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FASCISMOS: Ideologia e história

Fascisms: Ideology and History

RESUMO

O objeto deste artigo é a ideologia fascista e como estudá-la a partir de uma perspectiva historicista e realista. Na primeira seção, discute-se a existência de uma ideologia fascista, contrariando interpretações que recusavam a originalidade do movimento. Na segunda, são apresentadas as principais interpretações contemporâneas a respeito do tema. Na terceira, propõe-se uma metodologia que interpreta as crenças afirmadas a partir do contexto intelectual no qual foram produzidas.

PALAVRAS-CHAVE:
fascismo; ideologia; nacionalismo; estatolatria

ABSTRACT

The topic of this paper is the fascist ideology and how to study it from a historicist and realist perspective. The first section discusses the existence of a fascist ideology, contradicting interpretations that reject the originality of the movement. The second presents the main contemporary interpretations on the matter. And the third proposes a methodology that interprets the beliefs from the perspective of the intellectual context in which they were produced.

KEYWORDS:
fascism; ideology; nationalism; statolatry

INTRODUÇÃO

O objeto deste artigo é a ideologia fascista e como estudá-la. Antigas organizações neofascistas, convertidas em máquinas eleitorais, disputam, ganham pleitos e governam nações, combinando em diferentes proporções ultranacionalismo, conservadorismo moral e autoritarismo. Em outros países, organizações clandestinas utilizam as redes sociais para fazer propaganda nazista e organizar seguidores que realizam ataques terroristas contra grupos sociais vulneráveis e militantes de esquerda. O fascismo não é mais coisa do passado, mas é como um objeto pretérito que ele aqui será estudado. “Toda história é história contemporânea”, escreveu Benedetto Croce em Teoria e storia della storiografia (Croce, 1920Croce, Benedetto. Teoria e storia della storiografia [1917]. Bari: Gius. Laterza & Figli, 1920. [1917], p. 4).1 1 Todas as traduções para o português das obras citadas são do autor deste artigo. Essa ideia tornou-se central no pensamento de Antonio Gramsci, que a partir dela, mas criticando seus limites, anunciou a identidade entre história e política: “o historiador é um político”, anunciou (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 2, p. 1.242). Concebida a história dessa maneira, tornava-se possível compreender os usos que eram feitos dela, mas também os motivos e as intenções do historiador. Exemplos ao longo dos Quaderni del carcere não faltam, muitos deles referentes à utilização da história e da historiografia pelo fascismo.

Recorde-se, por exemplo, a crítica a Storia d’Europa nel secolo XIX, de Benedetto Croce (1999 [1932])Croce, Benedetto. Storia d’Europa nel secolo decimonono [1932]. Org. Giuseppe Galasso. Milão: Adelphi, 1999.. Gramsci percebeu nesse livro uma tentativa de reduzir a história europeia posterior a 1789 a um movimento “passivo”, no qual os anseios de mudanças na sociedade teriam sido satisfeitos “com pequenas doses, legalmente, de modo reformista” (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 2, p. 1.227). Essa história liberal do século XIX poderia muito bem ser apropriada pelo fascismo, “fornecendo-lhe indiretamente uma justificativa mental depois de ter ajudado a purificá-lo de algumas características secundárias, de natureza superficialmente romântica” (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 2, p. 1.228).

A investigação de Gramsci em torno do livro de Croce orientou-se por um programa de pesquisa sobre a reconfiguração do fascismo e as formas por meio das quais este poderia afirmar seu consenso e estabilizar sua dominação. Mas compreender a historiografia como um ato político conectando o passado ao presente não implicava estabelecer uma continuidade homogênea entre tempos diferentes. Nem julgar o passado de modo anacrônico. A esse respeito, a crítica do sardo ao Ensaio popular(1927), de Nikolai BukharinBukharin, Nikolai I. La théorie du matérialisme historique: manuel populaire de sociologie marxiste. Paris: Éditions Sociales Internationales, 1927., não deixava dúvidas. Gramsci alertava que a tendência a julgar o passado filosófico “como um delírio e uma loucura não é apenas um erro de anti-historicismo, mas é também um resíduo real da metafísica, porque contém a afirmação anacrônica de que no passado deveríamos pensar como hoje” (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 2, p. 1.417). A conclusão era forte: o “anti-historicismo metódico é apenas metafísica” (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 2, p. 1.417).

O historicismo realista de Gramsci navegava assim entre Cila e Caríbdis, entre a necessidade de compreender o passado em sua particularidade, evitando os anacronismos, e prestar atenção aos usos dos resultados da pesquisa, recusando a radical separação croceana entre história e política. Esse é o pressuposto metodológico que norteia este artigo. Estudar a ideologia dos fascismos do entreguerras é fazer uma história contemporânea. É a partir dela que se torna possível definir as tentativas de atualização dessa ideologia, seja nos movimentos neofascistas contemporâneos, seja naqueles de tipo pós-fascista.

Pretendemos neste artigo argumentar, primeiro, que existe uma ideologia fascista e que ela pode e deve ser estudada. Para tal, apresentamos as objeções que a historiografia antifascista levantou, questionando a existência de tal ideologia, e contrapomos a essas interpretações a pesquisa e a análise documental da literatura produzida pelo próprio fascismo italiano a respeito de sua “doutrina”. A seguir, por meio de uma ampla revisão bibliográfica, discutimos a evolução dos estudos históricos sobre essa ideologia, expondo os avanços, mas também os limites das pesquisas sobre esse tema. Por fim, analisamos criticamente as abordagens “empáticas”, muito difundidas nos estudos contemporâneos sobre o fascismo, e propomos alguns critérios metodológicos que podem contribuir para a superação de certos impasses aos quais chegaram esses enfoques e orientar novas pesquisas sobre o tema.

EXISTE UMA IDEOLOGIA FASCISTA?

O objeto de estudo anunciado não é evidente e precisa ser problematizado. Na historiografia antifascista do pós-guerra não foram poucos os que negaram ao movimento liderado por Mussolini qualquer originalidade no terreno das ideias. O caso de Norberto Bobbio é bastante ilustrativo. Considerou que o fascismo era apenas uma “ideologia negativa ou destrutiva” cujas raízes poderiam ser encontradas em movimentos antidemocráticos precedentes (Bobbio, 1997Bobbio, Norberto. Dal fascismo alla democrazia: i regimi, le ideologie, le figure e le culture politiche. Milão: Baldini & Castoldi, 1997., pp. 61-ss.) e que “nunca existiu realmente” uma cultura fascista (Bobbio, 1973Bobbio, Norberto. “La cultura e il fascismo”. In: Quazza, Guido (org.). Fascismo e società italiana. Turim: Einaudi, 1973, pp. 209-46., p. 229). Bobbio, enfim, considerava que o movimento nem sequer teria tido uma doutrina original:

Quando o fascismo, tomando o poder, se dedica a construir uma “doutrina”, não acrescenta nada àquilo que havia herdado do passado: coloca junto o Estado ético do idealismo hegeliano com a nação proletária dos nacionalistas, o dinamismo dos futuristas com a exaltação do super-homem. (Bobbio, 1973Bobbio, Norberto. “La cultura e il fascismo”. In: Quazza, Guido (org.). Fascismo e società italiana. Turim: Einaudi, 1973, pp. 209-46., pp. 234-5)

Essa negativa era comum naqueles que, como Guido Quazza, enfatizavam a continuidade ideológica entre a Itália liberal e o fascismo, eliminando desse movimento toda autonomia e originalidade (Quazza, 1973Quazza, Guido. “Introduzione. Storia del fascismo e storia d’Italia”. In: Quazza, Guido (org.). Fascism o e società italiana . Turim: Einaudi , 1973, pp. 3-44.; 1976Quazza, Guido. “Antifascismo e fascismo nel nodo delle origini”. In: Tranfaglia, Nicola (org.). Fascism o e capitalismo. Milão: Feltrinelli, 1976, pp. 38-90.). Restava, assim, na ideologia fascista, particularmente após a estabilização do regime, apenas a contribuição dos nacionalistas, “os únicos capazes de fornecer um corpus ideológico e teórico dotado de alguma coerência” (Quazza, 1976Quazza, Guido. “Antifascismo e fascismo nel nodo delle origini”. In: Tranfaglia, Nicola (org.). Fascism o e capitalismo. Milão: Feltrinelli, 1976, pp. 38-90., p. 66).2 2 A referência era aos partidários da Associazione Nazionalista Italiana (ani), fundada por Enrico Corradini, em 1910. Faziam parte da ani importantes intelectuais que ocuparam posições de destaque no governo fascista. Em março de 1923, a ani se fundiu com o Partito Nazionale Fascista (PNF) e deixou de existir. Sobre a história da ANI, ver Erminio Fonzo (2017). Essa leitura tendia a apagar as iniciativas do filósofo Giovanni Gentile para produzir uma filosofia do fascismo, ou considerá-las simplesmente um equívoco ou puro oportunismo.3 3 O filósofo neoidealista Giovanni Gentile (1875-1944) foi ministro da Instrução Pública (1922-1924) do governo Mussolini e senador do Reino da Itália (1924-1943).Filiou-se ao PNF em 1923, quando já era ministro. Foi personagem de destaque no dispositivo cultural do fascismo e procurou formular uma doutrina e uma filosofia para esse movimento.

Anos mais tarde, Angelo D’Orsi, um intelectual com credenciais antifascistas indiscutíveis, ousou afirmar a existência de uma cultura fascista que teria se expressado de modo vigoroso e criativo em alguns jornais e revistas, como Il Selvaggio (D’Orsi, 2000aD’Orsi, Angelo. La cultura a Torino tra le due guerre. Turim: Einaudi , 2000a. ). Recebeu por isso duríssimas críticas no jornal La Stampa, dentre elas a de Norberto Bobbio, que disse, depois de ler o livro de D’Orsi, ter “boas razões para confirmar o juízo sobre a ausência de uma cultura fascista” (Bobbio, 2000Bobbio, Norberto. La storia vista dai persecutori. La Stampa, 27 maio 2000, pp. 1 e 23.). No mesmo jornal, Massimo L. Salvadori, concordando com Bobbio, chegou a afirmar que “o fascismo não podia intrinsecamente produzir uma cultura, a qual vive da pesquisa sem limites nem imposições” (Salvadori, 2000Salvadori, Massimo. “Ma il fascismo non poteva produrre cultura”. La Stampa , 2000, pp. 30 e 23.).4 4 No mesmo jornal, ver a resposta de Angelo D’Orsi (2000b). A polêmica, entretanto, não impediu que o mesmo D’Orsi, anos mais tarde, vaticinasse, em uma linha similar àquela de Bobbio e Salvadori, que o fascismo era “indigente no plano da doutrina”e que teria herdado suas poucas ideias teórico-políticas do nacionalismo (D’Orsi, 2011, p. 164).

O discurso dos fascistas italianos nos primeiros anos do movimento parece confirmar esse juízo. Eles afirmaram, repetidas vezes, a ausência de uma doutrina, transformando aquilo que não existia em virtude e expressão do primado da ação no movimento. Respondendo no jornal Il Popolo d’Italia àqueles que afirmavam que o fascismo não possuía um programa, Mussolini falou em dezembro de 1921: “primeiro o fascismo quis se afirmar como força e capacidade de vida […]; então, com base nos princípios fundamentais que inspiraram sua ação, o fascismo construiu gradualmente o edifício de seu programa teórico e prático” (Mussolini, 1955Mussolini, Benito. Opera omnia (22 giugno 1921 - 13 gennaio 1922). Org. Edoardo e Duilio Susmel. Florença: La Fenice, v. XVII, 1955., p. 322).

Em suas origens, o fascismo se apresentou como um movimento prático de realização do espírito, fé, sentimento. Recusava sempre o materialismo e, frequentemente, o iluminismo e o racionalismo, considerados a origem do liberalismo, da democracia e do socialismo. Evitava, entretanto, apresentar-se como o resultado ou o portador de uma ideologia ou de uma doutrina. Notável é o diálogo a esse respeito entre o jornalista Giuseppe Bevilacqua e Mussolini, um dia antes deste último ser indicado chefe de governo. Na conversa, publicada em La Stampa no dia 30 de outubro de 1922, Bevilacqua comentou: “O fascismo ensinou aos partidos que sempre é necessária a ação”. A resposta do líder dos fascistas foi rápida: “A ação expulsou a filosofia” (Intervista, 1922“Intervista con Mussolini alla sua partenza per Roma".La Stampa , ano 56, n. 257, 1922, p. 1.). A ausência de uma ideologia, um pensamento ou uma doutrina coerente não poderia, entretanto, perdurar. Para legitimar-se, o regime fascista necessitava de uma filosofia que o justificasse. Mussolini intuiu isso já em agosto de 1921, em uma carta a Michele Bianchi, por ocasião da realização de uma “escola de propaganda e cultura fascista”: “Agora, o fascismo, sob pena de morte, ou pior, de suicídio, deve dar-se um ‘corpo’ doutrinário” (Mussolini, 1955Mussolini, Benito. Opera omnia (22 giugno 1921 - 13 gennaio 1922). Org. Edoardo e Duilio Susmel. Florença: La Fenice, v. XVII, 1955., p. 414).5 5 Proveniente das fileiras do sindicalismo revolucionário, Michele Bianchi (1882-1930) foi um dos criadores dos Fasci Italiani di Combattimento, em 1919, e participou da fundação do pnf, em novembro de 1921, tornando-se seu primeiro secretário. O chefe dos fascistas era, entretanto, muito otimista a respeito da capacidade do movimento de produzir essa doutrina: “eu gostaria que nos dois meses que nos separam da reunião nacional fosse criada uma filosofia do fascismo” (Mussolini, 1955Mussolini, Benito. Opera omnia (22 giugno 1921 - 13 gennaio 1922). Org. Edoardo e Duilio Susmel. Florença: La Fenice, v. XVII, 1955., p. 415). E concluía com um dito destinado à repetição incessante no movimento: “O fascismo pode e deve assumir como divisa o binômio mazziniano: ‘pensamento e ação’” (Mussolini, 1955Mussolini, Benito. Opera omnia (22 giugno 1921 - 13 gennaio 1922). Org. Edoardo e Duilio Susmel. Florença: La Fenice, v. XVII, 1955., p. 415).6 6 A referência é a Giuseppe Mazzini (1805-1872), líder da ala democrática e nacionalista do chamado Risorgimento italiano, o movimento pela independência e unidade da península (1815-1871).

A exposição oficial da doutrina viria à luz apenas em 1932, no verbete “Fascismo” da Enciclopedia italiana dirigida por Giovanni Gentile, imediatamente publicado como separata com o título de La dottrina del fascismo (Mussolini, 1932Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo: con una storia del movimento fascista da Gioacchino Volpe. Milão/Roma: Treves/Teccani/Tumminelli, 1932.). O verbete era assinado por Mussolini, embora Gentile fosse o autor anônimo da primeira parte dedicada às “ideias fundamentais”, enquanto a segunda, esta sim da pena do chefe de governo, apresentava a “doutrina política e social”. Reverberam na primeira parte do texto o neoidealismo gentiliano e sua tentativa de conciliar filosoficamente o fascismo com a tradição política do liberalismo risorgimentale e da destra storica italiana.7 7 A destra storica nasceu no parlamento do Reino da Sardenha em 1852 sob a liderança de Camillo Benso, o conde de Cavour (1810-1861). Caracterizou-se pela defesa do liberalismo econômico, de um Estado unitário, centralizado administrativamente, e de uma Constituição que deixava pouca margem para a participação popular. Já na segunda parte do verbete, soava fortemente o antiliberalismo mussoliniano.

O verbete iniciava-se com aquele “binômio mazziniano”: “o fascismo é práxis e é pensamento, uma ação à qual uma doutrina é imanente e uma doutrina que, surgindo de um dado sistema de forças históricas, nele permanece inserida e opera internamente” (Mussolini, 1932Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo: con una storia del movimento fascista da Gioacchino Volpe. Milão/Roma: Treves/Teccani/Tumminelli, 1932., p. 1). Na seção escrita por Gentile, uma concepção estatólatra era evidenciada. De acordo com o filósofo, o fascismo era “anti-individualista” e “favorável ao Estado”, defenderia o indivíduo apenas quando ele “coincide com o Estado, a consciência e a vontade universal do homem em sua existência histórica” (Mussolini, 1932Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo: con una storia del movimento fascista da Gioacchino Volpe. Milão/Roma: Treves/Teccani/Tumminelli, 1932., p. 4). No mesmo sentido, afirmava que o fascismo era “a favor da liberdade”, mas “apenas liberdade do Estado e do indivíduo no Estado” (Mussolini, 1932Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo: con una storia del movimento fascista da Gioacchino Volpe. Milão/Roma: Treves/Teccani/Tumminelli, 1932., p. 4). Nessa mesma direção, defendeu uma ideia de democracia na qual o povo participaria passivamente da vida estatal, submetido à “consciência e vontade de poucos, talvez de Um” (Mussolini, 1932Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo: con una storia del movimento fascista da Gioacchino Volpe. Milão/Roma: Treves/Teccani/Tumminelli, 1932., p. 5).

À publicação de La dottrina del fascismo seguiu-se uma quantidade notável de livros e opúsculos sobre o tema. Um passo adiante foi dado em 1936, quando o ministro da Educação Nacional, Cesare Maria De Vecchi, tornou obrigatório nos liceus a “leitura e o comentário de ‘La dottrina del fascismo’ de Mussolini” (De Vecchi, 1936De Vecchi, Cesare Maria. “Approvazione degli orari e programmi per le scuole medie d’istruzione classica, scientifica, magistrale e tecnica”. Supplemento Ordinario alla Gazzetta Ufficiale, n. 108, 9 maio 1936.). Surgiram então as edições e apostilas voltadas para os estudantes, as quais teriam grande importância na consolidação e difusão da ideologia (D’Arcais, 1937D’Arcais, Giuseppe Flores. Pensiero ed azione: la dottrina del fascismo commentata per le scuole medie superiori in conformita dei programmi 1936. Pádua: A. Draghi, 1937.; Landini, 1936Landini, Pietro. La dottrina del fascismo, ad uso dei corsi di preparazione politica. Florença: La Nuova Italia, 1936.; Mussolini, 1936Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo. Org. (Apêndice) L. Contu. Milão: Ulrico Hoelpi, 1936.; 1939Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo . Comentário filosófico do prof. Pietro Eusebietti. Turim: Società Editrice Internazionale, 1939.; 1940Mussolini, Benito. La dottrina del fascismo . Introdução e notas de Salvatore Valitutti. Florença: G. C. Sansoni, 1940.; Pagliaro, 1933Pagliaro, Antonino. Il fascismo: commento alla dottrina. Roma: Scienze e Lettere, 1933. ; Tripodi, 1942Tripodi, Nino. Corso di Storia e Dottrina del Fascism o, Parte II: Introduzione e commento alla “Dottrina del Fascism o” di Mussolini. Roma: Dispenze Universitarie, 1942.).

Se levarmos a sério o que os fascistas escreviam e diziam, não é possível negar que o fascismo teve uma ideologia e até mesmo uma doutrina. Não se trata de uma simples reprodução das ideias dos nacionalistas conservadores do pré-guerra. É uma síntese original de diferentes correntes intelectuais, embora plena de contradições. Pode-se questionar sua consistência lógica e sua aderência ao real, mas não sua existência. Como então interpretar essa ideologia?

A HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

A partir de meados da década de 1960, novos estudos começaram a destacar a importância da cultura, da ideologia e do pensamento fascista para uma compreensão mais abrangente do fenômeno. Paradoxalmente, foi fora da Itália que o tema começou a ganhar atenção. Merece destaque a obra do emigrado alemão George L. Mosse (1981 [1964])Mosse, George L. The Crisis of German Ideology: Intellectual Origins of the Third Reich [1964]. Nova York: Schocken, 1981. sobre as origens culturais do Terceiro Reich. Mosse identificou as raízes ideológicas do nazismo na cultura völkisch (nacional-patriótica), que se desenvolveu a partir do movimento romântico alemão. Inerente ao Volk, compreendido como um conjunto de indivíduos unidos por uma essência ao mesmo tempo natural e transcendente, tal ideologia teria se institucionalizado ao longo do século XIX, penetrando no sistema escolar e cultural do novo Estado unitário e tornando-se dominante antes mesmo de 1918.

De acordo com Mosse, as rápidas mudanças políticas e econômicas resultantes da transformação da Alemanha em um Estado nacional e industrial afetaram de modo desigual diferentes grupos sociais, permitindo o desenvolvimento de tendências ideológicas antimodernas que enfatizavam a cultura em detrimento da civilização burguesa e propunham uma “‘revolução alemã’ para liquidar os novos desenvolvimentos perigosos e guiar a nação de volta ao seu propósito original” (Mosse, 1981 [1964]Mosse, George L. The Crisis of German Ideology: Intellectual Origins of the Third Reich [1964]. Nova York: Schocken, 1981., p. 4). Fundamental para esse pensamento nacional-patriótico foi a figura do judeu como símbolo das tendências modernas, materialistas, racionalistas e socialistas que deveriam ser eliminadas. A “revolução alemã” era também uma “revolução antijudaica” (Mosse, 1981 [1964]Mosse, George L. The Crisis of German Ideology: Intellectual Origins of the Third Reich [1964]. Nova York: Schocken, 1981., cap. 17).

Embora tenha concentrado sua pesquisa no nazismo alemão, Mosse o concebeu como uma manifestação particular do fascismo. Ao contrário do que muitos afirmavam, o fascismo, em suas múltiplas configurações, não poderia ser reduzido a uma ideologia niilista, definida exclusivamente a partir daquilo que negava. Se obteve sucesso, particularmente na Alemanha e na Itália, foi porque expressou uma “ideologia positiva” (Mosse, 1981 [1964]Mosse, George L. The Crisis of German Ideology: Intellectual Origins of the Third Reich [1964]. Nova York: Schocken, 1981., p. 389). Em suma, segundo Mosse, o “fascismo era em toda parte uma ‘atitude em relação à vida’, baseada em uma mística nacional que podia variar de nação para nação” (Mosse, 1999 [1979]Mosse, George L. “Toward a General Theory of Fascism”. In: The Fascist Revolution [1979]. Nova York: Howard Fertig, 1999, pp. 1-44., p. 42).

Zeev Sternhell, por sua vez, considerou que a França teria sido um laboratório da ideologia fascista, no qual esta última apareceria em estado puro, sem a contaminação da política estatal, uma vez que não teria se convertido em regime político (Sternhell, 1978Sternhell, Zeev. “Fascist Ideology”. In: Laqueur, Walter (org.). Fascism : A Reader’s Guide. Berkeley: University of California Press, 1978, pp. 315-78.; 1997 [1983Sternhell, Zeev. Né destra né sinistra: l’ideologia fascista in Francia [1983]. Milão: Baldini & Castoldi , 1997.); Sternhell; Sznajder; Asheri, 2002 [1989]Sternhell, Zeev; Sznajder, Mario; Asheri, Maia. Naissance de l’ideologie fasciste [1989].Paris: Fayard, 2002.). Esse historiador definiu a ideologia fascista como uma síntese de teorias provenientes do sindicalismo revolucionário com outras nacionalistas e citou, para resumir a questão, a fórmula de Georges Valois, fundador do movimento Le Faisceau: “Nacionalismo + socialismo = fascismo” (Sternhell, 1978Sternhell, Zeev. “Fascist Ideology”. In: Laqueur, Walter (org.). Fascism : A Reader’s Guide. Berkeley: University of California Press, 1978, pp. 315-78., p. 321).8 8 George Valois (1878-1945) foi primeiro sindicalista revolucionário e mais tarde militante do grupo nacionalista e monarquista Action Française. Criou o movimento Le Faisceau em 1925 e, em 1928, o Parti Républicain Syndicaliste. Essa fusão teria tido uma forma típica na França, onde as ideias de Georges Sorel encontraram acolhida entre os seguidores de Charles Maurras no fim do século XIX.9 9 Georges Sorel (1847-1922) foi teórico do sindicalismo revolucionário e um dos responsáveis pela difusão das ideias de Karl Marx na França. Charles Maurras (1868-1952), monarquista, ultracatólico e nacionalista, foi um dos fundadores da Action Française. Mais tarde, essa confluência teria se manifestado no fascismo italiano. A conclusão de Sternhell antecipava o nascimento da ideologia fascista, localizando-o no pré-guerra. Mais tarde, afirmou que no “fascismo entre as duas guerras [...] não se encontrará uma única ideia importante que não tenha amadurecido lentamente no quarto de século que antecede o agosto de 1914” (Sternhell; Sznajder; Asheri, 2002 [1989]Sternhell, Zeev; Sznajder, Mario; Asheri, Maia. Naissance de l’ideologie fasciste [1989].Paris: Fayard, 2002., p. 14).

As críticas ao argumento de Sternhell foram expressivas.10 10 António Costa Pinto (1986) e Robert Wohl (1991) fizeram amplas resenhas do debate. Francesco Germinario, por exemplo, protestou contra a tendência de sobrevalorização de certas correntes políticas francesas em detrimento de outras, como os nacionalistas conservadores italianos (Germinario, 1995Germinario, Francesco. “Fascisme et idéologie fasciste: problèmes historiographiques et méthodologiques dans le modèle de Zeev Sternhell”. Revue Française d’Histoire des Idées Politiques, n. 1, 1995, pp. 39-78.). Pierre Milza (1989Milza, Pierre. “Sternhell (Zeev), Sznajder (Mario), Asheri (Maia): naissance de l’idéologie fasciste”. Revue Française de Science Politique, v. 39, n. 3, 1989, pp. 342-6.) argumentou que Sternhell tendia a afirmar a predominância do sindicalismo revolucionário sobre diferentes manifestações do nacionalismo, quando o oposto teria ocorrido, resultando em um fascismo mais conservador do que Sternhell pressupunha, na Itália, na Alemanha e na França. Mais incisivo foi Jacques Julliard, que denunciou que a operação de Sternhell tenderia a atribuir a responsabilidade pela ideologia do fascismo tanto à esquerda quanto à direita, quando na verdade “as principais forças do fascismo estavam de fato à direita e […] seus principais oponentes eram todos igualmente de esquerda e não de direita” (Julliard, 1984Julliard, Jacques. “Sur un fascisme imaginaire: à propos d’un livre de Zeev Sternhell”. Annales, v. 39, n. 4, 1984, pp. 849-61., p. 859). Leonardo Rapone, por sua vez, afirmou que as conclusões de Sternhell seriam decorrência de uma tendência a olhar “a história exclusivamente pelo filtro das ideias […], aderindo a uma interpretação literal dos textos, que desconsidera qualquer reconhecimento à história social e política” (Rapone, 1984Rapone, Leonardo. “ Fascism o: Né destra né sinistra?”. Studi Storici , v. 25, n. 3, 1984, pp. 799-820., p. 820).

No contexto italiano, a maneira de ver o fascismo e sua ideologia começou a mudar a partir de meados dos anos 1960, quando Renzo De Felice iniciou a publicação da monumental biografia de Benito Mussolini, trabalhando com uma documentação até então inédita, preservada no Archivio Centrale dello Stato. Se no primeiro volume da biografia ganhou corpo um Mussolini revolucionário (De Felice, 1965De Felice, Renzo. Mussolini il rivoluzionario (1883-1920). Turim: Einaudi , 1965.), no segundo, o tema principal foi a organização do consenso pelo regime fascista (De Felice, 1974De Felice, Renzo. Mussolini il duce: gli anni del consenso (1929-1936). Turim: Einaudi , 1974. ). A ideia de que o fascismo teria obtido consenso popular não era completamente original, sendo possível encontrá-la nas Lezioni sul fascismo, de Palmiro Togliatti (2019 [1935]Togliatti, Palmiro. Lezioni sul fascismo [1935]. Roma: Riuniti, 2019.), nos Quaderni del carcere, de Antonio Gramsci (1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977.), e, mais tarde, na obra de Federico Chabod (1961Chabod, Federico. L’Italia contemporanea (1918-1948). Turim: Einaudi , 1961., pp. 82-ss.).11 11 Sobre esses antecedentes, ver Demian Melo (2016) Ainda assim, a biografia de De Felice estabeleceu novos patamares de rigor na pesquisa histórica e abriu a porta para que estudos sobre a ideologia do fascismo italiano se desenvolvessem.

Papel importante, embora nem sempre reconhecido, coube à revista Studi Storici, animada pelo Istituto Gramsci. Esse periódico reunia historiadores que, embora críticos a certas teses do biógrafo de Mussolini, investigaram a construção do consenso fascista e o lugar dos aparelhos culturais em uma chave de leitura gramsciana. Nas décadas de 1970 e 1980, a revista publicou estudos de Gabriele Turi (1972Turi, Gabriele. “Il progetto dell’Enciclopedia italiana: l’organizzazione del consenso fra gli intellettuali”. Studi Storici , v. 13, n. 1, 1972, pp. 93-152.; 1979Turi, Gabriele. “Ideologia e cultura del fascismo nello specchio dell’Enciclopedia Italiana”. Studi Storici , v. 20, n. 1, 1979, pp. 157-211.) sobre a Enciclopedia italiana; de Albertina Vittoria (1980Vittoria, Albertina. “Intellettuali e organizzazione della cultura durante il fascismo”. Studi Storici , v. 21, n. 1, 1980, pp. 199-204.; 1981Vittoria, Albertina. “Scuola e apparati educativi del fascismo”. Studi Storici , v. 22, n. 2, 1981, pp. 453-63.; 1982Vittoria, Albertina. “Totalitarismo e intellettuali: l’Istituto nazionale fascista di cultura dal 1925 al 1937”. Studi Storici , v. 23, n. 4, 1982, pp. 897-918.; 1984Vittoria, Albertina. “Giovanni Gentile e l’organizzazione della cultura”. Studi Storici , v. 25, n. 1, 1984, pp. 181-202.) sobre aparelhos culturais e educativos do fascismo; e de Vito Zagarrio (1976Zagarrio, Vito. “Il fascismo e la politica delle arti”. Studi Storici , v. 17, n. 2, 1976, pp. 235-56., 1978Zagarrio, Vito. “‘Primato’: un progetto fascista nella crisi del regime”. Studi Storici , v. 19, n. 2, 1978, pp. 437-47., 1980Zagarrio, Vito. “Giovani e apparati culturali a Firenze nella crisi del regime fascista”. Studi Storici , v. 21, n. 3, 1980, pp. 609-35., 1981Zagarrio, Vito. “ Fascism o e intellettuali”. Studi Storici , v. 22, n. 2, 1981, pp. 289-304.) sobre a “política das artes” e intelectuais durante o regime. Ainda nesse espectro político não pode deixar de ser mencionado o importantíssimo estudo de Luisa Mangoni (1974Mangoni, Luisa. L’interventismo della cultura: intellettuali e riviste del fascismo. Bari: Laterza , 1974.) sobre as revistas do fascismo.

Nota-se na pesquisa desses autores e autoras um uso intenso de arquivos pessoais ou instituições culturais, periódicos fascistas, correspondência privada e registros autobiográficos que permitiram captar a complexidade do processo de construção de uma cultura fascista. Evitando reduzir essa ideologia ao discurso mussoliniano e aos documentos públicos, essa historiografia foi capaz de registrar a polifonia presente nela, identificar em seu interior diferentes tendências e revelar conflitos ocultos. Esses historiadores e historiadoras também estiveram atentos àquilo que Gramsci chamou de “estrutura material das ideologias”, investigando a construção dos aparelhos culturais do fascismo (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 1, p. 333). Resultado de particular interesse foi uma compreensão mais matizada do lugar de Giovanni Gentile no dispositivo cultural do regime, uma posição que foi constantemente ameaçada seja por católicos, seja por fascistas intransigentes ou antigentilianos.

Nesse contexto pós-defeliciano, vieram à luz dois livros que trataram a ideologia do fascismo italiano de modo mais abrangente e contribuíram de modo decisivo para sua compreensão. O primeiro é Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925), de Emilio Gentile (2001 [1975])Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., discípulo de De Felice. Em sua investigação, Emilio Gentile recusou um “conceito geométrico da ideologia” fascista, ou seja, evitou concebê-la como um arranjo coerente e livre de contradições. Para Emilio Gentile, a ideologia do fascismo era a “antítese da ideologia comunista e democrática liberal” e, ao mesmo tempo, distinguia-se das manifestações reacionárias e conservadoras precedentes, inclusive do nacionalismo (E. Gentile, 2001 [1975]Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., p. 634).

A originalidade dessa ideologia residiria em uma combinação particular entre a “afirmação do primado da ação política” e uma “completa racionalização do Estado totalitário”, a qual ganhou contornos mais precisos a partir da adesão de Giovanni Gentile ao fascismo (E. Gentile, 2001 [1975]Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., p. 634). Em suma, segundo o historiador, o “fascismo era antes de tudo uma ideologia do Estado, da qual afirmava a realidade irreprimível e totalitária, necessária para impor a ordem às massas e impedir a degeneração da sociedade no caos. Como tal, era a antítese da ideologia comunista, que é a ideologia da sociedade” (E. Gentile, 2001 [1975]Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., p. 633, grifos do autor). O fato de essa ideologia se apresentar pouco lógica e sistemática não diminuiria sua eficácia nem seu caráter original, daí a importância de seu estudo (E. Gentile, 2001 [1975]Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., pp. 69-70).

O segundo livro é L’ideologia del fascismo, de Pier Giorgio Zunino (1985Zunino, Pier Giorgio. L’ideologia del fascismo: miti, credenze e valori nella stabilizzazione del regime. Milão: Il Mulino, 1985.). Ao contrário de Emilio Gentile, que se concentrou nos primeiros anos do movimento, Zunino estava mais preocupado com a estabilização do regime e estendeu sua investigação até a primeira metade dos anos 1930. A ideologia fascista se manifestava nessa pesquisa não apenas nas vozes dos grandes ideólogos - Giovanni Gentile, Gioacchino Volpe, Alfredo Rocco e Giuseppe Bottai, só para lembrar alguns -, mas também nas daqueles que se sentavam na terceira ou quarta fileiras do teatro fascista.12 12 O historiador Gioacchino Volpe (1876-1971) foi membro da ani e filiou-se ao pnf em 1921. Alfredo Rocco (1875-1935), também nacionalista, aderiu ao pnf em 1923 e foi ministro da Justiça do governo Mussolini (1925-1932), responsável pela estruturação jurídica do regime. Giuseppe Bottai (1895-1959), proveniente das fileiras do futurismo, aderiu ao fascismo já em 1919; era o líder da ala revisionista do partido e editor da revista Crítica Fascista; tornou-se mais tarde ministro das Corporações (1929-1932) e, depois, da Educação (1936-1943). Essas vozes se revelavam em um emaranhado de jornais pequenos e grandes, editados nas províncias e na capital, bem como em livros e opúsculos publicados por editoras de renome ou desconhecidas. Desse contraste entre grandes e pequenos ideólogos emergia uma ideologia mais “plural” do fascismo do que se costuma imaginar.

Os contrastes entre passadismo e modernismo, radicalismo e conservadorismo, revolucionarismo e estabilidade, intervencionismo e liberalismo econômico, ruralismo e industrialismo eram comuns no fascismo, mas incapazes de fazer naufragar o regime (Zunino, 1985Zunino, Pier Giorgio. L’ideologia del fascismo: miti, credenze e valori nella stabilizzazione del regime. Milão: Il Mulino, 1985., p. 371). De acordo com Zunino, a ideologia fascista nasceu da crise da burguesia liberal e da crise do socialismo, daí os aspectos contraditórios que nela emergiam e que impediriam que ela fosse considerada “em bloco”, se o objetivo estivesse em compreendê-la. Para interpretar de modo adequado tal ideologia seria preciso identificar suas contradições, mas ao mesmo tempo identificar aqueles traços comuns que garantiriam a união do edifício político.

Na esteira dessas investigações, um novo ciclo de pesquisas sobre o fascismo teve lugar a partir de meados dos anos 1990. Dessa vez o epicentro das investigações foi a Inglaterra. Roger Griffin é o autor-chave nesse novo ciclo. Em The Nature of Fascism, Griffin (1991Griffin, Roger. The Nature of Fascism. Londres: Routledge, 1991. ) procurou construir um conceito que permitiria comparar diferentes casos nacionais e movimentos que tiveram lugar em épocas distintas. Para chegar a tal conceito, identificou o “núcleo ideológico genérico” do fascismo, concluindo que “o fascismo é um gênero de ideologia política cujo núcleo mítico em suas várias permutações é uma forma palingenética de ultranacionalismo populista” (Griffin, 1991Griffin, Roger. The Nature of Fascism. Londres: Routledge, 1991. , p. 26). O mito palingenético que constituiria um aspecto central da ideologia fascista expressava-se por meio da recorrente afirmação de um recomeço, ou de uma nova ordem, que permitiria a superação de uma fase de crise ou declínio (Griffin, 1991Griffin, Roger. The Nature of Fascism. Londres: Routledge, 1991. , pp. 32-3).

A definição de Griffin influenciou enormemente os estudos sobre o fascismo. Na sequência da publicação do livro de Griffin, Roger Eatwell destacou o caráter nacionalista e revolucionário da ideologia fascista, afirmando ser esta “uma forma de pensamento que exalta a necessidade de renascimento social para forjar uma terceira via holística-nacional radical” (Eatwell, 1995Eatwell, Roger. Fascism: A History. Londres: Chatto & Windus, 1995., p. 11). Stanley Payne, por sua vez, modificou sua anterior definição tipológica do fascismo para apresentá-lo como “uma forma de ultranacionalismo revolucionário para o renascimento” (Payne, 1995Payne, Stanley G. A History of Fascism , 1914-1945. Londres: Routledge ; University of Wisconsin Press, 1995., p. 14).13 13 Payne havia definido anteriormente o fascismo a partir de uma descrição tipológica que destacava suas negações (antiliberalismo, anticomunismo e anticonservadorismo), sua ideologia, seus objetivos, seu estilo e organização (Payne, 1980, p. 7). E mesmo Emilio Gentile, sempre contrário a uma definição sintética, afirmou que “o fascismo como ideologia, como partido e como regime foi a primeira manifestação de um novo nacionalismo revolucionário e totalitário, místico e palingenético” (E. Gentile, 2001 [1975]Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., p. 31).

COMO ESTUDAR A IDEOLOGIA FASCISTA?

Até aqui os termos cultura, ideologia e doutrina apareceram como se fossem análogos. Entretanto, para orientar a pesquisa, é importante diferenciá-los. Quando propôs uma interpretação cultural do fascismo, Mosse pensava em definir como objeto de estudo “uma vida vista como um conjunto - uma totalidade” (Mosse, 1999 [1979]Mosse, George L. “Toward a General Theory of Fascism”. In: The Fascist Revolution [1979]. Nova York: Howard Fertig, 1999, pp. 1-44., p. XI). O historiador da cultura deveria, desse modo, lidar com “as percepções de homens e mulheres, e como estas são moldadas e engajadas na política em um determinado lugar e tempo” (Mosse, 1999 [1979]Mosse, George L. “Toward a General Theory of Fascism”. In: The Fascist Revolution [1979]. Nova York: Howard Fertig, 1999, pp. 1-44., p. xi). Se o fascismo era uma “atitude perante a vida”, pesquisar sua cultura implicava inventariar essas atitudes. Ainda assim, o nexo entre cultura e ideologia não era explicitado por Mosse.

Da maneira como foi mobilizado pelos historiadores do fascismo, o conceito de ideologia parece ser mais circunscrito e frequentemente concebido como uma manifestação portadora de uma função política específica. Desse modo, a relação da ideologia com a política pareceria ser mais direta, menos mediada do que a cultura. De acordo com Sternhell, “os conjuntos de ideias pelos quais os homens explicam e justificam os fins e os meios da ação social organizada, com o objetivo de preservar ou reconstruir uma dada realidade, são ideologias” (Sternhell, 1978Sternhell, Zeev. “Fascist Ideology”. In: Laqueur, Walter (org.). Fascism : A Reader’s Guide. Berkeley: University of California Press, 1978, pp. 315-78., p. 318). Roger Griffin se moveu em terreno similar ao afirmar que ideologia “abrange qualquer expressão do pensamento humano, seja verbal, simbólico ou comportamental, quando considerado em termos de seu papel na legitimação ou contestação total ou parcial de uma determinada ordem econômica, social, política e cultural” (Griffin, 1991Griffin, Roger. The Nature of Fascism. Londres: Routledge, 1991. , p. 15, grifos do autor).

Alguns historiadores italianos, por sua vez, reportaram-se ao conceito de “derivação” de Vilfredo Pareto e de “fórmula política” de Gaetano Mosca para definir a ideologia como “capacidade de persuasão, atitude de justificação e, por último, fundamento da legitimidade” (Zunino, 1985Zunino, Pier Giorgio. L’ideologia del fascismo: miti, credenze e valori nella stabilizzazione del regime. Milão: Il Mulino, 1985., p. 14). Outras, como Luisa Mangoni, lançaram mão das ideias de Antonio Gramsci e definiram a ideologia como “zona de encontro ou de colisão entre a cultura e a política” (Mangoni, 1982Mangoni, Luisa. “La crisi dello Stato liberale e i giuristi italiani”. Studi Storici , v. 23, n. 1, 1982, pp. 75-100.), procurando a partir dessa noção investigar os conflitos entre diferentes visões de mundo e as instituições culturais por meio das quais o fascismo construiu seu consenso (Mangoni, 2015Mangoni, Luisa. “La cultura e il fascismo: una relazione del 1975”. Studi Storici , v. 56, n. 3, 2015, pp. 723-38.).14 14 É nesse sentido gramsciano que a ideologia fascista é aqui compreendida. Gramsci parece conceber as “ideologias orgânicas” em um sentido próximo a esse acima indicado. Segundo o sardo, “historicamente necessárias, elas têm uma validade ‘psicológica’, ‘organizam’ as massas humanas, elas formam o terreno no qual os homens se movem, adquirem consciência de sua posição, lutam etc.” (Gramsci, 1977, p. 869). Nesse sentido, pode-se afirmar que a ideologia é o que dá sentido ao movimento fascista. Não é necessário para tal que ela seja coerente e sistemática. O que importa é sua capacidade de “interpelar” as pessoas.

Não parece haver razão para exigir que as ideologias, e menos ainda a ideologia do fascismo, se submetam ao princípio da não contradição, que sejam coerentes e sistemáticas. Diferente é o caso da doutrina, de uma “concepção do mundo que representa a vida intelectual e moral […] de todo um grupo social”, segundo Gramsci (1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., v. 2, p. 1.231). A doutrina deve ser coerente. Em contraste com a ideologia fascista, sua doutrina distinguiu-se por apresentar um caráter mais sistemático e especializado, voltado frequentemente para uma elite intelectual. Tratava-se de um discurso filosófico com o objetivo de expor de maneira coerente a concepção de mundo do movimento. Não deixava, entretanto, de ter uma forte conexão com a política, uma vez que essa concepção de mundo carregava consigo um programa, ou seja, a imaginação do futuro, e sua exposição servia, com frequência, a um propósito não explicitado. A relação entre doutrina e ideologia era de tradução recíproca. A doutrina traduzia para a linguagem da filosofia os mitos, as ideias, as crenças, que na ideologia fascista apareciam muitas vezes de modo fragmentário e incoerente; enquanto a ideologia traduzia a filosofia do fascismo para a linguagem não especializada do senso comum.

No estudo da ideologia do fascismo algumas cautelas são importantes. Ao contrário do que os próprios protagonistas divulgaram, a doutrina fascista não se encontra exclusivamente no pensamento do líder.15 15 Ver, por exemplo, a afirmação do fascista Renato Mariani, para quem era “lógico e necessário afirmar que toda a doutrina fascista é criação de Mussolini” (Mariani, 1939, p. 19). Como afirmou Emilio Gentile, não basta percorrer as páginas da Opera omnia do Duce para descobrir a verdadeira filosofia do fascismo (E. Gentile, 2001 [1975]Gentile, Emilio. Le origini dell’ideologia fascista (1918-1925) [1975]. Bolonha: Il Mulino, 2001., p. 21). Em suas famosas Lezioni sul fascismo, Palmiro Togliatti já alertava para a existência de várias correntes político-ideológicas no interior do fascismo, ao mesmo tempo que identificava em sua “ideologia nacionalista exasperada” o denominador comum entre todas elas (Togliatti, 2019 [1935]Togliatti, Palmiro. Lezioni sul fascismo [1935]. Roma: Riuniti, 2019., p. 50). A heterogeneidade da ideologia fascista era aquilo que permitia soldar várias correntes para criar “um vasto movimento de massas” (Togliatti, 2019 [1935]Togliatti, Palmiro. Lezioni sul fascismo [1935]. Roma: Riuniti, 2019., p. 51).

Em suma, o fascismo foi um movimento plural - mas não pluralista - que reuniu ao redor de uma ideologia ultranacionalista e estatólatra diferentes tendências filosóficas que interpretaram a doutrina do movimento a partir de seus próprios quadros teórico-conceituais, competindo entre si. Os resultados dessa competição variaram ao sabor da relação de forças em conjunturas específicas. Entre o programa de 1919, expressão de um movimento cuja base social era preponderantemente de ex-combatentes, futuristas e sindicalistas revolucionários, e o mencionado La dottrina del fascismo, formalização teórica de um regime político, a distância é grande. O radicalismo com conotações anticapitalistas do programa original era apenas um eco muito distante, quase inaudível, naquele verbete da Enciclopedia italiana publicado em 1932. É por esse motivo que o estudo da ideologia não pode ser separado das realidades políticas e sociais nas quais ela se afirma. É nessas realidades, nas quais diferentes relações de forças se cristalizam, que as ideologias se atualizam, assumindo novos arranjos e configurações. Para o estudo da ideologia do fascismo pode-se, assim, recolher a máxima metodológica de Angelo Tasca: “Para nós, definir o fascismo é antes de tudo escrever sua história” (Tasca, 1967Tasca, Angelo. Nascita e avvento del fascismo: l’Italia dal 1918 al 1922. Florença: Laterza, 1967., p. 553). Compreender a ideologia do fascismo é também escrever sua história.

Escrever essa história, entretanto, implica resolver problemas metodológicos importantes. Como fazer a história de uma ideologia responsável pelos horrores da guerra e pela morte de milhões de pessoas? Na introdução ao primeiro volume de sua biografia de Mussolini, Renzo De Felice afirmou ter levado a cabo seu empreendimento historiográfico sine ira et studio. E embora uma biografia de Mussolini nunca pudesse ser apolítica, afirmava que a sua não seria “‘mussoliniana’ ou ‘antimussoliniana’, ‘fascista’ ou ‘antifascista’” (De Felice, 1965De Felice, Renzo. Mussolini il rivoluzionario (1883-1920). Turim: Einaudi , 1965., p. xxi). Contestava, desse modo, a historiografia precedente, de inspiração antifascista, a qual teria conduzido a investigação a partir de pressupostos previamente estabelecidos.

Mas essa atitude não produziu resultados imunes à crítica. A seleção dos documentos, sua classificação e interpretação ocorriam, enfim, a partir de parâmetros externos às fontes, muitas vezes subjetivos. Ernesto Ragionieri, um historiador antifascista militante, colocou a questão de modo ponderado nas páginas do jornal comunista L’Unità, logo após a publicação do segundo volume da biografia defeliciana: “De Felice tem a paixão pelo papel impresso e pelo documento inédito, mas tende também a aumentar a relevância de tudo aquilo que encontra, sem discriminar e selecionar a importância” (Ragionieri, 1967Ragionieri, Ernesto. “Renzo De Felice: Mussolini, il fascista inconsapevole”. L’Unità, seção Cultura, 1967.).

À medida que o projeto defeliciano avançou, seus limites e suas aporias tornaram-se evidentes. As consequências políticas de seu anti-antifascismo não cessavam de se manifestar. A imagem de Mussolini como um revolucionário modernizador que gradativamente foi sendo desenhada nessa biografia suavizou seus contornos e tornou-se cada vez mais benevolente, provocando fortes protestos.16 16 Cf. Michael A. Ledeen (1976), Emilio Gentile (1986), Borden W. Painter (1990) e Donatello Aramini (2014). Marco Palla percebeu que na biografia era possível notar “um senso de cansaço cada vez maior” e uma tendência ao “isolamento cultural” que levava seu autor a promover uma “política de citações”, privilegiando as referências à sua “escola” e às publicações das revistas que controlava (Palla, 1982Palla, Marco. “Mussolini il fascista numero uno”. Studi Storici , v. 23, n. 1, 1982, pp. 23-49., p. 24). Em particular sua repulsa à historiografia antifascista levou-o a praticamente desconsiderar as importantes pesquisas realizadas por jovens historiadores comunistas e socialistas.

Os avanços das pesquisas e os novos problemas que eles traziam fizeram que questões de ordem metodológica ganhassem cada vez mais atenção. Um número crescente de historiadores passou a destacar a importância de permitir que o objeto de suas pesquisas se expressasse com voz própria. Ernst Nolte chamou esse método de fenomenológico. Segundo ele, o historiador deveria evitar impor “uma definição externa do fenômeno”. Para tal, advogava uma atitude que permitiria que o fenômeno falasse por si do modo mais amplo possível e assumisse sua autoimagem (Nolte, 1966Nolte, Ernst. Three Faces of Fascism : Action Française, Italian Fascism , National Socialism. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1966., p. 41). Foi nessa direção que Mosse guiou suas pesquisas sobre a cultura no Terceiro Reich. Anos mais tarde anunciou sucintamente seu método: “Considerar o fascismo um movimento cultural significa vê-lo como ele se via e como seus seguidores o enxergavam, tentar entender o movimento em seus próprios termos” (Mosse, 1999 [1979]Mosse, George L. “Toward a General Theory of Fascism”. In: The Fascist Revolution [1979]. Nova York: Howard Fertig, 1999, pp. 1-44., p. x). Para considerar o fenômeno a partir de sua “autocompreensão” seria necessário abordá-lo com uma “empatia” metodologicamente orientada, que permitiria identificar aquilo que os indivíduos poderiam ver, entender e interpretar em seu próprio tempo (Mosse, 1999 [1979]Mosse, George L. “Toward a General Theory of Fascism”. In: The Fascist Revolution [1979]. Nova York: Howard Fertig, 1999, pp. 1-44., p. xi). Mosse estava longe de considerar ingenuamente essa atitude metodológica. A compreensão de um fenômeno não deveria impedir um julgamento baseado em pressupostos morais e políticos. A questão crucial era que a “compreensão deve preceder um julgamento informado” (Mosse, 2000Mosse, George L. Confronting History: A Memoir. Madison: University of Wisconsin Press, 2000., p. 172).

Esse pressuposto metodológico parece cada vez mais difundido, como se pode ver na afirmação de Michael Mann: “A ideologia fascista deve ser levada a sério, em seus próprios termos. Não deve ser descartada como louca, contraditória ou vaga” (Mann, 2008Mann, Michael. Fascistas. Rio de Janeiro: Record, 2008., p. 2). No mesmo sentido, em sua recentíssima Storia del fascismo, Emilio Gentile (2022Gentile, Emilio. Storia del fascismo. Bari: Laterza, 2022.) afirmou que a missão do historiador do fascismo é “seguir a sucessão dos acontecimentos assim como foram vistos por aqueles que estavam imersos neles e agiam com suas iniciativas para direcioná-los no sentido que desejavam” (Gentile, 2022Gentile, Emilio. Storia del fascismo. Bari: Laterza, 2022., p. xxi). Como um “enviado especial ao passado”, o historiador deveria esforçar-se para “ignorar como as coisas terminaram, evitando contá-las segundo a narrativa do póstero, que conhece o fim da história contada” (Gentile, 2022Gentile, Emilio. Storia del fascismo. Bari: Laterza, 2022., p. xxi).

A partir de 2000, a defesa da empatia metodológica passou a ser central no argumento de Griffin, para quem essa abordagem teria permitido conceber o fascismo como “a expressão, embora muitas vezes propagandística, de fortes crenças e ideais de grande poder emocional e mítico sobre o que está errado com a sociedade e o que deve ser feito para regenerá-la” (Griffin, 2018Griffin, Roger. Fascism. Cambridge: Polity, 2018., p. 34). Assim como Mosse, esse autor também procurou esclarecer que tal abordagem metodológica não implicaria renunciar aos “valores humanísticos”, tampouco deixá-los de lado, ao avaliar histórica e moralmente as consequências políticas mais amplas do sistema de crenças do fascismo (Griffin, 2018Griffin, Roger. Fascism. Cambridge: Polity, 2018., p. 38).

O método é difundido, mas não é unânime. David Renton pronunciou-se fortemente contra essa abordagem empática, afirmando que “o historiador está obrigado a ser crítico” (Renton, 1999Renton, David. Fascism : Theory And Practice. Londres: Pluto, 1999., p. 18). Seu pressuposto básico foi o de que “seria um erro aceitar a linguagem de personagens políticas pelo valor de face. Os pronunciamentos formais de qualquer líder devem ser comparados com sua prática” (Renton, 1999Renton, David. Fascism : Theory And Practice. Londres: Pluto, 1999., p. 18). A necessidade de estudar as ideologias “criticamente” seria ainda maior no caso dos fascismos, responsáveis pela morte de milhões de pessoas. “Objetividade” e “neutralidade” simplesmente não seriam possíveis. Segundo Renton, o “fascismo é totalmente inaceitável como método de mobilização política, como uma série de ideias e como sistema de governo” (Renton, 1999Renton, David. Fascism : Theory And Practice. Londres: Pluto, 1999., p. 18).

O argumento de Renton é constrangedor. Pretendeu atacar o método empático a partir de uma “teoria crítica”, mas acabou por confundir uma orientação metodológica com uma atitude politicamente acrítica perante o fascismo; identificou objetividade científica com neutralidade política. Terminou com uma afirmação banal: o fascismo é inaceitável. Mas o “método alternativo” que propôs ficou muito longe de produzir uma pesquisa rigorosa e bons resultados. Renton desprezou as fontes primárias produzidas pelo próprio fascismo e não citou uma única sequer. Seu argumento apoiou-se na leitura de outras interpretações marxistas do fascismo, boa parte reunida em uma única coletânea de traduções (Beetham, 1983Beetham, David. Marxists in Face of Fascism: Writings by Marxists on Fascism from the Inter-War Period. Manchester: Manchester University Press, 1983.). Ao final, o remate foi decepcionante: “Fascismo é uma ideologia reacionária”, concluiu (Renton, 1999Renton, David. Fascism : Theory And Practice. Londres: Pluto, 1999., p. 101). Sem pesquisar como os próprios fascistas se definiam, Renton chegou a uma conclusão que não permite distinguir a ideologia destes daquela do Syllabus papal de 1864 ou de outros movimentos conservadores e da direita radical, todos eles reacionários (ver a classificação de Payne [1980]Payne, Stanley G. Fascism : Comparison and Definition. Madison: University of Wisconsin Press , 1980.).

Apesar de frágil, o argumento de Renton tocou em um ponto sensível. Não foram poucas as vezes nas quais a metodologia empática produziu versões benevolentes do fascismo e de sua ideologia. De Felice e Nolte são os casos mais conhecidos, mas não são os únicos. Por alguma razão difícil de explicar, as pesquisas sobre a ideologia do fascismo não assimilaram os debates sobre a metodologia da história do pensamento político, que tanto contribuíram nas últimas décadas para uma renovação desse campo de estudos. Aí a crítica à “metodologia empática” foi levada a cabo de modo muito mais eficaz. A abordagem de Quentin Skinner pode contribuir para desatar esse nó. Seu ponto de partida apresentava alguns pressupostos básicos que todo pesquisador ou pesquisadora deveriam seguir: 1) assumir que os indivíduos estão falando a verdade a respeito de suas crenças; 2) estar preparado para aceitar o que é dito pelo seu valor de face; 3) cercar as crenças nas quais se está interessado com o contexto intelectual no qual elas foram produzidas e que lhes dá sentido (Skinner, 2002Skinner, Quentin. Visions of Politics: Regarding Method. Cambridge: Cambridge University Press, v. I, 2002., pp. 40-2).

Nada disso implicaria aceitar aquilo que é dito como uma verdade com a qual se deva concordar. Estes são procedimentos metodológicos cujo objetivo é compreender aquilo que foi dito, as intenções e os motivos daqueles que disseram isso e as consequências possíveis e efetivas dos enunciados. Para retomar um exemplo de Skinner, Jean Bodin, autor de Les Six livres de la république, obra clássica sobre a soberania escrita no século XVI, afirmou acreditar na existência de uma aliança das bruxas com o demônio. É possível supor que atualmente a maioria das pessoas concorde com a afirmação de que bruxas não existem. Mas, assumindo que Bodin estava mentindo quando escreveu a respeito delas, não se é capaz de compreender qual nexo essa afirmação tinha com sua notável teoria da soberania e muito menos o que Bodin estava fazendo quando escreveu La Démonomanie des sorciers, quais eram seus motivos e suas intenções.17 17 Para satisfazer a curiosidade que o tema pode despertar, registre-se rapidamente que o argumento de Bodin sobre a soberania estava alicerçado no princípio de uma ordem divina que repousaria na vontade unitária de Deus. As bruxas atentariam contra os ideais de justiça e a magistratura, por meio de seus crimes ordinários e, principalmente,opondo-se às leis naturais e divinas. La Démonomanie é, assim, um tratado de demonologia política que deveria ser lido de modo complementar a Les Six livres de la république.

O exemplo de Skinner parece extremo, mas sua distância torna mais fácil aceitá-lo. Mas e se em vez do livro de Bodin contra as bruxas o exemplo fosse Mein Kampf, de Adolf Hitler, os artigos do antissemita Giovanni Preziosi publicados em La Vita Italiana ou os discursos de Mussolini justificando o massacre de etíopes? A proximidade dos eventos aos quais esses documentos se referem parece tornar seus conteúdos mais abjetos. Entretanto, é justamente isso o que torna mais importante compreendê-los. O horror precisa ser interpretado para que ele não tenha mais lugar. O método de Skinner não exige, por outro lado, uma atitude empática com esses atores. Compreender a ideologia do fascismo não exige “pensar como um fascista” e, desse modo, recuperar os processos psicológicos que tornaram certas ideias tão aceitas. Trata-se, em vez disso, de compreender o que os fascistas pensavam por meio daqueles documentos que eles mesmos produziram e interpretar suas intenções a partir do sentido que esses documentos poderiam assumir em um contexto determinado. Ou seja, os significados relevantes são aqueles partilhados intersubjetivamente pelos atores.

CONCLUSÃO: COMPARAR OS FASCISMOS

É possível agora apresentar algumas conclusões. Afirmamos no início que estudar a ideologia dos fascismos do entreguerras era a melhor maneira de compreender suas atualizações, ou seja, a emergência no século XXI de movimentos neofascistas. Afirmar a inexistência de uma ideologia fascista, ou mesmo sua irrelevância, como chave explicativa, como alguns autores fizeram, impede a comparação. Partidos-milícia de massas, camisas coloridas e multitudinários desfiles coreografados parecem ser coisa do passado. As ideias, entretanto, estão aí, para quem quiser ver e estudá-las. A ideologia do fascismo é ultranacionalista, estatólatra, antidemocrática, anticomunista e atribui à violência a capacidade redentora de criar uma nova ordem política para promover o renascimento nacional. É essa ideologia que conecta o fascismo do entreguerras aos novos movimentos neofascistas.

As formas de atualização dessa ideologia são, entretanto, variadas. Estudos recentes têm indicado que a internacionalização do neonazismo grupuscular implicou uma redefinição da “nação”, agora identificada com a Europa (ver Griffin, 2018Griffin, Roger. Fascism. Cambridge: Polity, 2018., pp. 112-3). De certo modo, essa mudança já havia sido antecipada nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, quando o regime de Hitler justificou a invasão da União Soviética como uma operação destinada a “salvar a Europa”. Em outros casos, como no neofascismo metapolítico de Alain de Benoist ou Olavo de Carvalho, a unidade fundamental é a civilização judaico-cristã. Trata-se sempre, entretanto, de uma “comunidade imaginada” sitiada, ameaçada por forças políticas e culturais exógenas.

Essa atualização da ideologia fascista já havia sido prevista por Angelo Tasca, que insistiu que algumas “características fundamentais” do fascismo poderiam mudar. Dessa percepção decorria um importante alerta metodológico: definir o fascismo significaria compreender essa mudança e nela identificar aquilo que cada fascismo tem de específico “em um determinado país e em uma determinada época” (Tasca, 1967Tasca, Angelo. Nascita e avvento del fascismo: l’Italia dal 1918 al 1922. Florença: Laterza, 1967., p. 554). Mas as mudanças só se revelam na comparação entre um antes e um depois, um aqui e um lá. É, pois, a comparação o que nos permitirá sair das aporias de um “fascismo genérico” e pensar os fascismos realmente existentes.

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  • Zunino, Pier Giorgio. L’ideologia del fascismo: miti, credenze e valori nella stabilizzazione del regime. Milão: Il Mulino, 1985.
  • 1
    Todas as traduções para o português das obras citadas são do autor deste artigo.
  • 2
    A referência era aos partidários da Associazione Nazionalista Italiana (ani), fundada por Enrico Corradini, em 1910. Faziam parte da ani importantes intelectuais que ocuparam posições de destaque no governo fascista. Em março de 1923, a ani se fundiu com o Partito Nazionale Fascista (PNF) e deixou de existir. Sobre a história da ANI, ver Erminio Fonzo (2017)Fonzo, Erminio. Storia dell’Associazione Nazionalista Italiana (1910-1923). Nápoles: Edizioni Scientifiche Italiane, 2017..
  • 3
    O filósofo neoidealista Giovanni Gentile (1875-1944) foi ministro da Instrução Pública (1922-1924) do governo Mussolini e senador do Reino da Itália (1924-1943).Filiou-se ao PNF em 1923, quando já era ministro. Foi personagem de destaque no dispositivo cultural do fascismo e procurou formular uma doutrina e uma filosofia para esse movimento.
  • 4
    No mesmo jornal, ver a resposta de Angelo D’Orsi (2000b)D’Orsi, Angelo. “Torino, 1922-1945: gli eroi e gli oportunisti”. La Stampa , 31 maio 2000b.. A polêmica, entretanto, não impediu que o mesmo D’Orsi, anos mais tarde, vaticinasse, em uma linha similar àquela de Bobbio e Salvadori, que o fascismo era “indigente no plano da doutrina”e que teria herdado suas poucas ideias teórico-políticas do nacionalismo (D’Orsi, 2011D’Orsi, Angelo. L’Italia delle idee: il pensiero politico in un secolo e mezzo di storia. Milão: Bruno Mondadori, 2011., p. 164).
  • 5
    Proveniente das fileiras do sindicalismo revolucionário, Michele Bianchi (1882-1930) foi um dos criadores dos Fasci Italiani di Combattimento, em 1919, e participou da fundação do pnf, em novembro de 1921, tornando-se seu primeiro secretário.
  • 6
    A referência é a Giuseppe Mazzini (1805-1872), líder da ala democrática e nacionalista do chamado Risorgimento italiano, o movimento pela independência e unidade da península (1815-1871).
  • 7
    A destra storica nasceu no parlamento do Reino da Sardenha em 1852 sob a liderança de Camillo Benso, o conde de Cavour (1810-1861). Caracterizou-se pela defesa do liberalismo econômico, de um Estado unitário, centralizado administrativamente, e de uma Constituição que deixava pouca margem para a participação popular.
  • 8
    George Valois (1878-1945) foi primeiro sindicalista revolucionário e mais tarde militante do grupo nacionalista e monarquista Action Française. Criou o movimento Le Faisceau em 1925 e, em 1928, o Parti Républicain Syndicaliste.
  • 9
    Georges Sorel (1847-1922) foi teórico do sindicalismo revolucionário e um dos responsáveis pela difusão das ideias de Karl Marx na França. Charles Maurras (1868-1952), monarquista, ultracatólico e nacionalista, foi um dos fundadores da Action Française.
  • 10
    António Costa Pinto (1986)Pinto, António Costa. “Fascist Ideology Revisited: Zeev Sternhell and His Critics”. European History Quarterly, v. 16, n. 4, 1986, pp. 465-83. e Robert Wohl (1991)Wohl, Robert. “French Fascism, Both Right and Left: Reflections on the Sternhell Controversy”. The Journal of Modern History, v. 63, n. 1, 1991, pp. 91-8. fizeram amplas resenhas do debate.
  • 11
    Sobre esses antecedentes, ver Demian Melo (2016)Melo, Demian Bezerra de. “Antonio Gramsci, Palmiro Togliatti e o consenso sob o fascismo”. Outubro, n. 26, 2016, pp. 113-44.
  • 12
    O historiador Gioacchino Volpe (1876-1971) foi membro da ani e filiou-se ao pnf em 1921. Alfredo Rocco (1875-1935), também nacionalista, aderiu ao pnf em 1923 e foi ministro da Justiça do governo Mussolini (1925-1932), responsável pela estruturação jurídica do regime. Giuseppe Bottai (1895-1959), proveniente das fileiras do futurismo, aderiu ao fascismo já em 1919; era o líder da ala revisionista do partido e editor da revista Crítica Fascista; tornou-se mais tarde ministro das Corporações (1929-1932) e, depois, da Educação (1936-1943).
  • 13
    Payne havia definido anteriormente o fascismo a partir de uma descrição tipológica que destacava suas negações (antiliberalismo, anticomunismo e anticonservadorismo), sua ideologia, seus objetivos, seu estilo e organização (Payne, 1980Payne, Stanley G. Fascism : Comparison and Definition. Madison: University of Wisconsin Press , 1980., p. 7).
  • 14
    É nesse sentido gramsciano que a ideologia fascista é aqui compreendida. Gramsci parece conceber as “ideologias orgânicas” em um sentido próximo a esse acima indicado. Segundo o sardo, “historicamente necessárias, elas têm uma validade ‘psicológica’, ‘organizam’ as massas humanas, elas formam o terreno no qual os homens se movem, adquirem consciência de sua posição, lutam etc.” (Gramsci, 1977Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere, v. 1-4. Org. Valentino Gerratana. Turim: Enaudi, 1977., p. 869). Nesse sentido, pode-se afirmar que a ideologia é o que dá sentido ao movimento fascista. Não é necessário para tal que ela seja coerente e sistemática. O que importa é sua capacidade de “interpelar” as pessoas.
  • 15
    Ver, por exemplo, a afirmação do fascista Renato Mariani, para quem era “lógico e necessário afirmar que toda a doutrina fascista é criação de Mussolini” (Mariani, 1939Mariani, Renato. Autonomia della dottrina fascista. Florença: C. Cya, 1939., p. 19).
  • 16
    Cf. Michael A. Ledeen (1976)Ledeen, Michael A. “Renzo De Felice and the Controversy over Italian Fascism”.Journal of Contemporary History , v. 11, n. 4, 1976, pp. 269-83., Emilio Gentile (1986)Gentile, Emilio. “Fascism in Italian Historiography: In Search of an Individual Historical Identity”. Journal of Contemporary History, v. 21, n. 2, 1986, pp. 179-208., Borden W. Painter (1990)Painter, Borden W. “Renzo De Felice and the Historiography of Italian Fascism ”.The American Historical Review, v. 95, n. 2, 1990, pp. 391-405. e Donatello Aramini (2014)Aramini, Donatello. “Renzo De Felice e la recente storiografia italiana”. Studi Storici, v. 55, n. 1, 2014, pp. 335-48..
  • 17
    Para satisfazer a curiosidade que o tema pode despertar, registre-se rapidamente que o argumento de Bodin sobre a soberania estava alicerçado no princípio de uma ordem divina que repousaria na vontade unitária de Deus. As bruxas atentariam contra os ideais de justiça e a magistratura, por meio de seus crimes ordinários e, principalmente,opondo-se às leis naturais e divinas. La Démonomanie é, assim, um tratado de demonologia política que deveria ser lido de modo complementar a Les Six livres de la république.

Editora responsável:

Renata Francisco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2023
  • Aceito
    16 Fev 2024
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