Open-access A TEORIA POLÍTICA DA LAICIDADE NO BRASIL, UMA PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO

Political Theory of Secularism in Brazil, a Proposal for Unification

RESUMO

O artigo identifica duas abordagens usuais na análise da laicidade no Brasil. Uma é inclusiva e diz respeito às religiões públicas, enquanto a outra é exclusiva e diz respeito à justificação pública do uso do poder do Estado. Argumenta-se que estas são duas dimensões da laicidade que constituem, de forma coerente, um conceito unificado do significado normativo do Estado laico.

PALAVRAS-CHAVE: razão pública; pós-secularismo; aborto; crucifixo; religiões públicas

ABSTRACT

This article identifies two common approaches from which secularism is analyzed in Brazil. The first one, inclusivist, refers to public religions, while the second one, exclusivist, refers to public justifications of the use of state power. Contrary to a fairly extended view, it is argued that these are two dimensions of secularism from which it is possible to derive normative principles that are not mutually incompatible.

KEYWORDS: public reason; post-secularism; abortion; crucifix; public religions

Este artigo mapeia a teoria política brasileira da laicidade, mostrando a coerência de duas abordagens que raramente são analisadas em conjunto e que tendem a ser consideradas incompatíveis. Em primeiro lugar, identifico a abordagem que denominarei “exclusiva”. Ela é comum nos debates sobre a “pauta moral” e enfatiza a ideia da justificação pública. Em segundo lugar, identifico a abordagem que denominarei “inclusiva”, comum nos estudos antropológicos em torno da pergunta sobre a religião na esfera pública - ou, utilizando a linguagem ocasionalmente preferida na literatura antropológica, sobre as “religiões públicas” (Burity, 2020; Montero, 2016).

Em contraste com uma tese comumente defendida, argumento que essa divergência na conceptualização da laicidade é sintomática não de um conflito de concepções da laicidade, mas de sua natureza normativa multidimensional: dependendo do tipo de questões abordadas, derivam-se princípios normativos diversos. Quando a dimensão justificativa da laicidade está em questão, derivam-se princípios normativos epistêmicos, mas, quando a dimensão das religiões públicas está em questão, derivam-se princípios normativos substantivos. Temos, portanto, que a laicidade permite derivar princípios normativos tanto exclusivos quanto inclusivos.

A defesa de uma proposta unificadora da laicidade permite realizar uma leitura crítica de um diagnóstico comum na abordagem inclusiva, a saber, o de que é necessário abandonar a concepção tradicional da laicidade para adotar uma concepção mais adequada à trajetória da consolidação do Estado laico no Brasil. Diferentemente da opinião sugerida, por exemplo, por Paula Montero, acredito que o fato de o Brasil ter desenvolvido uma “laicidade benevolente” (Montero, 2011, 2013, 2014, 2016, 2020; Montero; Sales, 2020) ou uma “laicidade da presença” (Giumbelli, 2003) não é indicativo da necessidade de abandonar ideias exclusivas da laicidade. Creio também que não seja indicativo da necessidade de um debate que questione a vigência da laicidade como ideia normativa, propondo assim conceptualizações pós-seculares (Campello, 2015) ou até pós-pós-metafísicas (Carvalho, 2017). Ao contrário, argumento que a laicidade deve ser entendida como um conceito com princípios normativos diversos, dependendo do tipo de questões a serem analisadas. A proposta de unificação consiste em entender a laicidade como um conceito multidimensional, de modo que aceitar a vigência da laicidade exclusiva não signifique abandonar a laicidade inclusiva.

Demonstrar que as duas dimensões da laicidade não são contraditórias entre si não é um argumento a favor de uma concepção unificada da laicidade, pois a unificação defende que ambas as dimensões fazem parte do mesmo conceito normativo da laicidade. Este artigo responde àqueles que sugerem que devemos abandonar uma das duas dimensões por serem incompatíveis. Considero que esse erro normativo tem origem em uma confusão conceitual: é possível conceber a laicidade do Estado como um projeto que incorpora ambas as dimensões. O artigo oferece uma proposta que permite entender por que não há incompatibilidade: ambas as dimensões realizam funções distintas da mesma laicidade. A primeira diz respeito à adequada separação entre Estado e igreja (ou entre religião e política) em assuntos relativos à justificação do poder estatal. A segunda diz respeito à adequada separação entre Estado e igreja (ou entre religião e política) em assuntos relativos à inclusão igualitária de todos os cidadãos e cidadãs. As duas descrevem a laicidade do Estado, isto é, a ideia da necessidade da separação entre Estado e igreja, mas respondem a controvérsias públicas de distintas naturezas. Em discussões sobre a laicidade não é possível escolher entre as duas dimensões. É necessário saber identificar qual delas é relevante para analisar e eventualmente resolver cada problema para o qual a laicidade pode ser uma solução (o item 3 exemplifica isto).1

No primeiro item, apresento a dimensão exclusiva da laicidade, que diz respeito à justificação pública. O caráter exclusivo é manifesto pela aceitação do que denomino princípio da dupla exclusão: razões religiosas são excluídas tanto da linguagem utilizada para justificar as posturas políticas próprias quanto da origem epistêmica das razões oferecidas na justificação. No segundo, apresento a dimensão inclusiva, enfatizando a tese que denominarei tese da superação: a ideia de que, após uma correta leitura do desenvolvimento histórico da laicidade no Brasil, é preciso revisar o conceito herdado da tradição. No terceiro item, apresento a interpretação multidimensional - isto é, unificada - da laicidade. Mostro, a partir da análise das controvérsias sobre o estabelecimento religioso simbólico - um caso de laicidade inclusiva -, que as duas dimensões da laicidade são compatíveis, pois o princípio da dupla exclusão não é questionado se a laicidade “benevolente”, ou “da presença”, for aceita.

1. EXCLUSÃO: A DIMENSÃO JUSTIFICATIVA DA LAICIDADE

Para o “liberalismo da razão pública” (Gaus, 2015),2 as justificações do uso do poder estatal devem apelar para razões que poderiam ser aceitas por todas as cidadãs que aprovam a ideia de uma cidadania livre e igual.3 O tipo paradigmático, mas não o único, de razões que não cumprem esse critério são as razões religiosas, pois um fato das democracias contemporâneas é a presença de diversas doutrinas morais (religiosas e seculares) que são mutuamente incompatíveis. Esperar que todas as pessoas aceitem uma justificação para uma lei que depende de uma doutrina religiosa é esperar o aceite universal da doutrina religiosa da qual essa justificação deriva. Em uma democracia liberal, isso é ilegítimo.

De acordo com uma interpretação comum da razão pública na teoria política brasileira, a demanda por justificação pública é entendida como um requisito de dupla exclusão da religião. Esta é excluída tanto das razões apresentadas para justificar uma decisão quanto de sua origem epistêmica. No Brasil, a dimensão justificativa da laicidade é amplamente discutida em torno dos debates sobre a denominada “pauta moral” e, por tal motivo, concentrar-me-ei nela.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, em 2012, a constitucionalidade da descriminalização do aborto por motivo de anencefalia fetal. Debora Diniz e Ana Cristina González Vélez afirmam que a “sustentação moral” da medida que proíbe o aborto é o argumento da potencialidade da vida humana, isto é, o argumento que considera que “o aborto seria uma ameaça ao direito do feto a se manter vivo e transformar-se em uma criança” (Diniz; Vélez, 2007, p. 24). Essa ideia se assenta, em última instância, na tese da sacralidade da vida humana, para a qual “qualquer expressão biológica humana deveria ser protegida pelo Estado, mesmo as formas mais rudimentares, como é o caso de um embrião ou de um feto” (idem). Diniz e Vélez demonstram que a descriminalização do aborto nos casos de anencefalia fetal não contradiz a tese da sacralidade da vida porque, tal como quem sofre de morte cerebral, o feto anencefálico já está morto ou em breve estará (idem, p. 28).4 Para as autoras, os opositores à descriminalização do aborto por motivo de anencefalia fetal que se baseiam na tese da sacralidade da vida “amparam-se em valores cristãos sobre o sentido da existência ou o início da vida” (idem, 2007, p. 23 e também p. 25). Isso, para elas, é problemático porque em um Estado democrático laico as religiões não podem ser as fontes epistêmicas exclusivas da justificação das leis e das políticas públicas.

Nessa interpretação da razão pública, a justificação pública estabelece o que denominarei critério da dupla exclusão (CDP). Para entender seu funcionamento, é útil distinguir entre as razões utilizadas para justificar a oposição à descriminalização e a origem epistêmica subjacente a tais razões. As razões oferecidas para justificar uma lei podem ser apresentadas em uma linguagem estritamente secular - por exemplo, dizer que “a vida é absolutamente valiosa” -, mas isso não significa que sua origem epistêmica seja secular. Se uma pessoa expressa acreditar no caráter absoluto do valor da vida porque assim indica sua doutrina religiosa, podemos dizer que essa pessoa está verbalizando em termos seculares uma crença que é, em última instância, religiosa (pois, neste caso, depende do aceite de uma doutrina religiosa). Contudo, acreditar na sacralidade da vida ou no valor absoluto da vida humana não é um atributo exclusivo das pessoas religiosas. Portanto, é um erro afirmar que tal crença depende do aceite de uma doutrina religiosa. Para os propósitos deste artigo, basta identificar que as crenças podem ser expressas em termos religiosos e seculares e que não há uma conexão necessária entre estas e a origem epistêmica da qual são derivadas. O CDP requer (1) que as razões utilizadas para justificar o poder estatal sejam apresentadas em uma linguagem em tese compreensível a todas as pessoas relevantes para a justificação e (2) que essas razões tenham uma origem epistêmica em tese compartilhada por todas as pessoas. De acordo com o CDP, a justificação pública deve ser não religiosa tanto na linguagem quanto no marco epistêmico que a motiva.

A oposição ao aborto por parte dos parlamentares cristãos seria contrária à ideia da razão pública porque é motivada por uma doutrina moral religiosa que, por sua vez, inspira o tipo de razões a serem utilizadas para a justificação da restrição. Apresentar a razão que defende a sacralidade da vida em uma linguagem independente de qualquer doutrina religiosa não é suficiente para validar a conformidade com o ideal normativo da razão pública. A justificação pública por parte de agentes estatais tem de ser oferecida em termos desvinculados de uma linguagem religiosa, os quais devem ser independentes das concepções morais do bem aceitas por quem oferece esse tipo de justificação - o proviso de Rawls (2005, pp. XLIX-L) ou o princípio institucional de tradução de Habermas (2006, p. 10). O CDP é mais exigente que uma demanda por “traduzir os argumentos […] para uma linguagem do político” (Araujo, 2014, p. 368, grifo meu). Como se mostra no restante desta seção, de acordo com a interpretação da razão pública comum no Brasil, que uma justificação seja “igualmente acessível a todos os cidadãos” (idem) implica compartilhar padrões epistêmicos, e não simplesmente utilizar a mesma linguagem.

O CDP está presente na análise das intervenções parlamentares sobre o direito ao aborto feita por Flávia Biroli, Rayani Mariano e Luis Felipe Miguel (2017). Essas autoras identificam várias formas nas quais as doutrinas religiosas influenciam nas posições sobre o aborto defendidas pelos parlamentares brasileiros. A única que não é descrita como um tipo de “fundamentalismo religioso” é aquela na qual a atuação política “é definida por um conjunto de valores morais associados à igreja da qual participa” (idem, p. 252). Seguindo Max Weber, afirmam que a função desse tipo de referência consiste em indicar a “ética da convicção”, uma ética que existe em paralelo à ética da responsabilidade e que faz do falante um “homem genuíno” (idem). As referências à religião, nesse tipo de caso, são indicações do caráter moral do agente justificador. Trata-se de sinalizações que expõem o referente de integridade moral do posicionamento político do agente. Se enfocarmos essa forma de influência da religião nos debates políticos, pareceria possível julgar que uma porcentagem considerável das intervenções dos parlamentares que se opõem à descriminalização do aborto seria compatível com a ideia normativa da razão pública, pois a maioria dessas intervenções não apelou a razões religiosas (idem, p. 249).

Contudo, a mensagem das autoras é de que a oposição ao aborto no Congresso não observa o critério normativo da razão pública. Ressaltam, por exemplo, o diagnóstico que considera “a oposição ao direito ao aborto como indício de uma influência religiosa inadequada sobre o Estado brasileiro” (idem, p. 247, grifos meus). O que explica esse diagnóstico? O CDP. As intervenções motivadas pela doutrina religiosa, ainda que apresentadas em uma linguagem não religiosa, não incorporam o valor da laicidade do Estado; ao contrário, dizem as autoras, procuram “contorná-lo” (idem, p. 252). Para elas, “a laicidade é ameaçada quando fundamentos religiosos emergem na cena pública como a base para a retração ou o bloqueio a avanços nos direitos individuais” (idem, pp. 238-9, grifo meu). Independentemente de serem, em aparência, públicas, as razões são problemáticas para a justificação pública por estarem fundadas em uma doutrina moral que, por ser religiosa, dificilmente seria aceitável por todas as pessoas.5

O CDP pode ser ilustrado a partir do seguinte exemplo. Na audiência pública sobre células embrionárias convocada pelo STF em 2007, associações católicas argumentaram que a vida humana começa no momento da fecundação e, portanto, deve ser protegida desde então. Essa tese sobre o momento do início da vida humana é defendida pela Igreja Católica a partir de considerações que pressupõem, em última instância, a existência de Deus. No entanto, em debates sobre a “pauta moral” tais como a audiência pública, os agentes católicos e cristãos conservadores costumam defender a tese do início da vida no momento da fecundação a partir de um razoamento científico (Ranquetat Júnior, 2010; Sales, 2014; Verbicaro; Simões, 2019; Machado, 2013). A defesa foi feita “a partir de critérios biológicos/naturais” (Sales, 2015, p. 150). Quando se considera que, na formulação clássica da razão pública, as razões científicas - quando não controversas - são razões públicas (Rawls, 2005, p. 224), seria preciso concluir que os agentes católicos adotaram uma postura que abandona a origem epistêmica problemática de suas crenças sem por isso ter de abandonar a conclusão decorrente delas.

Independentemente de ser apresentada por agentes católicos, essa forma de justificar que a vida humana se inicia no momento da fecundação satisfaz o CDP porque: (1) é apresentada em termos que não são religiosos e (2) não depende de padrões epistêmicos religiosos. É possível que os agentes católicos tenham adotado tal postura de maneira estratégica, por considerarem que as conclusões da ciência se adequam a suas crenças sobre o aborto. Esse uso estratégico não consegue, porém, “contornar” o CDP: a adoção do marco epistêmico da ciência gera o dever epistêmico de aceitar seus resultados não controversos, independentemente de eles favorecerem ou não a doutrina religiosa de quem oferece as justificações.

Mais uma ilustração do CDP pode ser extraída da análise das intervenções parlamentares no Congresso Nacional no período 2013-2016 (Verbicaro; Simões, 2019). Nelas, os parlamentares cumprem com o critério de justificação pública porque apresentam suas posturas “totalmente em uma linguagem universal e racional, muito embora a motivação para a elaboração dos projetos possa ter a presença da crença religiosa” (idem, p. 148, grifos meus; ver também pp. 141, 149-50). Para as autoras, a tradução das razões religiosas em razões não religiosas não é suficiente. O critério é mais exigente, pois espera uma tradução “em uma linguagem racional e universal”. A premissa implícita é de que as crenças religiosas não são racionais (talvez porque se encontram na linguagem da fé) e, portanto, as justificações públicas devem ser completamente independentes, em sua origem epistêmica, das justificações religiosas. O CDP atua também neste caso: uma lei ou política pública é justificada adequadamente se apresentada em uma linguagem não religiosa e se essa justificação tiver origem epistêmica independente das doutrinas religiosas. Araujo afirma, em sua leitura, que Habermas “defende a tese de que o chamado consenso sobreposto só é possível com a adoção de um ponto de vista moral independente das (e anterior às) doutrinas abrangentes, que sirva de critério normativo para a identificação não arbitrária da razoabilidade das visões de mundo metafísicas e religiosas” (Araujo, 2011, p. 45, grifos meus). Mais uma vez, o CDP é invocado.

O ato de cumprir só com o primeiro critério de exclusão é descrito como “secularismo estratégico” (Vaggione, 2011, p. 317; idem, 2005). Uma vantagem de tornar explícito o CDP é a possibilidade de identificar o que há de errado nessa forma de secularismo. Em um artigo recente, foi proposto que o secularismo estratégico permite “moralizar” o debate através da apresentação de complementos retóricos que “interpela[m] as emoções” e terminam mobilizando posturas que se desviam das posturas justificadas (só) com uma linguagem não religiosa (Montero; Silva; Sales, 2018, p. 155). De acordo com o CDP, esse tipo de “moralização do debate”, ou de tentativa de justificação pública a partir de uma mera “encenação” de argumentos científicos, não é uma forma válida de justificação pública: a adoção da linguagem científica deve, sim, procurar “expertise” e “uso correto dos argumentos e da qualidade da argumentação científica” (idem, p. 156). Essa conclusão parece estar implícita na descrição que Montero faz da inserção de atores católicos e protestantes na política brasileira após a Constituição de 1988. Ela mostra que esses atores expandiram suas fronteiras epistêmicas para um campo que é independente do religioso. Isso é exemplificado no caso da Rede Nacional de Assistência Social, uma rede de organizações protestantes que capacitou seus afiliados “conferindo-lhes treinamento acadêmico e técnico adequado, [e] qualificou seus agentes para desenhar e executar projetos nas áreas de saúde, higiene, assistência pública, prestação de contas” (Montero, 2011, p. 4). Adotar essas credenciais epistêmicas habilita os agentes religiosos a participar em deliberações públicas em termos que satisfazem o CDP, e não simplesmente encenando razões públicas enquanto preservam suas crenças religiosas.

A interpretação da razão pública de Álvaro de Vita também se ajusta ao CDP. Para ele, a defesa da tolerância liberal em questões públicas que dizem respeito ao aborto ou à orientação sexual apoia-se em valores “de segunda ordem”, e não em “valores morais de primeira ordem” (Vita, 2009, p. 69). O autor distingue as razões que só são “da ótica de uma concepção abrangente específica do bem” das “razões que se prestam a justificar o emprego da coerção coletiva da sociedade” (idem, p. 64). As decisões em torno do aborto, portanto, devem ser justificadas a partir de razões “acessíveis a todos, e não [a partir de] razões que só fazem sentido para os adeptos de uma doutrina específica do bem” (idem, p. 70). As razões que “só são razões da perspectiva de uma doutrina abrangente” não podem ser as que justificam uma decisão sobre direitos fundamentais.

A distinção entre razões de primeira e segunda ordem pode ser entendida nos termos do CDP. A origem epistêmica de uma razão é determinante para que esta seja uma razão que justifica x publicamente; isto é, que justifica x aos interlocutores de quem oferece a justificação. Assim, a crença no “direito sagrado à vida” é religiosa se sua origem epistêmica for uma doutrina religiosa. Contudo, se a origem epistêmica dessa crença não for uma doutrina religiosa - e, como já sugerido, se o “direito sagrado à vida” for uma forma retórica de expressar uma crença no “valor absoluto da vida humana” -, pode-se afirmar que se trata de uma razão pública. Vita não reconhece essa possibilidade, pois sugere que a crença em um direito sagrado à vida está necessariamente vinculada a uma doutrina religiosa e, portanto, é uma razão que não cumpre com o CDP.6 Acredito que esta é uma restrição desnecessária das possibilidades de participação na justificação pública das pessoas que afirmam o que Vita denomina “visões éticas cheias” (doutrinas morais religiosas bastante exigentes para quem as afirma). É desnecessária porque a distinção entre os valores de primeira e de segunda ordem é compatível com a possibilidade de acreditar no direito sagrado à vida, como expressão do valor absoluto da vida, por razões epistemicamente acessíveis para todos.

Como mencionado, essa possibilidade materializa-se quando agentes religiosos adotam os padrões epistêmicos da ciência (ou outro padrão epistêmico compartilhado) para defender a proteção da vida humana desde o momento da fecundação. Tal condição possibilitaria a uma pessoa com uma “visão ética cheia” considerar “que o aborto é sempre errado e, ao mesmo tempo, aceitar que essa […] convicção não pode servir de justificativa para a forma como a coerção coletiva deve ser empregada para lidar com o problema das mulheres que recorrem ao aborto” (Vita, 2009, p. 75). De acordo com o CDP, uma situação desse tipo acontece quando a pessoa aceita marcos epistêmicos compartilhados - por exemplo, a ciência - para justificar suas crenças em debates sobre justiça básica e “perde” ante a evidência apresentada. Ou, na eventualidade de o tema em questão ser genuinamente ambíguo apesar de ser debatido apenas dentro de padrões epistêmicos compartilhados, quando a decisão segue um procedimento justo que permite modificar democraticamente o resultado no futuro.

2. INCLUSÃO: RECONCILIAÇÃO COM AS RELIGIÕES PÚBLICAS

Se há uma disposição para defender posturas exclusivas da religião na justificação pública, no âmbito da esfera pública a tendência é na direção da defesa de posturas inclusivas. Estas teriam a seu favor o fato de serem mais fiéis à tradição da institucionalidade laica brasileira, desde separação entre Estado e igreja instituída pela proclamação da República até o processo de redemocratização e a Constituição de 1988. Em algumas ocasiões, essa contraposição é interpretada como um ganho teórico, pois convida a adotar o que podemos denominar “tese da superação”, isto é, a ideia de acordo com a qual devemos superar o impulso exclusivo da religião, favorecendo uma reconciliação com a presença pública da religião. A postura exclusiva da religião estaria baseada em uma teoria já desvirtuada (a tese da secularização) que não explica adequadamente trajetórias históricas da laicidade nas quais as predições de declínio e privatização da religiosidade não se confirmaram (Montero, 2006, pp. 47-50). Essa linha de pensamento permite reconstruir a laicidade distinguindo uma tradição secularista (atribuída à ideia da razão pública) de uma tradição pós-secularista que reconhece diversas trajetórias de consolidação do Estado laico moderno e que procura uma esfera pública aberta a todos os grupos religiosos (Montero, 2011, 2013, 2020; Burity, 2020).

Para os defensores da versão inclusiva da laicidade, é importante destacar que o Estado laico brasileiro não surgiu de um processo de confrontação com a religião dominante, mas, ao contrário, foi possibilitado pelo interesse da Igreja Católica em se libertar do controle imposto pelo poder civil do Padroado (Montero, 2013, pp. 21-3). Diferentemente das trajetórias europeias nas quais o catolicismo era majoritário no momento da emergência do Estado laico, no Brasil movimentos anticlericais e iluministas não mobilizaram a separação entre Estado e igreja. Portanto, o projeto da laicidade do Estado no Brasil “foi direcionado para a regulação dos direitos e deveres da Igreja católica enquanto instituição e não para erradicar a fé ou dirimir conflitos religiosos” (idem, p. 23, grifos meus) - e muito menos para propagar “de maneira ampla o ideal da emancipação triunfante da razão em colisão sistemática com a cristandade” (idem).

A Constituição de 1988 não mudou radicalmente esse padrão. O reconhecimento do pluralismo na sociedade brasileira é, de fato, um passo importante no processo de descristianização da identidade nacional - isto é, de abandonar o (injustificado) pressuposto de que o cristianismo constitui a base ética, moral e cultural do povo brasileiro. Contudo, não há na nova ordem constitucional, nem nas formas dominantes de sua interpretação, um projeto de exclusão do conteúdo religioso das instituições estatais. As ideias republicanas, democráticas e liberais que inspiram a Constituição tendem a ser interpretadas como permissivas com a presença da religião no interior das instituições estatais. Não sem dificuldades, a tradição institucional brasileira da laicidade pretende materializar essas ideias sem ter de apelar à exclusão da religião das instituições públicas.

A permissividade dos símbolos religiosos nas instituições estatais já foi descrita no contexto brasileiro como uma “laicidade benevolente” (Montero, 2020) e também como uma “laicidade da presença” (Giumbelli, 2003). Esse aspecto da laicidade gera reflexões de caráter teórico. Por exemplo, Montero afirma que uma trajetória como a brasileira “desafia o paradigma das esferas separadas implícito no paradigma da secularização” (Montero, 2013, p. 21), assim como a ideia de que a religião deve permanecer na esfera privada nos debates políticos formais. Pelo contrário, segundo Montero, “cresce a percepção de que o entendimento coletivo só pode ser construído a partir de argumentos desenvolvidos publicamente, na interação com outros argumentos”. Essa “percepção” expressa a dimensão inclusiva da religião na esfera pública: em vez de excluir a religião, os argumentos religiosos e não religiosos devem ser contrastados publicamente para, assim, lograr um eventual “entendimento coletivo” que se encontra longe de interpretar a “doutrina do secularismo” como um requisito que promulga, em nome da “neutralidade axiológica”, a “necessidade de erradicação da fé católica [ou outra religião dominante] da vida pública” (idem, p. 24). A superação do paradigma da secularização implica rejeitar a ideia normativa da razão pública, CDP inclusive.

Outros autores defendem uma ideia similar. Burity, por exemplo, considera obsoletos os modelos de laicidade herdados das tradições liberal e republicana - em particular sua implementação em países como Uruguai e México, nos quais requerem a exclusão do conteúdo religioso das instituições estatais. Seria preciso criar, portanto, “novas possibilidades de moderar, pluralizar ou refazer a cultura e as instituições da laicidade clássica” (Burity, 2020, p. 18, tradução minha). A ideia central é de que as concepções “tradicionais” da laicidade tentaram privatizar a religião. De acordo com a tese da superação, continuar com esse projeto, provavelmente já errado desde a concepção, é um erro.

Na sequência, mostro que a tese da superação é equivocada, pois implica um erro normativo (a dimensão exclusiva provavelmente não deve ser rejeitada) originado em uma confusão conceitual: a rejeição da tese da secularização não implica rejeitar também o CDP. Este é um argumento controverso, pois usualmente a adoção da dimensão inclusiva implica a rejeição explícita da exclusiva.7 Como veremos, quem deseja defender uma versão inclusiva da laicidade não tem motivos para rejeitar o exclusivismo descrito na seção anterior. Acredito que uma rejeição nesse sentido, com a pretensão de preservar a laicidade do Estado, demandaria um argumento contrário ao CDP ou, numa atitude mais radical, contrário à ideia da justificação pública como ideia normativa num regime democrático.

3. UNIFICAÇÃO: LAICIDADE MULTIDIMENSIONAL

A tese da superação não é necessária para explicar nem para justificar a laicidade do Estado brasileiro nos assuntos atinentes às religiões públicas. A legitimidade do estabelecimento religioso simbólico (ERS) pode ser avaliada apelando exclusivamente para razões públicas. Em outras palavras, o CDP não é comprometido se a laicidade “benevolente” ou a “laicidade da presença” forem aceitas.

ERS é o vínculo entre instituições estatais e símbolos religiosos sem envolver coerção (Lægaard, 2017). A legitimidade desse arranjo institucional depende de sua compatibilidade com os valores políticos básicos de uma democracia constitucional. Por definição, ERS é compatível com a liberdade de consciência, pois se trata de um arranjo exclusivamente simbólico. A pergunta que me interessa é se o ERS no Brasil cria relações de hierarquia entre as várias identidades sociais.8 Uma resposta afirmativa seria decisiva para determinar a ilegitimidade de ERS, pois a natureza republicana do Estado brasileiro o compromete com a eliminação de hierarquias de cidadania; essa é uma diferença fundamental entre uma república e uma monarquia ou um império. Espero, com esta análise, ilustrar a multidimensionalidade da laicidade: uma avaliação normativa da legitimidade da laicidade inclusiva pode ser realizada sem pressupor a superação do CDP. Pelo contrário, o critério é assumido.

Ao analisar os argumentos a favor e contra o ERS, Giumbelli (2011) ressalta um elemento crucial: a visibilidade ou não dos crucifixos. Essa invisibilidade diz respeito ao fato de eles passarem despercebidos na vida cotidiana e, portanto, serem moralmente inócuos: simplesmente não simbolizam nada, pois (praticamente) ninguém os nota. No caso de serem percebidos, aquilo que simbolizam não contradiz o princípio igualitário de cidadania. Essa ideia é ilustrada em uma decisão de um tribunal federal citada por Giumbelli, em que se defende que a exibição do crucifixo “nada representa, assemelhando-se a um quadro ou escultura, adereços decorativos” (idem, p. 81). A ideia implícita no argumento sobre a invisibilidade dos símbolos religiosos em instituições estatais consiste em sugerir que estes não fazem parte da definição da cidadania brasileira e, portanto, não podem configurar relações de hierarquia. Para verificar a validade dessa afirmação, vejamos alguns casos de ERS no Brasil.

O Cristo Redentor no Rio de Janeiro é uma figura monumental evidentemente religiosa, situada em lugar estratégico, visível em qualquer ponto da cidade. Na medida em que sua imagem é utilizada oficialmente para promover tanto a cidade como o país, trata-se de um caso de ERS. É problemático? Dificilmente. A inclusão do Cristo Redentor na ideia da identidade nacional brasileira não transmite uma mensagem de exclusão ou marginalização das identidades sociais que não se identificam com esse símbolo, logo não constitui hierarquias de cidadania. A razão para tanto é a forma de aceitação do monumento, pois seu caráter religioso não cumpre uma função decisiva: as valorações não religiosas parecem prevalecer (Giumbelli, 2008). A estátua é valorada por sua relevância turística e econômica, assim como por seu valor estético, cultural e histórico. O valor propriamente religioso - trata-se de um crucifixo! - existe, e muitas pessoas visitam o Cristo Redentor com motivos de peregrinação. Todavia, este é só um dos significados do monumento, e talvez nem seja o mais proeminente. Embora o Cristo Redentor não seja “invisível” como símbolo religioso, as razões de sua aceitação não comprometem a ideia de igualdade cidadã. O Cristo Redentor não é, portanto, um caso problemático de ERS.

Se a ideia da identidade nacional inclui um símbolo religioso, estamos perante um caso da dimensão inclusiva da laicidade. Note-se, no entanto, que em nenhum momento foi sugerida a rejeição da dimensão exclusiva. O discurso de identidade nacional que inclui o Cristo Redentor pode estar justificado, e de fato o está, a partir de razões que satisfazem o CDP: não se utiliza linguagem religiosa nem há dependência de um marco epistêmico religioso. O marco epistêmico compartilhado, neste caso, é o aceite do valor político, republicano, que protege a igualdade cidadã: na república brasileira não haverá desigualdades de status ou hierarquias de cidadania.

Um caso mais difícil é o crucifixo no STF. O argumento mais comum a favor de sua remoção enfatiza as ideias de neutralidade e igualdade: o Estado tem o dever de tratar todas as doutrinas morais em condições de igualdade, e a exibição do crucifixo manifesta um desvio dessa obrigação, expressando uma preferência por uma tradição religiosa (Giumbelli, 2011, p. 83). Essa objeção está baseada na ideia republicana de cidadania igualitária: o crucifixo deve ser removido porque constitui uma cidadania de primeiro grau (para os protestantes e católicos que aceitam a presença de símbolos religiosos em instituições estatais) e uma cidadania de segundo grau (para o restante da população). Significa isto que a ordem republicana coloca como requisito que os símbolos religiosos sejam removidos, ainda que fazê-lo signifique renunciar à tradição brasileira da “laicidade benevolente”? É improvável que seja o caso.

As controvérsias em torno de crucifixos em tribunais republicanos existem no Brasil desde, pelo menos, o ano de 1891 (Giumbelli, 2003). Trata-se de um símbolo divisor provavelmente porque a função dessas instituições é garantir imparcialidade na administração da justiça. Porém, as defesas da exibição usualmente argumentam que o crucifixo é um símbolo que reconhece a herança cultural do país e os valores de justiça, solidariedade e igualdade sobre os quais está fundada a República brasileira - portanto, ERS em tribunais não deveria gerar suspeitas de parcialidade.

Essa estratégia pode ser válida, mas considero necessário tornar explícita a seguinte condição imprescindível para que ela seja, com efeito, normativamente legítima: as instituições encarregadas de garantir igualdade cidadã devem funcionar adequadamente e mostrar que assim o fazem. A função dos magistrados é garantir imparcialidade na proteção dos direitos, e só na medida em que cumpram com seu dever e o comuniquem adequadamente seria possível argumentar a favor da presença do crucifixo no tribunal. Assim, para contestar o argumento contrário à exibição do crucifixo no STF, pode-se afirmar que o crucifixo não cria hierarquias entre as identidades sociais - e, portanto, sua exibição é legítima - porque: a) quando não é um símbolo invisível, representa não apenas os valores de uma religião em particular, mas também os que representam a história e a cultura brasileira; b) as pessoas encarregadas de garantir que os direitos igualitários de cidadania sejam protegidos cumprem satisfatoriamente com seu trabalho e assim o expressam.

Uma vantagem dessa proposta consiste em dirigir a atenção ao comportamento dos magistrados, tirando o foco da aparência das instituições. Vejamos um exemplo. Provavelmente os grupos mais vociferantes na oposição ao aborto são algumas associações cristãs. Em seu ativismo, é comum que utilizem símbolos religiosos de forma ostentosa, conferindo-lhes um significado específico no debate sobre o aborto. Embora essa seja uma prática permitida em uma democracia liberal e plural, gera uma dificuldade para os funcionários públicos envolvidos nesse debate que utilizam os mesmos símbolos para se apresentarem ao público (por exemplo, os ministros do STF). O apego ao dever cívico posicional de expressar imparcialidade resulta comprometido. O caso do ministro do STF Gilmar Mendes ilustra esse ponto: será que é razoável ter confiança na imparcialidade de seu juízo para analisar o caso da descriminalização do aborto, quando na sua foto de perfil em redes sociais aparecem uma cruz e uma igreja? A resposta possivelmente é negativa, pois a imagem representada na foto está ligada a uma das partes da controvérsia. Em nome do benefício do dever expressivo de imparcialidade próprio dos ministros, provavelmente seja justificado requerer ao ministro remover a foto em vez de solicitar à instituição a remoção do crucifixo, até porque, no geral, o STF cumpre com o CDP em suas deliberações. O critério que define a legitimidade de ERS neste caso é o valor da igualdade cidadã, que é defendido a partir de razões públicas e não diz nada a respeito da necessidade de contestar a existência das “religiões públicas”, de privatizar a religião ou de excluí-la da esfera pública.

A ênfase no comportamento é útil para avaliar outras iniciativas defendidas recentemente para justificar ERS, como a proposta de sua diversificação (Modood, 2016, p. 192; Montero, 2013, p. 19; 2014). Essa iniciativa visa a mudar a maneira como a questão do ERS é usualmente abordada. Em vez de formular o debate em termos de exibição ou não de símbolos religiosos, propõe-se que se trate do reconhecimento equitativo das religiões - e de outros elementos sociais de identidade - historicamente marginalizadas e excluídas. Apesar de ser uma proposta interessante, é ainda possível indagar se a intuição por trás da iniciativa que se opõe aos ERS é válida.

A diversificação pode ser justificada moralmente se respeitar o princípio normativo substantivo da igualdade cidadã. Considere-se o vínculo simbólico entre alguns políticos da extrema direita e o cristianismo - por exemplo, o slogan da campanha presidencial de Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. De acordo com a dimensão inclusiva da laicidade, esse tipo de vínculo não é, por princípio, contrário aos valores políticos a serem observados pelo Estado brasileiro - aceitando, para efeitos do argumento, que se trata de um vínculo exclusivamente simbólico. Entretanto, aqui é fácil constatar que o ERS não diz respeito à liberdade religiosa ou à valorização da tradição cristã brasileira. A proximidade com algumas igrejas cristãs conservadoras obedece a um fenômeno que em estudos sociais é descrito como um nacionalismo religioso de caráter reativo. No Brasil, a atual reafirmação da ideia de uma nação cristã configura-se com o propósito de excluir as identidades sociais entendidas, em sentido amplo, como “progressistas” (Biroli; Caminotti, 2020; Machado; Vaggione, 2020; Leite, 2019; Vaggione, 2005, 2017; Siuda-Ambroziak, 2014; Machado, 2012). Essa proximidade de figuras da política com algumas igrejas não respeita o princípio normativo substantivo da igualdade cidadã. Ao contrário, promove uma ideia de identidade nacional que tem como propósito excluir uma identidade social particular. Neste caso, o ERS é ilegítimo, mesmo se, em sua justificação, fosse defendida a diversificação. Portanto, neste caso, a exclusão da religião na política é justificada e não obedece a uma iniciativa motivada por um interesse em privatizar a religião.

4. CONCLUSÃO

A partir da identificação das duas dimensões da laicidade, espero ter fornecido um mapeamento da teoria política brasileira da laicidade (brasileira). Não foi minha intenção oferecer uma visão abrangente, pois isso excederia as possibilidades de um artigo. Contudo, espero que a proposta multidimensional seja útil para estabelecer elementos sólidos para entender os princípios normativos que podem ser derivados do conceito da laicidade no contexto brasileiro. Em particular, espero ter mostrado que é possível derivar princípios normativos de distinta natureza a partir desse conceito. O princípio epistêmico diz respeito às condições da justificação do uso coercivo do poder do Estado, enquanto os princípios substantivos dizem respeito aos valores políticos que o Estado deve proteger. Considerei apenas o valor republicano da igualdade cidadã. Os demais valores, como a ideia da liberdade associada com a autonomia individual, podem ser analisados em outras discussões. Acredito que o CDP possa ser mantido, embora a laicidade da presença também seja defendida nessas análises.

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  • 1
    Agradeco aos/as pareceristas pela sugestao de dar mais clareza a esse ponto.
  • 2
    Para uma analise do “passado,presente e futuro” do liberalismo da razao publica, ver Gerald Gaus (2015).
  • 3
    Com a finalidade de utilizar uma linguagem inclusiva de genero, optei por utilizar o feminino como impessoal-neutro.
  • 4
    Para um argumento similar, ver Lincoln Frias e Telma Birchal (2009), p. 24.
  • 5
    Alba M. Ruibal (2014, p. 118) tambem considera a linguagem não religiosa insuficiente para assegurar a razao publica, se apoiada por fundamento religioso
  • 6
    Ver tambem Vita (2003), p. 127.
  • 7
    Carvalho (2018) é explícito nesta conexão. Sua concepção da laicidade é unidimensional: o fato de a laicidade ser inclusiva implica inclusão tanto na justificação pública quanto em considerações sobre o estabelecimento religioso.
  • 8
    Inspiro-me nos argumentos de Cécile Laborde (2017, pp. 132-43) sobre o “Estado inclusivo”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2020
  • Aceito
    06 Jul 2021
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