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Raça e gênero no Brasil

Race, gender, and development in Brazil

Resumos

Valendo-se de dados dos censos de 1960 e 1980, este estudo estima a magnitude das diferenças raciais segundo o gênero no que se refere a local de moradia, educação, distribuição ocupacional e salários. Contrariando previsões segundo as quais as divisões raciais e de gênero cederiam às forças homogeneizadoras da industrialização, demonstra-se que o mercado de trabalho urbano no Brasil continua a ser segregado por raça e gênero.


Using sample data from the 1960 and 1980 demografic censuses (the most recent available), this study estimates the magnitude of racial differences by gender in place of residence, education, occupational distribution, and wages. Contrary to predictions that race and gender divisions in the workplace would yield to the homogenizing forces of industrialization, it is demonstrated that the modern urban labor market in Brazil continues to be segregated by race and gender.


DESIGUALDADES

Raça e gênero no Brasil* * Lovell, Peggy A. "Race, Gender, and Development in Brazil". Latin American Research Review, Volume 29, Number 3, pp. 7-35. Tradução de Rafael de Castro Andrade.

Race, gender, and development in Brazil

Peggy Lowell

Professora de Sociologia na Universidade de Pittsburgh, Estados Unidos

RESUMO

Valendo-se de dados dos censos de 1960 e 1980, este estudo estima a magnitude das diferenças raciais segundo o gênero no que se refere a local de moradia, educação, distribuição ocupacional e salários. Contrariando previsões segundo as quais as divisões raciais e de gênero cederiam às forças homogeneizadoras da industrialização, demonstra-se que o mercado de trabalho urbano no Brasil continua a ser segregado por raça e gênero.

ABSTRACT

Using sample data from the 1960 and 1980 demografic censuses (the most recent available), this study estimates the magnitude of racial differences by gender in place of residence, education, occupational distribution, and wages. Contrary to predictions that race and gender divisions in the workplace would yield to the homogenizing forces of industrialization, it is demonstrated that the modern urban labor market in Brazil continues to be segregated by race and gender.

Nas duas últimas décadas os latino-americanistas têm dedicado uma considerável atenção à relação entre crescimento econômico e desigualdade social. Uma bibliografia dos artigos e livros sobre as conseqüências do desenvolvimento em relação a renda, classe e gênero seguramente ocuparia muitas páginas. Entretanto, essa extensa literatura deu muito menos atenção às formas pelas quais essas mudanças estruturais alteraram desigualdades raciais.1 1 Exceções dignas de nota incluem o recente trabalho de Wood e Carvalho (1988, cap. 6), Smith (1990), Carroll (1991), Jonas (1991), Andrews (1991) e Wade (1993). Ainda mais raras são as análises empíricas que documentam a maneira pela qual mudanças ao longo do tempo afetaram homens e mulheres dentro de diferentes grupos raciais.

Essas relações assumem relevância especial no caso do Brasil. Hoje, o Brasil é o país com maior número de habitantes de descendência africana do mundo, com exceção da Nigéria. De acordo com estimativas preliminares, o censo de 1991 indicou quase 150 milhões de brasileiros, sendo que quase a metade deles foi classificada como negro ou mulato. Além disto, o Brasil ocupa um lugar de destaque no estudo das relações raciais por causa de sua história de miscigenação generalizada, de um resultante sistema dinâmico de classificação multi-racial, e da ausência de um sancionamento legal da discriminação desde que a escravidão foi abolida em 1888. Essas características únicas ajudaram a criar a visão geralmente aceita, mas cada vez mais suspeita, de que o Brasil é uma democracia racial livre da segregação, da violência e da discriminação raciais que marca outras sociedades multi-raciais como os Estados Unidos.

O objetivo desta pesquisa é aprofundar os estudos anteriores sobre desenvolvimento e desigualdade no Brasil, examinando os ganhos diferenciais auferidos por homens e mulheres brancos e afro-brasileiros no mercado de trabalho urbano. Usando dados amostrais dos censos demográficos de 1960 e 1980 (os mais recentes disponíveis), estimei a magnitude das diferenças raciais segundo o gênero em relação a local de residência, educação, distribuição ocupacional e salário.2 2 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) efetivamente terminou o censo demográfico decenal em 1991. O IBGE ainda não publicou os resultados do Censo de 1991. Os resultados dos censos de 1960 e 1980 foram comparados para determinar se as transformações sociais que ocorreram neste período aumentaram ou diminuíram as disparidades sócio-econômicas de acordo com raça e sexo. Visto que o emprego e a renda estão diretamente relacionados ao bem-estar, as diferenças nessas dimensões medem o grau em que a raça e o sexo estruturam as oportunidades de vida de diferentes subgrupos populacionais na sociedade brasileira contemporânea.

DESIGUALDADE E DESENVOLVIMENTO

Teóricos do desenvolvimento de escolas tão diferentes como a da modernização, o marxismo e a da economia neoclássica, previram o declínio das desigualdades fundadas em diferenças adscritas, ou objetivamente imputáveis (como raça e sexo) com o desenvolvimento do capitalismo.3 3 Pesquisadores da escola da modernização, influenciados por Emile Durkheim e Max Weber, viam as diferenças adscritas (como as baseadas em raça e sexo), como transitórias e destinadas e ceder lugar a valores, atitudes e comportamentos modernos (ver Greenberg 1980, cap. 1; e So 1990, cap. 2). Karl Marx chegou a uma conclusão muito semelhante em seu Manifesto do Partido Comunista, observando que as "águas geladas do calculismo egoísta" destruíam todas as relações feudais, patriarcais e idílicas, não restando qualquer outro nexo entre as pessoas que não o do "frio pagamento monetário." Os economistas neoclássicos também viam as desigualdades raciais e de gênero como imperfeições temporárias do mercado, que seriam definitivamente superadas uma vez que o equilíbrio num mercado competitivo fosse atingido (Stiglitz 1973; Thurow 1975; Cain 1976; Friedman 1982; também dicutido em Boston 1988, caps. I e 3). Com relação ao Brasil, Florestan Fernandes afirmou que se o desenvolvimento capitalista continuasse seu curso, o país "poderia tornar-se a primeira grande democracia racial do mundo, criada pela expansão da civilização ocidental moderna" (Fernandes 1972, 30, citado em Andrews 1991, 10). Realmente o Brasil experimentou níveis de crescimento econômico sem precedentes no período pós-Segunda Guerra Mundial. A despeito de períodos cíclicos de baixa, a economia brasileira cresceu a uma taxa anual de aproximadamente 7% entre 1956 e 1984 (Wood e Carvalho 1988, 2). No entanto, dados brasileiros mostram que níveis relativamente altos de crescimento agregado (especialmente nos chamados anos do milagre, entre 1969 e 1973), não reduziram, e podem até mesmo ter aumentado a alta concentração de renda no país (Fishlow 1972; Lluch 1979; Pfeffermann e Webb 1979).

No Brasil (como em outros países em desenvolvimento), a dissonância entre a teoria e os dados suscitou um debate sobre a relação entre crescimento econômico e eqüidade social. Esse debate levou à emergência de novas perspectivas teóricas na sociologia do desenvolvimento _ especificamente a teoria da dependência e sua extensão, a teoria dos sistemas mundiais.4 4 Entre os primeiros analistas da dependência, incluem-se Frank (1967, 1969), Dos Santos (1970), Sunkel e Paz (1970), Cardoso (1972, 1973) e Amin (1976). Wallerstein (1974a, 1974b) aprofundou a formulação mais significativa do enfoque dos sistemas-mundo. Chamando atenção para o intercâmbio desigual e as relações de dependência dos países subdesenvolvidos dentro de um enquadramento global e histórico, essas perspectivas representaram um avanço significativo com respeito às premissas não-lineares da teoria da modernização, antes predominante.5 5 Sínteses do debate travado entre defensores da modernização e da dependência incluem Portes (1976), Valenzuela e Valenzuela (1978), Evans e Stephens (1988) e Portes e Kincaid (1989). Não obstante, embora as relações de dependência fossem úteis para explicar o subdesenvolvimento, as relações de dependência por si mesmas não revelavam muito a respeito dos processos internos de mudanças sociais e diferenciação entre subgrupos da população na periferia. As falhas dos primeiros estudos de dependência levaram a análises dos países em desenvolvimento que focalizavam seus processos históricos específicos e suas estruturas internas (e.g., Laclau 1971; Cardoso e Faletto 1979 e Chilcote e Johnson 1983). Mesmo assim, os estudos iniciais de história nacional na América Latina enfatizaram as relações de classes em detrimento das distinções de raça e sexo. A prioridade dada à questão das classes sociais derivava da suposição (oriunda de Marx) de que o racismo e o sexismo não eram questões independentes dignas de estudos específicos, mas fenômenos redutíveis, em última instância, a determinantes econômicos presumivelmente mais básicos.6 6 Para uma discussão sobre as perspectivas marxistas a respeito de raça, ver Blauner (1972), Lecourt (1980), Rozat e Bartra (1980), Wright (1982), Rex (1983), Worsley (1984, cap. 4), Miles (1984) e Stone (1985, cap. 3).

Em um novo round de debates teóricos iniciado nos anos 70, estudiosos feministas de países desenvolvidos e subdesenvolvidos opuseram objeções às teorias da dependência e dos sistemas-mundo por conta da desconsideração do status social e econômico da mulher.7 7 Estudos feministas na América Latina incluem os trabalhos de Lourdes Arizpe, Lourdes Benería, Carmen Diana Deere, Maria Patrícia Fernández-Kelly, June Nash, Martha Roldán, Helen Safa e Heleieth Saffioti. Para uma discussão sobre o estudo do gênero e desenvolvimento, ver Fernández-Kelly (1989). Hoje, depois de quase duas décadas de pesquisas destacando as experiências das mulheres em toda a América Latina, uma rica literatura indica que as desigualdades de gênero se intensificaram durante o crescimento econômico e modernização da região (e.g., Young 1978; Nash e Fernández-Kelly 1983; Bossen 1984; Nash e Safa 1985 e Saffioti 1985). Essas contribuições para a participação da mulher no desenvolvimento social permanecem na vanguarda dos estudos contemporâneos sobre desenvolvimento e desigualdade.

Os debates e análises empíricas estimulados primeiro pela teoria da dependência, depois por perspectivas feministas, ocasionaram uma evolução significativa no entendimento teórico dos processos internos e externos das mudanças sociais e econômicas na América Latina. Entretanto, com relação à diferenciação racial, esses esforços continuam deficientes em dois aspectos importantes. De um lado, os estudos concernentes exclusivamente às propriedades globais da economia mundial desconsideram o fator racial a não ser quando clivagens raciais possam afetar o processo de acumulação de capital (Wallerstein 1974a). Por outro lado, quando a atenção está voltada para a estrutura interna de países periféricos, o fator racial é freqüentemente relegado a segundo plano devido à prioridade conceituai atribuída à classe social e ao gênero. O resultado é que desigualdades raciais e o nexo raça-classe-gênero constituem tópicos relativamente negligenciados que permanecem em um terreno teórico incerto nos estudos do desenvolvimento latino-americano.

O MITO E A REALIDADE DA RAÇA

A importância do grau em que as relações raciais na América Latina (particularmente no Brasil) têm sido semelhantes ou diferentes das dos Estados Unidos pode ser encontrada nas implicações para o entendimento da situação contemporânea dos afro-brasileiros, e para a explicação das maneiras pelas quais sua posição social tem sido afetada pelo desenvolvimento. Correndo o risco da generalização, duas escolas teóricas concernentes à situação racial no Brasil no século passado podem ser identificadas. Nenhuma das duas visões nega a presença de preconceito nem o fato de que a grande maioria dos afro-brasileiros é mais pobre que os brancos. No entanto, essas duas visões tem explicações diferentes para o fato de que muito mais negros e mulatos podem ser encontrados na base da pirâmide sócio-econômica.

De um lado da disputa situam-se os que defendem que a questão de desigualdade racial no Brasil pode ser resumida pelo argumento da predominância da classe sobre o racismo. Seu raciocínio se inspira da observação de que em um país em desenvolvimento como o Brasil a maioria das pessoas, negras e brancas, são pobres. Essa observação, combinada com o caráter aparentemente benigno das relações de raça e pelo fato de que os afro-brasileiros parecem sofrer menos discriminação à medida que se tornam mais ricos levou uma série de estudiosos a concluir que o preconceito que existe no Brasil parece se basear mais em distinções de classe do que em características sociais.8 8 Consistente com o paradigma da modernização Charles Wagley predisse que no decurso do desenvolvimento brasileiro, "o grande contraste nas condições sociais e econômicas entre os estratos escuros mais baixos e a classe alta predominantemenmte branca desapareceria" (Wagley 1969,60) Entre estudiosos que compartilham dessa perspectiva incluem-se Pierson (1942), Azevedo (1953)e Harris (11964). Em outras palavras, se as classes médias e altas se consideram superiores aos afro-brasileiros é porque esses são pobres e iletrados e não porque não são brancos.

O modelo "classe-mais-do-que racismo" sugere ainda que uma vez que os afro-brasileiros alcançassem níveis mais altos de educação e renda eles não mais encontrariam barreiras à mobilidade social. Esse argumento era consistente com a ideologia oficial brasileira, que afirmava não haver qualquer "problema racial" no Brasil (discutido em van den Berghe 1967). Essa linha de pensamento também era coerente com um dos aspectos mais salientes das relações raciais brasileiras, quando comparadas às relações raciais nos Estados Unidos: enquanto nos Estados Unidos a mais leve evidência de descendência negra bastava para que uma pessoa fosse rotulada de negro, no Brasil as categorias raciais pareciam ser muito mais numerosas e fluídas.

Aqui está em jogo a própria explicação da questão da desigualdade racial no Brasil. Se as hipóteses do modelo "classe-mais-do-que- racismo" são corretas, as implicações são claras: uma vez que os afro-brasileiros adquiram níveis de educação e renda (também chamados de "capital humano") suficientes, eles terão iguais oportunidades de avanço social e sua aceitação em círculos sociais mais elevados estará garantida. Além disto, se os afro-brasileiros são pobres hoje, isso se deve ao legado da escravidão e aos diferentes pontos de partida para brancos e negros ao tempo da abolição da escravidão. De acordo com essa visão, as desigualdades sociais são vestígios do passado, destinados a serem superados pelas forças do capitalismo moderno. Daí o fato das desigualdades raciais serem atribuídas a diferenças no capital humano (como a desigualdade de educação), que distinguem os diversos grupos.

Do outro lado deste debate está um conjunto crescente de pesquisas mostrando a importância da discriminação racial no Brasil contemporâneo. Essa visão, que se originou no clima social mais crítico que antecedeu o golpe militar de 1964, veio a ser conhecida como a "escola de São Paulo." Acadêmicos proeminentes dessa escola teórica, como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, não negaram o legado da escravidão, mas foram além e mostraram que a discriminação racial é um traço característico do Brasil contemporâneo. Aprofundando essa perspectiva, Carlos Hasenbalg frisou a adaptação do racismo às características estruturais do desenvolvimento dependente do Brasil: o antagonismo racial que se originou durante a escravidão não se diluiu com a emergência da industrialização no Brasil; antes, assumiu um novo papel e um novo significado. Segundo Hasenbalg, "o preconceito e a discriminação raciais estão funcionalmente relacionados aos benefícios materiais e simbólicos auferidos pelos brancos pela desqualificação dos não-brancos enquanto competidores" (1985,27).

RAÇA E GÊNERO

Algumas das primeiras estimativas sobre as desigualdades raciais contemporâneas foram apresentadas em trabalhos de Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg no fim dos anos 70 (ver Silva 1978, 1985; Hasenbalg 1979, 1985). Seus estudos sobre as desigualdades no mercado de trabalho e a mobilidade social mostraram que, quase cem anos depois da abolição da escravidão, os afro-brasileiros ainda estavam concentrados no estrato econômico mais baixo, e aqueles que tentassem galgar a escada social continuavam sofrendo discriminação. Essas descobertas levaram uma nova geração de acadêmicos a examinar as relações raciais. Pesquisadores brasileiros e norte-americanos têm produzido um corpo de literatura teórica e empírica documentando as desigualdades raciais onipresentes e persistentes que existem no Brasil.9 9 Contribuições teóricas recentes incluem Winant (1992) e Skidmore (1993). Estudos empíricos incluem trabalhos a respeito das desigualdades no mercado de trabalho (Andrews 1992; Lovell 1989, 1992, 1993; Telles 1992); mortalidade infantil diferenciada (Wood e Lovell 1992); segregação residencial (Rolnik 1989; Telles 1991); casamentos interraciais (Telles 1993); e desigualdades na educação (Hasenbalg e Silva 1987, 1991).

Analogamente, recentes pesquisas sobre a mulher no Brasil demonstraram que o tipo predominante de desenvolvimento não favorece a incorporação eqüitativa da mulher na economia. Do mesmo modo que em países industriais avançados, no Brasil a mulher ganha menos que o homem com uma qualificação equivalente (Bruschini e Rosemberg 1982). Obstruídas pela diferença salarial devida ao sexo, as mulheres brasileiras também se encontram desproporcionalmente concentradas nos setores econômicos que pagam salários mais baixos (Faria 1989).

A discriminação salarial e ocupacional que afeta os afro-brasileiros e as mulheres é ainda mais intensa quando se trata de mulher de descendência africana. Estudos têm mostrado que as mulheres afro-brasileiras trabalham jornadas mais longas e ganham ainda menos que as mulheres brancas (Carneiro e Santos 1985). A categoria de emprego que é isoladamente a maior para as mulheres afro-brasileiras continua sendo a de empregada doméstica, 90% das quais são negras (Patai 1988). Além de terem empregos de menor status, as mulheres afro-brasileiras têm maior probabilidade de serem chefes únicas de famílias pobres (Oliveira, Porcaro e Araújo 1987). Análises têm mostrado que as desigualdades raciais no mercado de trabalho (Andrews 1992; Lovell 1992) e as desigualdades de gênero (Saffioti 1985) efetivamente aumentaram junto com o crescimento econômico e a modernização no Brasil.

CENSO E IDENTIFICAÇÃO RACIAL

Os estudos baseados em censos sobre a composição racial da população brasileira devem lidar com duas dificuldades críticas. A primeira é o sistema de multiclassificação da identificação racial.10 10 Para uma discussão sobre a classificação racial e terminologia no Brasil, ver Andrews (1991,249-58). Pesquisas antropológicas documentaram as tênues distinções feitas quando se pede para um brasileiro identificar a raça de alguma pessoa. Por exemplo, Marvin Harris empregou uma série de retratos desenhados para explorar a variedade de termos que podem ser aplicados a um determinado indivíduo. Ele obteve quarenta termos diferentes para identificar as variações de cor e fenotipo entre exemplos extremos de negros e brancos (Harris 1964).

Esse sistema de categorias raciais múltiplas levantam questões perfeitamente legítimas a respeito do esquema de classificação dividido em quatro categorias usado no censo brasileiro (branco, preto, pardo, amarelo). A questão crucial é determinar em que medida o esquema do censo difere da auto-classificação se fossem permitidas outras opções. Para enfrentar essa questão os pesquisadores responsáveis pelo censo realizaram uma enquete comparando as respostas de um questionário aberto sobre identificação racial com as respostas em face das quatro opções de cor. Os resultados mostraram que a classificação de cores do censo, embora não fosse perfeita, era válida o suficiente para garantir a continuação de seu uso. 11 11 Para uma discussão a respeito deste estudo, ver Oliveira, Porcaro e Araújo (1985), Soares e Silva (1987) e Silva (1988).

Segundo, a classificação racial no Brasil também pode ser influenciada pela classe social do indivíduo. Como resultado, afro-brasileiros de pele escura com alta posição sócio-econômica podem invocar termos descritivos mais próximos da extremidade branca do espectro de cores do que indivíduos da mesma cor mas de classe social mais baixa. O sistema de classificação racial de categorias múltiplas e suas inter-relações com as classes sociais implicam o fato de que os indivíduos ascendentes na escala social, que em determinado momento se identificam como negros, podem posteriormente se redefinir como mulatos ou brancos.

Para investigar a mobilidade de uma categoria racial para outra, um estudo recente utilizou técnicas demográficas indiretas para avaliar a magnitude da reclassificação ocorrida entre os censos de 1950 e 1980 (Wood 1991). Os resultados mostraram a ocorrência de uma reclassificação significativa da categoria de "preto" para a de "pardo". A distinção entre afro-brasileiro e branco, em contraste, permaneceu estável durante o mesmo período. Se havia alguma tendência em 1980 para a reclassificação, seria a dos "brancos" entrarem para a categoria dos "pardos". A estabilidade da linha estatística entre as categorias de brancos e afro-brasileiros nos dá uma rationale metodológica que recomenda fortemente a fusão das categorias "preto" e "pardo", especialmente quando os dados dos censos são usados para estimar as mudanças nas desigualdades raciais ao longo do tempo.

Baseada nessas e em outras evidências,12 12 A partir de 1980, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística passou a analisar e publicar dados raciais divididos bi-racialmente. Esse costume é atualmente seguido pelo serviço estatístico do Estado de São Paulo, SEADE, e também por numerosos pesquisadores de importância no campo do racismo no Brasil, incluindo Nelson do Valle Silva (1978, 1985), Carlos Hasenbalg (1979, 1985), e Charles Wood e Jose Alberto Magno de Carvalho (1988). George Reid Andrews argumentou que essa dicotomia "corresponde não só a indicadores estatísticos "objetivos" mas a percepções brasileiras subjetivas de raça também, pelo menos no Sudeste do Brasil" (1991,250). dividi a amostra populacional em dois grupos raciais para fins de análise: brancos e afro-brasileiros ("pardos" e "pretos").13 13 A classificação de cor utilizada nos censos brasileiros não distingüe entre descendentes de ínidos e africanos. Uma vez que o objetivo primário do meu estudo é determinar se trabalhadores são tratados diversamente devido à cor da pele, a impossibilidade de distingüir entre pessoas de ascendência índia ou africana não é importante. Além disto, devido ao fato de que esse estudo se limita aos trabalhadores urbanos e exclui a Amazônia, é improvável que muitos indivíduos de ascendência índia tenham sido incluídos na análise. A amostra estudada se restringiu a trabalhadores assalariados urbanos.14 14 A amostra se restringe ainda às regiões norte e sul do Brasil. A região norte inclui as áreas urbanas do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Fernando de Noronha (somente 1960), Alagoas, Sergipe e Bahia. A região sul inclui Minas Gerais, Serra dos Aimorés (somente 1960), Espírito Santo, Rio de Janeiro, Guanabara (somente 1960), São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul (somente 1980), Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal.

DIFERENÇA RAÇA-GÊNERO, 1960-1980

Entre 1960 e 1980 a sociedade brasileira experimentou mudanças sociais profundas.15 15 Comentários sobre as mudanças sociais e demográficas experimentadas pelos brasileiros durante essas décadas, encontram-se em Merrick e Graham (1979), Wood e Carvalho (1988) e Bachae Klein (1989). Um crescimento econômico sem precedentes conduziu a rápidas industrialização e urbanização. O emprego no setor formal aumentou substancialmente à medida que mulheres e afro-brasileiros entraram na força de trabalho em número crescente. Os serviços públicos como água e eletricidade expandiram-se marcadamente. O acesso à saúde e à educação melhorou, as taxas de fertilidade caíram e a esperança de vida aumentou para a população como um todo. As marcantes transformações na estrutura social, econômica e demográfica que ocorreram entre 1960 e 1980 recolocam, todavia, a pergunta principal deste estudo: o desenvolvimento brasileiro aumentou ou diminuiu as desigualdades raciais e de gênero no emprego e nos salários?

O primeiro passo dado para responder a essa questão foi estimar as diferenças de raça e gênero com respeito a quatro aspectos-chave do sistema brasileiro de estratificação: lugar de residência, educação, ocupação profissional e renda. Os resultados de um simples cruzamento de tabulações por raça e gênero em 1960 e 1980, apresentados na Tabela 1, fornecem informações sobre mudanças nas áreas de residência e acesso à educação.

Distribuição Regional

A relação entre a região de residência e a desigualdade racial no Brasil foi amplamente discutida (Lovell 1993). Desde os tempos da escravidão, a maioria dos afro-brasileiros residem no Nordeste, Essa região basicamente rural é atrasada em relação ao festo do país em termos de nível de renda, escolaridade e outros indicadores de padrão de vida. A população branca, em contraste, está concentrada no altamente desenvolvido Sudeste (Andrews 1992). Muito mais urbanizado, industrializado e modernizado do que o resto do país, o Sudeste tem sido o centro financeiro e industrial do país desde a explosão da produção de café.

Ao longo do tempo, o crescimento e a diversificação continuados da economia brasileira diminuíram, embora não tenham eliminado, a desigualdade da distribuição populacional e de renda. Começando no fim dos anos 50, a industrialização do Centro-Sul brasileiro atraiu migrantes do Nordeste e das áreas rurais para as metrópoles urbanas dinâmicas, especialmente Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. A redistribuição espacial da população foi acompanhada por ganhos notáveis em termos de emprego urbano de afro-brasileiros e de mulheres. Entre 1950 e 1980, a proporção de indivíduos de descendência africana empregados em cidades aumentou de 36 para 62% (Oliveira, Porcaro e Araújo 1987), e a proporção de mulheres recebendo salários aumentou de 13,6% em 1950 para 33% em 1983.

No entanto, três décadas de urbanização, expansão econômica e migração não apagaram as desigualdades na distribuição da população. A despeito da migração interna considerável, os dados da Tabela 1 mostram que em 1980 a proporção da mão-de-obra afro-brasileira morando no Nordeste caiu apenas 5% para as mulheres (de 35% em 1960 para 30%) e 8% para os homens (de 38 para 30%). Evidentemente, as transformações sociais e econômicas que ocorreram entre 1960 e 1980 fizeram pouco para reduzir a desigualdade relativa da distribuição populacional. As disparidades raciais em relação à educação são associadas à distribuição populacional desigual.

ESCOLARIDADE

Considerado como um todo, o nível de educação no Brasil é baixo. Por exemplo, o trabalhador adulto médio em 1960 havia completado menos do que quatro anos de escola. Mesmo em níveis gerais tão baixos as disparidades relativas à raça se manifestaram. Os afro-brasileiros em 1960 tinham maior probabilidade que os brancos de não ter educação formal e menor probabilidade de ter completado o ginásio. Os brancos adquiriam grande vantagem educacional sobre os afro-brasileiros, tendo seis vezes mais possibilidades de ter completado nove anos ou mais de escolarização.

Dentro das categorias raciais, a escolaridade variava de acordo com o sexo. Entre os brancos em 1960, 7% mais mulheres do que homens tinham completado o ginásio ou ido para o colegial. Entre os afro-brasileiros, a maior disparidade de gênero estava entre aqueles que jamais haviam recebido qualquer educação formal: estima-se que 43% das mulheres empregadas não tinham estudado, em comparação a 26% dos homens. Esses resultados sugerem que as mulheres afro-brasileiras tinham o menor acesso à instrução formal nos anos anteriores a 1960.

Durante as duas décadas subseqüentes os níveis de educação no Brasil aumentaram substancialmente. Em particular, as mulheres fizeram um significativo progresso. Entre 1960 e 1980, o número de mulheres que tinham completado o ginásio ou mais aumentou de 3 para 22% em relação a afro-brasileiras e de 18 para 47% entre as brancas. Ganhos semelhantes também foram realizados pelos homens. Entretanto, os afro-brasileiros continuaram em desvantagem, em conseqüência de um aumento da diferença racial nos níveis mais altos de escolaridade. Enquanto em 1960 as mulheres brancas que haviam completado nove anos ou mais de escolarização excediam as afro-brasileiras em 15%, essa diferença aumentou para 25% em 1980. Entre os homens essa mesma diferença aumentou 10 pontos percentuais. A diferença existente em relação ao sexo também aumentou ao longo dos anos. Em 1980 quase 50% de todas as mulheres brancas empregadas haviam atingido a mais alta categoria de escolaridade, comparado aos 31% dos homens brancos. Analogamente, as mulheres afro-brasileiras superaram os homens em 1980 por 10 pontos percentuais.

Os dados da Tabela 1 confirmam ganhos, em números absolutos, nos níveis de educação de todos os grupos nesse período de vinte anos. O acesso ampliado à educação beneficiou mais as mulheres, como o evidencia a descoberta de que em 1980 as mulheres tinham maior probabilidade de terem completado a educação de primeiro grau. Entretanto, a despeito deste progresso impressionante, as afro-brasileiras continuaram em desvantagem relativa. A persistência da diferença racial na educação era, pelo menos em parte, devida ao acesso restrito dos afro-brasileiros aos graus superiores de escolaridade.

MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE OCUPACIONAL

As taxas de escolaridade são indicadores importantes das oportunidades de vida, uma vez que elas determinam quem tem acesso aos empregos mais bem pagos. Neste contexto, minhas descobertas sobre escolaridade sugerem dois resultados possíveis. Primeiro, visto que os afro-brasileiros, em termos gerais, tiveram níveis de educação mais baixos nas duas décadas, pode-se presumir que eles estavam desproporcionalmente concentrados em profissões de menor prestígio que requeriam menor qualificação. O segundo resultado possível diz respeito às diferenças de gênero dentro de cada subgrupo racial, sugerindo que em 1980, as mulheres tinham larga vantagem sobre os homens em relação à instrução formal em seus graus mais altos. Essa última descoberta leva à conclusão de que, na ausência de interferência por outros fatores, em 1980, homens e deveriam ter tido igual acesso a empregos que demandassem alta escolaridade.

Dados sobre ocupação na Tabela 2, classificados de acordo com sexo e raça, estão divididos em duas categorias amplas: as de "colarinho branco" (gerentes-administradores, profissionais técnicos e de escritório ou administrativos) e as de "colarinho azul" (trabalhadores manuais qualificados, transportes e comunicações e serviços manuais ou pessoais não qualificados). Essas categorias e suas subdivisões englobam os perfis profissionais da mão-de-obra urbana masculina e feminina e indicam como a distribuição dessa mão-de-obra mudou ao longo do período de 20 anos.

As estimativas da Tabela 2 sugerem que as mulheres no mercado urbano de trabalho em 1960 se empregaram primariamente como trabalhadoras manuais não-qualificadas e prestadoras de serviços pessoais. Uma porcentagem avassaladora de 88% das afro-brasileiras empregadas se enquadravam nessas sub-categorias, em contraste com os 52% das mulheres brancas. A maioria das afro-brasileiras eram empregadas domésticas. à medida em que a economia crescia nas duas décadas subseqüentes, a maior mudança para as mulheres foi seu êxodo dos empregos não-qualificados, entrando na categoria do colarinho branco, especialmente nos empregos em escritórios. As mulheres brancas aumentaram sua representatividade na categoria dos empregos do colarinho branco em 15% e as afro-brasileiras em 22%. Em números absolutos o maior ganho foi das afro-brasileiras, em parte porque sua representatividade nos trabalhos não-qualificados era enorme, mas ínfima nos trabalhos qualificados.

O afastamento dos serviços pessoais pelas mulheres as levou a aumentar seu status sócio-econômico. Essas mudanças, porém, beneficiaram desproporcionalmente a população branca, que ganhou acesso às novas oportunidades em número muito maior que as afro-brasileiras. Em 1980, 63% das mulheres brancas estavam trabalhando nos empregos de maior prestígio e maior remuneração, em comparação com os 34% das afro-brasileiras. Na outra extremidade da hierarquia ocupacional, as tendências de emprego eram praticamente reflexos invertidos da primeira: 66% das afro-brasileiras estavam empregadas em ocupações da categoria colarinho azul, em comparação com os 37% das mulheres brancas. Mesmo assim, a comparação das diferenças raciais (colunas 3 e 4) na distribuição ocupacional no decorrer do período de vinte anos mostrou uma diminuição das diferenças raciais entre as mulheres.

Entre os homens a mobilidade ocupacional foi menos marcante. A mudança no perfil da mão-de-obra masculina urbana se deu da categoria dos transportes e comunicações, trabalhos manuais não-qualificados e serviços pessoais para a categoria dos trabalhos manuais qualificados e de colarinho branco. O total de empregados na categoria do colarinho branco aumentou 8% para os homens de ambas as categorias raciais, enquanto na categoria dos trabalhos manuais qualificados os afro-brasileiros empregados aumentaram em 7% e os brancos em 2%. A despeito dos ganhos em números absolutos, em 1980 os homens eram quase tão diferenciados em virtude da raça, em relação aos empregos que ocupavam, quanto em 1960.

A ocupação de determinados empregos também era claramente definida pelo gênero. Enquanto os homens predominavam nas ocupações manuais qualificadas, mulheres de ambas as raças continuavam superando os homens nos serviços e escritórios, tradicionalmente ocupados pelas mulheres. Uma exceção foi o ingresso substancial das mulheres nas categorias profissionais e técnicas. Em 1980 a hierarquia ocupacional na categoria dos trabalhos profissionais e técnicos era a seguinte: mulheres brancas (27%), homens brancos (15%), mulheres afro-brasileiras (14%) e homens afro-brasileiros (7%). As mulheres afro-brasileiras também avançaram tremendamente nos trabalhos manuais qualificados, os quais eram anteriormente dominados pelos homens: em 1980, 22% das afro-brasileiras estavam empregadas em ocupações qualificadas de colarinho azul.

Mesmo em face das desvantagens de localização (da residência) e das diferenças raciais persistentes com respeito à educação, anteriormente discutidas, esses resultados indicam que em 1980 os afro-brasileiros haviam feito progressos substanciais em direção à ocupação de profissões tradicionalmente reservadas aos brancos. As mulheres, em particular, conquistaram um maior acesso aos empregos mais bem pagos. A melhor distribuição ocupacional dos afro-brasileiros e das mulheres resultou de dois fatores. Primeiro, o aumento do número de empregos ocorrido no Brasil entre 1960 e 1980, e a urbanização que acompanhou esse aumento, juntamente com o crescimento da economia, que aumentou a demanda de trabalho, possibilitaram que os afro-brasileiros e as mulheres passassem a integrar o setor formal de empregos. Segundo, como foi mostrado na Tabela 1, os ganhos educacionais obtidos pelos dois grupos garantiram sua melhor qualificação para ocupar esses empregos. Entretanto, mesmo com a melhoria dos níveis educacionais, evidências de segregação persistente em virtude de sexo e raça no mercado de trabalho podem ser notadas nos dados apresentados na Tabela 2. Em resumo, os cargos mais importantes de gerência e administração permanecem sendo domínio dos homens brancos.

RENDA POR RAÇA, GÊNERO E OCUPAÇÃO

A despeito dos ganhos, em termos absolutos, no acesso à instrução formal e ocupações mais bem pagas, em 1980 os afro-brasileiros ainda estavam desproporcionalmente concentrados nas regiões, categorias educacionais e ocupações menos vantajosas. Além disso, os homens brancos superavam claramente todas as outras categorias nos cargos de gerência e administração. A persistência dessas disparidades no mercado de trabalho é indicativa de diferenças salariais relacionadas a raça e gênero. Essa observação leva a três questões relacionadas. Qual o montante da diferença salarial entre homens e mulheres, brancos e afro-brasileiros nos dois grupos? Essa diferença aumentou ou diminuiu com o passar do tempo? A diferença salarial era maior com respeito a raça ou a gênero?

A Tabela 3 apresenta estimativas de salários mensais médios em cruzeiros constantes de 1980. A informação diz respeito a trabalhadores urbanos na faixa etária entre 18 e 64 anos, de acordo com a ocupação. Em todas as seis comparações ocupacionais as estimativas mostram aumentos, em números absolutos, nos salários de todas as quatro categorias ao longo do tempo. No entanto, em todas as categorias de ocupação, os brancos receberam salários mais altos. As diferenças raciais nas duas décadas, entretanto, foram menores entre as mulheres que entre os homens. Na categoria técnico-profissional, por exemplo, as mulheres afro-brasileiras recebiam, em média, 6.250 cruzeiros a menos do que as brancas, mensalmente; enquanto a diferença racial entre os homens chegava a 16.056 cruzeiros. A menor diferença racial entre as mulheres sugere que as desigualdades de renda por gênero eram maiores do que as desigualdades por raça (o que será discutido mais adiante). A comparação das diferenças salariais por raça entre ocupações de colarinho branco e azul mostra que essas diferenças eram maiores tanto para homens quanto para mulheres nas ocupações de mais alto status. Com o decorrer do tempo a diferença salarial racial aumentou entre as ocupações de colarinho branco e diminuiu ligeiramente entre as ocupações de colarinho azul.

As mesmas informações sobre salários foram dispostas de forma diferente na Tabela 4, de modo a comparar salários por gênero. A descoberta mais marcante foi a da magnitude das diferenças salariais por gênero. Embora houvesse dados de que as mulheres haviam completado níveis superiores de educação em relação aos homens, as mulheres recebiam salários mais baixos. Em todas as seis ocupações profissionais comparadas, os salários dos homens eram quase o dobro dos salários das mulheres em empregos semelhantes. Como nos padrões das diferenças raciais, a diferença salarial por gênero aumentou entre 1960 e 1980 entre trabalhadores da categoria do colarinho branco e decresceu entre as categorias de colarinho azul.

Esses padrões de diferenças salariais demonstra a inter-relação entre raça e gênero. A comparação dos resultados mostrados nas tabelas 3 e 4 com estimativas não-oficiais autônomas indicaram que as diferenças de gênero dentro do mesmo subgrupo racial eram maiores do que as diferenças salariais raciais.16 16 Numa tentativa de controlar mais rigorosamente as diferenças por raça e gênero, estimei as diferenças salariais por ocupação para trabalhadores com faixa etária entre 18 e 29 anos que tivessem completado pelo menos 12 anos de instrução formal. Mesmo nesse nível educacional, a maior diferença salarial em qualquer categoria ocupacional era sempre entre homens brancos e mulheres brancas. Ganhos mais baixos para as mulheres refletem o fato de que as diferenças de gênero eram maiores que as raciais. De acordo com esses números, a hierarquia de remuneração no mercado de trabalho brasileiro tinha os homens brancos na mais alta posição, seguidos pelos homens afro-brasileiros, depois as mulheres brancas, e finalmente as mulheres afro-brasileiras.

Essas comparações salariais levam a três conclusões. Primeiro, todos os trabalhadores urbanos experimentaram um aumento, em termos absolutos, em seus salários ao longo do período de vinte anos. Segundo, entre aqueles empregados em ocupações qualificadas, a disparidade salarial por raça e por gênero aumentou ao longo do tempo. Finalmente, a diferença salarial em virtude do gênero era maior do que por raça. Essas conclusões sugerem que a ocorrência de transformações estruturais, entre 1960 e 1980, aumentou as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho às mulheres e aos afro-brasileiros, e melhorou os salários em geral, mas fez pouco no sentido de reduzir a diferenciação racial e de gênero. Pelo contrário, as mulheres e afro-brasileiros que ascenderam às posições mais altas da escala ocupacional, experimentaram uma diferenciação salarial ainda mais intensa.

MEDINDO A DISCRIMINAÇÃO

Os resultados concernentes às diferenças raciais e de gênero no acesso à educação, a posições ocupacionais de prestígio e de salários mais elevados sugerem a presença de práticas de exclusão, mas não as medem diretamente. Analistas do racismo e sexismo no mercado de trabalho observaram que a discriminação pode ocorrer de duas formas. Primeiro, as mulheres e os não-brancos são impedidos de ocupar os empregos mais bem pagos independentemente de sua qualificação; uma prática que resulta na "discriminação ocupacional". A segunda forma de discriminação no mercado de trabalho ocorre quando trabalhadores com qualificação semelhante dentro da mesma categoria de emprego recebem pagamento desigual em virtude da raça ou gênero; prática denominada "discriminação salarial." O objetivo da análise a seguir é investigar se por sobre as diferenças regionais, educacionais, ocupacionais e outras variáveis sócio-demográficas, a raça e o gênero exercem efeitos independentes na seleção de indivíduos para as posições ocupacionais e para a distribuição salarial.

As análises que vêm a seguir se restringem a mulheres e homens na faixa etária entre 18 e 29 anos que trabalham 40 horas ou mais por semana. Uma vez que a informação da jornada semanal de trabalho não consta do Censo de 1960, os números foram estimados apenas para 1980. A amostragem foi restrita ainda apenas a mulheres sem filhos. O objetivo dessas restrições foi identificar uma sub-amostragem de mulheres cujas circunstâncias de emprego fossem as mais semelhantes às dos homens.17 17 Um debate considerável cercou a questão de se a experiência como mão-de-obra economicamente ativa das mulheres pode ser comparada à dos homens. Os homens passam a maior parte de seus anos adultos integrando continuamente a mão-de-obra ativa, mas muitas mulheres se retiram do mercado de trabalho para cuidar de suas famílias, retornando mais tarde. A não-continuidade da atividade da mulher influencia sua experiência de mercado de trabalho de pelo menos três formas. Primeiro, as mulheres estão sujeitas a adquirir menos experiência total de trabalho, estabilidade no emprego e experiência do que os homens. Segundo, a qualificação da mulher pode sofrer uma efetiva depreciação durante os períodos de ausência do mercado de trabalho. Terceiro, as mulheres que planejam sua retirada do mercado de trabalho para realizar deveres domésticos podem acabar postergando seu treinamento on-the-job para quando retornarem ao mercado de trabalho. Esses fatores podem contribuir para o rebaixamento dos salários e da mobilidade ocupacional das mulheres em relação aos homens. Para minimizar esses efeitos, as análises logísticas e de regressão múltipla utilizados neste estudo foram restritas a trabalhadores de período integral em idade entre 18 e 29 anos. A amostra foi limitada ainda a mulheres sem filhos.

MEDINDO A DISCRIMINAÇÃO OCUPACIONAL

Para abordar a questão do acesso desigual às oportunidades de emprego, as categorias ocupacionais foram utilizadas como uma variável dependente numa análise de regressão logística. Essa técnica gera estimativas da probabilidade de se achar indivíduos de uma determinada raça e gênero dentro de uma ocupação específica depois de eliminar os efeitos da história particular e dos níveis variados de qualificação individual. Para levar em conta tais diferenças, estimei a probabilidade de homens e mulheres brancos e afro-brasileiros alcançarem um emprego da categoria de colarinho branco18 18 Homens e mulheres em atividade profissional foram divididos em dois grupos por raça: aqueles nos empregos de "colarinho branco" (os empregos gerenciais e administrativos, os técnico-profissionais e os de escritório), e aqueles em todas as outras categorias (incluindo os trabalhadores de "colarinho azul"). em níveis equivalentes de experiência profissional, educação, região de residência, status de migrante,19 19 0 status migratório também ajuda a explicar as diferenças de renda em um meio industrializado. Os migrantes tendem a mudar para áreas de maiores oportunidades, trazendo consigo características de mercado de trabalho que se comparam favoravelmente com os nativos do novo meio. Estudos realizados no Brasil mostraram que os salários dos migrantes são normalmente mais altos do que os dos nativos (Martine e Peliano 1977). Homens e mulheres de ambas as raças tinham experiências migratórias semelhantes. Aproximadamente metade dos trabalhadores em 1960 eram migrantes; já em 1980 apenas um terço dos trabalhadores residiam fora de seus estados natais. e estado civil.20 20 O estado civil, como uma medida da responsabilidade familiar do entrevistado, é freqüentemente usado como um indicador da dedicação do indivíduo ao trabalho. Nesse sentido, presume-se que o casamento afeta a produtividade do trabalhador e portanto sua capacidade de conseguir emprego e seu nível de renda. O estado civil foi codificado em duas categorias amplas, "casado" e "não-casado", esta última incluindo os solteiros, separados, divorciados e viúvos. Mantendo esses indicadores constantes, poder-se-ia chegar à conclusão de que indivíduos igualmente qualificados tiveram igual acesso aos empregos mais bem pagos independentemente de sua raça ou sexo. Tal conclusão sugeriria a inexistência de práticas de exclusão. Mas, se as diferenças raciais e de gênero persistem mesmo depois de se controlar os efeitos de outras variáveis, os resultados indicariam que as mulheres afro-brasileiros foram sujeitos à discriminação ocupacional. Coeficientes para esses modelos são mostrados na Tabela 5.

Os resultados do modelo de regressão logística confirmaram as expectativas de que a probabilidade de se ter um emprego da categoria de colarinho branco estava fortemente relacionado ao nível de escolaridade.21 21 Para estimar a proporção de cada grupo com tais empregos, foi necessário converter os resultados das equações da regressão logística em probabilidades. Para fazer isto, foi preciso primeiro adicionar o intercepto de cada equação aos coeficientes relativos à experiência profisional, nível educacional, região de residência, estado civil e status de migrante. A soma é o logaritmo da chance de se ter um emprego na categoria de colarinho branco. Por exemplo, para uma mulher com cinco anos de experiência profissional e doze anos ou mais de escolaridade, casada e nativa da região Sudeste, a soma dos parâmetros de efeito seria de 4,2828, um total que implicaria na conclusão de que 98,64 das mulheres deste subgrupo teriam tais empregos. Uma relação completa das probabilidades pode ser solicitada à autora. Nos níveis mais baixos de educação, poucos homens ou mulheres de ambas as raças tinham empregos nessa categoria. Com uma escolaridade de cinco anos ou mais, as diferenças raciais e de gênero começam a emergir. Com uma educação básica, as mulheres brancas tinham a maior probabilidade de ter tais empregos. A diferença racial e de gênero passa então a diminuir a medida em que o nível de educação se eleva. Entre aqueles com o segundo grau completo, 99% das mulheres brancas, 98% das mulheres afro-brasileiras, 95% dos homens brancos e 94% dos homens afro-brasileiros tinham empregos da categoria de colarinho branco. Com base numa definição ampla de emprego de colarinho branco, essa análise sugere que para as mulheres, a educação reduziu os obstáculos às ocupações de maior prestígio. Entretanto, a raça continuou influenciando as oportunidades dentro das categorias de gênero. Assim, mulheres brancas tinham mais possibilidades de conseguir acesso a essas posições de que uma afro-brasileira similarmente qualificada; e os homens brancos mais possibilidades do afro-brasileiros equivalentemente qualificados. Desse modo, o gênero atuou como um fator de mediação no fato de que mulheres educadas de ambas as raças tinham maior acesso aos empregos de colarinho branco do que os homens.22 22 Em uma análise separada (não-publicada), empreguei modelos de regressão logística semelhantes para estimar a probabilidade de se conseguir emprego nas posições de maior prestígio dentro da categoria de colarinho branco (nas áreas de gerenciamento e administração). Os resultados indicaram que em todos os níveis de educação, o grupo com a maior probabilidade de conseguir um emprego desse tipo era o dos homens brancos. Entre aqueles que haviam completado doze anos ou mais de instrução, os modelos estimaram que 17% de homens brancos, 1.1% de homens afro-brasileiros, 5% de mulheres brancas e 0,3% de mulheres afro-brasileiras tinham posições de gerenciamento ou administração. Esse resultado aconselha cautela para se tomar conclusões a respeito da eliminação da discriminação de gênero no mercado de trabalho.

MEDINDO A DISCRIMINAÇÃO SALARIAL

Uma vez que os indivíduos distribuem-se por ocupações profissionais, a discriminação no mercado de trabalho assume outra forma. Essa discriminação se manifesta pela diferença salarial de acordo com a raça ou o gênero para os trabalhadores com qualificação equivalente. O primeiro passo a ser tomado para avaliar a discriminação salarial é estimar equações de regressão salarial. O modelo usado para descrever as diferenças de renda em virtude da raça ou gênero pressupõe que o quanto um indivíduo ganha é influenciado pelos seus anos de experiência profissional,23 23 Os censos demográficos brasileiros não contêm informações a respeito da história profissional dos entrevistados. Empreguei uma conversão da idade e da escolaridade como uma medida representativa da experiência profissional, subtraindo os anos completos de escolarização da idade do indivíduo. Subtraí ainda uma constante de 6, idade média em que as crianças entram na escola. nível de instrução, região de residência, posição ocupacional, estado civil e status de migrante. A Tabela 6 apresenta oito modelos que estimam os salários mensais médios, controlando os efeitos desses indicadores de renda padrão.

O primeiro modelo (mostrado na coluna 1) compara a renda dos afro-brasileiros com a dos brancos. O sinal negativo no coeficiente racial (-0,345) indica que, na ausência de qualquer controle de diferenças sócio-demográficas, os afro-brasileiros receberam pagamentos mais baixos que os brancos. Analogamente, o modelo 2 (mostrado na coluna 2) compara a renda das mulheres com a dos homens. O coeficiente de gênero negativo (-0,418) indica que no mercado de trabalho urbano as mulheres receberam menos do que os homens. Computando a variável racial e de gênero conjuntamente, como indicadores de renda (como mostrado no modelo 3, coluna 3), pouca diferença se fez sentir no sentido de reduzir a grandeza de qualquer dos dois coeficientes, de onde se conclui que raça e gênero continuam explicando quase o mesmo índice de variação salarial.

O modelo completo (mostrado na coluna 4), introduz os controles relativos à experiência profissional, escolaridade, região de residência, posição ocupacional, estado civil e status de migrante.24 24 O intercepto inclui homens brancos casados com zero anos de escolaridade, residentes no Sul, não-migrantes trabalhando na categoria do colarinho azul. A despeito destes controles, raça e gênero afetam os salários negativamente de forma significativa. No modelo completo, todavia, o efeito da raça sobre os salários reduzia-se. Uma comparação do coeficiente de raça do modelo 1 com o do modelo 4 mostra uma diminuição de -0,345 para -0,128. O efeito do gênero, em contraste, diminuiu apenas um pouco, de -0,418 no modelo 2 para -0,386 no modelo 4. Essa comparação dos coeficientes de raça e gênero sugerem que descontado o efeito dos fatores sócio-econômicos o gênero reduz os salários mais do que a raça.

Para levar adiante o exame das diferenças devidas a gênero os salários foram estimados separadamente para homens e mulheres no modelo 5 e 6. A análise separada por sexo é uma maneira fácil de determinar se existem diferenças de gênero nos salários para qualificação semelhante. Por exemplo, comparando os coeficientes (colunas 5 e 6), vê-se que as mulheres recebem salário menor pelos anos de experiência de trabalho e pelo seu investimento em educação do que os homens. O contrário era verdadeiro entretanto para a medida ocupacional. O emprego administrativo estava associado com ganhos maiores para mulheres (0,357 contra 0,145 para homens). De interesse particular é a comparação das diferenças raciais por gênero. Quando se compara a variável racial para mulheres (-0,128) e homens(-0,125) pode-se ver que (depois de controladas as características de fundo) ser afro-brasileiro reduz os salários de forma praticamente igual para mulheres e homens.

Os modelos 7 e 8 apresentam os resultados das regressões por raça dos salários separados. De forma semelhante ao que se verificou antes para mulheres, uma comparação desses coeficientes (nas colunas 7 e 8) mostra que os afro-brasileiros tinham remuneração menor pelos seus investimentos em experiência de trabalho e níveis mais altos de educação do que os brancos. Em contraste com a vantagem ocupacional das mulheres todavia, os afro-brasileiros recebiam salários muito menores para empregos administrativos (0,142) do que os brancos (0,230). Ademais, a redução nos ganhos associados a ser mulher era maior para as afro-brasileiras (-0,421) do que para as brancas (-0,371), sugerindo que entre todos os quatro subgrupos as afro-brasileiras eram menos recompensadas pelas suas qualificações.

As descobertas mais importantes feitas pelas análises de regressão salarial foram que, mesmo depois de controlar e isolar as diferenças de variáveis como a experiência profissional, a educação, a ocupação e outros indicadores salariais, as mulheres recebiam menos do que os homens e os afro-brasileiros menos que os brancos. O fato de que a raça e o sexo continuam afetando o valor dos salários de forma substancial mesmo depois de introduzidas essas variáveis indica que a disparidade de renda que existe entre homens e mulheres, brancos e afro-brasileiros, não pode ser reduzida a meras diferenças de posição sócio-econômica. Esses resultados sugerem claramente que, no mercado de trabalho urbano brasileiro, as mulheres e os afro-brasileiros sofrem discriminação salarial.

O CUSTO DA DISCRIMINAÇÃO

Para quantificar a discriminação salarial usei uma técnica comumente utilizada em economia para separar os diferenciais salariais de gênero e raça. Esse procedimento estatístico primeiro estima o modelo de regressão salarial completo separadamente para cada um dos quatro subgrupos raciais e de gênero. A diferença salarial padrão é então desagregada em três componentes: composição, ou quanto a diferença salarial é devida a diferenças de características sócio-demográficas (como níveis de instrução ou distribuição diferencial por ocupações); discriminação, ou a proporção da diferença salarial devida a pagamento desigual para trabalhadores de qualificação equivalente; e interação, que representa o efeito combinado da composição e discriminação.25 25 O modelo de decomposição é (Y h - Y l) = [(a h - a 1) + EX 1 (b h - B i)] + Eb 1 (X h - X 1) + E (b h - b 1) (X h - X 1). Para uma discussão deste modelo, ver Duncan (1968), Winsborough e Dickinson (1971), Blinder (1973), e Jones e Kelly (1984). Esse método é particularmente conveniente porque o segundo componente serve como uma avaliação sumária da discriminação salarial. Na presente análise, os homens brancos são o grupo-referência, e assim as diferenças de renda são obtidas comparando homens brancos com mulheres brancas e homens brancos com homens e mulheres afro-brasileiros.

Os resultados da aplicação da análise de decomposição, mostrados na Tabela 7, apresentam a diferença salarial geral entre os grupos, e a decomposição dessa diferença em três componentes: a composição, a discriminação e a interação.26 26 O componente de interação positivo para todos os três grupos significa que mudanças conjuntas dos recursos relacionados a salários e os ganhos relativos a esses recursos teriam um substancial impacto positivo nos ganhos tanto de homens quanto de mulheres. A primeira generalização que se pode fazer a partir dessa análise é que a média salarial das mulheres e dos afro-brasileiros foram bem mais baixas do que as dos homens brancos. Os afro-brasileiros receberam salários mensais médios 4.307 cruzeiros mais baixos do que os dos homens brancos; a diferença salarial comparativa entre homens brancos e mulheres afro-brasileiras foi de 7.621 cruzeiros, e a diferença entre homens e mulheres brancos foi de 4.473 cruzeiros.

As diferenças de composição (níveis desiguais de instrução e ocupação, por exemplo), explicaram uma grande parte da diferença salarial entre homens brancos e afro-brasileiros (39%). Entre as mulheres, as diferenças de composição se mostraram um fator menos importante na determinação da diferença salarial. Entre os homens brancos e as mulheres afro-brasileiras essas diferenças foram responsáveis por 16% da diferença de salário e por apenas 3% em relação às mulheres brancas. O efeito da composição nessa análise reflete a mudança de características de mercado de trabalho dos trabalhadores urbanos, especialmente o maior nível de instrução e a entrada nas ocupações de maior prestígio pelas mulheres.

Tendo verificado a proporção em que as das diferenças decorrentes de níveis desiguais de atributos individuais (ou qualificações) determinam as diferenças salariais, o resultado mais interessante para os objetivos deste estudo fica por conta do componente "discriminação". Das diferenças de renda média entre homens brancos e afro-brasileiros, 24% podem ser atribuídas à discriminação do mercado de trabalho. A porcentagem correspondente para as mulheres afro-brasileiras é de 51%. Para as mulheres brancas, uma impressionante porcentagem de 86% da diferença salarial de gênero era devida a pagamento desigual. A magnitude deste componente de discriminação para as mulheres brancas era inesperada, visto que, como foi mostrado anteriormente, as mulheres brancas haviam recebido mais instrução do que os homens brancos e (depois de se controlar por fatores explicativos) tinham maior probabilidade de conseguir empregos de colarinho branco e receber salários mais altos por essas posições.

A partir dessa informação, as desvantagens econômicas resultantes da discriminação do mercado de trabalho podem ser estimadas. O "custo da discriminação" em 1980 foi de, em média, 1.034 cruzeiros para homens afro-brasileiros, 3.919 cruzeiros para mulheres afro-brasileiras e 3.836 cruzeiros para mulheres brancas. O custo mais elevado, em termos absolutos, foi suportado pelas mulheres afro-brasileiras, refletindo os efeitos duplos da discriminação por raça e por gênero. No entanto, esses resultados sugerem que, em 1980, as mulheres brancas experimentaram proporcionalmente a maior discriminação salarial.

CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo foi abordar a relação entre desenvolvimento econômico e desigualdade utilizando indicadores de mercado de trabalho urbano como medidas das oportunidades e recompensas disponíveis a homens e mulheres brancos e afro-brasileiros.

As mudanças estruturais no Brasil entre 1960 e 1980, entretanto, abriram novas oportunidades e removeram várias das barreiras tradicionais aos empregos. Em 1980, afro-brasileiros e mulheres com o primeiro grau completo não estavam mais restritos às ocupações de mais baixo status. Porém, contrariamente à tradicional ênfase brasileira na democracia racial e na explicação da desigualdade racial do tipo "classe-mais-do-que-racismo", as barreiras raciais ao posicionamento ocupacional continuaram existindo. Aprofundando as análises sobre as informações de 1980, as equações de regressão logística determinaram a discriminação ocupacional. Os brancos e os afro-brasileiros de qualificação profissional equivalente não tinham acesso igual às posições mais bem pagas. Depois de levar em conta as diferenças sócio-demográficas, descobriu-se que as mulheres brancas tinham maior probabilidade de ter empregos na categoria de colarinho branco do que mulheres afro-brasileiras. O mesmo se aplicava também para os homens brancos em relação aos afro-brasileiros. O acesso às posições mais importantes sofria restrições tanto em virtude da raça quanto do gênero, de modo que os homens brancos tinham a maior probabilidade de obter posições de gerenciamento ou administração.

Múltiplas análises regressivas e de decomposição dos diferenciais salariais revelaram uma discriminação salarial significativa. Mesmo depois de se controlar e isolar as diferenças de qualificação, os homens ganhavam mais do que as mulheres e os brancos ganhavam substancialmente mais que os afro-brasileros. Em oposição às previsões segundo as quais as divisões raciais e de gênero no mercado de trabalho cederiam às forças homogeneizadoras da industrialização, meus resultados sugerem que o mercado de trabalho urbano moderno no Brasil continua a exibir uma segregação devida a raça e gênero.

A distribuição desigual das oportunidades e recompensas não deixou de ser contestada. Na política brasileira pós-autoritária do fim dos anos 70, as questões de raça e gênero ressurgiram como importantes bandeiras a serem defendidas. Centenas de organizações feministas e de afro-brasileiros se articularam no clima político mais liberal que se instalou no país na década de 80. Pela primeira vez na história do Brasil, partidos políticos, agências governamentais federais e estaduais, membros da igreja e sindicatos trabalhistas se uniram a ativistas sociais numa discussão a nível nacional do papel desempenhado por raça e gênero na estruturação de oportunidades e distribuição de recompensas na sociedade brasileira contemporânea. A despeito desse diálogo, entretanto, as evidências empíricas sugerem que as desigualdades raciais e de gênero estão tendencialmente aumentando. A persistência da desigualdade de oportunidades estimula o prosseguimento das pesquisas e desafia nossa compreensão das relações entre raça, gênero, desigualdade e desenvolvimento na América Latina contemporânea.

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  • 27
    Estimativas provenientes dos censos de 1960 e 1980 mostraram que duas décadas de crescimento econômico e modernização levaram a resultados contraditórios. Por um lado, todos os quatro grupos obtiveram ganhos salariais e educacionais, em números absolutos, assim como distribuições ocupacionais e demográficas mais favoráveis. Por outro, os ganhos econômicos auferidos em virtude desse crescimento e dessa modernização não foram eqüitativamente distribuídos. A persistência de diferenciais raciais e de gênero é especialmente significativa em vista das profundas transformações na organização social e econômica do Brasil. Foi mostrado que as mulheres e afro-brasileiros, ainda que se beneficiando em termos absolutos, continuaram sofrendo desvantagens relativas.
  • *
    Lovell, Peggy A. "Race, Gender, and Development in Brazil".
    Latin American Research Review, Volume 29, Number 3, pp. 7-35. Tradução de Rafael de Castro Andrade.
  • 1
    Exceções dignas de nota incluem o recente trabalho de Wood e Carvalho (1988, cap. 6), Smith (1990), Carroll (1991), Jonas (1991), Andrews (1991) e Wade (1993).
  • 2
    O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) efetivamente terminou o censo demográfico decenal em 1991. O IBGE ainda não publicou os resultados do Censo de 1991.
  • 3
    Pesquisadores da escola da modernização, influenciados por Emile Durkheim e Max Weber, viam as diferenças adscritas (como as baseadas em raça e sexo), como transitórias e destinadas e ceder lugar a valores, atitudes e comportamentos modernos (ver Greenberg 1980, cap. 1; e So 1990, cap. 2). Karl Marx chegou a uma conclusão muito semelhante em seu
    Manifesto do Partido Comunista, observando que as "águas geladas do calculismo egoísta" destruíam todas as relações feudais, patriarcais e idílicas, não restando qualquer outro nexo entre as pessoas que não o do "frio pagamento monetário." Os economistas neoclássicos também viam as desigualdades raciais e de gênero como imperfeições temporárias do mercado, que seriam definitivamente superadas uma vez que o equilíbrio num mercado competitivo fosse atingido (Stiglitz 1973; Thurow 1975; Cain 1976; Friedman 1982; também dicutido em Boston 1988, caps. I e 3).
  • 4
    Entre os primeiros analistas da dependência, incluem-se Frank (1967, 1969), Dos Santos (1970), Sunkel e Paz (1970), Cardoso (1972, 1973) e Amin (1976). Wallerstein (1974a, 1974b) aprofundou a formulação mais significativa do enfoque dos sistemas-mundo.
  • 5
    Sínteses do debate travado entre defensores da modernização e da dependência incluem Portes (1976), Valenzuela e Valenzuela (1978), Evans e Stephens (1988) e Portes e Kincaid (1989).
  • 6
    Para uma discussão sobre as perspectivas marxistas a respeito de raça, ver Blauner (1972), Lecourt (1980), Rozat e Bartra (1980), Wright (1982), Rex (1983), Worsley (1984, cap. 4), Miles (1984) e Stone (1985, cap. 3).
  • 7
    Estudos feministas na América Latina incluem os trabalhos de Lourdes Arizpe, Lourdes Benería, Carmen Diana Deere, Maria Patrícia Fernández-Kelly, June Nash, Martha Roldán, Helen Safa e Heleieth Saffioti. Para uma discussão sobre o estudo do gênero e desenvolvimento, ver Fernández-Kelly (1989).
  • 8
    Consistente com o paradigma da modernização Charles Wagley predisse que no decurso do desenvolvimento brasileiro, "o grande contraste nas condições sociais e econômicas entre os estratos escuros mais baixos e a classe alta predominantemenmte branca desapareceria" (Wagley 1969,60) Entre estudiosos que compartilham dessa perspectiva incluem-se Pierson (1942), Azevedo (1953)e Harris (11964).
  • 9
    Contribuições teóricas recentes incluem Winant (1992) e Skidmore (1993). Estudos empíricos incluem trabalhos a respeito das desigualdades no mercado de trabalho (Andrews 1992; Lovell 1989, 1992, 1993; Telles 1992); mortalidade infantil diferenciada (Wood e Lovell 1992); segregação residencial (Rolnik 1989; Telles 1991); casamentos interraciais (Telles 1993); e desigualdades na educação (Hasenbalg e Silva 1987, 1991).
  • 10
    Para uma discussão sobre a classificação racial e terminologia no Brasil, ver Andrews (1991,249-58).
  • 11
    Para uma discussão a respeito deste estudo, ver Oliveira, Porcaro e Araújo (1985), Soares e Silva (1987) e Silva (1988).
  • 12
    A partir de 1980, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística passou a analisar e publicar dados raciais divididos bi-racialmente. Esse costume é atualmente seguido pelo serviço estatístico do Estado de São Paulo, SEADE, e também por numerosos pesquisadores de importância no campo do racismo no Brasil, incluindo Nelson do Valle Silva (1978, 1985), Carlos Hasenbalg (1979, 1985), e Charles Wood e Jose Alberto Magno de Carvalho (1988). George Reid Andrews argumentou que essa dicotomia "corresponde não só a indicadores estatísticos "objetivos" mas a percepções brasileiras subjetivas de raça também, pelo menos no Sudeste do Brasil" (1991,250).
  • 13
    A classificação de cor utilizada nos censos brasileiros não distingüe entre descendentes de ínidos e africanos. Uma vez que o objetivo primário do meu estudo é determinar se trabalhadores são tratados diversamente devido à cor da pele, a impossibilidade de distingüir entre pessoas de ascendência índia ou africana não é importante. Além disto, devido ao fato de que esse estudo se limita aos trabalhadores urbanos e exclui a Amazônia, é improvável que muitos indivíduos de ascendência índia tenham sido incluídos na análise.
  • 14
    A amostra se restringe ainda às regiões norte e sul do Brasil. A região norte inclui as áreas urbanas do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Fernando de Noronha (somente 1960), Alagoas, Sergipe e Bahia. A região sul inclui Minas Gerais, Serra dos Aimorés (somente 1960), Espírito Santo, Rio de Janeiro, Guanabara (somente 1960), São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul (somente 1980), Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal.
  • 15
    Comentários sobre as mudanças sociais e demográficas experimentadas pelos brasileiros durante essas décadas, encontram-se em Merrick e Graham (1979), Wood e Carvalho (1988) e Bachae Klein (1989).
  • 16
    Numa tentativa de controlar mais rigorosamente as diferenças por raça e gênero, estimei as diferenças salariais por ocupação para trabalhadores com faixa etária entre 18 e 29 anos que tivessem completado pelo menos 12 anos de instrução formal. Mesmo nesse nível educacional, a maior diferença salarial em qualquer categoria ocupacional era sempre entre homens brancos e mulheres brancas.
  • 17
    Um debate considerável cercou a questão de se a experiência como mão-de-obra economicamente ativa das mulheres pode ser comparada à dos homens. Os homens passam a maior parte de seus anos adultos integrando continuamente a mão-de-obra ativa, mas muitas mulheres se retiram do mercado de trabalho para cuidar de suas famílias, retornando mais tarde. A não-continuidade da atividade da mulher influencia sua experiência de mercado de trabalho de pelo menos três formas. Primeiro, as mulheres estão sujeitas a adquirir menos experiência total de trabalho, estabilidade no emprego e experiência do que os homens. Segundo, a qualificação da mulher pode sofrer uma efetiva depreciação durante os períodos de ausência do mercado de trabalho. Terceiro, as mulheres que planejam sua retirada do mercado de trabalho para realizar deveres domésticos podem acabar postergando seu treinamento on-the-job para quando retornarem ao mercado de trabalho. Esses fatores podem contribuir para o rebaixamento dos salários e da mobilidade ocupacional das mulheres em relação aos homens. Para minimizar esses efeitos, as análises logísticas e de regressão múltipla utilizados neste estudo foram restritas a trabalhadores de período integral em idade entre 18 e 29 anos. A amostra foi limitada ainda a mulheres sem filhos.
  • 18
    Homens e mulheres em atividade profissional foram divididos em dois grupos por raça: aqueles nos empregos de "colarinho branco" (os empregos gerenciais e administrativos, os técnico-profissionais e os de escritório), e aqueles em todas as outras categorias (incluindo os trabalhadores de "colarinho azul").
  • 19
    0 status migratório também ajuda a explicar as diferenças de renda em um meio industrializado. Os migrantes tendem a mudar para áreas de maiores oportunidades, trazendo consigo características de mercado de trabalho que se comparam favoravelmente com os nativos do novo meio. Estudos realizados no Brasil mostraram que os salários dos migrantes são normalmente mais altos do que os dos nativos (Martine e Peliano 1977). Homens e mulheres de ambas as raças tinham experiências migratórias semelhantes. Aproximadamente metade dos trabalhadores em 1960 eram migrantes; já em 1980 apenas um terço dos trabalhadores residiam fora de seus estados natais.
  • 20
    O estado civil, como uma medida da responsabilidade familiar do entrevistado, é freqüentemente usado como um indicador da dedicação do indivíduo ao trabalho. Nesse sentido, presume-se que o casamento afeta a produtividade do trabalhador e portanto sua capacidade de conseguir emprego e seu nível de renda. O estado civil foi codificado em duas categorias amplas, "casado" e "não-casado", esta última incluindo os solteiros, separados, divorciados e viúvos.
  • 21
    Para estimar a proporção de cada grupo com tais empregos, foi necessário converter os resultados das equações da regressão logística em probabilidades. Para fazer isto, foi preciso primeiro adicionar o intercepto de cada equação aos coeficientes relativos à experiência profisional, nível educacional, região de residência, estado civil e status de migrante. A soma é o logaritmo da chance de se ter um emprego na categoria de colarinho branco. Por exemplo, para uma mulher com cinco anos de experiência profissional e doze anos ou mais de escolaridade, casada e nativa da região Sudeste, a soma dos parâmetros de efeito seria de 4,2828, um total que implicaria na conclusão de que 98,64 das mulheres deste subgrupo teriam tais empregos. Uma relação completa das probabilidades pode ser solicitada à autora.
  • 22
    Em uma análise separada (não-publicada), empreguei modelos de regressão logística semelhantes para estimar a probabilidade de se conseguir emprego nas posições de maior prestígio dentro da categoria de colarinho branco (nas áreas de gerenciamento e administração). Os resultados indicaram que em todos os níveis de educação, o grupo com a maior probabilidade de conseguir um emprego desse tipo era o dos homens brancos. Entre aqueles que haviam completado doze anos ou mais de instrução, os modelos estimaram que 17% de homens brancos, 1.1% de homens afro-brasileiros, 5% de mulheres brancas e 0,3% de mulheres afro-brasileiras tinham posições de gerenciamento ou administração. Esse resultado aconselha cautela para se tomar conclusões a respeito da eliminação da discriminação de gênero no mercado de trabalho.
  • 23
    Os censos demográficos brasileiros não contêm informações a respeito da história profissional dos entrevistados. Empreguei uma conversão da idade e da escolaridade como uma medida representativa da experiência profissional, subtraindo os anos completos de escolarização da idade do indivíduo. Subtraí ainda uma constante de 6, idade média em que as crianças entram na escola.
  • 24
    O intercepto inclui homens brancos casados com zero anos de escolaridade, residentes no Sul, não-migrantes trabalhando na categoria do colarinho azul.
  • 25
    O modelo de decomposição é (Y
    h - Y
    l) = [(a
    h - a
    1) + EX
    1 (b
    h - B
    i)] + Eb
    1 (X
    h - X
    1) + E (b
    h - b
    1) (X
    h - X
    1). Para uma discussão deste modelo, ver Duncan (1968), Winsborough e Dickinson (1971), Blinder (1973), e Jones e Kelly (1984).
  • 26
    O componente de interação positivo para todos os três grupos significa que mudanças conjuntas dos recursos relacionados a salários e os ganhos relativos a esses recursos teriam um substancial impacto positivo nos ganhos tanto de homens quanto de mulheres.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      1995
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