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ENTRE O FINANCIAMENTO E A FINANCEIRIZAÇÃO DO IMOBILIÁRIO: A articulação Estado‑mercado na condução da política habitacional

Between Real Estate Funding and Financialization: the State‑Market Nexus in Housing Policy Governance

RESUMO

O texto examina a trajetória do processo de financeirização imobiliária habitacional no Brasil, com ênfase no papel central desempenhado pela Caixa Econômica Federal (CEF), que atua como principal provedora de financiamentos para a produção e consumo de habitações. Ao sistematizar detalhadamente os dados das emissões de títulos securitizados, o artigo procura dar conta das complexas interações entre Estado e mercado, problematizando como o primeiro emprega mecanismos e instrumentos financeiros para atingir seus objetivos na política habitacional.

PALAVRAS‑CHAVE:
financeirização da habitação; securitização; Caixa Econômica Federal; política habitacional

ABSTRACT

The paper scrutinizes the course of the housing financialization process in Brazil, with a focus on the pivotal role played by Caixa Econômica Federal (CEF) as the primary financier for housing production and consumption. The paper aims to elucidate the intricate interplays between the State and the Marketby meticulously systematizing data on securitized bond issuances and critically examininghowtheformerdeploys financial mechanisms and instruments to conduct its objectives in housing policy.

KEYWORDS:
housing financialization; securitization; Caixa Econômica Federal; housing policy

INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas, as investigações que buscam compreender o processo de financeirização do capitalismo contemporâneo sob uma perspectiva crítica têm ganhado relevância.

Esses estudos abordam diversas variantes setoriais, examinam os instrumentos vigentes e exploram os desdobramentos sociais em suas múltiplas escalas geográficas. Exemplos notáveis incluem os trabalhos de José Carlos Braga (1997Braga, José Carlos. “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo”. In: Tavares, Maria da Conceição; Fiori, José Luís (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242.), François Chesnais (2016Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016.), Manuel Aalbers (2008Aalbers, Manuel. “The Financialization of Home and the Mortgage Market Crisis”. Competition & Change, v. 12, n. 2, 2008, pp. 148-66.; 2019Aalbers, Manuel B. Financial Geography iii: The Financialization of the City. Progress in Human Geography, v. 44, n. 3, 2019, pp. 595-607.), Costas Lapavitsas (2009Lapavitsas, Costas. “Financialised Capitalism: Crisis and Financial Expropriation”. Historical Materialism, v. 17, n. 2, 2009.; 2011Lapavitsas, Costas. Theorizing financialization. Work, Employment And Society, v. 25, n. 4, 2011, pp. 611-26.; 2013Lapavitsas, Costas. Profiting Without Producing: How Finance Exploits All of Us. Londres: Verso, 2013.), Mendez (2013) e Rodrigues, Santos e Teles (2016Rodrigues, João; Santos, Ana Cordeiro; Teles, Nuno. “Semi-peripheral Financialization: The Case of Portugal". Review Of International Political Economy, v. 23, n. 3, pp. 480-510, 8, 2016.).

É possível, assim, reconhecer em escala mundial um amplo conjunto de pesquisas e pesquisadores que se dedicam a entender as origens e os desdobramentos desse processo nos mais variados âmbitos da sociedade, desde aqueles ligados à produção industrial, passando pelos relacionados às tecnologias e infraestruturas, às áreas da educação e saúde, às de cidade e moradia, chegando à condução das políticas econômicas em particular e das políticas públicas em geral, alcançando a vida de indivíduos e famílias, desde países considerados de capitalismo central até aqueles de capitalismo periférico.

Com não rara frequência, assim como os debates que envolveram e ainda envolvem os processos de liberalização e neoliberalização, é possível observar um certo traço comum nas análises sobre as transformações, efeitos e características da financeirização. Tal traço, por vezes, resulta em uma separação ou até mesmo em uma insistência dicotômica, e por isso mesmo reducionista, a respeito de uma oposição entre ações do Estado e ações do mercado, ou entre Estado e processos relacionados ao mundo das finanças e da financeirização, negligenciando ou não enfatizando a capacidade que as finanças demonstraram, desde as últimas décadas, de se infiltrar e penetrar os Estados nacionais, construindo suas lógicas, instrumentos e mecanismos como elementos vitais da governança contemporânea no sentido proposto por Daniela Gabor (2020aGabor, Daniela. “Critical Macro-finance: A Theoretical Lens’”. Finance and Society, v. 6, n. 1, 2020a, pp. 45-55.; 2020bGabor, Daniela. “The Wall Street Consensus”. SocArXiv, 2020b.).

Concordamos com Manuel Aalbers (2023Aalbers, Manuel B. “State/finance symbiosis”. Urban Geography, v. 44, n. 4, 2023, pp. 796-802.) quando ele defende que é possível notar, em diversos países, o Estado criando as condições para a financeirização do setor imobiliário, da habitação e da cidade, configurando, portanto, novos processos de urbanização e, mais ainda, observando as engrenagens que acabam por introjetar a lógica e as características das finanças dentro dele próprio e de suas políticas (Gabor, 2021).

A elaboração da análise a partir dessa perspectiva, definida pela compreensão de que em diversos países o Estado desempenha um papel ativo na promoção das condições que levam à financeirização do setor imobiliário, da habitação e da cidade, coloca o desafio de se criar estratégias que adentrem e promovam análises das trajetórias históricas e concretas dos casos particulares. Aqui, tomamos aquela da relação entre Estado, habitação e finanças no Brasil.

Argumentamos que os instrumentos, mecanismos e modus operandi que caracterizam este momento histórico de dominância financeira (Paulani, 2016Paulani, Leda. “Acumulação e rentismo: resgatando a teoria da renda de Marx para pensar o capitalismo contemporâneo". Revista de Economia Política (Online), v. 36, 2016, pp. 514-35.) estão presentes também nas estratégias adotadas pelo Estado (Gabor, 2020aGabor, Daniela. “Critical Macro-finance: A Theoretical Lens’”. Finance and Society, v. 6, n. 1, 2020a, pp. 45-55.; 2020bGabor, Daniela. “The Wall Street Consensus”. SocArXiv, 2020b.) para lidar com crises econômicas, com políticas sociais (Aalbers, 2022) e, no debate aqui proposto, com a política habitacional por intermédio de seus braços institucionais, fundos públicos e/ou semipúblicos.

Neste artigo exploramos como o Estado desempenha um papel fundamental na viabilização do processo de financeirização, não apenas por seu papel tradicional como regulador e legislador, mas também como agente ativo na estruturação do mercado de títulos financeiros, na medida em que mobiliza instrumentos financeiros para alcançar seus próprios objetivos (Gabor, 2020aGabor, Daniela. “Critical Macro-finance: A Theoretical Lens’”. Finance and Society, v. 6, n. 1, 2020a, pp. 45-55.; Aalbers, 2023Aalbers, Manuel B. “State/finance symbiosis”. Urban Geography, v. 44, n. 4, 2023, pp. 796-802.). Isso significa que o Estado incorpora ativamente instrumentos financeiros como meios estratégicos para obter benefícios ou cumprir metas específicas em diversas esferas de atuação.

Retomamos, assim, as linhas gerais defendidas por Félix Adisson e Ludovic Halbert (2022Adisson, Félix; Halbert, Ludovic. “State Financialization: Permanent Austerity, Financialized Real Estate and the Politics of Public Assets in Italy”. Economy and Society, v. 51, n. 3, 2022, pp. 489-513.) quando afirmam que o papel do Estado nesse processo tem sido caracterizado como duplo e ambíguo: por um lado, associado à sua competência regulatória, oferecendo as condições para a expansão dos mercados financeiros; por outro, como principal provedor de ativos, sobretudo em contextos de acentuada privatização da propriedade pública, como também discutido em Lavinas (2018).

Diante desses enfoques, o que pretendemos analisar é como a Caixa Econômica Federal (CEF), banco público e maior provedor de financiamento para a produção e consumo da habitação no Brasil, passa a se valer de práticas e cálculos financeiros, através da securitização do imobiliário habitacional, para ampliar as políticas habitacionais. Segundo Benjamin Braun, Daniela Gabor e Marina Hübner (2018Braun, Benjamin; Gabor, Daniela; Hübner, Marina. “Governing Through Financial Markets: Towards a Critical Political Economy of the Capital Markets Union”. Competition & Change , v. 22, n. 2, 2018, pp. 101-16., p. 104, tradução nossa): “Governar é projetar e redefinir os instrumentos e mercados financeiros como instrumentos de Estado, com a pretensão de atingir os objetivos da política econômica com um custo fiscal mínimo”.

Com a finalidade de cumprir o objetivo enunciado, o presente artigo está estruturado em cinco partes, além desta introdução. A segunda parte foca as intersecções e imbricações entre o Estado e o mercado no desenvolvimento capitalista atual, dominado pelas finanças. Aqui a ideia de “governar por mercados” desenvolvida por Daniela Gabor (2022) ganha centralidade. A terceira parte apresenta os procedimentos de coleta e sistematização dos dados utilizados. A quarta parte mostra a relação entre o Estado e o mercado no desenvolvimento de instrumentos e mecanismos de securitização imobiliária no Brasil e como o Estado brasileiro tem se valido desses instrumentos e mecanismos financeiros, “típicos do mercado”, como oportunidades para promover uma política de expansão da oferta de crédito habitacional. Por fim, nas conclusões buscamos sintetizar as principais contribuições desta pesquisa para o campo dos estudos urbanos críticos e apontar possíveis caminhos e direcionamentos que ainda precisam ser enfrentados.

POLÍTICAS FINANCEIRIZADAS: O PAPEL DOS MERCADOS NA GOVERNANÇA ESTATAL

Entre as principais transformações, inovações, processos e produtos característicos do período atual, marcado pela financeirização das relações econômicas, a securitização tem sido representativa de uma lógica que se instala com força tanto na vida cotidiana quanto nas estruturas empresariais e dos Estados nacionais. Em síntese, ela é responsável por reestruturar as estratégias de gerenciamento da liquidez e do risco, dois componentes fundamentais do mundo das finanças (Braga, 1997Braga, José Carlos. “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo”. In: Tavares, Maria da Conceição; Fiori, José Luís (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242.; Chesnais, 2016Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016.), e tem possibilitado todo um novo espectro de operações originate-to-distribute e, assim, a transformação de ativos antes não negociáveis em ativos facilmente negociáveis (Braga et al., 2017Braga, José Carlos et al. “For a Political Economy of Financialization: Theory and Evidence”. Economia e Sociedade, v. 26, número especial, 2017, pp. 829-56., p. 834).

O desenvolvimento dos mercados de securitização tem representado, desde os anos 1980, um importante marco para a estruturação do sistema financeiro internacional. Essa relevância tornou-se particularmente visível a partir dos desdobramentos da crise financeira global, na primeira década do século XXI, e expôs o papel fundamental que a securitização e os diferentes instrumentos financeiros passaram a desempenhar na gestão e no funcionamento de diferentes economias nacionais.

Sob a securitização, novos títulos de dívida foram criados e passaram a ser negociados em diversos mercados a partir do empacotamento de fluxos de rendimentos periódicos e previsíveis originados, por exemplo, por financiamentos habitacionais ou dívidas corporativas. Seja perseguida pelo setor privado, seja pelo Estado, a securitização ganhou espaço como um instrumento apto a ampliar as formas de circulação da riqueza através da expansão dos mercados de crédito. Quando a atenção se volta para o desenvolvimento urbano e os sistemas nacionais de financiamento habitacional, trabalhos como os de Alan Walk e Brian Clifford (2015) e Kevin Gotham (2009Gotham, Kevin Fox. “Creating Liquidity Out of Spatial Fixity: The Secondary Circuit of Capital and the Subprime Mortgage Crisis”. International Journal of Urban and Regional Research , v. 33, n. 2, 2009, pp. 355-71.) salientam que compreender a evolução histórica e a política da securitização oferece importantes insights sobre como as formas de governança urbana e as políticas habitacionais têm reforçado, desde a década de 1980, consensos em torno da propriedade privada, da mercantilização da habitação do crescente endividamento das famílias e da expansão do crédito à habitação através dos mercados de capitais. Objetivamente, as implicações dessas ações, assentadas no ideário que advoga a eliminação dos direitos sociais antes garantidos pelo Estado, passam a condicionar não apenas as funções privadas, mas também as públicas, por meio de tecnologias baseadas no mercado, preços, gestão e princípios contábeis.

Redefinem-se, assim, as estruturas legais e regulatórias anteriores, elaboradas sobre bases e princípios de proteção social mais ou menos extensos, e as noções afeitas a uma financeirização do Estado (Adisson; Halbert, 2022Adisson, Félix; Halbert, Ludovic. “State Financialization: Permanent Austerity, Financialized Real Estate and the Politics of Public Assets in Italy”. Economy and Society, v. 51, n. 3, 2022, pp. 489-513.), ou a uma financeirização das políticas sociais (Lavinas, 2018; Brettas, 2020Brettas, Tatiana. Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.), ganham especial importância. As políticas sociais são construídas e concebidas como veículo político e econômico para a implementação do ideário neoliberal, disciplinando agentes públicos e privados no amálgama da desregulamentação das finanças e do financiamento sob o domínio exclusivo dos mercados.

É através dessas vias específicas que os mercados financeiros se tornam progressivamente parte integrante dos mecanismos pelos quais o Estado governa a vida econômica e social. Esta dinâmica não apenas passa a moldar os mercados, mas também influencia diretamente as estratégias econômicas dos Estados (Christophers, 2022Christophers, Brett. “The Role of the State in the Transfer of Value from Main Street to Wall Street: us Single-Family Housing after the Financial Crisis". Antipode, v. 54, n. 1, 2022, pp. 130-52.; Gabor, 2020aGabor, Daniela. “Critical Macro-finance: A Theoretical Lens’”. Finance and Society, v. 6, n. 1, 2020a, pp. 45-55.). Os Estados, assim, longe de serem reguladores externos dos mercados financeiros, são moldados e condicionados por eles em suas próprias ações na co-construção de políticas sociais e econômicas, revelando uma complexa teia de interações que alcançam até mesmo a concepção das políticas sociais.

No caso da política habitacional, a participação do Estado no mercado se dá (ao menos formalmente) tanto pela reestruturação das formas tradicionais de financiamento habitacional, criando maneiras de integrar usuários/beneficiários das políticas aos sistemas bancários e creditícios e intensificando a difusão do mercado de empréstimos securitizados (Aalbers, 2012Aalbers, Manuel. (org.). Subprime Cities: The Political Economy of Mortgage Markets. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012.), quanto pela adoção de novas formas de governança. Essas novas estratégias envolvem não apenas ações diretas dos agentes públicos por meio dos mercados financeiros, visando influenciar e moldar o comportamento desses mercados em relação à habitação, mas também o patrocínio ativo do Estado no desenvolvimento desses mercados, muitas vezes através de suas agências especializadas. Assim, afastando-se de qualquer interpretação que possa sugerir uma dicotomia entre Estados e mercados, o que se tem em vista nesta pesquisa é identificar quando, onde e como o Estado capitalista intervém, faz-se presente e é conduzido por tais políticas (Ward et al., 2020Ward, Callun; Brill, Frances; Raco, Mike. “State Capitalism, Capitalist Statism: Sovereign Wealth Funds and the Geopolitics of London’s Real Estate Market”. Environment and Planning A: Economy and Space , v. 55, n. 3, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1177/0308518X221102157 >. Acesso em: 27/2/2024.
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). Não se trata de uma corroboração baseada na suposição de que o avanço da política neoliberal levaria à redução do papel do Estado. Trata-se, de fato e principalmente, do oposto: de analisar a multiplicidade de movimentos e “emaranhados” que podem envolver essa complexa relação entre Estado e mercados ou, mais precisamente, Estado e financeirização, via a crescente prevalência das motivações financeiras na esteira e no campo de ação das instituições e políticas públicas.

No Brasil, por exemplo, há de se considerar que, desde o fim dos anos de 1990, o sistema de financiamento habitacional tem sido pautado não só por iniciativas institucionais que buscam esvaziar o conceito de habitação como um direito básico. Mesmo com o fomento de mercados e mecanismos novos de financiamento privado como soluções para os supostos problemas habitacionais (Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.) - o que leva ao aprofundamento de condições que ressaltam o caráter de mercadoria e de ativo financeiro da habitação (Aalbers, 2008Aalbers, Manuel. “The Financialization of Home and the Mortgage Market Crisis”. Competition & Change, v. 12, n. 2, 2008, pp. 148-66.; Rolnik, 2015Rolnik, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finança. São Paulo: Boitempo , 2015.) -, é possível observar também o empenho de instrumentos de securitização por parte da principal instituição pública de financiamento da habitação.

Essa é a perspectiva aqui adotada para a análise das condições com as quais vem sendo introduzida, na política habitacional brasileira, uma estrutura regulamentar ancorada em práticas que buscam a produção de liquidez de ativos imobiliários.

Trabalhos recentes têm reiterado o peso dessas transformações na forma como o mercado de securitização passou a agir nas operações de financiamento habitacional (Abreu, 2019Abreu, Marlon Altavini de. “O mercado habitacional confiscado pelas finanças: uma análise a partir dos Certificados de Recebíveis Imobiliários”. In: Shimbo, Lucia; Rufino, Beatriz (orgs.). Financeirização e estudos urbanos na América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019, pp. 233-59.; Melazzo et al., 2021Melazzo, Everaldo Santos; Abreu, Marlon A. de; Barcella, Bruno Leonardo, Ferreira, João Vitor. “Securitization of Housing and Financialization of the City in Brazil”. Mercator, n. 20, 2021.). Esses trabalhos contextualizam o conjunto de normas e regulamentos criados desde o fim da década de 1990 para promover a estruturação de mercados mais líquidos, e se baseiam na circulação de títulos mobiliários seguros (Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.). Mas não apenas isso. Trabalhos como os de Luciana Royer (2009)Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009. e Marlon de Abreu et al. (2020Abreu, Marlon Altavini de; Melazzo, Everaldo Santos; Ferreira, João Vitor de Souza. “Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil”. Confins, n. 47, 2020, pp. 1-16.) demonstraram como o Estado brasileiro tem se valido de parte de seus fundos e agências para dinamizar esses mercados.

O que tem sido menos enfatizado é como o Estado brasileiro tem aproveitado os mercados financeiros para impulsionar uma política de expansão do crédito habitacional, ampliando nossa compreensão da relação entre Estado e finanças, bem como entre Estado e mercado. Os mercados financeiros se adaptam à estrutura legal proposta e adaptada pelo próprio Estado, enquanto este, por sua vez, absorve e incorpora os pressupostos e modelos financeiros dos mercados em suas práticas cotidianas e na formulação de políticas sociais.

AS INTER-RELAÇÕES ENTRE O FINANCIAMENTO E A FINANCEIRIZAÇÃO: A SECURITIZAÇÃO COMO ELO DE LIGAÇÃO

Não é incomum certa confusão entre as definições de financiamento e financeirização, a qual muitas vezes leva a interpretações equivocadas. Essa ambiguidade ou imprecisão terminológica tende a turvar a compreensão dos processos em questão.

O financiamento pode ser visto como a operação tradicional das instituições bancárias e representa uma das finalidades originais e fundamentais do setor financeiro. Essa operação envolve a oferta de recursos monetários por instituições e agentes econômicos (famílias, indivíduos etc.) com a finalidade exclusiva de aplicação em transações comerciais específicas (Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.). Essas transações podem abranger, entre outras operações, compra de equipamentos, aquisição de imóveis comerciais, construção de instalações produtivas, ou aquisição de habitações por famílias ou indivíduos (Sandroni, 2016Sandroni, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 3ª ed. São Paulo: Best Seller, 2016.). Em tais operações, a rentabilidade das instituições bancárias (credoras) decorre da cobrança de juros aplicados sobre o montante disponibilizado ao tomador do financiamento (o devedor).

Já a financeirização, de forma genérica, refere-se ao “crescente domínio de atores financeiros, mercados, práticas, medições e narrativas em várias escalas, resultando em uma transformação estrutural de economias, empresas (incluindo instituições financeiras), estados e famílias” (Aalbers, 2012Aalbers, Manuel. (org.). Subprime Cities: The Political Economy of Mortgage Markets. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012., p. 2). A financeirização é um processo de natureza mais abrangente que define um novo paradigma na organização da acumulação econômica (Lapavitsas, 2013Lapavitsas, Costas. Profiting Without Producing: How Finance Exploits All of Us. Londres: Verso, 2013.; Chesnais, 2016Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016.).

Contudo, embora sejam distintos, o financiamento e a financeirização estão intrinsecamente conectados e influenciam um ao outro. É fundamental tanto evitar confundir esses dois termos quanto compreender os elementos e técnicas que permeiam sua inter-relação. Na análise deste texto, o elo que viabiliza essa interconexão é a securitização e, de acordo com Bruno Barcella (2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.), a securitização, mais do que uma das portas de entrada do processo de financeirização, cria os elos fundamentais que permitem a inter-relação entre o financiamento e a financeirização (Braga, 1997Braga, José Carlos. “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo”. In: Tavares, Maria da Conceição; Fiori, José Luís (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242.; Chesnais, 2016Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016.). Essa inter-relação se expressa no alargamento das funções do setor financeiro, que deixa de ser apenas um emissor de crédito e passa a ocupar um lugar central nas operações de estruturação de títulos financeiros. O organograma da Figura 1 representa as fases e pontos que definem a inter-relação entre o financiamento e a financeirização, destacando a securitização como o instrumento que estabelece os canais de comunicação que convergem e determinam as duas esferas.

FIGURA 1
Convergência entre o financiamento e a financeirização

O financiamento se baseia na captação de recursos (poupanças privadas das famílias ou de outras fontes) para estabelecer linhas de crédito disponíveis no mercado. Esses créditos resultam em fluxos contínuos de recebíveis acrescentados de juros (Momento I). A securitização, por sua vez, é uma técnica que reúne esses fluxos de recebíveis originados no processo de financiamento e os transforma em ativos financeiros negociáveis no mercado de capitais (Momento II). Esse processo, conhecido como originate-to-distribute (Chesnais, 2016Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016.), é bem documentado por autores como Braga (1997Braga, José Carlos. “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo”. In: Tavares, Maria da Conceição; Fiori, José Luís (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242.), Paiva (2007) e Chesnais (2016)Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016. (MomentoII). Os ativos financeiros, agora negociáveis, passam a alimentar um circuito financeiro de acumulação que desempenha um papel cada vez mais central no processo global de acumulação. Este circuito financeiro possui dinâmicas, fluxos e agentes específicos em sua composição (MomentoIII).

Nesse contexto, o processo de financeirização se materializa através da adoção de estratégias e abordagens que permitem a captura e integração das engrenagens de diversos circuitos de crédito, inclusive os relativos aos financiamentos imobiliários, com os mercados de capitais. Assim, no cenário atual, mesmo os bancos considerados “tradicionais” passam a expandir suas atividades para englobar a gestão de ativos e a negociação das expectativas de rentabilidade associadas à comercialização desses ativos. Essa transformação é descrita por autores como Braga (1997Braga, José Carlos. “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo”. In: Tavares, Maria da Conceição; Fiori, José Luís (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242.) e Braga et al. (2017Braga, José Carlos et al. “For a Political Economy of Financialization: Theory and Evidence”. Economia e Sociedade, v. 26, número especial, 2017, pp. 829-56.).

Determinar as convergências e inter-relações entre o financiamento imobiliário e a financeirização da habitação evidencia características gerais importantes que moldam o mercado de ativos securitizados (Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.). Estes, sem sombra de dúvida, são mercados que ganham destaque na concepção de novos sistemas de financiamento habitacional em todo o mundo e passam a constituir uma parcela significativa das operações bancárias contemporâneas (Lapavitsas, 2013Lapavitsas, Costas. Profiting Without Producing: How Finance Exploits All of Us. Londres: Verso, 2013.).

De acordo com a análise de Costa (2014Costa, Fernando Nogueira. Brasil dos bancos. São Paulo: Edusp, 2014.), a securitização se configura como um desafio complexo e essencial para os bancos comerciais tradicionais, principalmente quando se observa sua aplicação nos bancos brasileiros, caso de estudo do autor. O desafio fundamental ao longo desse percurso, segundo ele, reside precisamente na gestão da transformação da lógica e da estrutura dos mecanismos responsáveis pela transição do tradicional papel de provedor de financiamento, baseado em fundos de poupanças particulares, para a lógica financeirizada, com a “junção dessas ‘economias’ (a de endividamento e a de mercado de capitais) via securitização” (Costa, 2013, p. 454).

Dessa maneira, podemos entender a securitização como o técnica financeira que possibilita a transição de uma abordagem de ganhos centrada na obtenção de receitas através de juros provenientes do fluxo constante de pagamento de contratos de crédito/financiamento para uma lógica de rendimentos financeiros vinculados a projeções de pagamentos e fluxos futuros associados a taxas, indicadores e índices de remuneração sobre o capital investido em determinado lastro, no caso aqui em análise, a propriedade imobiliária/habitacional. A securitização ou, para sermos mais precisos, a técnica utilizada nos processos de formação de ativos securitizados envolve de maneira invariável a participação proeminente de uma instituição financeira no fornecimento de crédito no mercado, sendo necessário ter em conta que “apenas alguns dos maiores bancos originam um número suficiente de hipotecas para fazer isso” (Chesnais, 2016Chesnais, François. Finance Capital Today: Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. Boston: Brill, 2016., p. 210, tradução nossa).

Portanto, é possível considerar a CEF um exemplo emblemático da operacionalização dessa interconexão entre financiamento e financeirização via securitização, pois, como será demonstrado adiante, trata-se da principal instituição financeira ofertante de financiamento imobiliário/habitacional no Brasil. Além disso, após 2011, a CEF passou a desempenhar um papel significativo no mercado de títulos financeiros lastreados em sua carteira de recebíveis de dívidas imobiliárias.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para compreender as crescentes interdependências entre as políticas públicas e o processo de financeirização, o presente artigo vale-se de uma meticulosa análise documental que integrou desde as emissões de títulos securitizados registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma entidade pública autônoma subordinada ao Ministério da Economia, até um conjunto amplo de circulares e manuais regulamentares que definem os princípios, as condutas e as estratégias financeiras adotados pela CEF e pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

A análise desses documentos foi conduzida por meio de um encadeamento sequencial de ações, assemelhando-se à montagem de um quebra-cabeça. Buscou compor cuidadosamente um panorama abrangente que capturasse os fundamentos, motivações e aspectos legais subjacentes às ações dessas instituições. O presente item tem como objetivo descrever essas diferentes etapas e contextualizar os desafios, dificuldades e achados de pesquisa provenientes dessas bases de informações.

O ponto de partida foi fornecido pela análise das emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIS) realizadas pela CEF entre 2011 e 2016. A partir da análise desses documentos foi possível constituir as bases para interpretar como o processo de securitização abriu um campo instrumental útil para a construção de novas formas de captação de recursos voltados para o financiamento imobiliário no período citado.

Os desafios de pesquisa para a coleta de dados dessa fonte de informações estão relacionados à falta de um sistema abrangente que descreva detalhadamente as particularidades de cada emissão. O aprofundamento do conhecimento sobre os imóveis envolvidos nessas transações é tarefa complexa, seja pela disponibilidade limitada de informações, seja pelo fato de a identificação dos agentes envolvidos nessas operações requerer uma análise meticulosa e individual de cada emissão.

A pesquisa se baseou em um banco de dados que vem sendo cuidadosamente construído e atualizado desde 2016 e contém registros de todas as emissões negociadas na CVM.1 1 Tabela CRIS. Disponível em: <https://docs.google.com/spreadsheets/d/1960RZHAAjPBVbbeh0lhFFfMV2Yj3TEsP/edit?usp=sharing&ouid=111670054544106159 695&rtpof=true&sd=true>. Acesso em: 8/3/2024. Focamos especificamente oito títulos emitidos pela CEF entre 2011 e 2016. Essas emissões representaram, nesse período, uma parcela significativa dos títulos lastreados em operações de financiamento imobiliário residencial, como demonstrado em pesquisas anteriores (Abreu, 2019Abreu, Marlon Altavini de. “O mercado habitacional confiscado pelas finanças: uma análise a partir dos Certificados de Recebíveis Imobiliários”. In: Shimbo, Lucia; Rufino, Beatriz (orgs.). Financeirização e estudos urbanos na América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019, pp. 233-59.; Melazzo et al., 2021Melazzo, Everaldo Santos; Abreu, Marlon A. de; Barcella, Bruno Leonardo, Ferreira, João Vitor. “Securitization of Housing and Financialization of the City in Brazil”. Mercator, n. 20, 2021. Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023., entre outros).

Os procedimentos de coleta e sistematização desses documentos seguiram uma sequência de etapas. Primeiro, foram identificados na base de dados os títulos associados à CEF. Em seguida, todos os termos de securitização foram reunidos e analisados. É válido ressaltar que esses documentos permanecem disponíveis para acesso durante todo o período de sua vigência de operação nos sites das Companhias de Securitização, responsáveis pela estruturação dos ativos, proporcionando amplo acesso a quem desejar consultá-los.

Com os documentos em mãos, a pesquisa utilizou as informações relativas aos montantes negociáveis e aos tipos de empreendimentos que originaram as operações, sendo as operações em análise exclusivamente relacionadas a créditos correspondentes aos saldos de contratos de financiamentos imobiliários feitos com a finalidade de compra ou reforma de unidade habitacional, dentro dos moldes do Sistema de Financiamento Habitacional (SFH).

As informações oferecidas por esses dados revelam consistentemente que a CEF se utilizou dos CRIS para descarregar sua carteira de financiamentos imobiliários via securitização e, assim, antecipar seus retornos. Caberia, dadas essas evidências, compreender sob quais condições e finalidade o banco passa a adotar essa estratégia.

É diante dessas evidências e novas questões que a pesquisa se voltou para a análise das circulares emitidas entre 2010 e 20162 2 Foram analisadas as circulares n. 725 (2016), n. 671 (2015), n. 553 (2011), n. 552 (2011) e n. 527 (2010), todas disponíveis em: <https://www.caixa.gov.br/site/paginas/downloads.aspx>. Acesso em: 8/3/2024. e do manual para a emissão de CRIS pela CEF e compra desses mesmos ativos pelo FGTS, seu principal investidor. Essa etapa foi fundamental para a montagem do quebra-cabeça.

A análise desses manuais e circulares foi movida pelas seguintes questões fundamentais: 1) como as condições estabelecidas pelo FGTS para a aquisição de CRIS afetaram a dinâmica do mercado de títulos lastreados em créditos imobiliários; 2) em que medida a obrigatoriedade de aplicação dos recursos obtidos pelos originadores de crédito em novos financiamentos habitacionais, dentro dos limites do SFH, influenciou as estratégias das instituições envolvidas; 3) como as diretrizes do FGTS se alinharam às políticas habitacionais estabelecidas e contribuíram para o desenvolvimento do mercado imobiliário; 4) como as diretrizes estabelecidas nos manuais e circulares do FGTS fomentaram a sinergia entre as operações da CEF e os objetivos do FGTS na promoção do desenvolvimento do setor imobiliário; 5) de que forma os instrumentos financeiros passaram a sugerir uma nova roupagem para as políticas habitacionais por meio da interligação entre a CEF e o FGTS?

Essas questões nortearam nossa investigação e nos permitiram compreender as imbricações das regulamentações e estratégias adotadas pelas instituições estatais no mercado de CRIS e na promoção da habitação.

Como veremos adiante, por exemplo, os manuais de aquisição do FGTS definem como condição básica para a aquisição de CRIS que os títulos dos créditos imobiliários utilizados como lastro estejam vinculados a imóveis concluídos, em produção ou na planta. Assim, eles contribuem para o desenvolvimento do mercado secundário de títulos e ampliam o número de agentes que atuam com recursos do FGTS, viabilizando a concessão de novos financiamentos habitacionais.

Os manuais definem que os créditos imobiliários a serem utilizados como lastro para os CRI devem referir-se a contratos de financiamento ou compromissos de compra e venda de operações para aquisição de imóveis residenciais cujas condições de financiamento e avaliação se enquadrem nas condições do SFH. Estabelecem, adicionalmente, a obrigatoriedade de os recursos obtidos pelos originadores desses créditos serem aplicados em novos financiamentos habitacionais, dentro dos limites do SFH.

Portanto, por meio dessas diretrizes, é possível constatar os meandros das novas estratégias de captação de fundos e recursos voltados para a oferta de novos financiamentos imobiliários que atendam ao desenho da política habitacional. Ao definirem critérios específicos para a aquisição de CRIS vinculados a imóveis em diversas fases de desenvolvimento, elas buscam expandir o mercado secundário de títulos e atrair um maior número de agentes que operam com recursos do FGTS. Além disso, ao estabelecer que os créditos imobiliários utilizados como lastro para CRIS devem se referir a contratos de financiamento ou compromissos de compra e venda de operações para aquisição de imóveis residenciais que se enquadram nas condições do SFH, essas diretrizes promoveram um alinhamento com as políticas habitacionais estabelecidas. A obrigatoriedade de aplicar os recursos obtidos pelos originadores de crédito que lastreiam os CRIS em novos financiamentos habitacionais, dentro dos limites do sfh, demonstra a intenção de direcionar os recursos a serem obtidos para a produção e o consumo da habitação.

Dessa forma, as análises documentais desses instrumentos regulatórios revelaram a habilidade das instituições governamentais em moldar um arranjo regulatório estratégico com o objetivo de facilitar a integração de recursos via instrumentos financeiros e promover o desenvolvimento do mercado imobiliário, aproveitando as oportunidades proporcionadas pelo contexto econômico e apoiando-se nas diretrizes gerais do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).

ESTADO, FINANÇAS E PRODUÇÃO HABITACIONAL NO BRASIL

O Estado brasileiro possui uma trajetória ativa como garantidor das condições gerais de funcionamento do setor imobiliário nacional. No exercício desse papel, parte das funções imputadas às instâncias governamentais definem as bases legais e estabelecem as “regras do jogo” para a consolidação de um ambiente jurídico-normativo favorável à dinâmica de acumulação no interior do setor imobiliário.

Adicionalmente (e em consonância com a trajetória histórica de uma economia periférica e dependente), cabe acrescentar o papel particular cumprido pelo Estado por meio de suas instituições financeiras e recursos orçamentários para viabilizar a manutenção de um mercado nacional de financiamento imobiliário, campo jamais assumido pelo setor privado. Tal particularidade revela-se pela importância assumida pela CEF na oferta de financiamentos imobiliários e pelos fundos públicos e semipúblicos que compõem a engenharia financeira que modela o funding habitacional brasileiro. É a articulação dessas duas frentes que coloca o Estado como “peça-chave do jogo”.

No Brasil, o financiamento de longo prazo para a produção imobiliária e habitacional apresenta uma trajetória histórica cujas bases estão pautadas na recuperação de custos de financiamento via desonerações e subsídios por meio de contribuições de fundos e instituições públicas (Costa, 2014Costa, Fernando Nogueira. Brasil dos bancos. São Paulo: Edusp, 2014.). No modelo de financiamento consolidado no Brasil, o Estado desempenha historicamente um papel crucial na operação da transferência de valor de fundos manejados pelo setor público para alimentar os setores responsáveis pela produção material do espaço (Klink, 2020Klink, Jeroen. Metropolis, Money and Markets: Brazilian Urban Financialization in Times of Re-Emerging Global Finance. Londres: Routledge, 2020.). Esses fundos são um conjunto de recursos à disposição do Estado para intervir na economia e no fomento de políticas públicas.

Essa feição, no que se refere à produção imobiliária e habitacional, pode ter seu início datado no desenrolar da segunda metade do século XX. É nesse período que o país implementou, pela primeira vez, um sistema de financiamento habitacional que, se não resolveu os problemas de habitação, levou à criação de um mercado privado da habitação em larga escala.

É a partir da segunda metade dos anos 1960 que ocorre no Brasil a primeira implementação de um sistema de crédito robusto capaz de viabilizar uma engenharia institucional financeira suficiente para intermediar a produção e o consumo habitacional em nível nacional. Tal engenharia teve, e ainda tem, como principais viabilizadores o Estado e suas instituições financeiras (Melo, 1990Melo, Mauricio. “Regimes de acumulação, Estado e articulação de interesses na produção do espaço construído (Brasil, 1940-1988)". In: Valladares, Licia; Preteceille, Edmon (coord.). Reestruturação urbana: tendências e desafios. São Paulo: Nobel; Rio de Janeiro: Iuperj. (Coleção Espaços), 1990.; Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.; Rolnik, 2015Rolnik, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finança. São Paulo: Boitempo , 2015.; Sanfelici, 2020Sanfelici, Daniel de Melo. “La industria financiera y los fondos inmobiliarios en Brasil: lógicas de inversión y dinámicas territoriales". Economía Sociedad y Territorio, v. 17, n. 54, 2020, pp. 367-87.; Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.).

Foi no início do primeiro governo da ditadura militar que se criou o Banco Nacional da Habitação (BNH). Essa instituição era responsável por gerir os recursos financeiros do SFH, que possuía a capacidade de alocar os recursos coletados das cadernetas de poupança - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) - e do FGTS, constituindo o histórico funding habitacional brasileiro (Melo, 1990Melo, Mauricio. “Regimes de acumulação, Estado e articulação de interesses na produção do espaço construído (Brasil, 1940-1988)". In: Valladares, Licia; Preteceille, Edmon (coord.). Reestruturação urbana: tendências e desafios. São Paulo: Nobel; Rio de Janeiro: Iuperj. (Coleção Espaços), 1990.; Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.; Rolnik, 2015Rolnik, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finança. São Paulo: Boitempo , 2015.; Klink, 2020Klink, Jeroen. Metropolis, Money and Markets: Brazilian Urban Financialization in Times of Re-Emerging Global Finance. Londres: Routledge, 2020.; Sanfelici, 2020Sanfelici, Daniel de Melo. “La industria financiera y los fondos inmobiliarios en Brasil: lógicas de inversión y dinámicas territoriales". Economía Sociedad y Territorio, v. 17, n. 54, 2020, pp. 367-87.).

Com a constituição do marco regulatório do SFI, em 1997, através da lei n. 9.514, a década de 1990 se torna um ponto de inflexão nessa trajetória: ocorre a reestruturação do Estado em face do desenvolvimento dos circuitos de financiamento imobiliário e habitacional no Brasil. Com a pretensão de substituir a estrutura implementada anteriormente, esse marco encampa princípios de um ajuste fiscal permanente que prevê a formação de mercados líquidos de ativos e uma participação dos capitais privados por intermédio do mercado de capitais.

Trata-se de uma mudança qualitativa, expressa pelo avanço do processo de neoliberalização (Brandão, 2019Brandão, Carlos. “Mudanças produtivas e econômicas e reconfiguração territorial no Brasil no início do século XXI”. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 21, n. 2, 2019, pp. 258-79.; Klink, 2020Klink, Jeroen. Metropolis, Money and Markets: Brazilian Urban Financialization in Times of Re-Emerging Global Finance. Londres: Routledge, 2020.), que apresenta importantes e expressivos resultados, principalmente na dimensão econômica articulada com a financeirização da economia (Braga, 1997Braga, José Carlos. “Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo”. In: Tavares, Maria da Conceição; Fiori, José Luís (orgs.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 195-242.; 2009; Paulani, 2016Paulani, Leda. “Acumulação e rentismo: resgatando a teoria da renda de Marx para pensar o capitalismo contemporâneo". Revista de Economia Política (Online), v. 36, 2016, pp. 514-35.); esta, por sua vez, articula-se ao aumento da bancarização e da oferta de crédito ao consumo e à produção, especialmente o securitizado (Contel, 2020Contel, Fábio B. The Financialization of the Brazilian Territory: From Global Forces to Local Dynamisms. Berlim: Springer International Publishers, 2020.).

O desencadear das medidas de liberalização e desregulamentação financeira possibilitou, de um lado, a formatação de novos agentes que passaram a atuar nesses mercados, tais como fundos de pensão, seguradoras e fundos imobiliários, e, de outro, o desenvolvimento de novos produtos e instrumentos, que passaram a exercer uma importante função na produção e no comando do mercado imobiliário - um exemplo desses produtos são os CRIS.

Entretanto, nada disso seria possível sem a participação ativa do Estado. Mesmo nesse cenário em que se buscou dar maior papel e centralidade ao capital financeiro privado, via instrumentos de securitização, o Estado e suas instituições continuaram a se fazer presentes de forma primordial na viabilização do financiamento de longo prazo para a produção do ambiente construído em geral e da habitação em particular.

Longe de se tornar mínimo, o Estado precisou demonstrar força e robustez suficiente para implementar essas mudanças e sustentá-las. Isso se revelou através da ação da CEF, instituição que já havia herdado o funding imobiliário e habitacional brasileiro após a extinção do BNH em 1986 e que passou a ter papel ativo na criação e estruturação dos mercados privados de crédito habitacional, com o uso sistemático da securitização (Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.).

A centralidade do Estado brasileiro, via CEF, no conjunto do crédito imobiliário brasileiro, é emblemática, principalmente quando são observados os patamares operacionalizados por esse agente em comparação com as demais instituições financeiras atuantes no Brasil. A análise da participação da CEF no total dos estoques de financiamento imobiliário entre 1995 e 2022 oferece elementos que possibilitam destacar a trajetória recente de seu aumento, e a ascensão da produção e do consumo imobiliários é caracterizada pela centralização do crédito imobiliário na CEF, ou seja, no Estado via fundo público.

É possível identificar, pelo Gráfico 1, a trajetória histórica do estoque dos volumes em reais (R$) referentes ao financiamento imobiliário brasileiro entre 1995 e 2022, segmentado pelos altos volumes operacionalizados pela CEF em comparação com aqueles de todos os demais agentes somados.

GRÁFICO 1
Brasil: estoque de financiamentos imobiliários (1995-2022)

Após uma intensa queda entre 1995 e 2002, observa-se uma trajetória em notória expansão nos financiamentos imobiliários a partir de 2003. Desse ano até 2022 houve um aumento dos estoques de financiamento em 987%, com a clara recondução das funções da CEF como principal banco de fomento de políticas habitacionais, através de seus financiamentos.

A partir de 2005, os volumes em estoque apresentaram uma evolução gradual e consistente. Esse avanço deve ser lido em consonância com a importância que o setor imobiliário passa a assumir no modelo de desenvolvimento adotado pelo regime desenvolvimentista social da administração do Partido dos Trabalhadores (PT) até 2015-16 (Klink, 2020Klink, Jeroen. Metropolis, Money and Markets: Brazilian Urban Financialization in Times of Re-Emerging Global Finance. Londres: Routledge, 2020.).

Em termos de volume, a participação da CEF no estoque de financiamento imobiliário é sempre superior a 60% até o início da década de 2000. A partir daí, ela passa a patamares de 70%: por exemplo, entre 2010 e 2020 esses números variaram entre 70% e 72%; nos demais, entre 64% e 69%. Foi a partir do aumento do crédito imobiliário ofertado pela CEF que o setor imobiliário encontrou as linhas de crédito necessárias para a sua expansão, ensejando ainda um conjunto de outras transformações, como será visto adiante.

Não há, portanto, qualquer possibilidade de referência a um Estado que diminui seu papel ou, ainda, a um Estado mínimo, como sugeria o debate que advogava a criação do SFI nos anos anteriores a 1997 (Royer, 2009Royer, Luciana. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.). Pelo contrário, como é possível minimizar a força do Estado diante de sua capacidade de envolver um aparato institucional e mobilizar os recursos necessários para a organização, condução e dinamização do setor?

Porém, mais que seu papel na mobilização dos recursos e na disponibilização dos volumes de crédito vistos para os financiamentos, é notável a mobilização de tais recursos no sentido de lançar mão, de maneira articulada, dos instrumentos e mecanismos próprios das finanças de maneira inédita no campo da política habitacional, naquilo que Tatiana Brettas (2020Brettas, Tatiana. Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.) denomina financeirização das políticas sociais. O que se apresenta como novidade são as próprias estratégias e papéis que as instituições estatais passaram a desempenhar a partir do início da década de 2000, como fica evidente, por exemplo, com as autorizações conferidas ao FGTS para a aquisição de CRIS. Para além do clássico papel de regulador, legislador e modelador do ambiente regulatório por meio da CEF. Portanto, o que se desenhou foi uma paulatina aproximação entre as instituições estatais (no caso a CEF) e o fundo sob seu controle (no caso o FGTS) com os instrumentos, mecanismos e lógicas financeiras que passaram a compor o cenário econômico e permear os caminhos que o mercado imobiliário e habitacional brasileiro percorria (Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.).

Portanto, trata-se de um movimento em que o Estado passa a aplicar técnicas e utilizar instrumentos financeiros como forma de garantir e gerenciar taxas de juros, diminuição de riscos e aumento da capacidade de composição de fundos, incorporando assim a financeirização em seu modo de operação (Gabor, 2020aGabor, Daniela. “Critical Macro-finance: A Theoretical Lens’”. Finance and Society, v. 6, n. 1, 2020a, pp. 45-55.; 2020bGabor, Daniela. “The Wall Street Consensus”. SocArXiv, 2020b.) - o que Manuel Aalbers (2023Aalbers, Manuel B. “State/finance symbiosis”. Urban Geography, v. 44, n. 4, 2023, pp. 796-802.) passou a chamar de um “aproveitar as oportunidades”.

Essa articulação entre instituições, fundos estatais e mercado de títulos financeiros imobiliários impulsionou a expansão do mercado imobiliário no Brasil (Royer, 2016Royer, Luciana. “O FGTS e o mercado de títulos de base imobiliária: relações e tendências", Cadernos Metrópole, v. 18, n. 35, 2016, pp. 33-51.; Melazzo et al., 2021Melazzo, Everaldo Santos; Abreu, Marlon A. de; Barcella, Bruno Leonardo, Ferreira, João Vitor. “Securitization of Housing and Financialization of the City in Brazil”. Mercator, n. 20, 2021.). Os fundos controlados pelo Estado (Oliveira, 2003Oliveira, Francisco de. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. ; 2013Oliveira, Francisco de. “O Estado e o urbano no Brasil”. In: Barros, Joana; Da Silva, Evanildo B. e Duarte, Lívia (orgs.). Cadernos de Debates 2: Cidades e conflitos: o urbano na produção do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Solidariedade e Educação, 2013, pp. 47-68.) tornaram-se elementos fundamentais no mercado de capitais emergente (Klink, 2020Klink, Jeroen. Metropolis, Money and Markets: Brazilian Urban Financialization in Times of Re-Emerging Global Finance. Londres: Routledge, 2020.). Nesse contexto, é necessário investigar as razões e os meios pelos quais dispositivos financeiros e institucionais emergentes, narrativas e arranjos do Estado moldaram a contínua reformulação e reestruturação do ambiente regulatório financeiro, estabelecendo inter-relações entre o Estado, as finanças e a produção habitacional.

DE AGENTE CENTRAL NO FINANCIAMENTO HABITACIONAL A AGENTE ESTRUTURADOR DA FINANCEIRIZAÇÃO DO IMOBILIÁRIO: CEF E O MERCADO DE TÍTULOS DE DÍVIDAS IMOBILIÁRIAS NO BRASIL

Como será detalhado adiante, a posição privilegiada que ocupa a CEF nas emissões de títulos securitizados, nos anos sob análise, evidenciam a relevância histórica que essa instituição assumiu na trajetória da política habitacional e no gerenciamento de recursos destinados para o financiamento habitacional no Brasil. Essas heranças não podem ser desconsideradas em face da maior permeabilidade com que, atualmente, diferentes práticas financeiras passaram a orientar uma parte importante dos instrumentos das políticas habitacionais no Brasil.

Desde a definição de uma nova instrumentalização para o financiamento da habitação no Brasil com a formação do SFI em 1997, o mercado de crédito imobiliário passou por profundas transformações, dentre as quais a securitização de ativos imobiliários é uma das de maior destaque.

O processo de securitização de ativos imobiliários, representado no Brasil pela figura do cri, deve ser percebido, assim, como uma inovação que acompanhou um conjunto de outras reformas cuja premissa elementar repousava sobre a modelagem de um sistema de financiamento baseado num ambiente institucional pretensamente capaz de promover segurança e dar garantias à captação e ao acesso de recursos via mercado de capitais.

Passadas pouco mais de duas décadas desde a regulamentação do SFI, não são pequenas as mudanças, adaptações e aperfeiçoamentos encaminhados pelo mercado de securitização na oferta e direcionamento de recursos financeiros voltados para a produção e o consumo da habitação. Essas mudanças respondem, por um lado, às demandas próprias do mercado por segurança e liquidez dos ativos, estabelecendo regras e mecanismos que garantam a manutenção do fluxo de pagamentos que lastreiam as operações. Por outro lado, elas traduzem a importância política que esses títulos adquirem por sua capacidade de ampliar o acesso ao crédito voltado para aquisição e construção de unidades habitacionais em um contexto de profundas imbricações entre a política habitacional e a política econômica do Estado (Abreu, 2019Abreu, Marlon Altavini de. “O mercado habitacional confiscado pelas finanças: uma análise a partir dos Certificados de Recebíveis Imobiliários”. In: Shimbo, Lucia; Rufino, Beatriz (orgs.). Financeirização e estudos urbanos na América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019, pp. 233-59.; Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.).

Como argumenta Costa (2014Costa, Fernando Nogueira. Brasil dos bancos. São Paulo: Edusp, 2014.), desde 2003 a CEF encaminha profundas transformações na condução estratégica do banco. São mudanças que visam recuperar a importante função social da instituição na oferta de crédito acessível à população de mais baixa renda para a compra da casa própria, em compasso com a estruturação de operações que fossem capazes de expandir as bases de captação de recursos no mercado, ampliando a influência da CEF nos segmentos de renda média.

Dentre os mecanismos que ganharam importância nessa nova estratégia, as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e os CRIS, estes últimos objetos de nossa análise, figuram como os principais instrumentos financeiros voltados para a oferta de financiamentos habitacionais para os segmentos de renda média. Portanto, vemos aqui um exemplo de como uma instituição estatal passa a aproveitar as “oportunidades” oferecidas pelos instrumentos e mecanismos típicos da esfera financeira. A partir das diversas normativas e regulamentações apresentadas anteriormente, a CEF foi se inserindo na securitização imobiliária através de um regramento que permitiu sua maior integração com as transformações encadeadas pelo marco regulatório do SFI.

O interesse dessas operações (Costa, 2014Costa, Fernando Nogueira. Brasil dos bancos. São Paulo: Edusp, 2014.) corresponde à potencial alavancagem da capacidade da CEF de elevar os patamares de todos os empréstimos imobiliários e, entre 2011 e 2016, a CEF foi responsável pela originação dos maiores montantes financeiros de títulos securitizados no Brasil. Essas emissões foram responsáveis não apenas por promover uma inflexão inédita no mercado de ativos imobiliários, atribuindo uma maior relevância aos títulos em financiamentos imobiliários que até aquele momento possuíam uma posição secundária no conjunto das emissões de CRIS (Abreu, 2019Abreu, Marlon Altavini de. “O mercado habitacional confiscado pelas finanças: uma análise a partir dos Certificados de Recebíveis Imobiliários”. In: Shimbo, Lucia; Rufino, Beatriz (orgs.). Financeirização e estudos urbanos na América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019, pp. 233-59.). Tais emissões foram responsáveis, sobretudo, por abrir um mercado desconhecido, sinalizando aos agentes do mercado sua viabilidade e potencialidade.

No período citado (2011-16), as emissões registradas e disponibilizadas para consulta na CVM totalizaram R$ 18.943.907.769,09, ou seja, cerca de 2,5% do total de créditos habitacionais contratados pela CEF, que somaram R$ 743.500.000.000,00 (Abreu, 2019Abreu, Marlon Altavini de. “O mercado habitacional confiscado pelas finanças: uma análise a partir dos Certificados de Recebíveis Imobiliários”. In: Shimbo, Lucia; Rufino, Beatriz (orgs.). Financeirização e estudos urbanos na América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019, pp. 233-59.). Essas operações tiveram como lastro prioritário os créditos imobiliários habitacionais originados por meio de financiamentos contratados pelo SBPE, abarcando no período mais de 30 mil contratos firmados.

Por um lado, se é baixo o percentual das operações securitizadas no conjunto dos créditos habitacionais concedidos, por outro, o peso dessas operações é visível quando se pensa no conjunto do mercado de securitização brasileiro. O Gráfico 2 permite uma avaliação mais precisa dessa evolução. Nele é apresentado o percentual ocupado pelas emissões originadas por financiamentos da CEF no conjunto das emissões de títulos imobiliários lastreados em financiamentos imobiliários. Essa comparação permite destacar a relevância da CEF no mercado de CRI lastreado em financiamentos no Brasil, já que ela concentra os maiores volumes.

GRÁFICO 2
Percentual das emissões da CEF no conjunto de emissões lastreadas em financiamento imobiliários (comerciais e residenciais) , entre 2011 e 2016.

Interessa perceber que essa importância no conjunto das emissões de CRI está ancorada em dois aspectos fundamentais. O primeiro decorre do conjunto de mudanças regulatórias que, com a evolução do SFI, exerceram e continuam a exercer influência nas estratégias de ação da CEF (Royer, 2016Royer, Luciana. “O FGTS e o mercado de títulos de base imobiliária: relações e tendências", Cadernos Metrópole, v. 18, n. 35, 2016, pp. 33-51. Abreu et al., 2020Abreu, Marlon Altavini de; Melazzo, Everaldo Santos; Ferreira, João Vitor de Souza. “Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil”. Confins, n. 47, 2020, pp. 1-16.). O segundo aspecto é a relevância do banco para a política econômica conduzida pelo Estado: a CEF desempenhou um papel estratégico no que se refere ao crédito, ao financiamento e, como aqui se advoga, à financeirização do imobiliário no Brasil (Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.).

Sendo a CEF responsável, em larga margem, pela maior carteira de créditos imobiliários no país, tem-se o governo no controle e no papel determinante da gestão do maior cedente potencial de créditos imobiliários para operações de securitização (Uqbar, 2017Uqbar. Anuário: Securitização e financiamento imobiliário 2017. 10ª ed., Rio de Janeiro: Uqbar , [s.d.]. Disponível em: <Disponível em: https://static.uqbaronline.com/production-ba ckend/9d6468b97fb030e585003e49cdd48c20.pdf >. Acesso em: 16/2/2024.
https://static.uqbaronline.com/productio...
, p. 22).

A participação da CEF no mercado de CRI, assim, representou mudanças estruturais nas intencionalidades e nos sentidos do uso da securitização imobiliária, principalmente a securitização de dívidas habitacionais. O mercado dos CRIS, que antes era caracterizado como extremamente concentrado em operações envolvendo grandes empreendimentos comerciais e residenciais de alto padrão em poucas e grandes cidades, quase todos na cidade de São Paulo (Botelho, 2007Botelho, Adriano. O urbano em fragmentos: a produção do espaço e da moradia pelas práticas do setor imobiliário. São Paulo: Annablume, 2007.; Fix, 2011Fix, Mariana. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. Tese (doutorado em economia). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2011. ), ganhou novos formatos e conteúdos (Barcella, 2023Barcella, Bruno Leonardo. A terra sob o ritmo das finanças: do rentismo fundiário ao rentismo financeiro: a perpetuação de uma classe no centro do poder no Brasil. Tese (doutorado em geografia). Presidente Prudente: PPGG/Universidade Estadual Paulista Júlio De Mesquita Filho, 2023.).

Através da CEF, o Estado não apenas introjeta a rotina dos mercados financeiros, deslocando o risco atrelado aos contratos de financiamento de sua carteira e, por conseguinte, ampliando as bases monetárias disponíveis para a realização de novos investimentos, como também remodela as prioridades políticas e estratégicas de um conjunto de fundos estatais. O processo de financeirização da política habitacional no Brasil passou a orientar-se não apenas pela introdução de princípios de governança dos mercados na agenda pública, como também pela estruturação de um circuito fechado de garantias, uma vez que o Estado se encarregou de “amarrar as pontas” para garantir a segurança e rentabilidade de seus títulos na operacionalização.

Entre 2008 e 2012, destaca-se o lançamento de uma série de resoluções e normativas pelo Conselho Curador do FGTS (CC-FGTS) (resoluções n. 578, 602, 637, 681 e 702 no período de 2008 a 2012, já destacadas e apontadas por Royer [2015]), que autorizaram o fundo investidor do FGTS a realizar investimentos em ativos imobiliários de natureza financeira, tais como os CRIS. Fato crucial nessa articulação diz respeito à obrigatoriedade da CEF de reverter a totalidade dos valores arrecadados com a venda de CRIS em novos financiamentos imobiliários (Circular Caixa n. 759, 2017, p. 2). Isso está em consonância com a justificativa do uso do FGTS, que pretendia com esses investimentos fornecer maior liquidez e dinamismo a um setor importante da economia que sofria com “escassez de crédito e liquidez financeira” (resolução CC/FGTS n. 578, 2008), resultante da crise econômico-financeira de 2008.

A operação que colocou o fundo investidor do FGTS como um importante agente na demanda de CRIS precisou atender a certos critérios, como destaca a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro (Anbima). Em seu Produtos de captação: Certificados de Recebíveis Imobiliários, publicado em 2015, ela afirma que:

os recursos do FGTS com destinação obrigatória para operações de habitação e saneamento podem ser aplicados em CRIS que atendam a características específicas. Além de contribuir para o aumento da rentabilidade da carteira do FGTS, o dispositivo funciona como um estímulo para o mercado de CRIS. (Anbima, 2015Anbima, Produtos de captação: Certificados de Recebíveis Imobiliários. Rio de Janeiro: Anbima, 2015. Disponível em: <https://www.anbima.com.br/data/files/ BB/C0/CB/48/2EB675106582A275862C16A8/GuiaCRI-05-Nov_1_.pdf>
https://www.anbima.com.br/data/files/ BB...
, p. 53)

Segundo a análise realizada pela Anbima (2015)Anbima, Produtos de captação: Certificados de Recebíveis Imobiliários. Rio de Janeiro: Anbima, 2015. Disponível em: <https://www.anbima.com.br/data/files/ BB/C0/CB/48/2EB675106582A275862C16A8/GuiaCRI-05-Nov_1_.pdf>
https://www.anbima.com.br/data/files/ BB...
, a regulamentação do uso dos recursos do FGTS como agente demandante de CRIS colocou-o em uma posição central no mercado de títulos financeiros de lastro imobiliário no Brasil, tornando-o “um importante detentor de CRIS” (Anbima, 2015Anbima, Produtos de captação: Certificados de Recebíveis Imobiliários. Rio de Janeiro: Anbima, 2015. Disponível em: <https://www.anbima.com.br/data/files/ BB/C0/CB/48/2EB675106582A275862C16A8/GuiaCRI-05-Nov_1_.pdf>
https://www.anbima.com.br/data/files/ BB...
, p. 52). Essa importância pode ser medida pela análise dos relatórios econômicos e financeiros disponibilizados pelos gestores do fundo.

Com esses documentos foi possível identificar um recorrente aporte do fundo na compra de CRIS entre 2011 e 2016. Em especial, esses investimentos eram efetuados em consonância com as determinações presentes na resolução n. 3932/10 do CMN, ou seja, eram direcionados aos CRIS lastreados em financiamentos imobiliários residenciais. Esse conjunto de informações encontra-se reunido e sistematizado na Tabela 1.

TABELA 1
Total de CRIS emitidos lastreados em financiamentos imobiliários residenciais. Investimento no FGTS. Valores totais de CRIS no Brasil (2011-16).

A Tabela 1 compreende até o ano 2016, pois foi o ano em que o CCFGTS realizou a última compra de CRIS. Essa tabela permite avaliar a importância do papel do CCFGTS no mercado de CRIS no “lado da demanda”. Aliás, essa importância é reconhecida pelos próprios agentes do mercado em suas análises periódicas:

Destaca-se em 2011 a participação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)… a participação do FGTS é bastante relevante e já reflete a direção mais recente da política de investimentos do Fundo. Neste sentido, vale lembrar a recente Resolução CC-FGTS n. 681, de 10 de janeiro de 2012, do conselho curador do Fundo que autoriza R$ 12 bilhões de investimentos, através de títulos do mercado de capitais, na área de habitação. (UQBAR, 2012, p. 82)

Para além do oferecimento do fundo público em favor da remuneração e manutenção das rentabilidades financeiras, o Estado promove a securitização da habitação, mais especificamente, e a financeirização do imobiliário, em sentido mais amplo. Ao contrário do que alguns acreditam, ao atrelar o processo de financeirização à máxima de “menos Estado e mais mercado”, é possível observar na multiplicidade de modelos de financeirização, como o brasileiro, que instituições públicas e fundos controlados pelo Estado foram capturados pelas lógicas financeiras e a financeirização foi introjetada pela governança, atuando em codependência com atores e agentes, instituições e empresas financeiras (Aalbers, 2022).

CONCLUSÃO

Apoiando-se em ampla literatura internacional a respeito dos processos de financeirização, este artigo direcionou-se para problematizar o papel do Estado em tais processos e, em particular, nos processos de financeirização dos setores imobiliário e habitacional. Além disso, ao focar o caso brasileiro entre 2011 e 2016, este artigo não apenas identifica o papel do Estado na estruturação de títulos lastreados em financiamentos imobiliários, mas também o descobre operando concretamente no interior de tais mercados, conduzindo-os e estruturando-os.

Tal operação parece não ter se esgotado, uma vez que anúncios recentes divulgados pela mídia corporativa relacionada a tais mercados têm dado conta da retomada da emissão de títulos lastreados em financiamentos imobiliários habitacionais pela CEF - seja como foi apresentada pela S&P Rating no podcast Classe Sênior (2022)Classe Sênior. “Perfil das emissões de CRIS em 2022, lições da crise e impacto dos aumentos dos juros e inflação”. [Locução de]: Leandro Albuquerque, Vitor Martins e Felipe Ribeiro. Jun, 2023. Podcast. Disponível em: <Disponível em: https://open.spotify.com/episode/7AmHGHiOXkwE30ylHMG707?si=26dd35a1772241 aa >. Acesso em: 23/11/2023.
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, seja como foi declarada por Pedro Guimarães, então presidente da CEF, no Fórum “O futuro da securitização no crédito imobiliário” (Incorpora 2020“Incorpora 2020, Parte I, Fórum: Futuro da securitização no crédito imobiliário”. Produção: Abrainc, 2020. Publicado pelo canal Abrainc. Disponível em: <Disponível em: https:// youtu.be/053J8uZdr70?si=6WasWeL8zh9qfRPJ >. Acesso em: 16/2/2024.
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), realizado pela Associação Brasileira dos Incorporadores Imobiliários (Abrainc), em 2020, sobre a contratação de companhia especializada para a estruturação de operações de securitização.

Desse modo, o Estado desempenhou e cada vez mais tende a desempenhar um duplo papel nesse processo: em primeiro lugar, como regulador, abrindo caminho para a expansão dos mercados financeiros de títulos lastreados em dívidas imobiliárias, graças ao seu poder de criar regras e normas e definir as prioridades das políticas habitacionais; em segundo lugar, como provedor de ativos, ampliando a oferta e o estoque de títulos financeiros por meio da reconfiguração das funções da CEF na estruturação desses portfólios.

A interpretação dos dados e das informações revela uma sinergia entre o Estado e o mercado, na qual o primeiro desempenha um papel fundamental na configuração do mercado de CRIS, atuando de forma proeminente como um agente econômico estrutural e estruturante e influenciando tanto a oferta quanto a demanda por meio de fundos historicamente vinculados ao financiamento e à promoção de política habitacional no país. Portanto, é a partir dessa dupla atuação que podemos considerá-lo um market maker.

Essa dupla atuação, constante na trajetória do capitalismo brasileiro, conduz a um processo de desenvolvimento do mercado de títulos financeiros de base imobiliária que apresenta características híbridas e se distancia de modelos explicativos baseados em trajetórias de capitalismos de natureza distinta.

A singularidade desse modelo brasileiro de evolução da relação entre as esferas financeira e imobiliária é evidenciada pelo fato de que o maior “impulso” demonstrado pelo mercado de títulos financeiros baseados em imóveis, pelo menos quando consideramos os volumes de transações realizadas, foi amplamente fundamentado pelos recursos e investimentos provenientes de fundos operados por entidades estatais, como é o caso da CEF. Portanto, se considerarmos a expansão dos mercados de títulos financeiros relacionados ao setor imobiliário no Brasil ao longo da última década, podemos observar que essa expansão está diretamente ligada ao papel desempenhado pelo Estado.

Consequentemente, o próprio Estado e o sistema de financiamento são reestruturados em função dessas novas prioridades políticas e práticas de cálculo que evoluem em consonância com as das instituições do mercado financeiro. A observação da coevolução dos mercados financeiros e das instituições do Estado nos sentidos atribuídos por Daniela Gabor (2020a)Gabor, Daniela. “Critical Macro-finance: A Theoretical Lens’”. Finance and Society, v. 6, n. 1, 2020a, pp. 45-55. sugere que o processo de financeirização se torna um projeto mediado pelo Estado, com a finalidade de criar novas classes de ativos aptos ao desenvolvimento de suas agendas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos avaliadores deste artigo pelas críticas e pelos apontamentos realizados. Suas contribuições foram valiosas e fundamentais para o resultado aqui apresentado.

Os autores agradecem também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento das pesquisas que embasaram o presente texto (Marlon Altavini de Abreu, processo: 2019/10959-0; Bruno Leonardo Barcella Silva, processos: 2023/12476-1; 2018/03674-6; 2023/12730-5; Everaldo Santos Melazzo, processo: 18/07701-8).

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Editora responsável:

Renata Francisco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2023
  • Aceito
    30 Jan 2024
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