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AQUÉM DA JUSTIÇA? Comentário a “A sociabilidade travada” 1 1 Agradeço os comentários de Marcos Nobre sobre a versão preliminar deste estudo.

UM DIÁLOGO

Em 1988, Francisco de OliveiraOliveira, Francisco. “O surgimento do antivalor”. Novos Estudos Cebrap ,v. 3, n. 22, 1988, pp. 8-28. publicou nesta revista um texto divisor de águas: “O surgimento do antivalor”. As ideias expressas ali tinham sido apresentadas pela primeira vez num seminário no Cebrap naquele mesmo ano, numa sessão concorrida que provocou debate acalorado, como era hábito e tradição nos “mesões” do centro. Chico, como era chamado por todos, propunha uma revisão profunda da teoria marxiana do valor, ao introduzir o fundo público (os recursos que o Estado extrai da sociedade na forma de impostos, endividamento e outros mecanismos) como constitutivo tanto do valor da força de trabalho quanto do volume dos capitais privados. Como nos Estados de bem-estar social o fundo público financia educação, saúde, habitação, seguro-desemprego, aposentadoria e subsidia o transporte público e outros serviços que, de outra maneira, o trabalhador teria de pagar com seu salário, o custo de reprodução da força de trabalho não seria mais determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para mantê-la viva e produtiva. Parte desse custo teria sido desmercantilizado, transferido para o Estado, árbitro do conflito distributivo entre capital e trabalho. Logo, parte desse custo dependia da luta política no interior das instituições democráticas, e não de determinações puramente econômicas. Valeria o mesmo para os capitais privados, fortemente dependentes do fundo público para financiar a inovação tecnológica e se proteger das intempéries da concorrência, agora independentes da evolução dos salários. Isso, obviamente, tinha impactos na teoria marxiana da exploração, ancorada no conceito de mais-valia como tempo de trabalho (fundamento do valor) não pago pelo capitalista no processo de trabalho, valor descontado do custo de reprodução da força de trabalho como mercadoria sans phrase. Chico não descartava a teoria do valor-trabalho, mas propunha profunda revisão de sua ontologia.

O esforço de Chico atualizava no Brasil renovação em curso em certas correntes do marxismo que, ao menos desde o clássico de André Gorz, Adieux au prolétariat (1980Gorz, André. Adieux au prolétariat: au delà du socialisme. Paris: Galilée, 1980.), dos estudos de Claus Offe (1985Offe, Claus. Disorganized Capitalism: Contemporary Transfromation of Work and Politics. Chicago: Mit Press, 1985.) sobre a perda da centralidade do trabalho na explicação da dinâmica contemporânea do capitalismo, isto é, na teoria social, e da proposta habermasiana de substituir o trabalho pela comunicação como chave de compreensão do mundo contemporâneo (Habermas, 1972Habermas, Jürgen. Toward a Rational Society. Student Protest, Science and Technology. Boston: Beacon Press, 1972.), propunham, com menor ou maior radicalidade, a revisão da teoria marxiana do valor. Diferentemente de seus colegas europeus, Chico procurava rever essa teoria sem, contudo, abandonar Marx e a centralidade ocupada, em seu corpo conceitual, pela categoria trabalho. Eu era pesquisador do Cebrap na época e recordo-me da intervenção de José Arthur Giannotti nesse seminário. Já naquele momento trabalhando sobre o edifício filosófico do segundo Wittgenstein, em particular os jogos de linguagem e o significado de seguir uma regra, ele criticou com sua eloquência habitual a timidez do “revisionismo” de Chico de Oliveira, que, é bom lembrar, tinha sido grandemente influenciado por Trabalho e reflexão (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.), em particular por sua filosofia das formas da sociabilidade capitalista e o lugar (e não lugar), nelas, do fetichismo da mercadoria e do fetichismo do capital. Na objeção a Chico, Giannotti defendeu que a acumulação capitalista contemporânea, baseada na concentração da inovação tecnológica em poucos detentores de grandes capitais monopolistas, tornava simplesmente inoperante a lei do valor-trabalho, que por isso devia não apenas ser revista, como descartada. O tempo de trabalho, para funcionar como medida da sociabilidade capitalista (isto é, das trocas no mercado, da exploração, do fetichismo da mercadoria, das formas de socialização), requereria como pressuposto a homogeneidade dos trabalhos dos diversos produtores, que, no agregado, constituiriam a categoria de trabalho social médio, abstrato, e, com ela, a de tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de qualquer mercadoria. Giannotti introduziu a ideia de que a troca de mercadorias podia ser vista como um jogo de linguagem, em que os agentes no mercado seguiam uma regra implícita, segundo a qual as mercadorias podiam ser trocadas porque eram equivalentes, equivalência que tinha como medida (eis a regra) seu valor enquanto tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Ou, nas palavras de Giannotti no texto ora comentado, o “valor duma mercadoria nada mais é do que uma prática coletiva de reflexão pela qual os trabalhos individuais passam a ser tomados como resultantes dum trabalho abstrato posto como regra” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 56). A acumulação, acelerada por inovações tecnológicas em situação de monopólio, teria introduzido algo novo, a heterogeneidade dos trabalhos concretos, impossibilitando a abstração que constituiria a medida da sociabilidade capitalista. Logo, se essa sociabilidade estava travada, a teoria marxiana do valor estava morta. Giannotti lapidaria esses argumentos em debates subsequentes no Cebrap, mas foi preciso aguardar dois anos até que figurassem num artigo sistemático: “A sociabilidade travada", publicado pela primeira vez, nesta revista, em 1990.

A EXPLOSÃO DA REGRA

É sempre bom lembrar que, embora profundo conhecedor da obra de Marx e seus fundamentos, Giannotti não era um marxista.2 2 “Recuso a identidade teórica do marxismo”, escreveu em Certa herança marxista (Giannotti, 2010, p. vii), querendo com isso dizer que o marxismo herdeiro de Marx não é uma “ciência normal”, cujo centro teórico, “expresso nos bons manuais, estaria cercado por subteorias em disputa, à espera de serem aceitas como verdadeiras”. O marxismo não passaria de “uma ideologia cientificista”. Na verdade, ele se considerava, não sem ironia, um “marxólogo”, alguém que, acrescento eu, lia Marx pelas lentes de Hegel (a dialética era sem dúvida seu método preferido, ainda que nem sempre utilizado de forma metódica ou exclusiva, ao contrário de Chico de Oliveira), Husserl ou Wittgenstein, portanto com liberdade para recusar qualquer releitura de Marx que reivindicasse algum valor de “verdade”. Giannotti era avesso a toda ortodoxia. Mas, embora não marxista, Marx estava em suas veias. E mais, como bom leitor do Sartre (1972Sartre, Jean Paul. Questão de método. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.) da Questão de método, ele parecia acreditar, se bem que o negando, que o marxismo ainda era “a filosofia insuperável do nosso tempo”. Do contrário, por que ele despenderia tanta energia para construir uma filosofia da sociabilidade contemporânea a partir da crítica, que ele julgava interna, ao paradigma marxiano do valor como medida da sociabilidade capitalista? Por que ele insistiria, como no texto em tela aqui, na recuperação da “centralidade da categoria de trabalho para a explicação sociológica” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 54)?

Isso terá algo a ver, penso eu, com o interlocutor presumido desse e de muitos de seus outros textos “não marxistas” publicados até ali:3 3 Penso, por exemplo, em “Notas sobre a categoria ‘modo de produção’, para uso e abuso dos sociólogos” (Giannotti, 1976) e mesmo no seminal Trabalho e reflexão (Giannotti, 1983), em particular o capítulo 5, “Formas da sociabilidade capitalista”. justamente, Chico de Oliveira, talvez o único marxista brasileiro de sua geração que Giannotti realmente respeitava, ao lado, é claro, de Roberto Schwarz. Mas terá a ver, também e talvez sobretudo, com seus próprios fantasmas. Se Sartre imaginava que era possível compatibilizar existencialismo e marxismo, Giannotti procurava se livrar de Marx para, talvez, abraçar Wittgenstein sem culpa.4 4 A aventura de Giannotti com o Wittgenstein das Investigações filosóficas teve início, de forma sistemática, em 1985 e ele publicaria o seu Apresentação do mundo em 1995. Mas é bom lembrar que Giannotti traduziu o Tractatus logico-philosophicus ainda em 1968. O texto comentado aqui carrega a tensão - eu diria mesmo a contradição - presente na interpretação do mercado no capitalismo pós-industrial, em particular o mercado de trabalho, como um jogo de linguagem desprovido de medida (ou de regra). Um jogo de linguagem no qual a regra universal (o valor-trabalho) já não regula a sociabilidade e, portanto, já não é possível distinguir o fazer enquanto o objetivar-se da subjetividade humana em um produto (ou serviço, ou ideia, ou arte) útil ou interessante para outro e que, por isso, regula a relação entre ambos pela regra intersubjetivamente pressuposta da dependência mútua posta pela divisão do trabalho, que, por sua vez, é um pressuposto da troca de equivalentes no mercado; e o fazer de conta, pelo qual falsas medidas podem ser e são constantemente eleitas por produtores capazes de fechar seus mercados e impor preços de monopólio, incluindo os trabalhadores e suas organizações corporativas no controle de suas qualificações diferenciais.

Aqui cabe ser mais preciso. Por que o capitalismo movido pela velocidade insana da inovação tecnológica monopolista explode a teoria do valor-trabalho? A chave (e o problema) está nesta passagem:

Tudo se passaria conforme o seguinte esquema. Durante uma hora A e B produziriam respectivamente 1 e 3 peças, o que daria um valor médio de 30 minutos por peça; C, entretanto, produz 14 peças. Ao invés de baixar a produtividade média para 10 minutos, consegue vender seus produtos pelo valor de 30 minutos, ganhando assim 20 minutos por peça. O trabalho de C é heterogêneo em relação aos trabalhos de A e B, mas os produtos são comensuráveis. Daí haver uma explosão do processo de medida, que mede o trabalho de C sem que ele passe a integrar o processo constitutivo do padrão, como acontece com A e B. […] Desse modo, a troca mercantil, que tinha como pressuposto a prática homogeneizadora do trabalho, funciona agora em referência à prática monopolizadora de saberes. (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 57)

O texto parece simples, mas está carregado de coisas não ditas. Giannotti testava a atenção de seus leitores? Por que a e b, produzindo quatro peças em uma hora, gerariam um valor médio de trinta minutos por peça, e não quinze minutos, como é obviamente o caso (60 min / (1 peça de a + 3 peças de b))? E por que a entrada de C no mercado, produzindo catorze peças em uma hora, baixaria a produtividade média para dez minutos, em lugar de 3,33 minutos (60 min / (1 peça de a + 3 peças de b + 14 peças de C))? É que Giannotti está supondo que os produtores não estão produzindo ao mesmo tempo. Ele soma uma hora de a e uma hora de b, sendo, portanto, quatro peças produzidas em duas horas, ou trinta minutos por peça. E soma a terceira hora de C, sendo dezoito peças produzidas em três horas, ou seis peças por hora ao valor de dez minutos a peça. a construção é capciosa, pois Marx é preciso ao afirmar que:

[a] força de trabalho conjunta da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias, vale aqui como uma única força de trabalho humana, embora consista em inumeráveis forças de trabalho individuais. […] Tempo de trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir um valor de uso qualquer sob as condições normais para uma dada sociedade e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho. (Marx, 2013Marx, Karl. O capital, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 117; grifo meu)

Marx supõe uma sociedade em que todos os produtores estão trabalhando ao mesmo tempo, com grau social médio de destreza e intensidade de trabalho. Por que tratar cada tempo de trabalho como se cada produtor estivesse em uma sociedade distinta? Os tempos de trabalho só são comensuráveis porque compõem um tempo social total de trabalho, de que cada mercadoria é uma parte/alíquota. A construção da média exige que todos estejam trabalhando ao mesmo tempo numa mesma sociedade (ou numa determinada esfera da produção, produtora de uma qualidade específica de mercadoria, tomada em sua totalidade).5 5 O preço de produção, escreve Marx em outro momento, “está determinado não pelo preço de custo de cada industrial produtor em particular, mas pelo preço de custo que custa a mercadoria, em média, sob as condições médias do capital em toda a esfera da produção. É, com efeito, o preço de produção de mercado, o preço médio de mercado, em contraste com suas oscilações. Em geral, é na figura do preço de mercado e, mais ainda, na figura do preço regulador de mercado, ou preço de produção de mercado, que se apresenta a natureza do valor das mercadorias, o fato de ele ser determinado não pelo tempo de trabalho necessário para a produção de uma quantidade determinada de mercadorias, ou de mercadorias isoladas produzidas individualmente, em suma, não pelo tempo de trabalho necessário para um único produtor determinado, mas pelo tempo de trabalho socialmente necessário, o tempo de trabalho requerido para produzir, sob a média dada das condições sociais de produção, a quantidade total socialmente exigida das espécies de mercadorias que se encontram no mercado” (Marx, 2017, pp. 703-4). Se A produz uma peça em uma hora e B produz três, ao somar a hora de cada qual, como faz Giannotti, tem-se na verdade duas horas, nas quais A é capaz de produzir duas peças e B, seis. E teríamos quinze minutos por peça.

Essa filigrana, contudo, não impede a compreensão do argumento: para Giannotti, a inovação tecnológica monopolizada por C, que lhe permite produzir catorze peças por hora, torna seu trabalho heterogêneo em relação aos trabalhos de A e B, embora seus produtos sejam comensuráveis. Mas heterogêneo por quê? Porque o produtor C despendeu menos tempo de trabalho do que A e B por unidade de valor de uso produzida, mas seu monopólio sobre a inovação permite que venda seu produto pelo valor social médio anterior à adoção da inovação, valor que tinha por referência a produtividade média de A e B. O produtor C não participaria, nesse argumento, da construção da medida, mas, ao mesmo tempo, seu produto seria comensurável com os de A e B, como se ele tivesse participado dela. O produtor C faz de conta que participa da construção da regra (o tempo social médio de produção de cada peça), apenas para se beneficiar de sua burla, com isso explodindo a própria regra. É o que Giannotti denomina “fetichismo do fazer”, ou outras vezes de “fetichismo do trabalho”: como os produtos de C são apresentados como tendo levado ao mesmo tempo médio de produção que os de A e B, “a sociedade” tem a impressão de que há muito mais trabalho envolvido do que realmente há, já que os catorze produtos de C foram produzidos na mesma uma hora dos produtos de A e B, mas aparecem como tendo sido produzidos em sete horas (à média de trinta minutos por peça). C faz de conta que trabalhou muito mais do que de fato trabalhou. E esse fazer de conta, que inauguraria o fetichismo do trabalho, seria a morte da regra. A recuperação da categoria de trabalho para a explicação sociológica, pois, se dá pela negativa. O trabalho contemporâneo já não é mais a medida da sociabilidade capitalista, mas todos fazem de conta de que é este o caso. Daí seu caráter fetichista.

Note-se que, enquanto Chico de Oliveira lança mão dos mecanismos de regulação do capitalismo, em particular o Estado e seu fundo público, para fazer a crítica da teoria marxiana do valor e repor seus fundamentos, Giannotti busca uma crítica interna, afeita à dinâmica propriamente econômica do capitalismo (sua tendência ao monopólio da inovação tecnológica), para afirmar que a teoria do valor-trabalho deve ser simplesmente descartada. Ele não se contenta em apenas abandonar o marxismo. Por meio da crítica imanente, ele quer provar aos marxistas (e talvez aos “marxólogos”) que Marx está morto.

Marx, obviamente, previra esse cenário ao tratar da inovação tecnológica como necessidade inerente ao capitalismo, resultante da competição intercapitalista e fundamento de sua teoria sobre a tendência geral à queda da taxa de lucro. O ganho extra resultante do monopólio sobre uma nova tecnologia, em Marx, não afeta a teoria do valor, pois o ganho tende a se diluir no tempo à medida que a nova tecnologia se dissemina pelo sistema “como mancha de óleo” (para usar uma expressão cara a Giannotti), ou à medida que os competidores que não acompanhem a novidade sejam excluídos do mercado. Isto é, o privilégio do monopólio sobre a inovação dá a C a oportunidade de ou vender pelo valor médio anterior à inovação, de trinta minutos (ou quinze, na conta mais adequada), obtendo assim um lucro extra, ação, porém, de horizonte incerto, dada a possibilidade de disseminação da inovação; ou vender pelo valor de dez minutos (ou 3,33, na conta mais adequada) e com isso expulsar do mercado os concorrentes A e B, podendo, a partir daí, fixar o preço de sua mercadoria como bem entender. O capitalista racional procurará fazer as duas coisas, claro: explorar ao máximo seu privilégio monopolista enquanto procura expulsar a concorrência (ou adquiri-la).

Vale o mesmo para o monopólio de saberes por parte dos trabalhadores mais qualificados, em particular (mas não apenas) no setor de serviços, que, para Giannotti, também operariam no âmbito do fetichismo do trabalho, já que seus trabalhos também seriam heterogêneos em relação aos de outros trabalhadores, qualificados ou não. Ora, é uma vez mais de Marx a afirmação de que o trabalho mais qualificado, ou mais complexo, “vale apenas como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de modo que uma quantidade menor de trabalho complexo é igual a uma quantidade maior de trabalho simples” (Marx, 2013Marx, Karl. O capital, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 122). Também aqui não haveria heterogeneidade, tampouco o trabalhador mais qualificado teria seu valor determinado de forma extrínseca à regra geral do tempo de trabalho social, ou abstrato.

UMA CRÍTICA INTERNA

A dificuldade com o argumento talvez resida no fato de que Giannotti opera num nível muito alto de abstração. Seu “produtor”, por exemplo, é um ser intangível. Em Marx, o tempo de trabalho que gera valor é o tempo de trabalho do trabalhador médio, social, abstrato, tempo apropriado pelo capitalista privado (de carne e osso). Essas duas entidades antitéticas estão fundidas na categoria “produtor” de Giannotti. Mas quem está produzindo uma, três ou catorze peças por hora são os trabalhadores e é o tempo de trabalho deles que vai compor o tempo de trabalho social total. O que permite a C produzir mais é o fato de que o tempo de trabalho necessário à produção das três peças pelos operários de B é o mesmo tempo de trabalho necessário à produção das catorze peças pelos operários de C. O operário explorado por C não trabalhou nem mais nem menos tempo do que o explorado por B. A diferença é que a inovação tecnológica aumentou a produtividade do trabalho: mais peças foram produzidas na mesma unidade de tempo pelos operários de C.

Visto por esse ângulo, não se compreende por que os trabalhos dos trabalhadores explorados por A, B ou C seriam heterogêneos. Nos três casos, trata-se do mesmo dispêndio de energia humana. Do mesmo fazer, para usar outro termo caro a Giannotti. O que distingue os capitalistas A, B e C é a mais-valia diferencial que C extrai de seu trabalhador, o trabalho não pago, o excedente. Ora, por que a apropriação, por C, de mais-valia relativa a uma taxa superior a A e B explodiria a regra? Não se trataria, ainda, da mesma medida geral, o dispêndio de energias humanas num determinado lapso de tempo para produzir valores de uso?

Vejamos mais de perto o jogo proposto por Giannotti. Suponhamos, tal como faz Marx n’O capital, que os produtores A, B e C constituam uma totalidade, uma sociedade. A admissibilidade do argumento de Giannotti exige que o “produtor” C venda seu roduto pela média do valor das peças de A e B, portanto anterior à inovação.6 6 Note-se que, se seguirmos o argumento de Giannotti, se o tempo médio para a produção de uma peça é de trinta minutos, o produtor A, que produziu apenas uma peça em uma hora, está deficitário em trinta minutos, enquanto o produtor B, que produziu três peças, se apropriou de um excedente de vinte minutos. A entrada de C no mercado mudará esses montantes e B também se tornará deficitário. Essa é uma condição lógica das categorias “fazer de conta” e “fetichismo do trabalho”. Mas a venda pelo valor médio antigo não é uma necessidade lógica da posição monopolista de C. Se em Marx, como vimos, o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir mercadorias é uma totalidade em determinada sociedade, então as peças produzidas pelos trabalhadores explorados por A, B e C em uma hora de trabalho devem ser somadas. Em uma hora, essa sociedade produz dezoito peças, ao valor total de, digamos, r$ 1.800,00. O produtor A, ao realizar sua peça no mercado, se apropriará de 1/18 do valor total produzido (r$ 100,00), o produtor B, 3/18 (R$ 300,00) e o produtor C, 14/18 (r$ 1.400,00). Isto é, não há heterogeneidade relativa à unidade de valor. Trata-se da mesma medida. Nem o capitalista C está fazendo de conta que é mais eficiente. Ele de fato é mais eficiente, já que seu monopólio da tecnologia permite que ele se aproprie de 77,7% da riqueza produzida nessa sociedade, tendo seus operários, porém, trabalhado exatamente o mesmo tempo que os dos outros dois capitalistas. O produtor A se apropriará de 5,6% da riqueza social e o produtor B, de 16,7%. Ora, a descoberta dos fundamentos dessa desigualdade só é possível porque a medida, a regra, é a mesma para todos. O monopólio da inovação não torna heterogêneos (incomensuráveis) os trabalhos, apenas torna desigual a apropriação de seus frutos pelos capitalistas. 7 7 Marx trata disso em várias partes d’O capital, mas chamo a atenção para o capítulo 38 do Livro iii, denominado “A renda diferencial: considerações gerais”, em que ele discute as consequências, em termos de lucro extra para o capitalista, do monopólio de um fator de produção como uma queda d’água, que não está disponível a todos (Marx, 2017, pp. 703-11). As consequências teóricas são as mesmas do monopólio de uma tecnologia de ponta, pois o proprietário desse meio de produção raro e exclusivo venderá seu produto pelo preço médio de mercado, tendo custos de produção muito menores. O tema é tratado longamente no capítulo 10 do mesmo Livro iii (Marx, 2017, pp. 207-35). Os operários de A, B e C continuarão recebendo o mesmo salário, já que sua força de trabalho (categoria ausente do argumento de Giannotti), usada cada qual por uma hora, continua tendo o mesmo valor social médio.

A ambiciosa empreitada de desconstruir por dentro a teoria marxiana do valor, pois, parece ter partido, nesse texto em particular, de duas premissas ainda difíceis de sustentar: (i) que o tempo médio de produção de C não conta na mensuração do tempo médio social total; (ii) que C precisa fazer de conta que produziu catorze peças ao tempo médio de trinta minutos cada uma (ou quinze na conta mais adequada), como condição para vendê-las pelo valor médio anterior à inovação que ele trouxe ao mercado. A premissa (i) não encontra respaldo na teoria marxiana do valor, pois a redução do tempo de produção por C deve compor o tempo médio total de trabalho na sociedade, necessário à produção de uma unidade média da mesma mercadoria. E a premissa (ii) não passa de uma estratégia possível de C (portanto, sem necessidade lógica), de resto arriscada por permitir a sobrevivência de competidores no mercado. O capitalista racional preferirá vender pelo menor preço possível, impedindo a apropriação de excedentes por A e B, com isso expulsando-os do mercado.

AQUÉM DA JUSTIÇA

De todo modo, Giannotti procura extrair consequências de largo alcance de sua tentativa de desconstrução da teoria do valor no texto que comento. Ela já não seria capaz, por exemplo, de fundamentar a crítica marxista do capitalismo contemporâneo, crítica que Giannotti qualifica de ideologia:

Marx… é apresentado [pelo marxismo] como o reformador da racionalidade científica, o primeiro que funde razão teórica na razão prática, já que a descoberta científica da medida objetiva da exploração permite aliar a objetividade do conhecimento com a eficácia da luta política em vista da emancipação do gênero humano.

Nos últimos anos assistimos à morte dessa ideologia.(Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 53)

Se não há mais regra, não há mais uma medida objetiva da exploração capitalista. Isso não quer dizer que não haja exploração. Quer dizer apenas que seu conteúdo se tornou objeto de disputa entre agentes de capital e trabalho, que controlam saberes e monopólios (certamente assimétricos) que propõem, sustentam e reproduzem múltiplas medidas da exploração, nas múltiplas instanciações das relações entre eles, isto é, de sua sociabilidade enquanto luta pela apropriação do excedente. A exploração passa a ser a resultante das estratégias ad hoc em situações ad hoc em que as assimetrias de poder entre capital e trabalho ganham dimensões sempre novas, sempre avessas a um padrão de medida homogêneo ou universal.

Mas Giannotti vai além. O fim da medida repercutiria em todas as dimensões da existência. Claro, para ele nada seria “mais perverso intelectualmente […] do que tomar o fetichismo do trabalho como fundamento de todas as nossas mazelas” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 61). Mais ainda, a falta de medida e “a barbárie em que vivemos” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 61) abriria possibilidades de emancipação do indivíduo. Contudo, o que se lê na parte final do artigo é o contrário desse aparente otimismo. O leitor se vê diante, justamente, dos lineamentos da ideia de que o fim da medida e o fetichismo do trabalho estão na base do que ele entende por sociabilidade travada e suas consequências.

Assim, a luta de cada indivíduo “pela própria sobrevivência, operando num mercado de trabalho clivado pela rede das profissões institucionalizadas, implica cercar terrenos e defender privilégios reais e simbólicos. Isto não reforça o conservadorismo de nossa sociedade de massa?” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 61). O deputado se especializa num tema (ecologia, distribuição de renda) e tende a ver o mundo apenas por seu próprio prisma particularista. A igualdade por que se luta é a igual possibilidade de reivindicar privilégios. A liberdade por que se luta é a de reivindicar liberdades particulares, “em completo desrespeito pela liberdade alheia” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 62). A política “aparece como processo de manipular o imaginário a fim de saciar a miséria com sonhos de abundância. Por todos os lados ela tem como selo a simulação” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 63). E, talvez o mais importante, como já não há uma medida objetiva da exploração capitalista, não se pode dizer que ela seja justa ou injusta, “pois ela fica aquém dessa oposição, antes mesmo que a sociedade como um todo possa ter acesso a um padrão social da medida da distribuição do excedente”, criado pela força ou pelo consumo. Daí o caráter anônimo da exploração capitalista” (Giannotti, 1990Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66., p. 64).

Essa talvez seja a afirmação mais provocadora do texto e, de fato, decorre da premissa central, que põe (em sentido hegeliano) o fim da medida da sociabilidade capitalista. Ocorre, porém, que o mesmo Giannotti nos procurou convencer, no texto, de que a medida passa a ser fruto das lutas por sua construção, ou da própria sociabilidade capitalista como luta política por apropriação do excedente, luta ainda organizada pelo trabalho, mesmo que fetichista. Ora, a exploração tem, em Marx, uma medida objetiva, ou imanente ao processo de trabalho produtor de mais-valia. Como tal, está mesmo aquém da justiça, que é uma categoria relativa à distribuição dos frutos do trabalho. A construção política da medida, ao contrário, é, imediatamente, construção de parâmetros intersubjetivos de sua aceitabilidade. Não está, nesse sentido preciso, aquém da justiça. Ela é o próprio processo de construção dos parâmetros, ou da medida, do justo e do injusto. Isso coloca a política no âmago dos processos econômicos mais básicos, como momento da construção dos sentidos da exploração enquanto distribuição desigual dos frutos do trabalho, desigualdade ainda fundada na propriedade dos meios de produção pelos capitalistas.

A FIGURAÇÃO (REIFICADA) DO MUNDO

Em “A perda do mundo”, publicado em 2008 no número 82 desta revista (passados, portanto, dezoito anos da publicação de “A sociabilidade travada”), Giannotti volta ao argumento original, talvez em resposta a críticas como as formuladas aqui. A nova abordagem é mais rigorosa e clara, deixando patente o caráter ainda exploratório do texto que comento. Para começar, há explícito retorno a Marx e sua construção de uma “ontologia do social”. Agora, a centralidade do trabalho não comparece em chave negativa. Ao contrário. Giannotti assevera que a existência humana (assim mesmo, nessa generalidade), “seja qual for seu significado, depende de várias atividades que a reponham, de condições de existência que não estão diretamente ligadas às gramáticas [das] práticas” dos agentes (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 76). Uma delas seria, justamente, “o sistema produtivo responsável por sua existência biológica e social [a da humanidade]” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., pp. 76-7), sistema que “é tecido por atos de trabalho” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 77). Mais ainda, Giannotti se diz “convencido de que qualquer sociedade necessita manter determinado metabolismo com a natureza, sendo que este há de obedecer a formas particulares de coletivização de atos produtivos”, atos que “se coordenam num processo reflexionante de produção, distribuição, troca e consumo, que se repõe dando corpo a uma certa intenção prática historicamente determinada” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 77). Estão aqui, na construção do problema que ele vai analisar (a perda do mundo no imaginário contemporâneo), a centralidade da produção, a irrenunciabilidade do trabalho como inerente ao metabolismo humano com a natureza, os atos produtivos coletivos e sua reposição, todos elementos fulcrais de uma teoria do valor ancorada no trabalho social necessário.

São elementos, a meu juízo, de certa reconciliação com a teoria do valor-trabalho como chave de interpretação de aspectos da sociabilidade capitalista. O pulo do gato parece estar na recuperação, por Giannotti, da ideia, de fundo hegeliano, de que a teoria de Marx n’O capital opera com dupla historicidade. “A primeira mostra o desenvolvimento das categorias conforme elas próprias vão se repondo” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 78), constituindo, pois, uma análise categorial, que acompanha o desenvolvimento dialético do valor desde sua forma mercadoria na troca simples até a forma capital, que se desdobra na forma trinitária de lucro, renda da terra e salário, sendo os juros, por sua vez, uma forma alienada do lucro, expressão acabada do fetiche do dinheiro que aparece como gerando dinheiro sem passar pela mediação do trabalho produtivo.8 8 Essa formulação sobre os juros está em Trabalho e reflexão (Giannotti, 1983, p. 249). “A segunda história é aquela que descreve como essas estruturações se instalam em cada região da terra obedecendo a condições peculiares” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 78). Na história categorial, prossegue Giannotti, aquilo que é posto se torna pressuposto da reprodução do sistema, isto é, as categorias (o trabalhador assalariado despossuído, os meios de produção, o capital apropriado privadamente e assim por diante) são repostas ao final do processo de produção, ao passo que na história “real” (como na acumulação primitiva britânica) não há essa reposição, tampouco sua ocorrência é necessária em outro lugar. A teoria do valor-trabalho teria perdido capacidade de dar conta dessa segunda historicidade, isto é, do capitalismo tal como ele se constituiu no curso da história, e pelas razões esboçadas “n’A sociabilidade travada", aqui lapidadas e reformuladas em nome da acuidade lógica.9 9 Por exemplo, Giannotti argumenta, recuperando o Marx do Livro iii d’O capital, que a ideia de trabalho socialmente necessário como substância do valor é uma ilusão necessária (Giannotti, 2008, p. 83). Isso porque essa substância, pressuposto da trocabilidade das mercadorias, só aparece ao final do processo de troca,quando a demanda vier comprovar sua necessidade. O trabalho socialmente necessário só se revela como tal quando atende a uma demanda socialmente posta, ou necessária. E “tudo se passa como se a regra platonicamente produzisse seus casos”, “num processo sui generis de medida, cujo parâmetro inicial depende de uma totalização ilusória” (Giannotti, 2008, pp. 83 e 84). Nada disso está explícito em “A sociabilidade travada”. Giannotti distingue, ainda, o capitalista do trabalhador (aqui fundidos na categoria de “produtor”) e reconhece que “o trabalhador de qualquer ramo opera sob o metro das horas de trabalho” (Giannotti, 2008, p. 86), que as novas tecnologias cedo ou tarde se difundem pelo sistema etc. Mas mesmo assim ele mantém a ideia de que “a nova tecnologia não possui medida comum com os outros produtos”, o que bloquearia a constituição da “substância-valor” (Giannotti, 2008, p. 86).A meu juízo,a incorporação da crítica na recolocação do argumento não resolveu os problemas que apontei. Mas essa teoria, no plano categorial, ainda seria a mais adequada para a compreensão do mercado como lugar de operação dos fetichismos das formas do valor (mercadoria, capital, dinheiro, lucro, juro, renda da terra) e, como tal, dos fundamentos da reificação das formas da sociabilidade. Assim, escreve Giannotti:

serão inúteis… todos os esforços pretendendo mostrar a validade empírica da teoria do valor-trabalho. [Contudo] [j]á que ela estabelece os princípios da gramática do capital,… [f]alamos segundo suas leis, assim como os mercados regulam à sua maneira os atos de trabalho, isto é, o metabolismo que os seres humanos mantêm entre si e com a natureza. Suas leis simplesmente permitem que as pessoas se entendam e se mostrem nesse entendimento, mas apenas nesse nível. (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 88; grifos meus)

Ora, esse “apenas” não é pouco. Não seria ele o nível da figuração do mundo nas práticas intersubjetivas tecidas no mercado, reguladas pela gramática da teoria do valor? Ao que parece, ao perder a capacidade de expor os meandros da exploração, a teoria do valor-trabalho se repõe como fundamento das imagens reificadas do mundo.10 10 Esses temas são revisitados por Giannotti (2010), com ainda maior rigor lógico e profundidade, em Certa herança marxista, um esforço sistemático de conciliar a dialética de Marx e o edifício filosófico de Wittgenstein.

É curioso que Giannotti termine esse texto e também “A sociabilidade travada” pondo o problema da justiça. Sua filosofia, não obstante seu rigor lógico e sua construção totalizante e aparentemente fora do mundo, tematiza, constantemente, os problemas da democracia, da desigualdade, da justiça social, das possibilidades da vida em comum. São textos muitas vezes engajados, quase sempre perplexos (cf. Giannotti, 1985Giannotti, José Arthur. Filosofia miúda e demais aventuras. São Paulo: Brasiliense , 1985.), modos de apresentação de um mundo cuja irracionalidade o convocava e o apaixonava, e da qual ele esteve em busca, a vida inteira, dos fundamentos, ou da ontologia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Giannotti, José Arthur. “Notas sobre a categoria ‘modo de produção’ para uso e abuso dos sociólogos”. Estudos Cebrap, n. 17, 1976, pp. 161-8.
  • Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.
  • Giannotti, José Arthur. Filosofia miúda e demais aventuras. São Paulo: Brasiliense , 1985.
  • Giannotti, José Arthur. “A sociabilidade travada”. Novos Estudos Cebrap , v. 3, n. 28, 1990, pp. 50-66.
  • Giannotti, José Arthur. Apresentação do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
  • Giannotti, José Arthur. Certa herança marxista. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/2trwj/ pdf/giannotti-9788579820458.pdf >. Acesso em: 22/2/2024
    » https://static.scielo.org/scielobooks/2trwj/ pdf/giannotti-9788579820458.pdf
  • Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95.
  • Gorz, André. Adieux au prolétariat: au delà du socialisme. Paris: Galilée, 1980.
  • Habermas, Jürgen. Toward a Rational Society. Student Protest, Science and Technology. Boston: Beacon Press, 1972.
  • Marx, Karl. O capital, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • Marx, Karl. O capital , Livro III. São Paulo: Boitempo , 2017.
  • Offe, Claus. Disorganized Capitalism: Contemporary Transfromation of Work and Politics. Chicago: Mit Press, 1985.
  • Oliveira, Francisco. “O surgimento do antivalor”. Novos Estudos Cebrap ,v. 3, n. 22, 1988, pp. 8-28.
  • Sartre, Jean Paul. Questão de método. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.
  • Wittgenstein, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional/ Edusp, 1968.
  • Wittgenstein, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2009.
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    Agradeço os comentários de Marcos Nobre sobre a versão preliminar deste estudo.
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    “Recuso a identidade teórica do marxismo”, escreveu em Certa herança marxista (Giannotti, 2010Giannotti, José Arthur. Certa herança marxista. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/2trwj/ pdf/giannotti-9788579820458.pdf >. Acesso em: 22/2/2024
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    , p. vii), querendo com isso dizer que o marxismo herdeiro de Marx não é uma “ciência normal”, cujo centro teórico, “expresso nos bons manuais, estaria cercado por subteorias em disputa, à espera de serem aceitas como verdadeiras”. O marxismo não passaria de “uma ideologia cientificista”.
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    Penso, por exemplo, em “Notas sobre a categoria ‘modo de produção’, para uso e abuso dos sociólogos” (Giannotti, 1976Giannotti, José Arthur. “Notas sobre a categoria ‘modo de produção’ para uso e abuso dos sociólogos”. Estudos Cebrap, n. 17, 1976, pp. 161-8.) e mesmo no seminal Trabalho e reflexão (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.), em particular o capítulo 5, “Formas da sociabilidade capitalista”.
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    A aventura de Giannotti com o Wittgenstein das Investigações filosóficasWittgenstein, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2009. teve início, de forma sistemática, em 1985 e ele publicaria o seu Apresentação do mundo em 1995Giannotti, José Arthur. Apresentação do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.. Mas é bom lembrar que Giannotti traduziu o Tractatus logico-philosophicus ainda em 1968Wittgenstein, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional/ Edusp, 1968..
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    O preço de produção, escreve Marx em outro momento, “está determinado não pelo preço de custo de cada industrial produtor em particular, mas pelo preço de custo que custa a mercadoria, em média, sob as condições médias do capital em toda a esfera da produção. É, com efeito, o preço de produção de mercado, o preço médio de mercado, em contraste com suas oscilações. Em geral, é na figura do preço de mercado e, mais ainda, na figura do preço regulador de mercado, ou preço de produção de mercado, que se apresenta a natureza do valor das mercadorias, o fato de ele ser determinado não pelo tempo de trabalho necessário para a produção de uma quantidade determinada de mercadorias, ou de mercadorias isoladas produzidas individualmente, em suma, não pelo tempo de trabalho necessário para um único produtor determinado, mas pelo tempo de trabalho socialmente necessário, o tempo de trabalho requerido para produzir, sob a média dada das condições sociais de produção, a quantidade total socialmente exigida das espécies de mercadorias que se encontram no mercado” (Marx, 2017Marx, Karl. O capital , Livro III. São Paulo: Boitempo , 2017., pp. 703-4).
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    Note-se que, se seguirmos o argumento de Giannotti, se o tempo médio para a produção de uma peça é de trinta minutos, o produtor A, que produziu apenas uma peça em uma hora, está deficitário em trinta minutos, enquanto o produtor B, que produziu três peças, se apropriou de um excedente de vinte minutos. A entrada de C no mercado mudará esses montantes e B também se tornará deficitário.
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    Marx trata disso em várias partes d’O capital, mas chamo a atenção para o capítulo 38 do Livro iii, denominado “A renda diferencial: considerações gerais”, em que ele discute as consequências, em termos de lucro extra para o capitalista, do monopólio de um fator de produção como uma queda d’água, que não está disponível a todos (Marx, 2017Marx, Karl. O capital , Livro III. São Paulo: Boitempo , 2017., pp. 703-11). As consequências teóricas são as mesmas do monopólio de uma tecnologia de ponta, pois o proprietário desse meio de produção raro e exclusivo venderá seu produto pelo preço médio de mercado, tendo custos de produção muito menores. O tema é tratado longamente no capítulo 10 do mesmo Livro iii (Marx, 2017Marx, Karl. O capital , Livro III. São Paulo: Boitempo , 2017., pp. 207-35).
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    Essa formulação sobre os juros está em Trabalho e reflexão (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 249).
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    Por exemplo, Giannotti argumenta, recuperando o Marx do Livro iii d’O capital, que a ideia de trabalho socialmente necessário como substância do valor é uma ilusão necessária (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 83). Isso porque essa substância, pressuposto da trocabilidade das mercadorias, só aparece ao final do processo de troca,quando a demanda vier comprovar sua necessidade. O trabalho socialmente necessário só se revela como tal quando atende a uma demanda socialmente posta, ou necessária. E “tudo se passa como se a regra platonicamente produzisse seus casos”, “num processo sui generis de medida, cujo parâmetro inicial depende de uma totalização ilusória” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., pp. 83 e 84). Nada disso está explícito em “A sociabilidade travada”. Giannotti distingue, ainda, o capitalista do trabalhador (aqui fundidos na categoria de “produtor”) e reconhece que “o trabalhador de qualquer ramo opera sob o metro das horas de trabalho” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 86), que as novas tecnologias cedo ou tarde se difundem pelo sistema etc. Mas mesmo assim ele mantém a ideia de que “a nova tecnologia não possui medida comum com os outros produtos”, o que bloquearia a constituição da “substância-valor” (Giannotti, 2008Giannotti, José Arthur. “A perda do mundo”. Novos Estudos Cebrap , v. 27, n. 3, 2008, pp. 69-95., p. 86).A meu juízo,a incorporação da crítica na recolocação do argumento não resolveu os problemas que apontei.
  • 10
    Esses temas são revisitados por Giannotti (2010)Giannotti, José Arthur. Certa herança marxista. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/2trwj/ pdf/giannotti-9788579820458.pdf >. Acesso em: 22/2/2024
    https://static.scielo.org/scielobooks/2t...
    , com ainda maior rigor lógico e profundidade, em Certa herança marxista, um esforço sistemático de conciliar a dialética de Marx e o edifício filosófico de Wittgenstein.

Editora responsável:

Renata Francisco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024
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