Resumo
A Geomorfologia Antropogênica se caracteriza como um ramo da ciência geomorfológica que considera as ações antrópicas como agentes modificadores do relevo. Tal abordagem se apresenta atualmente como uma ferramenta fundamental na análise dos processos geomorfológicos e hidrogeomorfológicos ocorrentes em áreas urbanizadas, haja visto que tais localidades passaram e passam por significativas alterações desencadeadas por ações de origem antrópica. Logo, se faz necessária a existência de uma construção conceitual que contemple os processos geomorfológicos a partir de uma abordagem antropogênica. É nesse contexto que o presente artigo objetiva enunciar o conceito de processos antropogênicos induzidos, apresentando de maneira teórica sua distinção conceitual frente ao processos geomorfológicos naturais / espontâneos e indicando sua aplicabilidade na análise e interpretação dos fenômenos geomorfológicos desencadeados em áreas urbanizadas.
Palavras-chave: Geomorfologia Antropogênica; Processos Antropogênicos Induzidos; Áreas Urbanizadas.
Resumen
La Geomorfología Antropogénica se caracteriza como una rama de la ciencia geomorfológica que considera las acciones antrópicas como agentes modificadores del relieve. Este enfoque se presenta en la actualidad como una herramienta fundamental en el análisis de los procesos geomorfológicos e hidrogeomorfológicos que ocurren en las áreas urbanizadas, dado que dichas localidades han sufrido y están experimentando importantes cambios desencadenados por acciones de origen antrópico. Por tanto, es necesaria la existencia de una construcción conceptual que contemple los procesos geomorfológicos desde un enfoque antropogénico. Es en este contexto que este artículo tiene como objetivo enunciar el concepto de procesos antropogénicos inducidos, presentando teóricamente su distinción conceptual de los procesos geomorfológicos naturales/espontáneos e indicando su aplicabilidad en el análisis e interpretación de los fenómenos geomorfológicos desencadenados en áreas urbanizadas.
Palabras-clave: Geomorfología Antropogénica; Procesos Antropogénicos Inducidos; Áreas Urbanizadas
Abstract
Anthropogenic Geomorphology is characterized as a branch of geomorphological science that considers anthropic actions as relief modifying agents. This approach is currently presented as a fundamental tool in the analysis of geomorphological and hydrogeomorphological processes occurring in urbanized areas, because such locations have gone through and are going through significant changes triggered by actions of anthropic origin. Therefore, it is necessary the existence of a conceptual construction that contemplates the geomorphological processes from an anthropogenic approach. It is in this context that this article aims to enunciate the concept of anthropogenic induced processes, theoretically presenting its conceptual distinction against geomorphological natural / spontaneous processes and indicating its applicability in the analysis and interpretation of geomorphological phenomena triggered in urbanized areas.
Keywords: Anthropogenic Geomorphology; Anthropogenic Induced Processes; Urbanized Areas.
INTRODUÇÃO
Muitas são as definições a respeito do objeto de estudo da Geografia. Moraes (1994) apresenta um dos primeiros conceitos atribuídos a Geografia, o qual a intitulava como área do conhecimento destinada ao estudo da superfície terrestre. Devemos levar em consideração que este conceito data de meados do século XIX, onde a vinculação da ciência geográfica às ações pertinentes à descrição dos aspectos naturais da superfície terrestre era vigente. Relação essa, muito por influência da visão kantiana ligada aos estudos relacionados à Geografia na época.
Milton Santos aponta o espaço geográfico como objeto de estudo da Geografia, levando em consideração suas categorias analíticas como o espaço social (SANTOS, 1986, p. 116). Espaço social este que toma como pano de fundo a localidade em que são desenvolvidas as relações humanas conforme exposto por Saquet e Silva (2008):
“O espaço social corresponde ao espaço humano, lugar de vida e trabalho: morada do homem, sem definições fixas. O espaço geográfico é organizado pelo homem vivendo em sociedade e cada sociedade, historicamente, produz seu espaço como lugar de sua própria reprodução.”
O espaço geográfico, tal qual o espaço social, são conceitos que definem uma dinâmica de ações desenvolvidas pela sociedade, logo cabe ressaltar que essas ações são exercidas em um local concreto, que é a superfície terrestre, ou seja, o relevo. E procurando entender o processo de apropriação do relevo pelo homem e suas implicações, que se faz necessário o esforço de buscar ir além do que está posto conceitualmente e fomentar o debate a respeito dessa temática. É nesse contexto de espaço, onde Homem e meio interagem de maneira dinâmica, que o presente trabalho busca realizar o estudo das características geomorfológicas, a partir de um viés que coloca este Homem como ser integrante e transformador da superfície do relevo. Pois, como destaca Casseti (1995), dissociar o fator humano do natural é algo inadequado, quando se pretende desenvolver um estudo a respeito da paisagem, uma vez que a produção do espaço se dá exatamente a partir dessa interação.
É válido recordar que ao discorrer a respeito dos diversos estratos geográficos que compõem a abordagem geossistêmica, Penteado (1981) traz o conceito de antroposfera, como sendo a superfície de contato onde “o homem agride, corrige e torna economicamente produtivos os sistemas naturais [...]”. Portanto, é possível indicar a existência de um entendimento, onde o Homem não é apenas um componente desse estrato geográfico, mas sim um agente transformador do mesmo, colocando-se em posição de destaque na dinâmica que condiciona os fluxos de energia e matéria ali ocorrentes. O termo “agredir” pode ter diversas interpretações, porém no ramo da geomorfologia, não é difícil atrelar tal expressão aos processos agradacionais e degradacionais de formação do relevo. Ou seja, quando é indicado que o ser humano “agride” o relevo é possível interpretar tal ação como uma alteração / modificação dessa superfície. No entanto é necessário colocar que esta interpretação de forma alguma coloca o Homem, no papel de escultor como em um processo artístico, alterando as formas e criando a escultura perfeita. Pois, o relevo possui uma dinâmica própria e equilibrada, regida pelos fluxos de energia e matéria, os quais uma vez alterados irão ocasionar reflexos que serão notados e poderão impactar as populações que habitam esse espaço social que é a superfície do relevo.
Ross (2001) apresenta de forma consistente a relação desenvolvida entre o Homem e o espaço habitado, quando de forma poética define o relevo terrestre como sendo “parte importante do palco, onde o homem, como ser social, pratica o teatro da vida”. E anteriormente a ele, De Martonne (1964) também havia exposto sua ideia onde, “o relevo terrestre assumia expressão como recurso ou suporte da vida, o palco do desenvolver da história”. Estes conceitos não só contextualizam a ideia já apresentada a respeito do espaço social, como também reforçam que o Homem está sim presente e atuante nas alterações do relevo terrestre.
As interações que envolvem o relevo e o desenvolvimento urbano são conhecidas a séculos (CSIMA, 2010). Historicamente a análise da paisagem e por consequência do relevo, era um dos principais fatores levados em consideração quando se procurava realizar a implantação de determinado sítio urbano. No entanto é necessário ressaltar que esta análise não partia de um viés científico, ou sequer vinculado ao planejamento urbano para ocupação ordenada dessa paisagem. Tal análise se baseava em suprir necessidades básicas, como o acesso a água para consumo humano ou para irrigação de plantações, implantação de estradas devido às condições de relevo menos movimentado, entre outros fatores.
Cabe ressaltar que parte dos principais sítios urbanos ao redor do mundo iniciaram seu processo de desenvolvimento urbano ainda na Idade Média (Séc. V ao XV) a margem de grandes rios, a exemplo de Paris às margens do Rio Sena, ou Berlin e Londres, que se expandiram às margens dos rios Spree e Tâmisa. Podemos também citar importantes cidades da antiguidade como Ur (4.000 a.C) que foi uma proeminente cidade-estado suméria (atual Tell el-Muqayyar, Iraque), localizada no vale do rio Eufrates que juntamente com o Rio Tigre, compunham a região da Mesopotâmia, sítio de implantação e expansão dos principais “aglomerados” urbanos da época, amplamente indicada como berço da civilização (ROUX, 2002; KRIWACZEK, 2018).
No entanto, esse pensamento estratégico da época, não deve ser confundido com o que entendemos hoje por Planejamento Urbano, pois como supracitado, as ideias adotadas buscavam atender pontos específicos e essenciais às populações da época. Porém, é inegável a existência de uma relação longeva entre as paisagens naturais e a transformação destas pelas populações humanas. Ao passo que tais modificações passaram a ter papel de destaque na dinâmica dos processos ocorrentes nesses locais.
É válido lembrar, que o desenvolvimento das populações urbanas e sua expansão pela superfície do relevo não é algo estático no tempo e espaço, fato este, que proporcionou cenários extremamente complexos no que diz respeito às paisagens urbanizadas. De modo que é possível encontrar os mais diversos padrões de ocupação, que vão desde inúmeras cidades que se desenvolveram nas costas litorâneas dos continentes, às ocupações localizadas em grandes altitudes, a exemplo de La Paz, um aglomerado urbano com aproximadamente 2 milhões de habitantes em sua região metropolitana, configurando um verdadeiro enclave urbano, situado em um amplo vale na Cordilheira dos Andes a mais de 3.600 metros de altitude. E realizando um ponto de contraste, é possível mencionar vários sítios urbanos que se desenvolveram abaixo do nível do mar, tendo como destaque grande parte dos municípios holandeses, uma vez que 60% da população da Holanda reside em áreas situadas topograficamente nessa condição.
E o que dizer de Palm Islands, um arquipélago artificial construído em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, composto por aproximadamente 100 milhões de metros cúbicos de areia. Local onde atualmente existe uma gama gigantesca de infraestruturas, composta por edifícios, arruamentos e uma série de outros imóveis de moradia e turismo que abrigam uma população de aproximadamente 80 mil pessoas.
Ou seja, é possível chegar ao ponto onde os aglomerados urbanos ao redor do mundo tiveram seu início atrelado a uma determinada dinâmica, a qual, com o passar dos anos não foi “abandonada”, mas sim modificada, passando por diversas transformações relacionadas a cada período histórico e aos interesses da época, interesses estes que podem ter sido econômicos, políticos, ou de planejamento.
A preocupação quanto ao desenvolvimento das cidades na paisagem, sempre foi o escopo da Geografia Urbana, a qual procura encontrar meios que possibilitem que determinada ação (obra de expansão urbana) não ocasione impactos negativos de grande intensidade, no meio urbano. Entre estes impactos estão as alterações na dinâmica do meio físico, onde tais alterações urbanísticas podem desencadear mudanças no comportamento hidrológico, geomorfológico e hidrogeomorfológico de tal localidade, acarretando diversos problemas que irão impactar diretamente a ação / obra que se pretende desenvolver, além das demais áreas já consolidadas deste aglomerado urbano e suas respectivas populações. Portanto, realizar uma análise de como o desenvolvimento das cidades impacta as paisagens e seus componentes se coloca como um ponto de grande relevância. Partindo desse pressuposto que o presente estudo se propõe a analisar um dos componentes dessa paisagem alterada que é o relevo, atentando diretamente a sua dinâmica e seus agentes transformadores.
No Brasil existem inúmeros exemplos de cidades que cresceram de maneira desordenada e atualmente enfrentam uma série de dificuldades devido a este fato. O aumento populacional ocorrido desde a década de 1970, vinculado a migração das populações do campo para as cidades, fez com que enormes e desordenados aglomerados urbanos se formassem. Esse grande contingente populacional modificou a estrutura das cidades, fazendo que estas adquirissem maior porte num intervalo de tempo relativamente curto, fato este que muitas vezes dificultou que ações ligadas ao ordenamento urbano fossem realizadas e aplicadas com efetividade.
Muitos são os reflexos que podem ser notados em grandes metrópoles brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte entre outras. Várias delas sofrem com inundações / alagamentos urbanos devido a fatores como a elevada taxa de impermeabilização dos solos urbanos, que dificulta o processo natural do escoamento e infiltração das águas pluviais; além da retificação e canalização de canais sem que haja o devido estudo quanto aos impactos que esta alteração acarretaria à dinâmica hidrogeomorfológica do curso d’água (TUCCI, 2016).
No entanto, essa série de ocorrências não é exclusividade dos grandes centros urbanos, pois algumas cidades médias já enfrentam dificuldades relacionadas aos impactos supracitados, como é o caso de Joinville (SC), e Petrópolis (RJ), conforme apresentado nos estudos de Silveira et al. (2009) e Santos (2007) respectivamente.
Quando tratamos de impactos ambientais, muitos são os exemplos associados à evolução urbana. Tomando como referência o município de Uberlândia, Minas Gerais é possível mencionar fatos relacionados a alagamentos / inundações urbanas, geradas principalmente pela elevada impermeabilização do solo associada ao deficiente sistema de galerias pluviais existente no município (PEDROSA et al., 2016). Soma-se a isto a existência de canalização de canais fluviais; ocupação de fundos de vale; assoreamento de cursos d’água e nascentes; processos erosivos em cabeceiras de drenagem; voçorocamentos associados às capturas de drenagem urbana, entre outros.
Dada a existência dessa série de fatos, os quais devem ser explorados pelo meio acadêmico, o presente artigo trará a classificação dos processos antropogênicos induzidos para ambientes urbanizados, visando apresentar conceitualmente os processos geomorfológicos e hidrogeomorfológicos que são diretamente afetados pelas ações antrópicas e suas estruturas.
O ENQUADRAMENTO DO CONCEITO NA CIÊNCIA GEOMORFOLÓGICA
Ao almejar que determinado conceito científico seja bem compreendido, se faz necessário a priori que sua estrutura seja compreendida, neste viés, serão apresentados pontos fundamentais, os quais foram utilizados na elaboração do conceito em questão. Buscando desse modo conduzir o leitor pelo trajeto que culminou na construção do que se entende por “Processos Antropogênicos Induzidos” em ambientes urbanizados.
Inicialmente, foi necessário que os processos geomorfológicos abordados fossem relacionados a dois ramos científicos que dariam a estes o arcabouço teórico para o seu desenvolvimento. Os ramos em questão são a Geomorfologia e a Hidrogeomorfologia. Quanto aos embates filosófico-científicos que permeiam o entendimento da Hidrogeomorfologia como ciência aplicada, estes não serão discutidos neste momento por não se tratar do foco principal do trabalho. No entanto, cabe ressaltar que Goerl et al. (2012) coloca que o objeto de estudo da Hidrogeomorfologia são os processos hidrogeomorfológicos. Pois, ao definir o seu objeto de estudo, os estudos hidrogeomorfológicos passam a ser analisados de outra maneira, enfatizando se estes atendem ou não o objeto, independentemente do método utilizado (SCHEIDEGGER,1973; RICHARDS, 1988). É a partir dessa leitura que no presente trabalho se utiliza a Hidrogeomorfologia para dar escopo aos processos de inundações urbanas, as enchentes e escoamentos de alta difusão, uma vez que os mesmos estão inseridos no âmbito da temática.
Tal decisão está baseada em diversos estudos nos quais as inundações e os escoamentos de alta difusão são analisadas sob a ótica hidrogeomorfológica, analisando o desenvolvimento e características dos processos em questão (EVANS et al.,2001; MONTGOMERY e BOLTON, 2003; WILFORD et al.,2004; SAKALS et al.,2006). Em contrapartida, podemos mencionar Goudie (2004), que define a Hidrogeomorfologia como a interface entre os conhecimentos geomorfológicos e hidrológicos, sendo parte do campo da ciência geomorfológica, podendo ser definida como “Geomorfologia Hidrológica”. Fato este que nos faz retomar o pensamento de Goerl et al. (2012), reafirmando que os processos em questão atuam na interface Geomorfologia / Hidrologia, e tendo este entendimento não há motivos para enveredarmos em discussões que se desliguem da temática proposta e que não trariam contribuição significativa para o entendimento e desenvolvimento dos processos antropogênicos induzidos.
Tratando dos processos sob a égide da Geomorfologia, estão incluídos no estudo, os ravinamentos, formação de piping, voçorocas (incisões profundas), erosões de margens e o assoreamento de canais fluviais urbanos. Processos estes já amplamente discutidos no meio científico, tendo sua gênese e desenvolvimento analisados a partir das mais diversas abordagens e métodos. No entanto, ainda existem pontos a serem discutidos a respeito dos mesmos. E quando se propõe a análise destes processos geomorfológicos a partir de uma leitura prioritariamente atrelada à Geomorfologia Antropogênica, vê-se que há a existência de um vasto campo a ser explorado.
O ENTENDIMENTO DO HOMEM COMO AGENTE TRANSFORMADOR DO RELEVO
Brown (2017) coloca que na Geomorfologia e na Geologia, os estudos que consideravam as ações humanas como parte dos processos a estas relacionados, se iniciaram no Século XIX destacando os estudos de Marsh (1874) e Gilbert (1877). Nesse viés é necessário o destaque a obra Principles of Geology de Charles Lyell publicada em três volumes entre os anos de 1830 e 1833, apresentada por Pelóggia (2005), onde é colocado que o autor (Lyell) mesmo que indiretamente já apontava certa relevância das interferências humanas na superfície do relevo, expondo exemplos como drenagem de áreas pantanosas e de lagos para a implantação e consolidação de estruturas antropizadas, a exemplo de sítios urbanos. E quando este discorre a respeito da existência de um agente antrópico, ele o faz a partir de um viés geológico, inerente à origem de sua formação acadêmica. Contudo esse fato realmente faz com que as ações antrópicas fiquem minimizadas quando justapostas aos mecanismos naturais, dado o exemplo dos derrames mesozóicos citados em sua obra, necessitando assim uma reflexão quanto à aplicação do conceito norteador a ser utilizado nos debates relativos às ações antropogênicas.
Ao tratar de processos antropogênicos em Geomorfologia é impossível negligenciar a obra de Andrew S. Goudie, que foi uma das pioneiras em considerar as ações humanas como agentes modificadores do relevo. O autor coloca o homem como responsável por efetuar papel atuante na criação de formas de relevo, assim como em processos geomorfológicos, a exemplo do ciclo do processo erosivo. Goudie (2013) salienta atenção às interferências antrópicas que atuam de forma indireta junto aos processos geomorfológicos, que por sua vez não são facilmente identificadas, por desencadearem muitas vezes distúrbios / alterações na dinâmica natural destes processos, podendo por exemplo aumentar drasticamente a carga de sedimento que chega a um canal fluvial, provocando seu precoce assoreamento de maneira anômala.
Pelóggia (2005) deixa nítido que há certa convergência nas colocações de Lyell e Goudie, haja visto que ambos apresentam em suas explanações a existência e a importância do homem como agente transformador da superfície terrestre. Conquanto, ambos, mas essencialmente Lyell, procura enfatizar um papel de coadjuvante ao ser humano frente à exponencial grandeza dos processos naturais, indicando que as modificações antrópicas embora importantes, seriam “insignificantes” ao serem comparadas aos grandes processos geológicos globais. Tal colocação soa carregada de certa obviedade, ao nos remetermos à dimensão dos já referidos derrames basálticos do Mesozóico, ocorridos no hemisfério sul do antigo continente Gondwana, os quais puderam ser notados nas áreas hoje representadas pela Índia, África do Sul e continente Sul Americano, tendo sua área de abrangência estimada em cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados (LEINZ, 1949).
No entanto, cabe aos pesquisadores que buscam trabalhar tais temáticas, utilizar os clássicos como bússolas na procura de seu entendimento, mas sem cercear a oportunidade do contraponto e do debate. E nesse contexto é preciso colocar que embora salvaguardada a justa proporção entre os processos antrópicos e naturais, devemos ressaltar que a relevância do Homem como agente transformador da paisagem, passou por significativo incremento no decorrer dos últimos 200 anos. Nesse ponto talvez se faça necessário a realização de uma literal distinção conceitual, que por vezes configura certa dificuldade no desenvolvimento de alguns raciocínios, e aqui nos referimos ao fato de colocar o Homem (as atividades humanas) como agente transformador do relevo. Fazendo com que essa diversidade conceitual que perpassa alguns ramos científicos não dificulte o entendimento da importância antrópica nos processos transformadores da superfície terrestre.
É importante ressaltar que certos conceitos a exemplo de alguns dos supracitados, passaram a ser trabalhados com maior ênfase nas décadas finais do XIX e início do século XX, fato este que corrobora com o entendimento da razão pela qual os mesmos não foram discutidos com a máxima clareza em obras do início deste período, uma vez que ainda estavam sendo debatidos e passando por um processo de maturação quanto ao seu entendimento. No entanto, o decorrer de décadas de debates e pesquisas realizadas nos possibilita utilizá-los com o rigor teórico-conceitual necessário, para que dessa forma as discussões desenvolvidas possam estar respaldadas da melhor forma possível.
Procurando ocupar essa lacuna conceitual, deixada pelo acelerado ritmo de mudanças que ocorrem nas paisagens modificadas pelos agentes antrópicos, que se pensou a classe dos Processos Antropogênicos Induzidos (Fig. 1).
Essa nomenclatura abarca os processos (geomorfológicos e hidrogeomorfológicos) envolvidos nas alterações abruptas das paisagens naturais e construídas. Portanto, entende-se por Processos Antropogênicos Induzidos, os processos geomorfológicos e hidrogeomorfológicos, os quais são passíveis de serem relacionados diretamente às ações antrópicas e suas estruturas, as quais tenham sido mecanismo inicial ou preponderante para sua ocorrência ou agravamento.
Não ateremos neste momento diretamente à morfologia do relevo urbano, mas sim ao entendimento dos processos que a modificam. Ressaltando que grande parte dos processos geomorfológicos ocorrentes nos meios urbanos atualmente não deixam significativos indícios após sua ocorrência, salvo eventos de grande magnitude, exemplo de movimentos em massa de grandes proporções ou o aparecimento de crateras a partir do colapso do solo relacionado à características cársticas regionais ou diretamente por obras de escavação que levaram a retirada do material que atribuía estabilidade a esta camada superficial do solo.
E quando é dito que os processos de média e baixa intensidade não deixam registros significativos de sua ocorrência na paisagem, isto não se dá pela suavidade dos mesmos, mas sim pelo fato de que uma vez modificado por estes processos o meio urbano tende a passar o mais rápido possível por obras de engenharia que buscam devolver a aquele local impactado pelo processo, as suas características anteriores.
Ou seja, no local onde houve a ocorrência de um escoamento de alta difusão que gerou o aparecimento de uma ravina em via pública, ou um colapso de solo pela existência de um processo de piping antropogênico em subsuperfície que provocou surgimento de uma cratera nessa mesma via, tendem a ser executadas o quanto antes obras de engenharia que buscarão na maioria dos casos, mesmo que sem eficácia a longo prazo, “sanar o problema”. Onde em via de regra será realizado o aterramento das referidas feições para que seja possível a recomposição da manta asfáltica e o restabelecimento dos fluxos de veículos no local impactado.
Este fato leva à discussão de dois pontos pertinentes ao presente estudo, sendo ambos ligados a agilidade em executar obras de correção nos locais impactados pelos processos geomorfológicos. O primeiro ponto mostra que esta rapidez impossibilita em parte que sejam desenvolvidos estudos de caso específicos para estas feições, impedindo a realização de medições, coletas de material, análises e ensaios estruturais das mesmas, buscando sua melhor compreensão.
E também ligado a velocidade das obras corretivas podemos destacar a ineficácia das mesmas frente a mitigação e / ou contenção destes processos, uma vez que não existindo estudos em vasta gama que debatam a ocorrência e desenvolvimento dos processos antropogênicos induzidos em meios urbanos, o corpo técnico que compõe o poder público acaba por utilizar métodos inadequados para sanar, corrigir ou coibir os aparecimentos das feições em questão, por julgá-las de maneira inapropriada desconsiderando características próprias e intrínsecas às mesmas, fato este que contribuirá para o reaparecimento destas feições nesse mesmo local dentro de um intervalo de tempo.
Após essas considerações é necessário que seja realizada uma reflexão quanto às colocações supracitadas, uma vez que é posta a relevância e a necessidade da realização de estudos científicos específicos a respeito dos processos antropogênicos induzidos em meios urbanos, se faz necessário compreender a complexidade do caso, pois o impacto do aparecimento de uma feição geomorfológica em meio a um centro urbano, provoca uma ruptura na dinâmica ali estabelecida, causando distúrbios dos mais diversos possíveis. Podemos citar como mais comuns, a alteração no fluxo normal de veículos, uma vez que a feição pode impactar uma via arterial com grande movimentação, ou desalojamento de moradores, dado por danos estruturais nas residências ou mesmo pela obstrução do acesso às mesmas.
Portanto a preocupação em realizar obras que sanem esses fatos o mais rápido possível é algo totalmente compreensível, no entanto nos cabe neste momento buscar meios para que estes impactos possam ser compreendidos da melhor maneira possível e que por sua vez o poder público possa atuar junto aos mesmos da forma correta, desenvolvendo medidas eficazes no trato com os processos antropogênicos induzidos e propiciando as populações impactadas o melhor atendimento.
A Figura 2 se trata do fluxograma que visa sintetizar a gênese de ocorrência dos processos antropogênicos induzidos, apresentando a interação entres os fatores que compõem essa dinâmica. Desse modo temos a apresentação do ponto inicial do processo, representado pelo “Evento Chuvoso”, haja visto que nos ambientes tropicais, a exemplo do município Uberlândia, pano de fundo para o presente artigo, os processos erosivos predominantes tem a água como ponto inicial. As “Estruturas / Ações Antrópicas” representando a gama de ações desempenhadas e estruturas que compõem os ambientes antropizados, enfatizando as áreas urbanizadas, foco do presente estudo.
Também é apresentada a lista de “Fatores Influenciadores / Controladores Estruturais”, que são atrelados a cada classe de processo erosivo, atribuindo a este o caráter de processo antropogênico induzido.
Nesse contexto, é necessário realizar o cruzamento dessas informações para alcançar o entendimento do conceito que define os processos antropogênicos induzidos. Para tal, deve-se considerar como passo inicial o Evento Chuvoso, o qual poderá variar quanto a sua intensidade de ocorrência, contribuindo diretamente na proporção dos impactos que possam ser gerados. Uma vez que, com a precipitação ocorrerá a formação de escoamento superficial, o qual dada a intensidade e duração da precipitação poderá acarretar a formação de um escoamento de alta difusão. E quando utilizamos a expressão “poderá”, é devido a inserção dos Fatores Influenciadores / Controladores Estruturais nessa equação.
Tendo a precipitação como primeiro componente da equação, é necessário nesse momento considerar a existência e participação das Estruturas / Ações Antrópicas, por meio da existência dos Fatores Influenciadores / Controladores Estruturais. Portanto, dando sequência ao raciocínio inicial, formado o escoamento superficial, devemos levar em consideração as estruturas que compõem a superfície do relevo onde vêm se desenvolvendo os processos.
Dessa forma, é necessário atentar que se tratando de uma área urbanizada, tal local poderá contar com a impermeabilização total ou parcial do solo, assim como a existência ou não de galerias de escoamento de água pluvial, das quais deverá ser considerado o correto dimensionamento das mesmas, ou a existência de fissuras ou rachaduras que possam comprometer a plena eficácia dessas estruturas. Uma vez que, os referidos Influenciadores / Controladores Estruturais (impermeabilização do solo, existência e condições das estruturas de drenagem pluvial) irão contribuir diretamente para a evolução e desencadeamento dos referidos processos antropogênicos induzidos. Haja visto, que o escoamento superficial não tendo como ser drenado efetivamente durante um evento chuvoso de maior intensidade passará a ganhar volume dando início a um processo de inundação / alagamento ou dotado de maior volume e exposto a um cenário com maior declividade, terá maior velocidade o por consequência maior potencial hidráulico.
Nessa condição, onde o escoamento superficial, dotado de maior volume e velocidade, passa a apresentar característica de fluxo turbulento, o mesmo passa a ter maior capacidade de desagregação e arraste de materiais, favorecendo diretamente a ocorrência de processos erosivos. Processos estes que novamente poderão ser condicionados por componentes ligados às Estruturas / Ações Antrópicas, pois, por ocorrerem em áreas urbanizadas, o fluxo hídrico, tende a ser direcionado às vias públicas, passando a escoar por sobre a manta asfáltica que compõe o sistema viário do local. Desse modo as próprias condições construtivas e de conservação apresentadas por esta estrutura irão interferir no desenvolvimento desses processos, que se deparando com uma cobertura asfáltica enfraquecida por fissuras ou descontinuidades (buracos), passará a infiltrar por essas zonas de fragilidade da estrutura podendo ocasionar vários cenários, a depender da intensidade do escoamento superficial, da morfologia do terreno e tipo do material a ser erodido (solo ou aterro, dotados de textura, densidade e plasticidade específica). Nesse contexto, no local impactado pode ocorrer o surgimento de processos de ravinamentos, piping e voçorocamentos, gerados a partir de processos de escoamento de alta difusão, inundações ou ambos (Fig. 3). E vale ressaltar que a retirada de material ocasionada pelos referidos processos tende a ser depositada em locais topograficamente rebaixados, caracterizados principalmente pelos fundos de vale, onde prioritariamente estão localizados os canais fluviais.
[A] Processo de inundação registrado no cruzamento das avenidas João Naves de Ávila e Anselmo Alves dos Santos, bairro Santa Mônica, Uberlândia-MG. [B] Escoamento de alta difusão ocorrido na avenida Geraldo Abraão, bairro Santa Luzia, Uberlândia-MG.
E, novamente, tendo o meio urbano como pano de fundo das colocações aqui apresentadas, devemos ater aos fatos que caracterizam os canais fluviais urbanos, dos quais podemos mencionar a ausência de zona ripária conservada, devido aos processos de desmatamento desencadeados pela expansão urbana, além da presença de dissipadores de energia comumente encontrados no interior de áreas de preservação permanentes (Fig. 4).
Ravinamento inserido na base do dissipador de energia, localizado no interior da área de preservação permanente do Córrego Buritizinho, Uberlândia - MG.
Portanto, parte do volume de material / sedimento desagregado e transportado pelo escoamento superficial em sua condição corriqueira, ou alterada, representada pelos escoamentos de alta difusão e inundações, alcançará os fundos de vale e será depositado nas áreas adjacentes e no interior dos canais fluviais.
Esse trajeto realizado pelo escoamento ao adentrar as áreas de preservação permanente por meio de fluxo difuso, concentrado ou direcionado por um sistema de dissipação de energia, poderá novamente desencadear processos erosivos, sejam esses novos ravinamentos e voçorocamentos, ou mesmo o solapamento de margens dos canais (Fig. 5).
[A] Erosão de margem ocasionada pelo escoamento superficial drenado para o interior da área de preservação permanente do Córrego Buritizinho, Uberlândia - MG. [B] Leito assoreado do Córrego Perpétua, Uberlândia-MG. [C] Erosão de margem no Córrego Buritizinho, na imagem é possível identificar que o processo erosivo já começa a comprometer a estabilidade da vegetação existente no local.
Essa sucessão de acontecimentos que foi apresentada, objetivou demonstrar como podem ser desencadeados os processos antropogênicos induzidos em meios urbanizados, de modo que cada um dos processos geomorfológicos apresentados teve sua ocorrência atrelada a Estruturas / Ações Antrópicas, ao passo que tal interação passou a condicionar a forma de ocorrência, localização e intensidade dos processos em questão.
Seja a partir da existência de impermeabilização do solo, da inserção de estruturas que direcionem ou barrem o fluxo hídrico, até alterações da estrutura superficial do solo, por meio de processos de aterramento ou retirada de material.
APLICAÇÃO DO CONCEITO DE PROCESSOS ANTROPOGÊNICOS INDUZIDOS EM ÁREAS URBANIZADAS
Serão levados em consideração os mecanismos que são “gatilho” para o início dos processos, os quais poderão variar de acordo com a realidade do local a ser estudado. Nesse contexto, cabe enfatizar que se tratando de estudos geomorfológicos relacionados aos meios urbanos, se faz necessário o entendimento das particularidades que envolvem cada um destes, uma vez que a dinâmica geomorfológica de um determinado local pode diferir significativamente quando comparada à de outra localidade. De modo que as áreas urbanizadas localizadas em regiões serranas com relevo movimentado, terão seus processos geomorfológicos fortemente condicionados à dinâmica de vertentes, onde a ocupação desordenada de encostas íngremes, somada à eventos chuvosos pode vir a acarretar danos significativos como a ocorrência de queda de blocos, corridas de lama ou movimentos em massa. Já em municípios dotados de relevos suavizados, com predominância de áreas planas a levemente onduladas, dificilmente ocorrerão processos similares aos mencionados anteriormente.
Porém, outros processos geomorfológicos e hidrogeomorfológicos serão passíveis de ocorrer, a mencionar processos erosivos como ravinamentos e voçorocamentos, solapamentos de margens em cursos d’água; além de inundações nos fundos de vale e alagamentos, frequentemente relacionados a impermeabilização dos solos e ocupação das áreas de várzea dos rios e córregos existentes em centros urbanos.
Nesse contexto como ato inicial se faz necessário identificar a gama de processos existentes na área de interesse, para que a partir dessa identificação seja possível evoluir para a etapa posterior que é a análise e compreensão da dinâmica dos mesmos frente às particularidades do local em questão.
E dentre alguns dos processos comumente existente em áreas tropicais, a exemplo do município de Uberlândia-MG, é possível elencar, os ravinamentos; voçorocamentos; erosões de margem; e assoreamento de canais fluviais, todos estes classificados como processos geomorfológicos, além dos escoamentos de alta difusão e inundações urbanas, vinculados aos processos hidrogeomorfológicos. Feita a inventariação dos processos, cabe ao profissional técnico / pesquisador a interpretação da dinâmica dos mesmos, identificando “atores” influenciadores, que possam desencadear, direcionar ou agravar algum dos supracitados processos.
Visando provocar o debate e o aprimoramento das discussões a respeito da temática abordada no artigo, algumas indicações com pretensão conceitual serão realizadas, visando classificar processos, assim como os referidos atores que atuam como controladores estruturais dos processos em questão. Portanto é passível de indicar a existência de um controle estrutural antropogênico em ambientes urbanizados, que pode interferir diretamente na forma e dinâmica de ocorrência dos processos geomorfológicos.
Esse controle se dá prioritariamente a partir de edificações existentes nos centros urbanos que passam a condicionar as forças envolvidas nos processos morfogenéticos. Tucci e Bertoni (2003) apresentam os controladores estruturais de forma genérica os definindo como obstruções. É possível indicar como exemplos de controladores estruturais: o padrão de sistema viário de um bairro, podendo este ser radial, ortogonal, ortogonal misto radial ou linear (FERRARI, 1977), de modo que cada padrão apresentará sua influência frente aos fatores que compõem os processos geomorfológicos, onde podemos destacar principalmente nesse ponto a condução do escoamento superficial (runoff), envolvendo seu ponto de captura e direcionamento (PEDROSA et. al, 2016); a existência de taludes de corte ou de aterro, também são importantes controladores, uma vez que estes se apresentam como alterações topográficas na paisagem, podendo ser negativas (talude de corte) ou positivas (talude de aterro), atuando como facilitador ou obstáculo respectivamente, quando levado em consideração por exemplo o próprio escoamento superficial.
Vale ressaltar que determinadas estruturas presentes nos centros urbanos, a exemplo dos sistemas de drenagem pluvial, serão fatores influenciadores dos processos geomorfológicos e hidrogeomorfológicos ali atuantes. Ao passo que seu mau dimensionamento ou até mesmo sua inexistência como ocorre em alguns casos, irá influenciar diretamente o comportamento e as consequências resultantes de tais processos. E tais estruturas também podem interagir com os processos atuantes em subsuperfície, condicionando seu comportamento. Quanto a este fato, é possível destacar o papel das tubulações, como estruturas de saneamento, podendo estas ser destinadas ao abastecimento de água ou ao esgotamento sanitário, variando em proporção e complexidade de acordo com a necessidade e porte do município em questão.
Portanto, a caracterização dos processos antropogênicos induzidos ocorrerá a partir dos seguintes passos - 1. A identificação dos processos geomorfológicos atuantes no local, a qual será realizada a partir de visitas de campo, ou por meio de produtos de sensoriamento remoto dotados de resolução espacial adequada para visualização das feições, ressaltando que a identificação deverá ser realizada o mais próximo possível da data de ocorrência do processo, visando retratar possíveis etapas evolutivas do mesmo (Ex. colapso de alcovas de regressão, colapso de superfície de piping, sinais de picos de cheia / inundações, entre outros); 2. Análise da dinâmica de tais processos, que deverá levar em consideração, o local de início do processo e materiais constituintes, sua posição na vertente, direção adotada em sua evolução e volume / porte atingido; 3. Apontamento da existência de fatores influenciadores e controladores estruturais no local estudado, que poderá ser realizado a partir de visita de campo, utilizando ferramentas de sensoriamento remoto, consultando materiais oficiais como plantas e mapas que indiquem a localização de infraestruturas urbanas; 4. Analisar a relação dos processos identificados face aos fatores influenciadores e controladores estruturais, para que após comprovada a relação direta entre os mesmos, estes possam ser classificados como processos antropogênicos induzidos (Fig. 6). Tal relação dar-se-á a partir da aplicação dos conhecimentos técnicos / teóricos a respeito dos processos geomorfológicos em questão, juntamente com o estudo dos componentes que formam a paisagem de ocorrência, para assim compreender como os processos estão se desenvolvendo nesse local, ao passo de notar nesse comportamento pontos que os diferenciem da sua dinâmica espontânea / natural.
Fluxograma mostrando as etapas necessárias para identificar processos antropogênicos induzidos.
Feita a classificação dos processos existentes no local de estudo, poderá o técnico / pesquisador ter ferramentas teóricas e aplicadas, para mitigar, ou conter possíveis danos ocasionados por efeitos dos processos antropogênicos em questão, de modo que sem tal diferenciação não seria possível a realização de tais medidas, haja visto que o comportamento e o impacto gerados por tais processos não segue a mesma lógica e dinâmica dos processos geomorfológicos naturais / espontâneos.
Concluindo que, a ausência do entendimento desta distinção conceitual dificulta a tomada de decisão na tratativa dos impactos provocados pelos processos antropogênicos induzidos, acarretando transtornos a todos os setores da sociedade envolvidos, sejam estes o poder públicos em suas diversas esferas administrativas ou a população civil, que preponderantemente é a mais afetada quando há a existência de impactos a ordem dos aqui apresentados.
CONCLUSÃO
Os processos de urbanização ocorridos no planeta evidenciaram como as ações humanas modificam a paisagem terrestre. Tais alterações vão desde pequenas construções realizadas na antiguidade como uma ponte utilizada para transpor um curso d’água, até gigantescas estruturas que simbolizam o atual apogeu das obras de engenharia.
Nesse contexto de significativa alteração da superfície do relevo pelas ações humanas que se julgou necessária a realização de uma contribuição conceitual a partir dos conteúdos trabalhados pela Geomorfologia Antropogênica, visando contribuir na interpretação dos processos geomorfológicos atuantes nessas paisagens alteradas, caracterizadas pelas cidades.
Desse modo, a inserção do conceito de processos antropogênicos induzidos, juntamente com fatores influenciadores e controladores estruturais visa somar esforços na tratativa das muitas ocorrências de caráter geomorfológico, que afetam os centros urbanos. Uma vez que o entendimento dos processos que geram impactos às infraestruturas e às populações que residem nesses centros urbanos se coloca como ponto fundamental para que sejam tomadas decisões acertadas, visando mitigar ou até mesmo sanar os referidos impactos.
Contudo, espera-se que os pontos apresentados no presente artigo, fomentem o debate a respeito da relevância das ações antrópicas frente aos processos modificadores do relevo, com ênfase às áreas urbanizadas, as quais são altamente expostas a tais alterações.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa foi financiada com apoio de CAPES/UFU/PRINT - 88887.311520/2018-00 FAPEMIG (Processo APQ-00231-16) e CNPQ (Processo PQ 302924 / 2019-1).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
05 Dez 2022 -
Aceito
10 Dez 2022 -
Publicado
15 Dez 2022