Resumo
Apesar da energia eólica ser considerada uma matriz energética "limpa", estudos apontam que a implantação de parques eólicos no Nordeste brasileiro está causando diversos impactos sociais e ambientais negativos às populações que vivem no litoral. Esta pesquisa teve como intuito demonstrar que o investimento em energia eólica no Brasil, com enfoque no estado do Ceará, apesar de ter sido forjado a partir de um discurso conservacionista e regionalista, na realidade, direciona os benefícios da geração de energia eólica para grupos externos, com ausência de retorno financeiro local e, de forma mais agravante, causando prejuízos materiais e imateriais aos moradores que vivem próximo às usinas instaladas. O estudo revelou que as leis que regem o ordenamento da atividade no Brasil facilitam a implantação dos parques eólicos em detrimento da boa aceitação popular, sendo comumente utilizados mecanismos para "invisibilizar" os moradores locais. No final, foram sugeridas medidas para um melhor gerenciamento das políticas de implantação de parques eólicos no Ceará, de modo a possibilitar que as comunidades locais sentem à mesa de negociação e se beneficiem diretamente com os lucros do mercado de geração de energia eólica.
Palavras chave: Energia Eólica; Políticas Públicas; Nordeste do Brasil; Impactos Sociais
Resumen
Aunque la energia eólica sea considerada como una fuente energética "limpia," las investigaciones muestran que la implantación de campos eólicos en el nordeste brasileño está generando diversos impactos sociales e ambientales negtivos a las poblaciones que se encuentran en el litoral, especialmente a los pescadores tradicionales, a los campesinos, a los quilombolas y a los pueblos indígenas. La oposición social a la construcción de los campos eólicos en el litoral aumenta cada dia, y diversas actuaciones para paralizar las obras de construcción vienen siendo realizadas por las poblaciones locales con ayuda de los movimientos sociales. En esta investigación mostramos que las inversiones en energia eólica generan beneficios a los grupos externos, sin contribución financiera local y, para agravar la situación, generan daños materiales y no materiales a la población local que vive cerca de los campos eólicos. Se evidenció ademas que las leyes sobre la energia eólica facilitan la construcción de campos eólicos en contra del apoyo social popular, siendo utilizados mecanismos para "invisibilizar" a los habitantes locales, como lo es la exclusión de las comunidades en los mapas utilizados para el licenciamiento ambiental o para obtener ilegalmente (grilagem) las tierras de uso coletivo e histórico. Finalmente, se destacan medidas para la planificación y el mejor ordenamiento de los campos eólicos en Ceará para que las comunidades locales puedan negociar de igual con los inversionistas y obtener su parte de la producción de ganancia de la energia eólica.
Palabras clave: Energia eólica; Políticas públicas; Impactos sociales; Nordeste del Brasil
Abstract
Although wind power is a "clean" energy source, studies show that wind-farm implementation in northeastern Brazil is causing diverse social and negative environmental impacts to people who live in coastal areas, especially traditional fishers, small farmers, runaway slave communities (quilombolas), and indigenous groups. Social opposition to wind farms grows daily, and people allied with social movements, associations, human rights organizations, and universities have made many local interventions to stop construction. This research aims to demonstrate that even though investments in Brazilian wind power, especially Ceará state, were based on a conservationist and regionalist discourse, wind power benefits actually flow to outside groups without financial returns accruing locally, and, even worse, causing material and non-material damages to people who live near wind farms. This study reveals that laws regulating wind-power development in Brazil facilitate the implementation of wind farms to the detriment of broad social acceptance because it is a means to make local residents "invisible," as in the case of exclusion of communities on maps used to obtain environmental licenses or land-title fraud (grilagem) of collective and historical land claims. Finally, we suggest measures for better control of policies for wind-farm development in Ceará that would make it possible for communities to negotiate as equals with wind-power investors and obtain benefits from the profitability of wind-power generation.
Key words: Wind Energy, Public Policies; Northeastern Brazil, Social Impacts
INTRODUÇÃO
O vento é considerado fonte renovável de energia e o seu aproveitamento ocorre por meio da conversão da energia cinética de translação em energia cinética de rotação, com o emprego de turbinas eólicas para a geração de eletricidade ou cataventos e moinhos para trabalhos mecânicos como bombeamento d'água.
Conforme Jabber (2013), o aproveitamento da energia do vento iniciou com o transporte marítimo, com embarcações movidas à vela, há milhares de anos. Porém, os ventos começaram a ser vistos como importantes na geração de energia elétrica somente a partir do início do século XIX e, um século depois, com a primeira grande crise do petróleo de 1970, quando houve, no Ocidente, interesse político e investimentos suficientes para viabilizar o desenvolvimento e a produção de equipamentos de geração de energia eólica em escala comercial. Diversos países, inclusive o Brasil, dispenderam esforços em pesquisas sobre a utilização da energia eólica para a geração elétrica (DINCER, 2000; CEARÁ, 2001). Entretanto, foi a partir da experiência de estímulo ao mercado realizado na Califórnia, na década de 1980, na Dinamarca e na Alemanha, na década de 1990, que o aproveitamento eólico-elétrico atingiu níveis significativos em termos de geração elétrica e economicidade (BRASIL, 2001).
A energia eólica é limpa, amigável ao meio ambiente em termos tecnológicos, é compatível para a geração elétrica em grande escala, tem reduzida poluição ambiental e consumo de água e não produz CO2 (SAIDUR et al., 2011), além do risco de insegurança de fornecimento ser pequeno (VRIES et al., 2007). A instalação do projeto é rápida, quando comparada a outras fontes energéticas, já que as turbinas eólicas são produzidas em escala industrial e podem ser rapidamente instaladas e conectadas à rede elétrica (CEARÁ, 2001).
É vista como energia ideal porque não polui, não requer combustível, não cria gases tóxicos e não produz lixo radioativo (JABBER, 2013). Dincer (2000) considera que a grande solução para os problemas ambientais mundiais reside nas tecnologias de energia renovável, o que seria a base para o desenvolvimento sustentável global, em especial quando se consideram os problemas associados às emissões de poluentes.
Mundialmente, a energia eólica poderia abastecer 1.700 TW, ou 50% do consumo elétrico total, até o ano 2030, usando apenas 1,17% da superfície terrestre com 3,8 milhões de torres de 5 MW cada uma (JACOBSON; DELUCCHI, 2011). Porém, devido à baixa densidade de potência de 0,5 a 1,5 Watts por metro quadrado, outros autores calculam que o potencial eólico de 1.075 GW precisaria de 160,9 milhões de hectares de terra, possivelmente criando um land rush global, criando conflitos sociais, como resultado de uma transição energética das fontes fósseis às fontes renováveis (SCHEIDEL; SORMAN, 2012). Segundo Pasqualetti (2011), os conflitos sociais relacionados à energia renovável resultariam da "imposição" da energia eólica sem compensação ou mitigação, quando os investidores e os gestores valorizam mais os assuntos técnicos, como eficiência e qualidade de vento, acima de considerações sociais, como os vínculos produtivos e emocionais das pessoas com o território.
Pode-se dizer que o precursor das atuais turbinas eólicas surgiu na Alemanha, já com as pás fabricadas em materiais compostos, controle de passo e torre tubular esbelta (HUTTER, 1995), ou seja, com os avanços tecnológicos que possibilitariam o impulsionamento da indústria e a disseminação da tecnologia em todo o mundo. A primeira turbina eólica comercial ligada à rede elétrica pública foi instalada na Dinamarca em 1976 (BARCELLA; BRAMBILLA, 2012) e já em 2004 existiam mais de 30 mil turbinas em todo o mundo (EWEA, 2005).
Atualmente, a indústria eólica está presente em mais de 80 países sendo que a Índia, a China e a América Latina são considerados como mercados em crescimento. Os primeiros lugares do mundo em capacidade de energia instalada são a China (114.609 MW), os Estado Unidos (65.879 MW), a Alemanha (39.165 MW), a Espanha (22.987 MW), a Índia (22.465 MW) e o Reino Unido (12.440 MW) (GWEC, 2014). No final de 2014 a energia eólica era capaz de abastecer o equivalente a 39% da demanda por eletricidade da Dinamarca, 20% da Irlanda, Portugal e Espanha e 4,9% dos Estados Unidos (GWEC, 2014). Estima-se que em 2020 o mundo terá 12% da energia gerada pelo vento (EWEA, 2005).
A disponibilidade do potencial da energia eólica varia ao longo do tempo e conforme as características dos recursos naturais de cada local, assim como em relação ao uso e ocupação do solo, à tecnologia disponível e aos aspectos econômicos, sociais, jurídicos e institucionais de cada país (VRIES et al., 2007), além da própria produtividade dos empreendimentos de geração de energia.
Um parque eólico é um conjunto de turbinas dispostas ordenadamente em uma mesma área, considerando-se a velocidade do vento, as condições de operação, a rugosidade do terreno e a estabilidade térmica vertical da atmosfera. A proximidade geográfica das turbinas tem a vantagem econômica da diluição de custos, relacionado ao arrendamento da área, aluguel de maquinário para a construção das estruturas e gerenciamento da manutenção. O fator relacionado à qualidade do vento é crucial na análise da viabilidade técnica de implantação do parque eólico e, conforme a literatura técnica, ventos abaixo de 2,5 a 3 m/s não justificam o aproveitamento para a geração de energia elétrica, assim como velocidades superiores entre 12 a 15 m/s ativam o sistema automático de limitação de potência da máquina e ventos muito fortes, acima de 25 m/s, atuam no sistema automático de proteção e a máquina é desligada (SILVA, 2006; SOUSA, 2010).
Em termos técnicos, as turbinas podem ser classificadas em pequenas, quando geram energia inferior a 500 KW, médias quando possuem potência entre 500 e 1000 KW e grandes, quando são capazes de gerar mais que 1 MW (ANEEL, 2005). Quanto à aplicação, as turbinas podem estar conectadas à rede elétrica geral, como no caso do Brasil, ou podem ser destinadas ao suprimento de eletricidade a comunidades isoladas, residências ou para geração de energia em atividades econômicas rurais de pequeno porte (ALBIERO et al., 2014). Sobre o local de instalação das turbinas elas podem estar em ambientes onshore (continente) ou offshore (mar).
Quando voltamos o nosso olhar para o Brasil, este país tinha em 2014 capacidade instalada de 133,9 GW suprido por energia vinda de geração hidrelétrica (66,6%), gás natural (9,4%); biomassa (9,2%); óleo (5,9%); eólica (3,6%); carvão mineral (2,5%); nuclear (1,5%); gás industrial (1,2%) e biogás (0,1%) (BRASIL, 2015).
Apesar da energia eólica ser pouco significante, em termos percentuais, no mercado de energia brasileiro, o Brasil é o líder em produção de energia eólica da América Latina e Caribe. Em 2014, o Brasil encontrava-se na posição de décimo lugar no ranking global, com 5,96 GW de capacidade instalada e 238 parques eólicos, dando destaque ao fato de que no ano de 2014 o país apresentou 72% de crescimento de potência em relação a 2013, se mantendo como um dos países que mais cresceu na produção de energia eólica no mundo (GWEC, 2014). O consumo médio residencial no Brasil em 2014 foi de 167 KWh, portanto, foram abastecidos 6 milhões de residências por mês com a energia gerada dos ventos, o equivalente a 18 milhões de habitantes (GWEC, 2014), o que torna os principais estados produtores do Brasil, Rio Grande do Norte, Ceará e Rio Grande do Sul praticamente autossuficientes energeticamente.
Todavia, é importante ressaltar que a capacidade, em MW, não é igual à energia produzida. As turbinas não tem eficiência de 100%, para se ter uma ideia, a eficiência (capacity factor) das turbinas no litoral cearense é considerada extremamente alta em comparação com outras regiões do mundo, especialmente no período seco (FILGUEIRAS; SILVA, 2003). Por exemplo, em outubro de 2015, as eólicas alcançaram um recorde com capacity factor de 86% (ABEEÓLICA, 2015a, 2015b), enquanto no estado do Texas, Estados Unidos, as turbinas possuem capacity factor de, aproximadamente, 30% (BRANNSTROM et al. 2015).
Essa situação é resultado de estudos e investimentos que iniciaram no final da década de 1970, quando começaram diversas pesquisas no setor de geração de energia eólica. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) instalaram 81 anemômetros na região nordeste do país e, no final da década de 1980, os estudos liderados pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) chegaram à conclusão que os locais que possuíam maior potencial de geração de energia a partir da matriz eólica eram o Rio Grande do Norte, a Bahia e o Arquipélago de Fernando de Noronha, onde foi instalada, sem êxito, a primeira turbina eólica para operação comercial na América do Sul (ARAÚJO; FREITAS, 2008). Naquela mesma época, foi desenvolvida, entre os institutos de pesquisa aeroespacial do Brasil e da Alemanha, uma turbina eólica capaz de gerar 100 KW de energia (ANEEL, 2005).
Simas; Pacca (2013), em trabalho apoiado pela Associação Brasileira de Energia Eólica do Brasil - ABEEOLICA, acreditam que a matriz energética eólica pode contribuir para o desenvolvimento sustentável do país, além de ser considerada mais intensiva em empregos que as tecnologias tradicionais a combustíveis fósseis, uma vez que podem gerar, até 2020, 330 mil empregos por ano no país, sendo que empregos diretos corresponderiam a 70% desse montante, na cadeia de operação, construção e fabricação. Outra vantagem no caso brasileiro é que pode suprir as necessidades energéticas de populações isoladas, pois turbinas pequenas são capazes de atender às demandas especificas com velocidades menores de vento (ANEEL, 2005).
Por outro lado, a indústria que abastece o mercado com peças e equipamentos e as empresas que constroem e gerenciam os parques eólicos no Brasil relatam diversos problemas relacionados à infraestrutura do país como estradas ruins, a falta de linhas de transmissão interligando as usinas eólicas às subestações da CHESF ou da Companhia Elétrica do Ceará (COELCE), falta de educação tecnológica da população, escassez de fábricas especializadas nas peças e compostos das turbinas e veículos apropriados para transportar grandes cargas, como as pás das hélices, por exemplo. Não existe uma política de estado consistente, de caráter nacional ou regional, que tenha como meta contemplar a sociedade com os ganhos da indústria da energia eólica, trazendo divisas para a região onde os parques são instalados, qualificando a mão-de-obra e investindo fortemente em fixação e avanço tecnológico.
Apesar disso, o Brasil, assim como os Estados Unidos (BOHN; LANT, 2009; BRANNSTROM et al., 2015), possui fortes incentivos fiscais que auxiliam no desenvolvimento deste setor. Para se ter uma ideia da dimensão da importância desses incentivos para a energia eólica no caso brasileiro, Pires (2011) aponta como indução ao mercado o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que foi instituído em 2004 com o objetivo de aumentar a participação de fontes renováveis, assim como a realização de leilões e, atualmente, financia cerca de 95% dos projetos (SILVA et al., 2016). Outro fator apontado pelo mesmo autor é a isenção do ICMS, PIS/Cofins e Pasep, importantes fontes de arrecadação para o município, o estado e a união (PIRES, 2011).
Nesse contexto, este estudo teve como principal objetivo analisar as políticas de implantação da matriz eólica no Brasil, com enfoque na região Nordeste, com o intuito de apontar caminhos para um melhor planejamento desta atividade, considerando-se as problemáticas vinculadas à implantação dos empreendimentos no Ceará, responsável por grande parte dos impactos ambientais e sociais das comunidades tradicionais litorâneas atualmente (MEIRELES et al., 2015; MEIRELES et al., 2013; MENDES et al., 2016). Destaca-se que, a partir desta análise, pode-se ter uma visão ampla dos problemas que cercam as políticas de implementação dos parques eólicos no Nordeste, com destaque às questões relacionadas à falta de regularização fundiária dos povos tradicionais e à fragilidade dos sistemas jurídicos em relação à garantia dos direitos dos habitantes dessas comunidades.
METODOLOGIA
Este tema é amplamente estudado pelos autores desde 2008 e foram realizados trabalhos de campo periódicos com entrevistas, reuniões com líderes comunitários e conversas informações em diversas comunidades tradicionais do litoral cearense onde foram construídos parques eólicos. A metodologia da pesquisa foi fundamentada na leitura crítica e analítica de documentos que compõe o relatório ambiental simplificado (RAS) de parques eólicos do Ceará, assim como na avaliação das legislações federais, estaduais e municipais a cerca da implantação de parques eólicos e de seu enquandramento em relação ao potencial impacto ambiental.
A ENERGIA EÓLICA NO CEARÁ: O ESTADO VANGUARDA NA IMPLANTAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS DO BRASIL
A história da energia eólica no Brasil tem relação direta com o estado do Ceará e se desenvolveu de forma contundente na década de 1990. Deste período datam os estudos referentes ao potencial energético eólico que se concentraram nos estados do Ceará e Pernambuco. Iniciou-se a medição para torres entre 30 a 50m instaladas em locais selecionados no litoral dos estados do Ceará, Bahia e Paraná, além de áreas em Minas Gerais, que eram estudadas desde 1983 (ARAÚJO; FREITAS, 2008, ANEEL, 2005). De forma estratégica, o governo do Ceará estabeleceu os primeiros projetos de comercialização de energia eólica, atraindo ao estado investidores nacionais e internacionais e, em 1993, foram instaladas torres para a prospecção de potencial eólico, pela COELCE e a CHESF que viabilizaram, em 1996, o primeiro projeto de demonstração da tecnologia eólica no Brasil: a usina eólica do Mucuripe, na Praia Mansa (Fortaleza), com capacidade de 1,2 MW (CEARÁ, 2001) que, em 2000, seria desativada e repotencializada para gerar o dobro de energia (4 turbinas de 600 KW) (ANEEL, 2005). No mesmo ano, o relatório da CHESF sobre o potencial eólico do litoral do Ceará e Rio Grande do Norte apontou a possibilidade de geração de 9,55 TWh/ano e 2,96 TWh/ano, considerando-se, para isso, a ocupação de 10% das terras do litoral cearense (ANEEL, 200).
Com o apoio da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Centro Brasileiro de Energia Eólica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) publicou, em 1998, a primeira versão do Atlas Eólico da Região Nordeste. A continuidade desse trabalho resultou no Panorama do Potencial Eólico no Brasil, de 2003. Na vanguarda desse processo, o estado do Ceará desenvolveu estudos no período de 1998 a 2000, verificando, através das medições da velocidade do vento, que no período de julho tem-se, no litoral do estado, uma situação extremamente favorável à geração da energia eólica: durante mais de 90% do tempo a velocidade do vento está na faixa entre 7 a 13 m/s, que corresponde à máxima frequência aerodinâmica da grande maioria das turbinas eólicas (CEARÁ, 2001). Em 1999 foram instalados dois importantes parques eólicos: (i) a Usina Eólica da Taíba, no litoral oeste do estado, considerada a primeira a atuar como produtora independente no país com capacidade de geração de 5 MW e (ii) a Usina Eólica da Prainha, no litoral leste, com capacidade de 10 MW (CEARÁ, 2001; ANEEL, 2005).
Em 2001 o governo do estado, por meio da secretaria de infra-estrutura, publicou o "Atlas do Potencial Eólico do Estado do Ceará" já considerando-se, neste estudo, velocidades do vento para alturas de 50 a 70 m, destacando-se as áreas de dunas com velocidades de vento médias anuais de 9 m/s. Revelou-se potencial aproveitável da ordem de 12 TWh na altura de 50m e de 51,9 TWh na altura de 70m para ventos médios anuais superiores a 7 m/s (CEARÁ, 2001). Em 2003, o maior parque eólico do país era a usina eólica da Prainha e os parques eólicos do Ceará representavam, juntos, 73% da potência instalada no país (ANEEL, 2005).
Para se ter uma ideia do crescimento vertiginoso da energia eólica no Ceará, em 2008 as previsões para o ano de 2009, eram que a geração de energia elétrica a partir da matriz eólica no estado deveria abastecer 20% da demanda doméstica por energia (LIMA, 2009), enquanto que foi constatado que, em 2014, a energia eólica gerada no Ceará poderia abastecer o dobro da população do estado (ABEEOLICA, 2015).
A partir do histórico exposto, é interessante analisarmos o desenvolvimento da matriz energética eólica cearense, não só por meio de números e dados técnicos, mas também como discurso político que viabilizou a entrada de investidores externos e à concessão de incentivos fiscais e facilidades logísticas para as empresas que tivessem interesse em implantar parques eólicos no estado. Dentro dessa lógica, de parceria público - privada, os documentos técnicos que viabilizaram a implantação da energia eólica difundiram ideias que relacionam o território cearense como locus de uma vocação geográfica natural à geração dessa energia, uma vez que possui características climáticas semi-áridas associadas à 573 km de costa, o que garante uma boa qualidade e constância do vento, praticamente o ano inteiro.
Os ventos no Ceará são mais intensos durante o dia, devido ao aquecimento desigual das superfícies (mar litorâneo x continente) e possuem influência das brisas marinhas alinhadas com os ventos alísios de E-SE (FERREIRA; MELLO, 2005). A sua localização geográfica, a cerca de 3 graus ao sul do Equador dá uma amplitude de variação anual de temperatura relativamente pequena, no entanto as flutuações diurnas de temperatura entre continente e o oceano contribuem na ampliação da sazonalidade dos ventos.
Por outra parte, essa sazonalidade no Ceará é complementar ao regime hídrico predominante na geração hidrelétrica do país, pois o potencial eólico do estado é máximo justamente no período de níveis mínimos dos reservatórios no restante do ano, ou seja, no segundo semestre. Este fator natural conduz a uma complementaridade ao regime hidrológico brasileiro, porque a maior geração de vento é no período de seca, onde os custos associados de geração de matriz hídrica, assim como os seus riscos de déficit, são máximos (SILVA et al., 2016). Desse modo, o vento funciona como um reservatório virtual, assegurando energia hidráulica e permitindo o seu uso racionalizado (ABEEOLICA, 2015; GWEC, 2014; CEARÁ, 2011; ANEEL, 2005; SILVA; CÂNDIDO, 2015; SCHULTZ et al., 2005). Assim, a tecnologia eólio-elétrica interligada à rede geral, gerenciada pela CHESF, surge como uma das alternativas de geração complementar energética do Brasil, fato comprovado recentemente, em 2014, quando a seca e o baixo nível dos reservatórios do país impulsionaram a geração da energia eólica, que teve um recorde mensal de produção, assim como a utilização das termelétricas (GWEC, 2014).
A partir do exposto, percebe-se que a energia eólica é vista institucionalmente como uma forma racional de utilizar os recursos naturais do Ceará. Conforme o discurso estatal, proferido através do documento-base dos estudos de energia eólica no estado, a "tenacidade criadora do cearense" (CEARÁ, 2001) induz a alternativas inovadoras que conduzem à solução das dificuldades climáticas, impostas pelo regime hídrico com baixos índices pluviométricos, marcado por longos períodos de seca e que tem como registro histórico os problemas sociais gerados em uma economia tradicionalmente agropecuária, como morte do gado, aniquilamento das lavouras e fome da população rural.
O mesmo documento reforça que a geração elétrica a partir de fonte renovável eleva o estado do Ceará à condição pioneira, no Brasil, na aplicação dos princípios estabelecidos na convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que teve como objetivo principal a redução das emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa no planeta. Contraditoriamente, o governo instituiu uma política no sentido de "simplificar os minuciosos e demorados estudos ambientais requeridos pelas fontes tradicionais de geração elétrica" (CEARÁ, 2001) quando, em meio a maior crise energética do país, é publicada uma resolução (BRASIL, 2001b) que institui o licenciamento ambiental simplificado para os empreendimentos energéticos considerados com pequeno potencial de impacto ambiental, incluindo nesta relação as usinas eólicos e outros empreendimentos de matriz renovável.
Esta nova norma, que substituiu uma resolução de 1997 que previa a elaboração de estudos de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) (Brasil, 1997) para as usinas eólicas, obrigou o empreendedor a apresentar somente um relatório ambiental simplificado (RAS), com a declaração do técnico responsável enquadrando-o como de pequeno potencial de impacto ambiental. No Ceará, Montenegro (2013) expõe que a resolução do conselho estadual de meio ambiente de 2012 considerou a usina eólica como atividade de médio potencial de impacto. Todavia, a mesma autora pondera que no estado ocorria um entendimento jurídico diverso, pois o Tribunal Regional Federal do Ceará, em uma decisão de 2009, posicionou-se no sentido de considerar os parques eólicos como de impacto ambiental de pequeno porte, portanto sendo necessário somente a elaboração do RAS.
Esse processo jurídico questionável de requisição das licenças ambientais, por vezes é criticado por setores do próprio governo do estado quando, em documento técnico de 2010, publicou o conteúdo do relatório de aprovação para empréstimo de um banco público brasileiro, em que aponta a importância dos parques eólicos localizados no litoral apresentarem EIA/RIMA, pelo fato de terem sido construídos em Área de Proteção Permanente (APP) (CEARÁ, 2010b).
RELATÓRIO AMBIENTAL SIMPLIFICADO (RAS): INSTRUMENTO DE UMA POLÍTICA EMERGENCIAL OU FORMA DE LEGITIMAÇÃO DOS ABUSOS DO CAPITAL PRIVADO NO LITORAL DO CEARÁ?
O Relatório Ambiental Simplificado (RAS) foi instituído por uma lei federal em 2001, a Resolução n. 279 de 27 de julho (Brasil, 2001b), e teve como principal objetivo estabelecer os procedimentos simplificados para o licenciamento ambiental, assim como o prazo máximo de 60 dias de tramitação para os empreendimentos considerados necessários ao incremento da oferta de energia elétrica no país.
Esta lei foi criada, em regime especial, em meio a maior crise de energia elétrica do Brasil e a necessidade de atender a celeridade estabelecida por uma medida provisória de 1° de junho de 2001 que criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, com o objetivo de "propor e implementar medidas de natureza emergencial decorrentes da situação hidrológica crítica para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica".
Esta crise, conhecida como "apagão", foi motivada por várias razões, como a falta de infraestrutura e planejamento do setor energético no país, retratados na ausência de investimentos em geração e distribuição de energia, o que resultou em bilhões de reais de prejuízo aos cofres do governo federal. Os brasileiros foram forçados a racionar energia, principalmente através do aumento das contas de luz, proporcionalmente ao padrão de consumo.
Neste ambiente delicado, em que eram necessárias medidas rápidas e contundentes que resolvessem o problema energético do país de modo ágil, foram estabelecidas diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica, atendendo ao princípio da celeridade. Nesse contexto, usinas eólicas e outras fontes alternativas de energia foram consideradas como de impacto ambiental de pequeno porte, bastando os empreendedores apresentarem um RAS, relatório simplificado que aborda os aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação do empreendimento de energia, como subsídio para a concessão da licença ambiental prévia requerida. Este documento, por lei, deve conter as informações relativas ao diagnóstico ambiental da região de inserção do empreendimento, sua caracterização, a identificação dos impactos ambientais e das medidas de controle, mitigação e compensação.
Porém, no Ceará, a falta de precisão nas informações fundamentais dos projetos das usinas eólicas demonstra a precariedade dos dados físicos e sociais levantados durante a construção desses documentos que são redigidos, normalmente, por empresas de consultorias locais que costumam replicar as informações de trabalhos anteriores, com pouco critério de qualidade e confiabilidade. Esta precariedade aumenta as possibilidades de impactos negativos ocasionados pela implantação dos parques eólicos, vislumbrado durante estudo de caso em Trairi, litoral oeste, por Oliveira (2014), e, muitas vezes, as comunidades tradicionais nem mesmo são representadas nos escopos dos projetos ou, por outro lado, possuem representação pouco relevante.
Fato que comprova o pouco critério das consultorias contratadas pelas empresas de energia eólica no Ceará é que o proprietário da maior empresa de consultoria do ramo, e que construiu 50% dos RAS para os parques de energia eólica em operação no estado (ARAÚJO, 2015), foi condenado, em 2014, à 32 anos de prisão, assim como quase todos os gestores de órgãos ambientais estaduais daquele ano, em uma operação da polícia federal iniciada em 2008, por terem construído estudos de impacto ambiental tendenciosos e fraudado licenças, dentre outras ilegalidades cometidas (O POVO on line, 2014).
Junte-se a isto o problema que ocorre devido à falta de políticas consistentes de garantia de direito à terra para as populações tradicionais no Ceará e de cumprimento das normativas jurídicas que dispõe sobre o uso adequado do litoral. Exemplo disto é que não existe demarcação dos terrenos de marinha do litoral cearense, apesar da norma jurídica vir da primeira metade do século XIX e as regulamentações jurídicas começarem a surgir a partir do século XX. No estado do Ceará, esses terrenos começam a ser formalmente demarcados somente em 2010, quando foi construída a normatização técnica da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) do Ceará. Como o Governo do Estado não possui recursos financeiros e técnicos, conforme o discurso institucional e, segundo a nossa visão, vontade política para delimitar os terrenos de marinha de todo o litoral, este serviço passa a ser terceirizado, para o próprio empreendedor que, após a delimitação dos terrenos públicos, submete à apreciação do estado que deve validar para conceder a permissão de construção nas áreas que estejam fora dos terrenos de domínio público.
Apesar de Simas; Pacca (2013), em estudo de caso brasileiro, e documento do governo do estado do Ceará (CEARÁ, 2001), que enfoca a realidade cearense, declararem que os parques de energia eólica podem coexistir com diversas atividades econômicas como pecuária e agricultura e que os proprietários da terra não são desalojados, ao contrário, eles permanecem em suas moradias e podem aumentar a produtividade rural, a partir do investimento dos recursos adquiridos através do pagamento de royalties e aluguéis, percebemos que isto ocorre somente onde existe segurança da posse da terra e estabilidade jurídica da propriedade, fato que não existe com as comunidades tradicionais do litoral do Ceará, que vivem como "posseiros de boa-fé" em seus territórios e não possuem garantias legais de permanência (LIMA, 2009).
Esta situação não é isolada ao Brasil, podendo-se exemplificar a região de el istmo Tehuantepec, local que concentra 97% dos parques eólicos do México, em que Juaréz-Hernandéz; León (2014) consideram que o modelo de exploração da energia eólica desenvolvido na região favorece as empresas, que concentra os benefícios econômicos e limita-os para as comunidades locais, uma vez que é escassa a informação sobre o arrendamento da terra e não existe consulta prévia ou qualquer tipo de orientação e assessoria à população, caso semelhante à realidade no Ceará.
Juaréz-Hernandéz; León (2014) apontam a cooptação de representantes das comunidades como estratégia, por parte das empresas, para obterem maiores benefícios econômicos, o que é posto por Sauer; Silva Junior (2012) como "estratégias de repressão" elencadas como: (i) isolamento político, não dando voz nem conferindo legitimidade às demandas locais; (ii) cooptação, concedendo pequenos privilégios a grupos de base ou lideranças importantes, normalmente, em forma de oferta de dinheiro, buscando o definhamento do movimento social, como demonstrado por Araújo (2015) em Amontada, litoral oeste, e (ii) repressão, com o uso da força policial, exemplificado no Cumbe, comunidade quilombola do litoral leste (SANTOS, 2014).
Dentro desse cenário, é válido considerar a visão de Saidur et al. (2011) que aponta que o aumento do consumo de energia e a necessidade dos países de terem uma matriz energética diversificada e "limpa", sinalizam as indústrias eólicas como "salvadoras da pátria" e, por isso, muitas vezes, os governos aceitam as atividades dessa indústria sem impor muitas restrições, o que ocasiona diversos impactos.
Sauer; Silva Junior (2012) colocam que, de acordo com o Banco Mundial, em 2010 a demanda mundial por terras era enorme, especialmente a partir de 2008, e este interesse internacional pelas terras da América Latina (Brasil, Argentina e Uruguai) e da África subsaariana tem provocado um aumento dos preços, o que acirra ainda mais as disputas por terras e pressiona pelo não reconhecimento dos direitos territoriais. Esta situação pode ser exemplificada na matéria do jornal Diário do Nordeste, de 9 de setembro de 2009 (DIÁRIO DO NORDESTE, 2009), que trata sobre a inauguração do parque eólico na praia de Xavier, litoral oeste do Ceará, e aponta como um dos empecilhos ao crescimento da energia eólica a dificuldade em demarcar grandes áreas e encontrar terrenos livres.
Devido a isto e a outras questões relacionadas aos impactos da implantação dos parques eólicos, a percepção negativa da energia eólica vem aumentando em diversos países (PASQUALLETI, 2011), em todos os continentes, com a resistência da população do México contra a instalação de parques eólicos (JUARÉZ-HERNANDÉZ; LEÓN, 2014), a queima de turbinas na Escócia e a morte de pessoas em protestos na China (ANG, 2005; DAVIES, 2007, BOHN; LANT 2009, PENICUIK, 2010), enquanto que a alta adesão social à energia eólica é observada onde ocorre o pagamento de royalties e arrendamentos aos proprietários onde as turbinas são instaladas e onde são visíveis os impactos econômicos positivos (BRANNSTROM et al., 2011; SLATTERY et al., 2012).
No Brasil, já podem ser vistos alguns movimentos contra a implantação de parques eólicos, em especial no Ceará, retratados por meio de abaixo-assinados de organizações humanitárias e ambientais e associações de pescadores tradicionais, agricultores familiares e indígenas do litoral do Ceará, assim como na primeira (2012) e na segunda versão (2014) do fórum promovido pelo Instituto Terramar intitulado "Energia eólica: conflitos e injustiças ambientais na zona costeira". Em 2015, audiências públicas no Ceará discutiram os impactos dos parques eólicos nas comunidades, sob o título "As contradições da energia eólica no Ceará". O objetivo político das audiências era debater com as comunidades os impactos negativos da implantação de parques eólicos em seus territórios e as possíveis alternativas de locação.
Nesse contexto, é importante dizer que, enquanto os estados e o governo brasileiro flexibilizam as legislações concedendo facilidades aos empreendedores para a instalação de parques eólicos, alguns municípios, que padecem diversos impactos negativos diretos dos parques tentam minimizar os problemas, através da criação de frágeis dispositivos legais, como no caso de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, que em 2013 sancionou uma lei que limita em 2 km a partir da linha preamar a distância para a implantação de parques eólicos (TRIBUNA DO NORTE, 2014).
A essa lógica do Estado, pactuado com as corporações, de incidir sobre as comunidades tradicionais e renegar seus direitos de posse sobre a terra, assim como de exercer seus direitos como cidadãos, Acselrad (2004), Sant'Ana Junior and Silva (2010) e Leroy and Meireles (2013) chamam de invisibilizar os grupos sociais locais por meio da percepção de território como um espaço despovoado e disponível para as intervenções econômicas de grandes projetos, como no caso da geração de energia eólica, através da negação da localização geográfica das comunidades, que comumente não são representadas nos mapas das empresas que compõe o documento mais importante requerido para o licenciamento do parque eólico, ou seja, o RAS.
Esta situação de conluio entre o governo do estado e os representantes das grandes corporações pode ser exemplificada no texto da ata de uma das reuniões da "Câmara Setorial de Energia Eólica do Ceará", de 17 de janeiro de 2014, em que um representante de uma multinacional do setor de energia eólica se dispõe a auxiliar na construção do texto que servirá de base para a criação da legislação estadual que trata dos incentivos fiscais à instalação de parques eólicos, na tentativa de tornar as regulações do Ceará semelhantes às do estado de São Paulo, onde o representante da empresa considera ideal para exercer as atividades empresariais.
PROPOSTAS PARA UM MELHOR GERENCIAMENTO DA POLÍTICA DE IMPLANTAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS NO CEARÁ
É importante trazer alguns exemplos, considerando-se as experiências de outros países, de boas práticas relacionadas ao planejamento, instalação e operação dos parques eólicos, como os planos regionais e locais para a implantação de projetos de energia eólica da Alemanha, Irlanda e Austrália que delineiam diretrizes claras para a integração de turbinas eólicas com outros usos da terra (GL, 2010; IWEA, 2012; IWEA, 2011; CEC, 2013). Conforme Jabber (2013), os planos de planejamento municipal podem fornecer metas e direcionamentos relacionados à implementação de projetos de energia eólica, inclusive estabelecendo, de forma mais detalhada, a adequação da localização das turbinas, quantidade de empreendimentos e relevância do impacto visual nas paisagens. Para tanto, é importante que seja considerada a população que habita a localidade, no que concerne às informações acerca dos projetos e negociações sobre a sua localização geográfica e porte do empreendimento.
Os planejadores e a população devem decidir se o projeto é compatível com o uso existente da terra e se vai modificar negativamente o caráter global da área, prejudicando as comunidades estabelecidas (VARUN; INTER, 2009; EWEA, 2009), uma vez que os moradores locais são os maiores impactados (BROWN, 2011; MUNDAY et al., 2011).
Nesse sentido, Dincer (2000) e CEC (2013) apontam como um dos principais fatores para o sucesso do desenvolvimento de fontes de energia sustentáveis a conscientização pública e o engajamento da comunidade, por meio da informação e educação. Portanto, a velocidade dos ventos não deve ser o único critério para a localização de um parque eólico, tendo que ser considerada a negociação da distribuição dos benefícios gerados, de modo franco, com a inclusão de valores locais como critério no processo de tomada de decisão (ZOGRAFOS; SALADIÉ, 2012).
Brannstrom et al. (2011; 2015) apontam que é importante o impacto social positivo provocado pelos parques eólicos nas comunidades locais, em função dos pagamentos de royalties e arrendamentos aos proprietários que negociam com as empresas de energia renovável, e isto tem importância para a geração de energia nacional. Nesse contexto, caso não exista um planejamento adequado, em conjunto com a comunidade, as eólicas podem ser classificadas mais como um "perigo tecnológico", podendo levar a problemas graves, inclusive danos psicossociais em comunidades inteiras (WALKER et al., 2015).
Brown (2011) propõe que os parques eólicos no Ceará elaborem programas de capacitação profissional, assim como instituam políticas de pagamento de aluguéis e criação de fundos a longo prazo para investimentos na educação, saúde e infraestrutura local, assim como garanta os direitos de acessos estáveis. Munday et al. (2011) considera ainda outros benefícios, como a possibilidade da comunidade diretamente impactada ter acesso a uma energia mais barata e a construção de torres para visitação de turistas.
Molina; Tudela (2008) consideram importante, no nível de planejamento territorial, a elaboração de zoneamento para propor áreas que atendam às expectativas ambientais e sociais e que sejam mais adequadas à implantação de parques eólicos, construído em parceria com todas as esferas da sociedade, levando-se em consideração o suporte físico-territorial-conservacionista e os aspectos históricos, culturais e econômicos das comunidades. A concretização desta proposta já pode ser vislumbrada em um município do Nordeste, quando a representante do órgão licenciador ambiental do estado do Rio Grande do Norte declara, por meio de veículo informativo, que a lei de zoneamento ecológico do litoral oriental do estado não contempla a questão eólica e que, devido a isto, faz-se necessário a elaboração de um novo documento que considere a melhor locação dos empreendimentos no litoral (TRIBUNA DO NORTE, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A energia eólica não é livre de impactos, mas muitos podem ser minimizados para evitar a sua "imposição" em comunidades (PASQUALETTI 2011). E se quisermos avançar para abrir outras fronteiras, como Lima et al. (2015) apontam em estudos que estimam a produção de energia eólica offshore na costa do Ceará, teremos que pensar em uma melhor forma de planejamento relacionado à implantação de parques eólicos no estado e à gestão dos benefícios gerados através desta indústria.
Embora seja uma visão ingênua, por parte de Brown (2011), em considerar que para a indústria eólica no Ceará crescer ela deve compatibilizar os seus ganhos econômicos com boas práticas nas comunidades, percebe-se que o desenvolvimento de políticas que não incluam a participação direta da sociedade gera conflitos entre os diferentes níveis institucionais e problemas de ordem ambiental e social graves, cuja proporção talvez tenhamos noção exata somente em algumas décadas.
Como reflexão de nosso trabalho, gostaríamos de enfatizar que o cenário de insegurança fundiária jurídica, em relação à permanência no território das populações tradicionais, e corrupção nos setores do executivo que deveriam assegurar os direitos dos cidadãos e a preservação ambiental, cria um ambiente extremamente desfavorável à existência das comunidades tradicionais e da diversidade cultural do litoral do Ceará. É importante ressaltar que as mudanças são inevitáveis, mas precisamos identificar o que vem sem planejamento e o que é feito de modo participativo, com a participação intensa da comunidade. Corroborando com Lima (2009), afirmamos que apesar da energia eólica ser considerada limpa e renovável, a instalação dos parques eólicos no Ceará está promovendo grandes impactos sobre o meio ambiente e sobre o modo de vida tradicional dos moradores locais, porém podemos vislumbrar algumas soluções.
A partir do exposto neste estudo de caso e da leitura crítica da literatura científica, técnica e acadêmica da área, e de guias de boas práticas para a implementação de parques eólicos de diversos países, nos vemos preparados para citar algumas propostas para a adequação da implementação dos parques de energia eólica no Ceará: (i) segurança legal da posse da terra pelas comunidades tradicionais; (ii) pagamento de royalties e aluguéis às associações comunitárias; (iii) abatimento das contas de energia dos moradores locais; (iv) criação de programas permanentes de educação e promoção de boas práticas voltadas à comunidade local; (v) construção de dispositivos legais que normatizem a implementação da energia eólica a nível estadual e municipal, a partir da elaboração de leis e planos municipais; (vi) elaboração de estudos de impacto ambiental que tenham como premissa a conscientização pública, informação ampla e estratégias de comunicação a cerca dos benefícios e possíveis danos ao ambiente natural, social e à saúde humana; e (vii) construção de um zoneamento estadual que identifique níveis de compatibilidade das regiões do estado com a implantação de parques eólicos, com ampla participação social.
Finalmente, é importante dizer que temos ciência da falta de pesquisas sobre diversos aspectos relacionadas à energia renovável no Brasil. Pesquisas geográficas deveriam descrever e quantificar a aceitação ou rejeição social às eólicas para facilitar comparações com outros casos brasileiros e com a bibliografia internacional, para: (i) entender a dimensão fundiária e estabelecer um diálogo com pesquisas sobre o impacto territorial da energia renovável; (ii) analisar a cadeia entre o investidor e os vários intermediários, como as elites locais, para desmistificar as relações financeiras e sociais; (iii) entender as estratégias políticas dos grupos de oposição para facilitar comparações com outros casos, nacionais e globais, de oposição à energia renovável e obras de infraestrutura; (iv) pesquisar meios para melhorar a capacidade de negociação entre as comunidades e os investidores na energia eólica. Geógrafos com disposição para dialogar com uma fonte de energia renovável que é uma solução parcial para os desafios energéticos futuros têm muito campo para contribuir para reduzir as contradições ambientais e sociais da energia eólica no Brasil.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Ministério da Educação e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior pelo financiamento da pesquisa (CAPES-PVE Proc. N. 88881.068108/2014-01, "Impactos da Energia Eólica no Litoral do Nordeste: perspectivas para a construção de uma visão integrada da produção de energia limpa") e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela concessão de bolsa de pós-doutorado à primeira autora (CNPq/ Ciência Sem Fronteiras Proc. N. 233291/2014-8 "Impactos Socioambientais da Energia Eólica: um estudo comparativo em áreas do Brasil, litoral do Ceará, e Estados Unidos, sul do Texas").
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
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Recebido
Mar 2016 -
Aceito
Abr 2016