Resumo
Este artigo objetivou investigar a produção científica sobre a identidade docente e a formação continuada em educação física escolar, analisando como é debatida a relação entre essas duas dimensões da docência. O método utilizado foi a revisão integrativa em quatro bases de dados, sendo analisados 11 trabalhos. Os estudos demonstraram a complexidade da temática abordando-a por diferentes perspectivas: possibilidades e tipos de formação continuada, a subjetividade dos professores(as) em formação, o papel da comunidade, do outro e da alteridade no desenvolvimento de uma identidade profissional. Concluímos que a temática da identidade docente e sua relação com a formação continuada demonstrou-se pertinente e contemporânea, pois converge sobre a própria prática pedagógica dos(as) professores(as), no ser e estar na escola. Apontamos, ainda, a necessidade de mais estudos sobre o tema, dado seu impacto na atividade docente, com desdobramentos na concepção da educação física escolar.
Palavras-chave Identidade Docente; Formação Continuada; Educação Física; Revisão Integrativa
Abstract
This article aimed to investigate the scientific production on teacher identity and continued training in school physical education, analyzing how the relationship between these two dimensions of teaching is debated. The employed method was the integrative review of four databases, analyzing 11 works. The studies demonstrated the complexity of the theme by approaching it from different perspectives: possibilities and types of continued education, the subjectivity of teachers in education, the role of the community, the other and alterity in the development of a professional identity. We conclude that the theme of teaching identity and its relationship with continuing education proved to be relevant and contemporary, as it converges on the teachers' own pedagogical practice, in being at school. We also point out the need for more studies on the topic, given its impact on teaching activity, with consequences for the conception of school physical education.
Keywords Teacher Identity; Continuing Training; Physical Education; Integrative Review
Resumen
Este artículo tuvo como objetivo investigar la producción científica sobre identidad docente y formación continua en educación física escolar, analizando cómo se debate la relación entre estas dimensiones de la enseñanza. El método utilizado fue la revisión integradora en cuatro bases de datos, analizándose 11 trabajos. Los estudios demostraron la complejidad del tema al abordarlo desde diferentes perspectivas: posibilidades y tipos de educación continua, la subjetividad de los docentes en formación, el papel de la comunidad, el otro y la alteridad en el desarrollo de una identidad profesional. Concluimos que el tema de la identidad docente y su relación con la educación permanente resultó pertinente y contemporáneo, ya que converge en la práctica pedagógica de los docentes, en el estar en la escuela. Señalamos también la necesidad de más estudios sobre el tema, dado su impacto en la actividad docente, con consecuencias para la concepción de la educación física escolar.
Palabras clave Identidad Docente; Formación Continua; Educación Física; Revisión Integrativa
1 INTRODUÇÃO
Identidade é um tema pungente no (e do) mundo líquido (Bauman, 2001). Em um contexto em que a vida é cada vez mais fluida, precária e atomizada, a identidade se imbrica no sentimento de pertencer. O tema vem adquirindo contornos de importância, interesse e relevância nas discussões contemporâneas, no Brasil e no mundo, e em setembro de 2012 a Universidade de São Paulo realizou o seminário internacional Identidades, com pesquisadores(as) e pensadores(as) brasileiros(as) e de outros países que se debruçam sobre essa temática, resultando na publicação de uma obra de mesmo nome (Sallum Jr. et al., 2018), que traz as reflexões sobre o tema apresentadas no evento.
Antes do advento da modernidade, o termo era desconhecido de muitos(as), visto que a maneira de ser e estar no mundo era aquela circunscrita aos poucos quilômetros que constituíam o mundo vivido, o da experiência concreta acessível aos sujeitos. Segundo Bauman (2021, p. 26) “A ideia de ’identidade’ nasceu da crise do pertencimento”.
O sentimento de pertencimento é uma força motriz, agindo sobre homens e mulheres, que buscam desesperadamente construir e defender o seu lugar no mundo. Antes sólida e duradoura, a identidade adquiriu a efemeridade inerente à liquidez moderna. Na precarização da vida, temos uma situação cada vez mais paradoxal: os indivíduos buscam nas diferentes comunidades pertencimento e formas de identificação, embora sintam-se constantemente deslocados e isolados em contextos cada vez mais amplos (Bauman, 2021).
Neste trabalho, entendemos a identidade como uma construção social (Silva, 2022; Hall, 1997; 2022; Bauman 2001; 2021), que atualmente carrega em si a essência dos marcadores sociais de diferença (Sallum Jr. et al., 2018). É uma construção social contrária aos universalismos e o seu sentido não se firma, em última instância, na pronúncia de um substantivo, mas na comparação, geralmente por oposição, a identidades diferentes (Silva, 2022; Dubar, 2009). Também tem um caráter situacional, o que acrescenta à sua permanente (re)construção o contexto no qual se inserem os indivíduos.
Assim, com base nos pressupostos teóricos e epistemológicos apresentados até aqui, entendemos que o estudo da identidade docente é um tema igualmente contemporâneo e pungente, uma vez que ela se materializa na maneira de ser, estar e pensar a escola e a educação. O que antes foi um “ofício de mestre” (Arroyo, 2013), apreendido à maneira dos artesanatos, adquiriu caráter profissional e validação científica.
Profissionalização, desenvolvimento profissional e identidade docente fazem parte do vocabulário acadêmico, nas investigações sobre o professorado e seu trabalho cotidiano. O(A) professor(a) passou a ser formado(a) pela academia, que proporcionou uma base científica e racional de conhecimentos, técnicas e metodologias; porém, essa formação não se inicia ou termina em um curso de licenciatura – ela envolve a própria historicidade de cada indivíduo e as peculiaridades que ela carrega. Tornar-se professor(a) é um constante devir. Assim, na atualidade a formação permanente dos(as) docentes ganha destaque como um espaço de (re)construção contínua da identidade, não somente no aspecto utilitarista de melhorar a qualidade da educação e implementar reformas educacionais.
Uma formação continuada (FC) de formato técnico não é suficiente para o exercício da docência, pois mesmo que um conjunto de saberes dessa natureza possa ajudar na constituição de um caráter mais “científico” e “profissional” ao papel do professor(a) na escola, eles não representam mais ou melhor a totalidade dos saberes necessários à compreensão e construção de um processo educativo. Embora esse entendimento não seja inédito ou traga alguma uma novidade, sua (re)afirmação é tão necessária quanto contemporânea no contexto em que a Resolução CNE/CP 02/2019, a BNC-Formação (Brasil, 2019) atualmente em vigor, impõe a mesma lógica neoliberal presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), priorizando uma formação docente (inicial e continuada) pautada em competências e habilidades para os(as) professores(as), visando garantir “as aprendizagens essenciais” dos(as) educandos(as). Nesse documento as palavras “autonomia” e “protagonismo” parecem ressoar o entendimento e desejo de que os(as) educadores(as) sejam empreendedores de si mesmos e projetos de desempenho (Han, 2017a; 2021), que, por meio da autocoerção que se submetem ao problematizar “a si mesmos em vez de problematizar a sociedade” (Han, 2021, p. 34), realizam uma incessante tarefa de produção e performance – sem refletir o porquê, e por quem, ensinam.
O magistério não se esgota na aquisição de um como fazer, pois faz-se necessária a reflexão crítica a partir dos contextos no qual a ação docente se desenvolve, com os desdobramentos que decorrem da prática pedagógica (Imbernóm, 2011). Hoje os limites das funções dos(as) professores(as) estão borrados, sendo requisitados a resolver problemas e questões de ordem social, que outros atores já não “dão mais conta” (Imbernóm, 2009). Essa falta de nitidez, tanto de identidade quanto da função docente tem gerado uma desprofissionalização (Arroyo, 2013; Imbernóm, 2009).
A FC contemporânea deve ter em seu cerne “uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática docente” (Imbernóm, 2011, p. 51). Auxiliar os(as) professores(as) na resolução de situações problemáticas de seus contextos educativos, fomentar a colaboração entre os pares, potencializar a identidade docente, criar comunidades formativas e o desenvolvimento atitudinal e emocional do professorado estão entre as características que Imbernóm (2009) descreve de uma FC que responda às demandas e desafios da atualidade.
Ao olharmos para o campo da educação física (EF), não nos parece novidade a compreensão de que os diferentes currículos produzidos pela área são construtores de identidade dos(as) professores(as) de EF das escolas brasileiras. Nunes e Rúbio (2008, p. 68) defendem explicitamente esse entendimento ao afirmarem que “o currículo também incide na constituição da identidade de quem o aplica”. Vieira (2020) indica em seu trabalho quais identidades se vinculam aos docentes, ao adotarem uma das diferentes vertentes curriculares (Ginástico, Esportivista, Psicomotora, Desenvolvimentista, Saudável, Crítica, Pós-critica) que estão “disponíveis”.
Partindo desta concepção, Resende e Maldonado (2023) defendem que no contexto social hodierno a pergunta chave para construir ou adotar um currículo seria: “qual sujeito e identidade desejamos formar?”, antes mesmo das clássicas indagações (“o que”, “por que”, “para quem” e “como”) sobre o ato de ensinar. Pois a reposta ao questionamento carrega em si as concepções de mundo, sociedade e indivíduo, e o papel social da EF, educação e docência.
Entendemos que essa temática vem sendo tratada no campo acadêmico da EF, ainda que de forma implícita, desde os anos 80 e 90 do século passado, por autores como Lino Castellani Filho (2013) e Valter Bracht (1999); autores cujos trabalhos, não obstante o escopo na constituição histórica da EF no Brasil, acabam tecendo reflexões sobre legitimidade e, com isso, realizam também análises de como a área e seus(suas) docentes foram/são descritos (o que eram/são), bem como a função social da EF e de seu professorado no contexto escolar.
Esta revisão tem como objetivo levantar os conhecimentos produzidos pelo campo acadêmico sobre a temática, dada as particularidades da área frente às demais disciplinas escolares, na construção da identidade docente e suas demandas, muitas vezes específicas, dos contextos de FC. Uma vez que as possibilidades de identidade, tanto docente quanto de EF, são diversas, não nos está explícito como os contextos de formação permanente têm articulado a (re)construção da identidade profissional e a construção e apropriação de conhecimento nestes espaços. Nesse cenário, indagamos se as presilhas da identidade (Han, 2017a) têm se tornadas frouxas, possibilitando uma mistura entre diferentes tipos de docente descritos por Vieira (2020). Ou ainda, se através da FC para os(as) professores(as) de EF constitui-se, intencionalmente ou não, o(a) professor(a) cata-vento (Arroyo, 2013), aquele(a) que está pronto(a) e disposto(a) a girar com as novas tendências, modelos e tecnologias, em favor dos interesses políticos e econômicos dominantes. Ao ser desestimulado(a) da tão necessária reflexão sobre sua prática, não questionará criticamente aquilo que se coloca sobre a escola e a educação, sobre a EF e sua docência e, em última instância, abdica de sua autonomia docente.
2 MÉTODO
No presente trabalho buscamos construir uma revisão integrativa, metodologia que por sua amplitude e profundidade demonstra ser uma forma de revisão da literatura com potencial e aplicabilidade na pesquisa qualitativa. Esse método busca reunir e possibilitar a construção de uma síntese do conhecimento sobre um tema ou questão, viabilizando a combinação de estudos teóricos e empíricos em um mesmo corpo de dados (Souza; Silva; Carvalho, 2010). Esse tipo de revisão permite “[…] um profundo entendimento de um determinado fenômeno baseando-se em estudos anteriores.” (Mendes; Silveira; Galvão, 2008, p. 760), através da análise crítica dessas discussões.
Esse método deve se pautar no rigor metodológico e, para tanto, algumas autoras (Silveira; Zago, 2006; Mendes; Silveira; Galvão, 2008; Souza; Silva; Carvalho, 2010) apontam que a revisão integrativa pode ser dividida em seis fases. Na primeira acontece a elaboração da pergunta que será a base para o estudo, que em nosso caso é: como a FC tem se apresentado como espaço de (re)construção da identidade docente dos(as) professores(as) de EF?
A segunda etapa tem relação direta com a primeira, compreendendo a construção dos critérios de inclusão e exclusão, da definição das bases de dados e da elaboração das palavras-chave ou descritores. Para o presente trabalho foram usados para as buscas as seguintes palavras-chave: “Educação Física”, “Identidade Docente”, “Identidade Profissional”, “Formação continuada” e “Formação Permanente”, combinadas através do uso dos operadores booleanos AND e OR. As buscas foram realizadas em dois bancos de dados da CAPES escolhidos dada sua abrangência e relevância, a saber: Periódicos CAPES e Catálogo de Teses e Dissertações (CTDC), no Sistema Online de Apoio a Congressos do CBCE – SOAC – CBCE. Também realizamos buscas com palavras-chave em inglês “Physical Education”, “Professional Identity”, “Identity” e “Teacher’s Professional Development” na base de dados ERIC com o uso dos booleanos AND e OR. Os critérios definidos para a inclusão foram: (1) estar relacionado com a temática da identidade docente na FC na área da educação física escolar; (2) textos (artigos, dissertações ou teses) com acesso disponível na íntegra publicados em português e/ou inglês. Após as buscas nos bancos de dados e periódicos descritos anteriormente, através dos booleanos AND e OR e da primeira análise dos textos, foram selecionados 13 trabalhos.
Seguimos para a terceira etapa na qual deve ser realizada a síntese e organização das informações, com o objetivo de construir um banco de dados para posterior acesso e análise. Para isso construímos um quadro com o objetivo de extrair e registrar as seguintes informações de cada trabalho: autores e ano de publicação; tipo de pesquisa e banco de dados em que o trabalho foi encontrado; título da pesquisa; por fim, o(s) objetivo(s) e a metodologia utilizada na investigação. Realizamos ainda o fichamento individual de cada texto. Durante essa etapa foram excluídos dois trabalhos que não se enquadravam na temática proposta nessa revisão. Como resultado final, 11 textos foram analisados e suas informações extraídas para o quadro 1. Os dados do presente trabalho foram coletados no mês de novembro de 2023.
Dando sequência ao processo, partimos para a quarta e quinta etapa, nas quais buscamos analisar e discutir os resultados, respectivamente. Para a avaliação crítica nos balizamos através das seguintes questões: por que o problema de pesquisa é importante e quais resposta o trabalho apresenta. Para discutir os resultados, utilizamos como plano de fundo geral o pensamento de Paulo Freire sobre a educação e à docência, a sociologia das profissões de Claude Dubar e as análises sociológicas de Zygmunt Bauman e filosóficas de Byung-Chul Han como fundamento de nossas compreensões das configurações societárias contemporâneas.
A sexta e última etapa de uma revisão integrativa tem por princípio apresentar a forma como foi conduzida a revisão e sintetizar o conhecimento a partir dos resultados dos trabalhos analisados. Buscamos nessa etapa evidenciar os caminhos das pesquisas e os conhecimentos produzidos até então, na possibilidade de contribuir apontando lacunas e possibilidades para as futuras investigações.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Iniciamos os resultados destacando a baixa quantidade de pesquisas que investigaram a temática da identidade docente dos(as) professores(as) de EF da educação básica e sua relação com os espaços de FC. Embora seja significativa a quantidade de textos selecionados, eles compõem a minoria dos trabalhos encontrados nos bancos de dados. No quadro abaixo temos as informações gerais dos estudos:
Após a análise dos trabalhos selecionados, observamos que tais produções acadêmicas sobre a FC e a identidade docente dos(as) professores(as) de EF da educação básica podem ser agrupadas no entorno de três temáticas principais, como apresentando quadro 2.
A partir das categorias temáticas constituídas para as discussões propostas são tecidas as reflexões apresentadas no texto, porém compreendemos que esses temas, embora apresentados de maneira separada para circunscrever dimensões para as análises, se relacionam em um processo dialógico na construção da identidade docente nos espaços de FC.
3.1 ESPAÇOS E PERCURSO DA FORMAÇÃO CONTINUADA: AS POSSIBILIDADES DE REPRODUZIR OU (RE)CONSTRUIR IDENTIDADES
A FC de professores(as) na atualidade é um tema de interesse da comunidade acadêmica e também das forças políticas e econômicas em movimento, tanto nacionais quanto internacionais. Para a comunidade acadêmica esse processo representa possibilidade de pesquisas e interação entre universidade, escola e professorado e através delas, avanços na educação. Já para o poder político e econômico a FC traz consigo a possibilidade de melhorar a qualidade do ensino – embora a perspectiva de qualidade nesse contexto seja atingir indicadores internacionais – a implementação de reformas educacionais e a criação de um mercado de formação docente.
Permeada por diferentes interesses e acessada com diferentes intencionalidades por parte dos(as) educadores(as), a FC acontece em diferentes percursos e espaços, desde as mais institucionalizas até as trocas de experiência cotidiana entre os(as) docentes.
Clates (2019) e Silva Júnior et al. (2021) apresentam em seus trabalhos os desdobramentos de espaços e possibilidades de FC diferentes dos mais usuais, como aqueles fornecidos pelas redes de ensino, universidades, ou numa parceria entre ambas. Clates (2019) aborda o mestrado acadêmico como possibilidade de FC, que possibilitou aos(as) professores(as) “um amadurecimento [...], uma reconfiguração da imagem que tinha de si, tanto quanto pessoa, quanto como profissional” (Clates 2019, p.141). Silva Júnior et al. (2021) traz no centro de sua discussão o estágio curricular supervisionado, que defende como possibilidade de FC dos(as) professores(as) supervisores(as), pois possibilita uma aproximação entre escola e universidade através de graduandos(as) e docentes da educação básica.
Sobre as formações institucionalizadas, os tipos de FC investigados nas pesquisas são dois: baseados em um modelo de FC externo à demanda singular de cada grupo e unidade de ensino e geralmente realizada por agentes externos à escola ou aberto às demandas de cada contexto e em proximidade da realidade escolar.
O trabalho de Petrie e MacGee (2012) investigou a implementação de um dos programas de FC institucionalizado com mais destaque na área da EF na Nova Zelândia (o Physical Activity Initiative – PAI), colocando em evidência os desdobramentos de um modelo considerado “de cima para baixo”, em que é “pequeno o reconhecimento e a possibilidade de acomodação das experiências anteriores, práticas e conhecimentos dos professores envolvidos” (Petrie; MacGee, 2012, p. 65, tradução nossa).
Esse modelo de formação geralmente parte da concepção que seu público é homogêneo e que todos os sujeitos na formação são desprovidos de saberes que têm valor para integrar o processo. Ao coisificar os(as) docentes e, ao mesmo tempo, colocá-los(as) no papel de “simples condutores(as)” do sucesso educacional proporcionado por um determinado método (no caso do estudo o Teaching Games for Undertanding – TgfU), esse modelo de FC apaga a autonomia dos(as) professores(as), que passam a replicar o que vivenciaram na formação em uma prática que produz um pensar quase ingênuo (Freire, 2021), sem criticidade, pois um importante momento da formação docente, influenciador da própria identidade, é colocado de lado.
Uma formação realizada no modelo “de cima para baixo”, distante dos desafios e necessidades de cada professor(a) e escola, tende a reproduzir o que Paulo Freire denominou de “educação bancária”. Nesse molde de FC, o(a) professor(a) é tratado(a) como um depositário de um ou mais métodos “ideais” e de “sucesso” para o ensino da EF que, posteriormente, preenchido das informações1 (Han, 2017b, 2018a, 2022) desses modelos, depositará o saber nos(as) educandos(as).
Nishiiye (2012), Batista (2015) e Leme Filho (2017) conduziram as suas investigações na perspectiva da FC contextualizada e aberta à valorização e reflexão da prática docente. Nesse cenário, uma formação que entende os(as) professores(as) enquanto sujeitos de saberes e conhecimentos, com espaços para a reflexão crítica sobre a própria prática, tem diferenças substanciais nas possibilidades de (re)construção da identidade docente.
A pesquisa de Batista (2015) coloca em foco algumas dificuldades que os(as) professores(as) de EF ainda enfrentam, a depender do contexto em maior ou menor grau, nas escolas. A legitimação do componente curricular ainda impacta o trabalho de alguns docentes. Para as professoras colaboradoras deste estudo, a FC estimulou a reflexão sobre a prática pedagógica, resultando em possibilidades para (re)construí-la, o que pôde influenciar na transformação do eu docente e da própria EF na escola de atuação pois “[...]a formação transforma o ensino e legitima o professor não só como mediador, mas, como produtor dos saberes” e a partir da “[...]reflexão pessoal do profissional que cada docente tem sido para a sua profissão” (Batista, 2015, p. 198), é possível (re)construir a identidade docente.
Esse aspecto legitimador também foi percebido por Nishiiye (2012) que, ao observar a construção e desenvolvimento de um currículo no contexto da FC, relata que segundo os(as) professores(as) esse processo “auxiliou na mudança de concepção do papel da Educação Física na escola [...] que seus ensinos foram muito mais significativos aos alunos e da mesma forma contribuíram para seu relacionamento pessoal com a escola em um contexto geral [...]” (Nishiiye, 2012, p. 155). Ainda segundo a autora, a FC é um processo que está estreitamente ligado à identidade docente.
A partir das pesquisas das duas autoras fica evidente a importância de uma formação permanente para a docência, na construção da maneira de ser e estar na escola e na profissão. É do (re)pensar a prática proporcionado pela FC que se (re)constrói a identidade docente, o que também torna possível a transformação da própria EF escolar no contexto e realidade em que ela está inserida.
Tanto o papel de uma formação permanente enquanto (trans)formadora de identidades quanto seu caráter legitimador para a EF, levantado pelos trabalhos das duas autoras, nos parecem confirmar a proposição freireana sobre o caráter e necessidade permanente da educação:
A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí
(Freire, 2022a, p 25, grifos do autor).
Nishiiye (2012) e Leme Filho (2017) demonstram que em formações continuadas institucionalizas, pautadas no diálogo e na valorização dos saberes dos docentes, o caráter singular de cada sujeito que compõe esse processo incide na identidade (re)construída.
De acordo com o trabalho de Leme Filho (2017) a FC institucionalizada e os conteúdos abordados nela se ligam à (re)construção da identidade docente (embora a mudança efetiva na ação pedagógica não possa ser garantida), já que ela se vincula também ao contexto de trabalho de cada professor(a). Nishiiye (2012, p. 159) também apresenta esse entendimento ao constatar que os conhecimentos construídos na FC “repercutem na ação pedagógica dos docentes, e que isso não acontece de forma homogenia entre os participantes” pois, segundo ela, no movimento de estudo, pesquisa e reflexão sobre sua prática, os(as) docentes estão imersos em seus valores, concepções e ao contexto em que estão inseridos(as).
As reflexões apresentadas anteriormente apontam para a maneira que os formatos e contextos em que a FC se desenvolve se relaciona com a (re)construção da identidade docente, deixando evidente também o papel da subjetividade e do contexto na sua transformação ou manutenção.
3.2 SUBJETIVIDADE E CONTEXTO: A RELAÇÃO ENTRE O PESSOAL E O PROFISSIONAL NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE
Ser professor(a) é se dispor a estar em constante (re)construção profissional: as rápidas transformações tecnológicas, a relação que se estabelece com o conhecimento (a ciência vem perdendo o poder centralizador na definição da “verdade”), a organização social em constante fluxo e mudança exigem isso. A diferença da área para as demais é que as experiências anteriores de cada indivíduo com a EF e as práticas corporais desde a educação básica adquirem um significado conjunto para a escolha profissional, graduação, sua concepção de EF e profissionalidade docente. Figueiredo (2010) conclui que as experiências sociocorporais refletem nas identidades tanto de educandos(as) em formação quanto de professores(as) em exercício, de modo positivo se articuladas com conhecimentos normativos da formação profissional, ou negativo, sobrepondo-se e impossibilitando uma reflexão sobre a prática.
Professores(as) buscam na FC, em suas mais variadas formas, respostas a questões de seu contexto, tanto pessoal quanto profissional. O que moveu os(as) docentes participantes dos estudos foram questões relacionadas a: construir um lugar para si e para a EF na escola (legitimação), ampliar os conhecimentos e a compreensão da realidade e demandas escolares, instrumentalização, pertencimento e identidade (individual e coletiva), organização da categoria profissional e progressão salarial. Segundo Luiz et al. (2014) esses significados subjetivos que cada professor(a) dá ao seu processo de formação, os coloca como “consumidores produtivos” desse processo.
O termo “consumidores produtivos”, empregado pelos autores, nos parece carregar um significado que corresponde ao mundo líquido. Na contemporaneidade os indivíduos foram transformados de produtores (Bauman, 2001; 2008) e cidadãos (Han, 2018a) em consumidores. Nesse sentido, os(as) docentes podem ser vistos primeiramente como consumidores de FC, em busca de resolver demandas e anseios subjetivos, onde o papel de produtores é dependente das possibilidades do contexto e da própria intencionalidade para com a formação.
Os momentos distintos da carreira e as formas de vínculo empregatício também são fatores que impactam a forma como os(as) docentes significam os espaços formativos. A pesquisa de Gonçalves, Richter e Bassani (2017) demonstrou que uma professora efetiva em final de carreira via na FC a possibilidade de demonstrar aos(às) novos(as) docentes o lugar construído por ela para a EF na escola, ou seja, de manter a legitimidade e um determinada identidade conquistada naquele contexto. Já uma educadora substituta (contratada), em início de carreira, buscava no espaço formativo uma maior compreensão do contexto e dinâmica escolar para resolver demandas cotidianas, o que impactou na (re)construção de sua identidade docente.
A partir da análise das pesquisas, entendemos que a constituição da identidade docente na FC se relaciona com as quatro dimensões (cultural, narrativa, reflexiva e estatutária) apresentadas por Dubar (2009), de maneira singular para cada docente. Embora possam ser entendidas como categorias de identidades intermediárias, o autor aponta que elas não são do tipo fechadas em si, mas estão em constante relação, mobilizadas de forma diferente a depender das situações e interesses. Dentre essas dimensões, duas transpassam de maneira mais marcante a categoria de análise aqui proposta: a narrativa, nomeadamente, o que o indivíduo realiza, seus projetos de vida, a projeção de um eu, e a estatutária, ou seja, a dimensão na qual o cumprimento de estatutos é de seu interesse, que permitem reconhecimento, interiorizando assim, formas de ser e estar “valorizadas pelo Poder” (Dubar, 2009, p. 39).
Entendemos que as dimensões narrativa e estatutária são influenciadas pelas condições que permeiam a existência na sociedade contemporânea, do neoliberalismo que atomiza e transforma a própria vida em uma mercadoria. Narrar um eu deixou de ser a projeção de um ideal, uma utopia no horizonte que guia os sujeitos em suas realizações e projetos, tornando-se um objetivo a ser não somente alcançado, mas superado, em uma busca incessante por produzir cada vez mais em uma sociedade que prega o constante aumento da performance (Han, 2017a). De modo semelhante os indivíduos “podem escolher” entre os estatutos disponíveis, pois já não são mais sujeitos, são empreendedores de si mesmo, com a positividade do poder em suas mãos. A biopolítica foi substituída por um tipo de controle e submissão mais eficiente, a psicopolítica (Han, 2018b)
Por esses motivos, que relacionam aspectos subjetivos e condições objetivas da vida dos indivíduos na sociedade hodierna, uma FC em EF, mesmo tendo um referencial curricular, teórico, filosófico e epistemológico básico, não padronizará as identidades dos sujeitos que a vivenciam pois, a partir de suas experiências de vida, cada um dará um significado particular a esse processo de formação.
3.3 COMUNIDADE, SOCIALIZAÇÃO E O OUTRO: OS REFLEXOS DO PERTENCIMENTO E DA ALTERIDADE SOBRE O SER PROFESSOR(A)
É praticamente impossível para o ser humano que durante a sua existência ele não tenha contato com uma, ou mais, “comunidades de ideias e princípios” (Bauman, 2021). Em um mundo cada vez mais atomizado os indivíduos buscam nelas, embora sempre inconclusos, “abrigo seguro” e “pertencimento” (Bauman, 2001, 2008). Na sociedade contemporânea as comunidades adquirem dupla importância, pois enquanto concedem pertencimento aos sujeitos também dão sentido às suas identidades, sendo para estas últimas “as entidades que as definem” (Bauman, 2021 p. 17).
Com base nesses fundamentos, entendemos que os espaços de FC na atualidade se materializam, de certa forma, como essas “comunidades de ideias e princípios”. Rossi e Hunger (2020) demonstram essas características ao evidenciar o desejo das docentes participantes do estudo por:
[...] oportunidades para fortalecer seus laços profissionais, consolidando o coletivo docente e a noção de pertença a um grupo específico na sociedade, sendo reconhecidas como portadoras de uma identidade própria – a identidade docente
(Rossi; Hunger, 2020, p. 332).
Essa construção da identidade em contexto comunitário reflete nos processos de socialização descritos por Dubar (2005) perpassando também as dimensões reflexiva e cultural, pois ao mesmo tempo busca-se nas e pelas comunidades um “modo específico de identificação que consiste em procurar, argumentar, discutir, propor definições de si mesmo fundadas na introspecção e na busca de um ideal moral” (Dubar, 2009, p. 47), a dimensão reflexiva de um eu, enquanto procura constituir-se também um nós, construído em torno de um aspecto cultural, que se materializa no sentimento de segurança, ainda que provisório e precário, em um mundo no qual a vida é cada vez mais contingente.
Essa socialização comunitária e a constituição de identidade não acontecem e terminam a partir da escolha e formação em uma profissão, nomeadamente, a licenciatura em EF. As pesquisas de Silva (2009) e Silva (2021) indicam que os processos de socialização primária (anterior à graduação) e em exercício profissional têm influência na construção das identidades dos(as) docentes da área:
De modo que a construção do habitus professoral trás subjacente a ele os saberes pessoais que foram integrados no trabalho docente pela história de vida, bem como pela socialização primária e socialização secundária, incorporando na prática docente cotidiana os saberes da experiência como um de seus pólos de identificação
(Silva, 2009. p. 165, grifo da autora).
Ou,
[...] ficou evidente que a inserção destes professores no campo da Educação Física se deu por experiências positivas de práticas corporais em um momento anterior a sua formação em Educação Física. [...] Ampliamos a discussão, compreendendo que estas experiências marcaram o processo de construção identitária destes sujeitos, influenciando na escolha pelo curso de EF. Além disso, sugerirmos que estas experiências anteriores influenciaram diretamente no desenvolvimento da identidade docentes destes sujeitos e consequentemente no desenvolvimento da sua prática pedagógica
(Silva, 2021. p.104).
Em nossa perspectiva, é no contexto e nas relações estabelecidas em uma comunidade educativa que constituímos nossa identidade docente. Segundo Dubar (2005) existe uma inter-relação e negociação entre dois processos heterogêneos e autônomos de construção identitária, um relacional (identidade “para o outro”) e um biográfico (“identidade para si”) na construção do eu.
Embora ocorram em uma conjuntura de comunidade e socialização, as análises sobre a (re)construção das identidades, em nosso caso, docentes, devem levar em conta a negociação identitária:
Essa negociação identitária constitui um processo comunicativo complexo, irredutível a uma “rotulagem” autoritária de identidades predefinidas com base nas trajetórias individuais. Ela implica fazer da qualidade das relações com o outro um critério e um elemento importante da dinâmica das identidades [...] a identidade de uma pessoa não é feita à sua revelia, no entanto não podemos prescindir dos outros para forjar a nossa própria identidade
(Dubar, 2005, p.141-143, grifos nossos).
Um processo de negociação pressupõe o envolvimento de mais de um sujeito; mais do que isso, da necessidade de alteridade. “Não há Identidade sem Alteridade [...] sem relações entre o mesmo e o outro” (Dubar, 2009, p. 73-74), de modo que o outro, naquilo que nos causa estranheza, tem um papel importante na construção do eu, da identidade docente, do ser professor(a) de EF.
A sociedade contemporânea carece de alteridade (Han, 2017a, 2017b), numa tentativa de se distanciar da negatividade do outro, busca-se assimilá-lo, torna-lo o mesmo. Uma substituição da alteridade pela reificação do outro, e sua transformação no mesmo, refletem na FC em EF como a continuidade do projeto moderno de constituir uma “verdadeira educação física”; as consequências disso em “um momento em que a construção das práticas corporais e dos seus sentidos difere em muito do processo no âmbito da modernidade sólida” (Bracht, 2019, p. 47).
A partir dos estudos e do referencial teórico utilizado, fica evidente o papel da comunidade no processo de socialização e na construção de uma identidade docente, tanto individual quanto coletiva. Outro fator a ser levado em consideração é o papel do outro, enquanto sujeito da alteridade nesse processo. Por tais razões, entendemos a possibilidade, dadas as configurações societárias contemporâneas, de uma FC em EF ser significada como uma comunidade para os(as) docentes que a integram.
4 CONCLUSÕES LÍQUIDAS
Os trabalhos levantados e analisados nesta pesquisa demonstram a complexidade da inter-relação que se estabelece entre a identidade docente, individual e coletiva, e os espaços e modelos de FC.
A partir da forma como é realizada, uma FC possibilita a (re)construção da identidade docente, na reflexão crítica sobre a prática, ou a reprodução de uma identidade prévia vinculada a um currículo (Vieira, 2020).
Embora exerça uma influência no processo identitário de professores(as) de EF, a FC por si só não transforma as práticas docentes, uma vez que a subjetividade e a historicidade de cada pessoa também se relacionam com esse processo, refletindo tanto na identidade “para os outros” quanto “para si” (Dubar, 2005).
No âmago das comunidades a socialização se desenvolve, em um processo de negociação, no qual a relação com o outro assume posição fundante no percurso de identificação. A alteridade em sua relação com a subjetividade individual se torna a essência na constituição de um eu.
A FC contemporânea em EF se vincula ao processo identitário dos(as) docentes e deve valorizar o saber do outro, outras epistemologias e conhecimentos, para que não se institua uma ditadura do mesmo, do igual. Para possibilitar a (re)construção de identidades docentes autênticas, a alteridade deve estar presente em uma comunidade educativa.
Pensar a FC no âmbito da EF ganha além dos supracitados, também outros contornos e dimensões que são próprios da área. Existem desdobramentos da formação inicial na identidade de professores(as) do componente ingressantes nas redes de ensino no Brasil que se relacionam com a falta de definição do que é a EF, a própria constituição histórica desse componente e a formação inicial e continuada de seus(suas) docentes.
Aconteceu no campo da EF, segundo Bracht (2015), um processo de reificação por meio da submissão a determinada lógica associada ao próprio método científico e a forma de se fazer ciência no Brasil, que tem as “ciências duras” da área como suas favorecidas e posiciona as subáreas “socioculturais e pedagógicas”, suas “ciências moles”, na situação em que se “seca a água antes de furar a pedra”. Com isso, se “esqueceu” da EF como uma área de intervenção, passando a adorná-la de certo “cientificismo” com fim sem si mesmo, com pouca ou nenhuma repercussão na prática docente. E isso se materializa, na formação de professores e professoras, da educação básica e do ensino superior.
Os cursos de graduação e seus currículos carregam consigo problemas na formação dos(as) docentes de EF (Neira; Nunes 2016) e, em tempos de vigência da já mencionada Resolução CNE/CP 02/2019, ditos espaços de FC podem constituir-se em possibilidades de uma retomada do olhar para a prática pedagógica do professor(a), sem abandonar a ciência e seus saberes sistematizados, mas se afastando de todas as formas desse “cientificismo” que nos distanciaram de “questões arquioriginárias” (Bracht, 2015). Contudo, aqui não se faz uma defesa da instrumentalização da docência nestes espaços formativos mas da possibilidade da constante reconstrução e fundamentação da prática, no retorno da EF à sua vida viva (Betti, 2005), sua vida nas/das escolas.
Ao pensarmos na identidade docente, individual e coletiva, dos(as) professores(as) de EF, é preciso que estas comunidades educativas em que se constituem os espaços de FC dos professores(as) de EF valorizem, e não façam somente o “uso”, da alteridade:
Usar é aniquilar o outro para o bem da própria pessoa. Amar, ao contrário, significa valorizar o outro por sua alteridade [...] O “uso” significa um ganho para a própria pessoa; o “valor” pressagia sua autonegação. Usar é tirar, valorizar é dar
(Bauman, 2008, p. 149).
Porém, defendemos que essa valorização da diferença não seja feita de maneira ingênua e descompromissada com a educação; é preciso ter consciência da historicidade da área, das convergências e contradições, das aproximações e distanciamentos que os diferentes currículos do campo e as identidades docentes em EF estabelecem com uma educação humanizada, humanizadora e de caráter progressista.
A alteridade deve ser valorizada em uma FC em EF na possibilidade que ela traz: da construção do eu a partir da relação com o outro. Isso estimula a qualidade de decidir (Freire, 2022b) pela forma de ser professor(a), de estar na escola, pela concepção e papel político-pedagógico da EF e por uma práxis que se relacionará com tudo isso a favor da libertação ou da manutenção de antigas amarras. Afinal, (trans)formar-se envolve decisão e “decisão é ruptura nem sempre fácil de ser vivida. Mas não é possível existir sem romper por mais difícil que nos pareça romper” (Freire, 2022b, p. 128).
Concluímos ainda que existe a necessidade de mais estudos sobre o tema – o baixo número de pesquisas encontradas em nosso levantamento contrasta com a relevância da temática ao averiguarmos os seus impactos na atividade docente, com desdobramentos na própria concepção e função da EF escolar.
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O autor faz uma diferenciação entre informação e verdade (conhecimento), onde a primeira é “acumulativa e aditiva” e a segunda “exclusiva e seletiva” (Han, 2018a). A natureza fugaz e a falta de negatividade da informação (Han, 2017b) a esvazia da possibilidade de escrutínio pela razão, pois “a racionalidade também requer tempo” (Han, 2022). Agir com base em informações seria não mais que se orientar em “soluções e resultados de curto prazo” (Han, 2022)
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FINANCIACIÓN
O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
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COMO REFERENCIAR
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Editado por
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RESPONSABILIDAD EDITORIAL
Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira **Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
10 Jan 2024 -
Aceito
30 Maio 2024 -
Publicado
12 Set 2024