, e, consequência deste último elemento, pela pulverização da estrutura industrial e empresarial, agora organizada em uma cadeia de subcontratações e terceirizações, que não só ampliou enormemente a malha de pequenas empresas prestadoras de serviços, como também permitiu o ressurgimento (no caso das economias centrais), ou a expansão (no caso das periféricas, como era a brasileira), da economia informal e subterrânea (Harvey, 2008).
Como já citado, esse movimento de reestruturação produtiva ganhou força, no Brasil, na década de 1990, junto às medidas e ajustes neoliberalizantes. Entre os anos de 1980 e 1990, perdemos 1,5 milhão de empregos nas indústrias, com aumento proporcional do setor de serviços8 (Antunes, 2004). Ao mesmo tempo, vivenciamos um processo de flexibilização das contratações e de desregulamentação das leis trabalhistas, que potencializaram as subcontratações e terceirizações. Para além dos contratos temporários e em tempo parcial, resultantes desse processo, a maior tradução dessas pressões, junto à terceirização, foi a proliferação de contratos que fraudam relações trabalhistas (Krein, 2007; Galvão, 2007). Entre eles, se destacam aqueles que passaram a existir em profusão no setor de TI: o PJ (Pessoa Jurídica), as "cooperfraudes" e o CLT Flex.
Apesar dos diversos ajustes realizados em nossa legislação trabalhista, a pressão pelo modelo negociado não foi traduzida em seu desmonte oficial. No entanto, as relações de trabalho negociadas individualmente são realidade para muitas pessoas. A desregulamentação aliada à escassa fiscalização montou um cenário em que o Estado parece dar aval para o empresariado manejar a força de trabalho privadamente, conforme a conjuntura econômica. Embora muitos contratos de trabalho ocorram às margens da legislação atual, não há campanhas governamentais nem ações claras e consistentes para coibir contratos fraudulentos.
O modelo de negociação individual de direitos entre trabalhadores e empregadores, sem a intermediação de coletivos organizados e sem obediência à legislação, é fato para uma parcela da classe trabalhadora. É tácito o conhecimento de que existe um amplo uso do PJ servindo como disfarce de vínculo empregatício no setor de TI. Fóruns de discussão na internet e sites especializados9 discutem abertamente os prós e os contras do CLT e do PJ.
A história de abertura econômica, reestruturação produtiva e flexibilização da legislação trabalhista se reflete na trajetória dos trabalhadores pioneiros do setor de TI, no Brasil. Nesse sentido, a história pessoal de Marília, 53 anos, sem filhos, e dona de sua própria empresa, é exemplar. Formada em uma das primeiras turmas de Ciências da Computação do país, ela havia atuado, nas décadas de 1980 e 1990, em multinacionais de telefonia, sempre contratada como CLT. Com a abertura dos mercados para a computação e a terceirização das atividades de TI nas indústrias e empresas, viu uma oportunidade de ter seu próprio negócio, prestando o serviço que antes era diretamente contratada para fazer. Em 1999, ela abriu, em São Paulo, sua microempresa, que desenvolvia soluções em TI para clientes variados. No momento em que conversamos, em 2011, contava com três empregados contratados como PJ. Nessa entrevista, Marília me dizia se ver próxima da idade de aposentadoria, processo pelo qual amigos e amigas da mesma idade se organizavam para iniciar. Ela, no entanto, não tinha perspectivas de parar de trabalhar: "Hoje, por exemplo, com 53 anos, eu não posso parar de trabalhar. Tenho que continuar trabalhando. Eu não tenho dinheiro pra viver [se parar]... Eu brinco que a minha meta é parar de trabalhar na véspera [da morte]!" (Marília, 2011).
A empresa de Marília é apenas uma entre milhares de micro e pequenas empresas que predominam no setor. Internamente, o mercado de TI é altamente pulverizado, retratando o cenário da organização produtiva típica da acumulação flexível. No Brasil, a maior parte do setor de TI é composto por micro e pequenos empreendimentos com poucos empregados. Para se ter uma ideia, em 2009, 79% delas possuíam de 5 a 20 pessoas ocupadas. Naquele ano, cerca de 1% possuía mais de 100 pessoas10 (Softex, 2012). Além disso, contribui para o entendimento do desenho empresarial do setor o fato de que a maior parte das empresas é focada na prestação de serviços, ou seja, não há uma produção intensiva de tecnologia nacional, mas sim a customização de softwares já desenvolvidos por multinacionais para clientes11. Dos(as) 9 entrevistados(as) selecionados(as) para este artigo, 6 atuavam em empresas nacionais de pequeno e médio porte, adaptando softwares e linguagens já prontos para os produtos encomendados pelos clientes.
Esse desenho empresarial ultrapulverizado, típico do capitalismo flexível, resulta em uma elevada competitividade entre as empresas que as leva a ganhar a concorrência com promessas de baixo custo e curto prazo. A operacionalização dessa equação resulta no barateamento dos custos da produção, baseado na intensificação do uso da mão de obra (com as jornadas intensas e extensas narradas pelos profissionais do setor), e na oferta de contratos de tipo PJ.
Essa elevada competitividade e o reconhecimento do caráter estratégico do setor de TI para a economia do país foi o que levou o governo federal a promulgar, em 2005, a chamada "Lei do Bem" (Lei nº 11.196), que tinha a finalidade de desonerar a produção de tecnologia para transformar o país em um líder exportador no setor (Brasil, 2005). Além da redução de impostos como PIS, Cofins e IPI (Impostos sobre Produtos Importados), o artigo 12912 da Lei "institui mais uma espécie de flexibilização da relação de emprego" ao admitir a contratação de mão de obra de PJ com liberação do vínculo de emprego para efeitos fiscais e previdenciários (Marques de Lima, 2007, p. 64). A Lei em questão mostra um exemplo de como as pressões do empresariado pela redução dos custos com o trabalho resultam em uma desregulamentação das leis trabalhistas realizado à parte da Lei. A autorização do PJ em determinadas configurações empresariais fragiliza a regulação trabalhista, ao mesmo tempo que sinaliza para a burla uma vez que, conforme interpreta Marques de Lima (2007), o texto da Lei é vago e permite abarcar uma série de situações de prestação de serviços. Para além de formalizar prestadores de serviços que estão na informalidade, a Lei também serve como mecanismo de conversão de quem já possui vínculo empregatício para essa modalidade. Um fenômeno de regulação do trabalho que, como veremos, não está isolado.
O PJ e a ideologia empreendedora
A configuração da organização empresarial do setor casa com a difusão da ideologia empreendedora, fenômeno observado por Colbari (2007, p. 102) como constitutivo da nova fase do capitalismo, pois "transbordou da área dos negócios e se espalhou no tecido social mais amplo". Na sua intersecção com o mercado de trabalho, essa ideologia atua como um "componente das estratégias de gestão do trabalho e, assim sendo, da socialização do trabalhador assalariado, bem como da configuração de formas alternativas de inserção nas atividades produtivas" (Colbari, 2007, p. 76).
Pautada por uma cultura do individualismo e da autorresponsabilização pelo sucesso profissional, que Ehrenberg (2010) associou à cultura presente nas competições esportivas, baseadas na lógica da aventura, desafio e superação pessoal, a ideologia empreendedora é emprestada ao universo do trabalho e à retórica das empresas e trabalhadores como uma habilidade imprescindível ao mercado de trabalho. É preciso se reinventar à luz das rápidas transformações tecnológicas, é preciso criar novos produtos para se tornar atrativo ao mercado consumidor, é preciso diversificar para sobreviver. Narrativa que estava presente entre os trabalhadores PJ, como exemplifica a fala de Alberto, um engenheiro civil de 52 anos, PJ, que atuava desde 2005 na sede brasileira de uma multinacional de serviços de internet como gerente de produtos na cidade de São Paulo:
Eles [amigos] me convidaram e eu aceitei o convite porque eu achava que continuar... Eu queria sair do emprego. Eu queria ir pro risco. Eu não fui ser um sócio dessa empresa. No primeiro momento eu fui ser PJ porque é assim que predominantemente essas empresas contratavam. Eu tenho uma empresa pessoal profissional porque acredito que em um certo nível de atuação profissional, em um certo tipo de gratificação profissional que você tem, você tem que ser um cara que compra riscos, você tem que ser um cara que o chefe diz assim: "arrisque". É uma coisa egoísta se formos pensar sociologicamente, em termos de relações de trabalho, mas o profissional hoje tem que ser aquele que faz e compra o risco (Alberto, 2012).
As características presentes na produção flexível são traduzidas como qualidades esperadas do trabalhador, que passa a emulá-las como habilidade profissional. Entre elas, destaca-se a capacidade de se adaptar ao mercado de trabalho, negociando e gerindo direitos de maneira individual. Essa habilidade torna-se fundamental para sobreviver no capitalismo contemporâneo brasileiro.
Isso apareceu de maneira muito clara nas falas dos entrevistados e entrevistadas. Ser PJ era muitas vezes apontado como vantagem em relação à CLT, por um suposto ganho extra. Bastava saber se organizar para guardar dinheiro e emular, com esses fundos, direitos e benefícios trabalhistas e sociais aos quais não se tinha acesso. A vivência do PJ aparecia como um aprendizado para um futuro salto de liberdade: transformarem-se donos de suas próprias empresas, virando patrões deles mesmos (Castro, 2013).
Nas entrevistas, muitas pessoas apontavam a negociação de direitos como uma competência, um diferencial competitivo no mercado. Eles não viam os direitos como conquistas de organizações coletivas, mas sim como responsabilidade de cada pessoa. É por meio dessa tradução sobre como se obtém direitos que se constrói o consentimento dessa relação de trabalho. O consentimento é construído, em grande parte, pela ideia de liberdade e autonomia contida em conquistas individuais perante o patrão, mas cujos limites se revelam conjunturalmente - e revelam, com isso, a condição estrutural de classe do trabalhador.
Além da conjuntura global de organização do capital, colaboram, para fomentar o ideal empreendedor, políticas de Estado. Na última década, com a melhoria nos índices de desemprego no Brasil, políticas públicas de trabalho e renda contribuíram para a individualização da gestão de direitos, ainda que de forma indireta. Uma das principais políticas de trabalho e renda do segundo mandato do governo Lula e primeiro mandato do governo Dilma Rousseff se dirigiu ao fomento do empreendedorismo, em especial do empreendedorismo individual. O principal expoente dessa diretriz é o MEI13, cuja ideia é a de que, se uma massa de trabalhadores não consegue ser formalizada, ao menos se garanta seu acesso ao núcleo de direitos da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, não houve enfrentamento dos contratos que fraudam relações trabalhistas, que parecem ter sido naturalizados na pauta política14.
As políticas públicas de incentivo ao empreendedorismo têm um claro mérito de formalizar informalizáveis, mas também têm colaborado para a ampliação de vínculos empregatícios irregulares15 e, de maneira mais direta, para a difusão da ideologia empreendedora, do ideal de autorrealização e autorresponsabilização pelo sucesso profissional.
É para além da flexibilização das relações de trabalho, portanto, que este artigo se propõe a olhar, para entender como se dá a produção do trabalhador ideal do capitalismo flexível. É preciso compreender esses trabalhadores nesse cenário mais amplo, conjugados à abertura de pequenas empresas com poucos funcionários, conforme Colbari (2007) se referia ao empreendedorismo, como estratégias de gestão e de inserção na atividade produtiva. É a partir da socialização gerada nesse novo cenário, composto por uma miríade de micro e pequenas empresas, startups, trabalhadores autônomos, freelancers, e PJs, que transita esse novo trabalhador ideal para o capital. Além do individualismo, das ideias da autorresponsabilização e autorrealização, a ideologia empreendedora, amparada e difundida pelas políticas de Estado, ajudam a produzir, na prática, o consentimento de trabalhadores cujo destino é serem perpétuos, ou seja, trabalhadores que não podem e/ou não conseguem parar de trabalhar.
Giovanni Alves (2005) já apontava para a "completude visceral" que a produção de consentimento atinge na acumulação flexível. Segundo o autor, esse período produz o que ele nomeia de "compressão psicocorporal", fenômeno que tem como base a ideia de que o "nexo essencial da lógica da produção toyotista é a captura da subjetividade do trabalho vivo" (Alves, 2005, p. 418), que nada mais é do que uma nova forma de produção do consentimento a partir dos dispositivos de envolvimento na produção de tipo toyotista.
O novo corpo do capitalismo na fase da acumulação flexível é, para Alves (2005), aquele que se submete aos fenômenos de superexploração e intensificação das rotinas de trabalho e que seria responsável por um fenômeno para o qual Sennett (2009) já havia apontado: a dessocialização. Tal fenômeno aparecia em Sennett a partir da perspectiva das consequências da vivência da flexibilidade, presente tanto nos trabalhos desqualificados e precários quanto nos que exigiam intensa mobilidade de tempo e espaço, como o do setor de TI aqui analisado. Ele já se preocupava em como a maneira como o capitalismo flexível organiza o trabalho e a produção impossibilitava aos(às) trabalhadores(as) a construção de vínculos duráveis. A elevada mobilidade (de tempo/espaço e mudança de emprego), constituinte dos empregos contemporâneos, seria a principal característica que impediria a construção de uma identidade profissional e de classe, causando não apenas sofrimento emocional, mas também um enorme prejuízo social, seja pela fragilização da construção de laços sociais no espaço do trabalho, seja pela cada vez mais incipiente organização da classe trabalhadora enquanto agente de transformação do mundo. Com as novas organizações, os(as) trabalhadores(as) perderiam tanto sua identidade de grupo e de classe quanto um sentido para o seu trabalho além da rotina diária.
Mas se o novo corpo exigido ao trabalhador ideal do capitalismo flexível realiza a compressão psicocorporal e produz dessocialização, é preciso analisar outra dimensão escancarada nas narrativas dos meus entrevistados e entrevistadas: a da impossibilidade de manter essa performance produtiva diante da ausência e/ou intermitência de seguridade social e da pluralidade de corpos que estão presentes no mercado de trabalho. A flexibilização dos contratos de trabalho agudiza os mecanismos de discriminação às mulheres e às pessoas cujos corpos não performam um ideal de juventude. Para compreender esses elementos, a discussão sobre a (re)produção das etapas da vida na sociedade contemporânea nos ajuda a jogar luz sobre a produção desse corpo ideal do(a) trabalhador(a) flexível, que se vincula à ideia do trabalho perpétuo.
Gênero e juventude: a produção do trabalhador ideal no capitalismo flexível
Ao analisar os significados atribuídos à velhice no curso de vida pós-moderno, Guita Debert (1999) argumenta que a maneira como os teóricos pós-modernos pensam a cronologia da vida na sociedade contemporânea remete à ideia de que não é mais possível fazer a distinção entre suas diferentes etapas de maneira tão clara. Se a modernidade foi o período em que essas etapas foram delimitadas em infância, vida adulta e velhice16, no mundo contemporâneo essas fronteiras estariam embaçadas. Esse embaçamento, segundo a autora, é marcado pela valorização da juventude, ou mais adequadamente, a um ideal de juventude que se associa a "valores e a estilos de vida e não propriamente a um grupo etário específico" (Debert, 1999, p. 77). E as consequências desse embaçamento é a valorização da velhice ativa e sua consequente privatização. Um processo no qual os "dramas" dos velhos "se transformam em responsabilidades dos indivíduos que negligenciaram seus corpos e foram incapazes de se envolver em atividades motivadoras" (Debert, 1999, p. 72). Ao produzir a velhice ativa como tipo ideal, inclusive para a construção de políticas públicas, o movimento que se realiza é o de excluir da responsabilidade social os corpos que não performam os valores e estilos de vida associados à juventude. Quem não se ajusta a um ideal de velhice, nesse contexto, é responsabilizado e punido, em vez de ser amparado pelo Estado.
Ao retomar meus dados de pesquisa, o que se destaca é que "pessoas de idade cronológica muito diferentes" têm, à primeira vista, experiências muito similares de relações de trabalho. A intensificação do trabalho, os deslocamentos espaciais como rotina, o embaçamento da vida profissional e privada, a elevada rotatividade e a trajetória marcada por uma diversidade de contratos que fraudam relações trabalhistas estavam presentes nas narrativas de todos os profissionais entrevistados.
No entanto, ao olhar com mais cuidado para o que essa aparente homogeneidade significa, percebemos que os contratos flexíveis nos ajudam a revelar as produções de hierarquias que se costuram entre trabalho, gênero e etapas da vida. Ao negar a seguridade social que é característica da CLT, os contratos flexíveis mostram como a produção do trabalhador ideal no capitalismo também contém em si o ideal da juventude, traduzido pela capacidade de o corpo resistir aos excessos da rotina espoliante de trabalho. Esses elementos, presentes em diversas entrevistas, se traduzem de maneira muito direta no excerto a seguir da entrevista concedida por Cássio, que só parava de trabalhar quando adoecia pelo excesso da rotina (ele chegou a trabalhar mais de 300 horas em um mês!), e acreditava que não aguentaria levar essa performance produtiva por mais tempo17.
Então, a gente não tem mais férias, a gente não tem descanso! Existe um momento que a gente sabe que a gente vai estafar. Eu estou há dois meses pra completar meus trinta anos... Às vezes, a idade pesa um pouco, por mais que trinta anos não sejam nada, mas eu sei muito bem que hoje eu ainda aguento virar noites, hoje eu ainda aguento trabalhar dessa forma que eu estou de trabalhar duzentos e quarenta, às vezes, trezentas horas no mês, mas eu sei que eu não vou aguentar isso por muito tempo. Tanto que eu já estou planejando as minhas mudanças pra daqui uns cinco anos. Eu sei que eu não vou aguentar... (Cássio, 2011).
Além da performance de um corpo jovem, as características exigidas do trabalhador ideal de TI, tais quais mobilidade, capacidade de adaptação em curto prazo pelas mudanças nos projetos, disponibilidade de tempo integral ao trabalho etc. possuem um forte viés de gênero. Quando pensamos em papéis tradicionais de gênero, com as mulheres responsáveis pelas tarefas ligadas à reprodução da vida, tais quais os cuidados da casa, dos filhos e da família, notamos que essa ideia de disponibilidade total não pode ser performada por todos os trabalhadores.
Em pesquisa realizada sobre o setor de TI na Suíça, Elisabeth Kelan (2009) já apontava essa limitação. Quando articulou esse ideal de trabalhador, que ela definiu como flexível, com as tarefas do cuidado e da família, concluiu que apenas os homens estavam disponíveis para desempenhar a flexibilidade exigida do trabalhador de TI. Ou seja, as tarefas da reprodução da vida não entram na produção desse trabalhador ideal. Ao avaliar como trabalho e família se relacionam com as exigências rotineiras do setor e como se dá a divisão sexual do trabalho em nossa sociedade, a autora percebeu que esse trabalhador ideal não é neutro em gênero, e acaba sendo predominantemente homem.
Se atuar em relações de trabalho flexíveis significa ser capaz de aguentar uma rotina de trabalho intensa e cheia de excessos, cabe perguntar quem é esse trabalhador que nunca para, não se fragiliza, não adoece, não engravida, não cuida de pessoas que dele sejam dependentes. Esse trabalhador é aquele que possui, idealmente, um corpo jovem, saudável e que exerça uma masculinidade padrão.
Se a produção desse trabalhador ideal atende aos interesses do capital e a sua medida é a resistência à espoliação, nos resta compreender qual é a dinâmica de exclusão que esse ideal de trabalhador opera e como ela nos ajuda a entender as novas nuances de criação, na prática, de hierarquias e desigualdades de gênero e idade na classe trabalhadora. Mais alguns trechos de histórias dos(as) entrevistados(as) nos levará a refletir sobre os limites que a flexibilização dos contratos de trabalho trouxeram ao processo de envelhecimento e maternidade, e irá revelar a costura da dinâmica produtora de diferenças tecida entre trabalho, gênero e etapas da vida.
Trabalho perpétuo: aposentadoria, adoecimento e maternidade
Pesquisadora: Você ficou na [nome da empresa ocultado] doze anos e doze anos sem férias? Entrevistada: Doze anos sem férias. O que eu saí foi minha licença-maternidade do Vinícius... Eu chamo de licença-maternidade, eu fiquei seis meses fora... O Mário me pagou salário, porque o filho era dele, e o dinheiro ia ficar todo na casa dele... Mas... Eu, na verdade, tava trabalhando de home office. Eu não ia pro escritório, mas quando o cliente chamava, quando tinha um problema, numa carga de trabalho bem inferior, mas acontecia... E quando era urgente, não tinha chororô. Então, assim, o Vinícius tava com cinco dias de vida, deu um problema num cliente, o pessoal me ligando de cinco em cinco minutos. Sendo que eu ainda tava dolorida do parto, ainda... É... Eu tava sozinha em casa, eu não tinha empregada, o menino, ele só chorava, não dormia, meu peito tava machucado, a minha amamentação foi muito difícil, e eu tendo que programar um treco que tava dando pau! Sabe? Era uma coisa que exigia códigos, exigia programação, tal... Lógica, sossego, raciocínio... E eu tava cheia de hormônios, sabe, na partolândia ainda... Tudo que eu não tinha ali era um raciocínio lógico. Então, assim, eu chamo de licença-maternidade esses seis meses, mas eu não tive a paz que uma puérpera precisa pra poder cuidar de seu filho, pra poder amamentar seu filho. E o Theo [segundo filho] foram três meses [de licença-maternidade]. Então foi isso que nós tivemos. Além disso, eu e o Mário, nós tivemos uma semana de férias, eu acho que em 2003. Só. Trabalho, trabalho, trabalho... Até os meninos virem, eu tinha tanto tesão naquilo... Eu não precisava de descanso. Não precisava. Eu tava bem (Marcela, 2011 )18.
Marcela trabalhava como PJ em uma empresa de TI cujo dono, Mário, veio a se tornar seu marido. Ela relatou, durante a entrevista, uma jornada de trabalho intensa, de 10 a 12 horas diárias e interrompida apenas por feriados e finais de semana em que o trabalho não estava acumulado. Em doze anos de empresa, "tirou férias" na forma de duas licenças-maternidade, que, por sua vez, não se realizaram de maneira plena, como observamos em seu relato.
Apesar de extrema, a história de Marcela não é exceção. Outras mulheres entrevistadas e que tiveram filhos narraram histórias similares de negociações individuais de direitos trabalhistas. Carmem, uma desenvolvedora de banco de dados e que também já havia atuado como PJ19, havia combinado a licença-maternidade não remunerada pelo período de quatro meses, mas a chefia mudou e o acordo foi desmanchado. Ela passou a atuar em home office, de maneira informal, para conseguir cuidar do filho recém-nascido e do trabalho ao mesmo tempo. A remuneração obtida não era suficiente para contratar uma babá ou colocar o filho em uma creche. Ela narrava, então, uma rotina de trabalho entrecortada pelo revezamento do sono do filho com o trabalho em TI, e o período em que o filho ficava acordado, com o trabalho de cuidado da criança. A ausência da licença-maternidade se estendeu quando deu luz à segunda criança e sua rotina só se tornou melhor porque dessa vez passou a contar com a ajuda da mãe para cuidar das crianças e da casa (Castro, 2014).
Corrobora para essas histórias de vida e para o argumento deste artigo, da produção de um corpo específico para o capitalismo flexível, o anúncio realizado por duas grandes empresas de tecnologia no final de 2014. O Facebook e a Apple passaram a oferecer como benefício para suas funcionárias mulheres o congelamento de óvulos, de modo a que elas possam adiar a maternidade e focar em suas carreiras (Canno, 2014).
O adoecimento ou problema de saúde também apareceu como elemento que expõe a impossibilidade de interrupção do trabalho na vida dos trabalhadores flexíveis. Augusto20, que atuava em uma empresa de comunicação, conta que sua rotina de trabalho era organizada por uma lógica que ele nomeava como "render" colegas. Com um número pequeno de funcionários responsáveis por cada setor de TI dessa empresa e um esquema de trabalho que precisava funcionar 24 horas, eles se revezavam em turnos de 8 a 12 horas cada, intercalados com o correspondente de descanso, e um trabalhador só podia sair se o outro chegasse - daí a ideia de "render" o colega. O esquema de descanso aos finais de semana, feriados e férias também funcionava dessa maneira. E tudo era negociado com a chefia da empresa terceirizada (de quem eles eram funcionários diretos e que oferecia o serviço de TI 24 horas/7 dias por semana e presencial para a empresa de comunicação na qual atuavam), e com os colegas, especialmente no que dizia respeito às folgas. Essa necessidade de negociação contínua gerava tensões e um sentimento de ansiedade entre eles, especialmente quando pensavam em possíveis adversidades:
Você é uma empresa que é contratada para trabalhar. Isso é meio ruim também, como, por exemplo, se eu fico doente, ferre-se, dane-se você, você tem que vir trabalhar. Ou alguém trabalha para você e depois você trabalha para a pessoa. Eu não posso colocar outra pessoa para trabalhar para mim. Se eu quebrar a perna... Por exemplo, na sexta-feira. Ele não é da minha equipe, mas é do mesmo esquema de contratação. Ele saiu daqui às 6h da manhã para voltar 6h da tarde. Só que ele ia fazer prova de direção na autoescola. Ele fez a prova, ficou todo feliz, chegou em casa e foi dormir. Esqueceu que tinha que vir aqui, entrar às 6h. Ele acordou às 8h da noite com todo mundo ligando para ele, "cadê você?". É muito assim aqui, muita pressão (Augusto, 2011).
Augusto sabia que no caso de adoecimento ou de acontecer algum acidente, como na invocação do caso hipotético de quebrar a perna, ele teria de acionar os mecanismos de negociação informais com seus colegas. Sem direito à licença médica para tratamento de saúde por não contribuir com o INSS - e, ainda que contribuísse, restaria o medo de perder o trabalho caso parasse -, ele já tinha uma estratégia elaborada para conseguir parar de trabalhar por uma ou duas semanas: trocar de jornada com um ou mais colegas. Assim, quando ele pudesse retornar ao trabalho, após o período de recuperação, negociaria os dias em que reporia as horas trabalhadas pelos colegas em seu lugar, para que eles, então, pudessem desfrutar de dias de folga decorrentes do trabalho dobrado.
Notem que a interrupção do trabalho, ainda que realizada em meio a negociações informais, é falseada. E isso é realizado de maneira a que corpos adoecidos e/ou acidentados tornem-se duplamente punidos, primeiramente pela saúde e, em seguida, pelas duplas jornadas de trabalho produtivo decorrentes da interrupção por motivo de saúde. Esse tipo de arranjo apareceu em outras entrevistas.
Amanda (2011)21, uma analista de sistemas que era PJ horista, teve duas crises graves de tendinite. Na segunda crise - "Não era uma pequena tendinite, eu não conseguia segurar um copo!" -, teve que parar, mas compensou sua ausência por um mecanismo informal de banco de horas, pois a empresa, apesar de pagar por hora, estimulava os empregados a compensar todo o tempo que ultrapassasse sua jornada de oito horas diárias para evitar prejuízo com o pagamento dos salários. Na prática, essas horas se acumulavam: em três anos de trabalho, os feriados e essa parada para tratar da tendinite foram os únicos momentos de descanso de Amanda.
Para driblar essa punição, que resulta em um excesso de trabalho que pode ocasionar novas doenças advindas de estresse e fadiga, os trabalhadores que podem atuar de maneira remota acionam o recurso do home office. Leonardo (2011)22 sinaliza para o acúmulo do trabalho com a doença:
Entrevistado: Eu acho positivo situações como essa [de fazer home office], se eu estiver doente, mas eu preciso fazer, preciso trabalhar, se eu puder fazer isso de casa, é melhor. Acontece muito, você... O certo seria você está doente, pega um atestado e não pensa em trabalho. Pesquisadora: Mas nem sempre dá... Entrevistado: Dependendo da situação, não é uma coisa muito factível. E às vezes você não está tão doente assim que não consiga fazer. Mas se você fosse para o trabalho, você ia ficar muito desconfortável. Então é bom por causa disso.
Vale lembrar o caso de Cássio, já citado neste artigo, que se referia a quanto o excesso de suas jornadas de trabalho o levavam a questionar se seu corpo aguentaria a rotina por mais tempo. Ele contou que tirava folgas apenas quando adoecia. Seu caso era extremo porque ele era PJ horista como Amanda, ou seja, se não trabalhasse, não ganhava dinheiro. Não à toa que a sua percepção sobre o processo de envelhecimento ganhou tanto destaque em sua narrativa sobre o trabalho ao longo da entrevista. Após ter vivenciado inúmeras fadigas e ser diagnosticado com depressão, ele entendia que o estilo de vida de excesso de trabalho e desorganização da rotina não o permitiam ter uma existência social fora do trabalho. No entanto, se o diagnóstico pessoal de Cássio sobre uma vida de trabalho que não permite o corpo parar se limita ao setor de TI, já que ele vê uma possibilidade de mudança fora dele, cabe questionar em que medida uma organização do trabalho e da produção típicas da acumulação flexível tem se tornado regra, junto aos seus mecanismos de espoliação e exploração que levam o uso dos corpos produtivos ao seu limite físico e mental.
Essa intensificação do trabalho presente nas rotinas dos trabalhadores e trabalhadoras somada à inseguridade trabalhista e social transforma o momento da aposentadoria em um horizonte distante. No começo deste artigo, Marília declarava que só poderia parar de trabalhar na véspera de sua morte, porque, caso contrário, não teria dinheiro para sobreviver. O pânico com o futuro perpassava as falas de diferentes trabalhadores e trabalhadoras. Ao pensar no futuro, eles enunciavam não apenas a ausência de renda, mas um corpo em colapso, incapaz de produzi-la em caso de necessidade, como podemos notar na entrevista de Vinícius (2012)23:
Eu acho que uma das coisas que eu cai nessa depressão era essa instabilidade que eu tinha: não tenho casa, não tenho nada, tenho carro velho, aquela correria toda e eu meio que... o que vai ser do meu futuro, quando vou parar? Então agora comecei a trabalhar como CLT e sou do sindicato. [...] A empresa pisa muito fácil e tem muitas coisas que a gente precisa preservar, ainda que eu seja um dos poucos sindicalizados na empresa, que é quase tudo moleque. Todo mundo pensando na academia, sair e beber, churrasco. Ninguém pensa [no futuro]. [...] Não sei se vou parar algum dia, sei que vou parar, mas não sei quando. Pode ser que trabalhe em empreendedorismo, fazendo alguma coisa com os amigos. Mas é como um sonho.
A propósito de Vinícius ter 46 anos no momento da entrevista, fazia apenas quatro anos que ele tinha a carteira assinada. Até então, todo o período somado em carteira somava 1 ano e 1 mês, ainda assim, como CLT Flex (uma parte do salário registrado, a outra, paga por fora). No restante do tempo, atuou de maneira informal ou como PJ. Decidiu procurar uma vaga CLT para começar a contribuir para a previdência, sonhando em conseguir, um dia, se aposentar. A decisão veio após o sentimento de que não conseguia mais fazer tanto dinheiro como PJ ou informal. As vagas exigiam uma corporalidade ágil que ele não conseguia mais performar. Essa percepção, somada ao excesso de trabalho acumulado, o levou a adoecer. A depressão também foi desencadeada pela reflexão do lugar em que sua vida se encontrava. Apesar de ter tido uma renda que chegou a alcançar os R$8.500,00 mensais, não havia conseguido guardar dinheiro, segundo seu depoimento. Fazia dois anos que ele havia comprado sua primeira casa própria, financiada, mas não tinha mais nada guardado na poupança ou previdência privada. Vendia as férias, em seu novo emprego, para pagar os empréstimos contraídos para a compra da casa. Refletindo sobre sua trajetória profissional, se mostrava arrependido e angustiado: a visão de curto prazo, de realizar o que é possível no agora, o deixou com um futuro imprevisível e indesejado. Aos 46, prevê se aposentar por proporcionalidade aos 75 anos, ou aos 80, de maneira integral. Evidentemente se conseguir continuar no emprego com a carteira assinada - ou continuar contribuindo para a previdência social, em caso de voltar à informalidade ou aos contratos que fraudam relações trabalhistas.
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Neste artigo, me preocupei em demonstrar como um dos elementos da flexibilidade presente no capitalismo contemporâneo impacta a formação de sujeitos sociais ao privatizar a negociação de direitos trabalhistas e sociais. Por meio dos depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras do setor de tecnologia da informação, altamente pulverizado e com elevada presença de contratos que fraudam relações trabalhistas, busquei demonstrar como o trabalho na acumulação flexível, especialmente em mercados de trabalho fragilmente estruturados, exige um trabalhador ideal cuja corporalidade expõe o viés de gênero, saúde e etapas da vida contidos nessa proposta: para atuar com contratos flexíveis é preciso dispor de um corpo que não adoeça, não engravide e não colapse. Caso contrário, corre-se o risco de se tornar incapaz de produzir a renda necessária à reprodução da vida. Nesse sentido, ser um trabalhador no capitalismo flexível tem se desdobrado em generalizar o trabalhador que não pode parar. É ser, cada vez mais, um trabalhador perpétuo.
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24
Bárbara Castro é doutora em Ciências Sociais pela The Open University (Inglaterra) e professora de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp).
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Entrevistas concedidas à autora ALBERTO. 3 de fevereiro de 2012. AMANDA. 7 de julho de 2011. AUGUSTO. 17 de outubro de 2011. CARMEM. 3 de outubro de 2011. CÁSSIO. 22 de novembro de 2011. LEONARDO. 29 de novembro de 2011. MARCELA. 17 de fevereiro de 2011. MARÍLIA. 8 de outubro de 2011. VINÍCIUS. 9 de janeiro de 2012.
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Os dados analisados neste artigo derivam da pesquisa de doutorado em Ciências Sociais, Afogados em contratos: o impacto da flexibilização do trabalho nas trajetórias dos profissionais de TI, realizada com o apoio da Capes.
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Nomeio de setor de TI o conjunto de práticas, ofícios e indústria de produção de softwares e oferta de serviços informáticos. Os profissionais entrevistados são pessoas que se identificaram como trabalhadores de TI e estão relacionados a essas atividades (ex. análise de sistemas, de rede, planejamento de infraestrutura, webdesign etc.).
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2
Richard Sennett (2009) já se referia à ideia de disponibilidade total em A corrosão do caráter..., ao relatar a história de Rico, um trabalhador retratado como tipicamente flexível em contraste ao padrão taylorista-fordista. Ruy Braga (2006) também destacou este elemento como constitutivo do infoproletariado em seu estudo sobre os call centers.
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3
Entre meus(minhas) entrevistados(as) a existência dos contratos flexíveis era apontada como constitutiva do setor. Ao analisar dados da PNAD 2009 apontei que ao menos 30% dos profissionais do setor não atuavam com carteira de trabalho assinada no setor (Castro, 2013). Outros trabalhos também apontam para essa tendência. Em pesquisa concluída em 2005, Salatti (2005) encontrou sete modalidades diferentes de vínculo trabalhista em empresas de desenvolvimento de sistemas, uma das várias especializações da área de TI: CLT, Pessoa Jurídica individual ou limitada (PJs), cooperativas de trabalho, trabalhadores autônomos, estagiários, trabalhadores informais e pseudossócios. Dentre esses contratos, predominava o contrato via PJ no setor (36% de sua amostra).
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4
A média de rendimentos do setor, em 2009, era de R$2.300,00 para as mulheres e R$2.150,00 para os homens. Uma média alta se comparada com o rendimento médio mensal de todos os ocupados do país no mesmo período: R$1.171,00 para os homens e R$786,00 para as mulheres. A média de escolaridade era de ensino superior completo para as mulheres e incompleto para os homens (dados da PNAD 2009 analisados em Castro [2013]).
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5
A estratégia metodológica não privilegiou uma amostra desenhada a partir do tamanho das empresas, ou seja, tal variável não era um filtro de seleção dos (as) entrevistados (as) nem cota. O controle utilizado seguia o critério de sexo, faixa etária e tipo de contrato. No entanto, tal informação foi recolhida nas entrevistas e será apresentada nas entrevistas.
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6
Destaca-se que foram considerados como critério de escolha: o pertencimento a diferentes faixas etárias (11 mulheres e 10 homens entre 20 e 29 anos; 14 mulheres e 13 homens entre 30 e 39 anos; 5 mulheres e 7 homens com 40 anos ou mais), a presença de filhos (9 mulheres e 11 homens tinham filhos), e as formas de contratação (12 mulheres e 9 homens eram PJ; 1 mulher cooperada; 14 mulheres e 19 homens, CLT; 1 mulher, CLT Flex; 1 mulher microempresária; 1 mulher e 1 homem, Informais; 1 homem bolsista).
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7
A PUC-Rio foi pioneira e criou, em 1960, o primeiro Departamento de Informática do país, com o primeiro computador de grande porte da América Latina. Em 1968, foi a vez da Unicamp ao criar o primeiro curso de nível superior relacionado ao setor de informática, o bacharelado em Ciência da Computação (Castro, 2013).
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8
Comin e Amitrano (2003) fizeram uma análise cuidadosa desse fenômeno para a Região Metropolitana de São Paulo, que merece ser destacado para uma reflexão mais geral. Para os autores, boa parte do que é descrito como terceirização do emprego é uma "ilusão estatística", resultante dos processos de terceirização postos em marcha pela reestruturação produtiva. O argumento é o de que muitas das atividades que desapareceram das estatísticas do setor industrial "reapareceram nas dos setores de serviços, mas sem que sua funcionalidade com o secundário tenha necessariamente se alterado" (Comin e Amitrano, 2003, p. 57).
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9
O site APInfo (www.apinfo.com), especializado em notícias sobre o mercado de trabalho de TI, produziu uma tabela que permitia o cálculo das vantagens e desvantagens entre CLT, PJ, CLT Flex e cooperado. Uma cópia dessa tabela pode ser vista em Castro (2013, pp. 186-87).
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10
Se forem incluídas as empresas com menos de 5 pessoas ocupadas, esse número salta para 95%, um indicativo do uso dessas empresas como PJ. Considerando esse universo, existiam, até 2009, cerca de 64 mil empresas de TI no Brasil. Retirando dessa conta as empresas com até 4 pessoas ocupadas, esse número se reduz a 11 mil empresas, e considerando apenas as que possuem 20 pessoas ou mais, a conta fecha em perto de 2 mil.
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11
A Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex), em vista da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), considera como constituintes da Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI (IBSS) as seguintes classes: 6201 - Desenvolvimento de software sob encomenda; 6202 - Desenvolvimento e licenciamento de software customizável; 6203 - Desenvolvimento e licenciamento de software não customizável; 6204 - Consultoria em tecnologia da informação; 6209 - Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação; 6311 - Tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e de hospedagem na internet; 6319 - Portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet; 9511 - Reparação e manutenção de computadores e de equipamentos periféricos; e 9512 - Reparação e manutenção de equipamentos de comunicação.
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12
"Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil." (Brasil, 2005).
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13
A Lei Complementar nº 128, de 2008, instituiu o programa Microempreendedor Individual (MEI), pensado como uma estratégia de formalização de autônomos e microempreendedores informais, para que houvesse registro da empresa - uma PJ e o consequente CNPJ -, e, especialmente, o recolhimento de tributos que dão acesso à aposentadoria e outros benefícios previdenciários (Brasil, 2008).
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14
O recém-empossado Ministro da Fazenda Joaquim Levy sugeriu a mudança na taxação de pequenas empresas com apenas um funcionário para evitar o seu uso como manobra para evitar a alíquota máxima do Imposto de Renda (27,5%). Em reportagem do jornal Valor Econômico traduz o reconhecimento implícito do uso do PJ como vínculo empregatício: "O assunto é polêmico, porque existem prestadores de serviços que abrem empresa, mas prestam serviços típicos de pessoas físicas" (Rodrigues et al., 2015). Nota-se, portanto, que a proposta busca sanar um problema tributário sem atacar o trabalhista: não se volta à raiz do problema ao não punir o contratante.
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15
Ao cruzar os dados do MEI com os da RAIS, Oliveira (2013) argumenta que só podemos afirmar com segurança que 12,3% dos inscritos no programa abriram o MEI de maneira espontânea. O restante, pode sim ter realizado essa abertura de maneira ativa, mas também pode ter agido por indução, isto é, aberto a empresa por pressão do empregador para encobrir vínculo empregatício e burlar o pagamento de impostos. Corseuil, Neri e Ulyssea (2014) também apontam a possibilidade desse desvio.
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16
Nas palavras de Debert (1999, p. 75), "O curso da vida moderno é reflexo da lógica fordista, ancorada na primazia da produtividade econômica e na subordinação do indivíduo aos requisitos racionalizadores da ordem social. Tem como corolário a burocratização dos ciclos da vida, através da massificação da escola pública e da aposentadoria. Três segmentos foram claramente demarcados: a juventude e a vida escolar; o mundo adulto e o trabalho; e a velhice e a aposentadoria".
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17
Cássio, 29 anos, sem filhos, ensino médio completo, PJ, estava há três meses em uma empresa brasileira de pequeno porte desenvolvendo sites para empresas de diferentes tamanhos e setores na cidade de São Paulo.
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Marcela, 34 anos, dois filhos (2 e 3 anos), analista de sistemas, curso superior em Tecnologia e Processamento de Dados, PJ, atuava há 13 anos como desenvolvedora de software em uma empresa brasileira de pequeno porte, prestadora de serviços em TI e terceirização na cidade de São Paulo.
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Carmem, 33 anos, dois filhos (1 e 2 anos), formada em Ciências da Computação, estava há 3 anos sem qualquer contrato trabalhando em home office e desenvolvendo um banco de dados para um hospital de capital nacional, em São Paulo.
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20
Augusto, 22 anos, sem filhos, ensino médio completo, PJ, atuava há 1 ano e meio como analista de suporte em uma empresa nacional de médio porte, terceirizadora de suporte/manutenção em TI, em São Paulo.
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21
Amanda, 30 anos, sem filhos, curso superior em Sistemas da Informação, PJ, estava há dois anos como analista de sistemas em uma multinacional de grande porte em Campinas (SP), que desenvolve softwares para comércio exterior.
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22
Leonardo, 36 anos, sem filhos, formado em Ciência da Computação, CLT, estava há 6 anos e meio como desenvolvedor de software em uma empresa brasileira de pequeno porte, que prestava serviço para telefônicas em São Paulo, capital.
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Vinícius, 46 anos, 1 filho (28 anos), engenheiro da computação, trabalhava há 4 anos em uma empresa nacional de pequeno porte especializada em produção de soluções em TI para clientes variados, como redes varejistas, telefônicas e setor financeiro, em Campinas.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2016
Histórico
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Recebido
19 Fev 2015 -
Aceito
07 Out 2016