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AVANÇOS E DESAFIOS NA COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA: Uma análise dos consórcios intermunicipais de saúde do Estado do Rio Grande do Sul

Advances and Challenges in Inter-Federative Cooperation: an Analysis of Inter-Municipal Health Consortia of the Rio Grande do Sul State

RESUMO

O objetivo deste artigo é compreender de que modo opera a dinâmica de cooperação intermunicipal no Brasil e de que forma os consórcios se inserem na estrutura da regionalização da saúde. Foram realizadas entrevistas com os secretários executivos dos consórcios. Argumentamos que os consórcios contribuem para a gestão municipal, contudo esforços são necessários para a construção de um sistema coordenado e cooperativo de implementação de polícias públicas.

PALAVRAS-CHAVE:
consórcios de saúde; federalismo; regionalização; cooperação interfederativa

ABSTRACT

The article aims to understand how the dynamics of inter-municipal cooperation in Brazil operate and how consortia are inserted in the structure of health regionalization. Interviews were carried out with the Executive Secretaries of the consortia. We argue that consortia contribute to municipal management, however, efforts are needed to build a coordinated and cooperative system for implementing policies.

KEYWORDS:
health consortia; federalism; regionalization; inter-federative cooperation

INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, um paradoxo impera sobre o federalismo brasileiro. De forma original nas federações, os municípios se transformaram em entes autônomos e, associado a esse processo, um conjunto de direitos sociais foram instituídos, e grande parte da responsabilidade por sua implementação ficou a cargo desses entes federados. Contudo, inúmeros percalços surgiram com o passar do tempo, alguns deles decorrentes da excessiva fragmentação da federação (Arretche, 2012Arretche, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: Editora fgv/Editora Fiocruz, 2012.; Grin; Abrucio, 2018Grin, Eduardo José; Abrucio, Fernando. “O Comitê de Articulação Federativa no governo Lula: os percalços da cooperação territorial”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 2018, v. 33/97. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/339703/2018 >. Acesso em: 20/2/2020.
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), formada, hoje, por 5.570 municípios, dos quais 68% têm menos de 20 mil habitantes (IBGE/MUNIC, 2015IBGE/MUNIC. Perfil dos municípios brasileiros. Brasília, 2015.). Nesse sentido, a literatura aponta que a maioria dos municípios não dispõe das condições necessárias para implementar de forma eficiente e efetiva todas as políticas que estão sob sua incumbência (Arretche, 2012Arretche, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: Editora fgv/Editora Fiocruz, 2012.; Grin; Abrucio, 2018Grin, Eduardo José; Abrucio, Fernando. “O Comitê de Articulação Federativa no governo Lula: os percalços da cooperação territorial”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 2018, v. 33/97. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/339703/2018 >. Acesso em: 20/2/2020.
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).

A temática da cooperação entre os entes federados surgiu na década de 1990, em decorrência da constatação de que, sozinhos, os municípios não seriam capazes de entregar à população uma parcela significativa dos serviços aos quais ela tem direito (Segatto; Abrucio, 2016Segatto, Catarina Ianni; Abrucio, Fernando Luiz. “A cooperação em uma federação heterogênea: o regime de colaboração na educação em seis estados brasileiros”. Revista Brasileira de Educação, 2016, v. 21/65, pp. 411-29. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216522 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Como forma de remediar tal dificuldade, entendeu-se que seria preciso desenvolver um conjunto de inovações na administração pública. A primeira inovação seria a criação dos chamados sistemas nacionais de políticas públicas, ou seja, arranjos institucionais coordenados de forma a financiar e definir os macroparâmetros para a implementação, com potencial para induzir agendas, disseminar capacidades institucionais e gerar certa convergência nos padrões de provisão no nível subnacional (Bichir; Simoni Junior; Pereira, 2020Bichir, Renata; Simoni Junior, Sergio; Pereira, Guilherme. “Sistemas nacionais de políticas públicas e seus efeitos na implementação o caso do Sistema Único de Assistência Social (Suas)”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/c87HNnL8R5YNM95RpBVP7tN/?lang=pt . Acesso em: 4/4/2022.
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). Além disso, propôs-se a criação de um ambiente propício à cooperação entre os entes federados, dado que estes, apesar de autônomos, são também interdependentes. Dentro desse escopo, houve a criação e a disseminação de práticas de consorciamento intermunicipal institucionalizada por meio da promulgação da Lei 11.107 de 2005, conhecida como a Lei dos Consórcios Públicos (Abrucio; Filippim; Dieguez, 2013Abrucio, Fernando Luiz; Filippim, Eliane Salete; Dieguez, Rodrigo Chaloub. “Inovação na cooperação intermunicipal no Brasil: a experiência da Federação Catarinense de Municípios (Fecam) na construção de consórcios públicos”. Revista de Administração Pública, 2013, v. 47/6, pp. 1.543-68. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-76122013000600010 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Essas organizações surgem, portanto, como uma resposta a um amplo conjunto de demandas dos municípios, entre as quais, a escassez de oferta de serviços em saúde. Funcionam como um instrumento de agregação de interesses e aglutinação de esforços dos municípios de dada região para resolver demandas comuns. Destarte, a discussão principal deste artigo diz respeito ao debate sobre os arranjos de cooperação intergovernamental na política de saúde como espaços de negociação e/ou gestão entre os entes da federação.

Nesse quadro, objetivamos responder à seguinte questão: de que modo opera a dinâmica de cooperação intermunicipal no estado do Rio Grande do Sul e de que forma os consórcios se inserem no desenvolvimento das políticas de regionalização da saúde? Com essa finalidade, realizamos uma pesquisa junto aos consórcios de saúde do Rio Grande do Sul para buscar entender de que modo essas organizações desenvolvem suas atividades e como se relacionam com as outras esferas de gestão.

Para tanto, este artigo está organizado em três partes: na primeira, apresentaremos a discussão sobre cooperação federativa, consórcios públicos e regionalização da saúde; na segunda, esclareceremos os procedimentos metodológicos; e, na terceira, fazemos a análise e a discussão dos dados.

COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA E CONSÓRCIOS PÚBLICOS

A partir da década de 1990, a provisão do acesso universal aos serviços de saúde passou a ser um desafio compartilhado por todos os entes da federação, isto é, União, estados e municípios (Lui; Schabbach; Nora, 2020Lui, Lizandro; Schabbach, Letícia Maria; Nora, Carlise Rigon Dalla. “Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais”. Ciência & Saúde Coletiva , 2020, v. 25/12, pp. 5065-74. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Todavia, a maioria dos municípios, especialmente os de menor porte, vive em situação de precariedade técnica, financeira e administrativa, com escassa capacidade de atender às demandas de saúde da população, principalmente no que tange ao acesso aos serviços de média e alta densidades tecnológicas (Medeiros et al., 2017Medeiros, Cássia Regina Gotler et al. “Planejamento regional integrado: a governança em região de pequenos municípios”. Saúde e Sociedade, 2017, v. 26/1, pp. 129-40. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104-12902017162817 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Tendo em vista essa realidade, o Ministério da Saúde realizou, sobretudo a partir dos anos 1990, um conjunto de esforços para consolidar o processo de regionalização das políticas de saúde (Medeiros et al., 2017Medeiros, Cássia Regina Gotler et al. “Planejamento regional integrado: a governança em região de pequenos municípios”. Saúde e Sociedade, 2017, v. 26/1, pp. 129-40. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0104-12902017162817 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). A ideia era fomentar a criação e a consolidação de instâncias regionalizadas de gestão do sistema de saúde, como as Coordenadorias Intergestoras Regionais, as Regiões de Saúde, a Programação Pactuada Integrada e os contratos organizativos de ação pública (Lui; Schabbach; Nora, 2020Lui, Lizandro; Schabbach, Letícia Maria; Nora, Carlise Rigon Dalla. “Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais”. Ciência & Saúde Coletiva , 2020, v. 25/12, pp. 5065-74. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

Apesar da Lei Orgânica da Saúde de 1990 já indicar a gestão consorciada e regional, os esforços mais concretos para uma organização regional de oferta e demanda dos serviços de saúde ocorreram somente a partir da década de 2000, em especial após o Pacto de Gestão celebrado em 2006 (Machado, 2009Machado, José Angelo. “Pacto de gestão na saúde: até onde esperar uma ‘regionalização solidária e cooperativa’?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 2009, v. 24/71. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092009000300008 >. Acesso em: 14/7/2021.
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). O decreto n. 7.508 de 28 de junho de 2011 orienta a constituição de redes regionalizadas e define as regiões de saúde como espaços para a integração dos serviços e, principalmente, para a organização da oferta e da demanda dos serviços de saúde (Brasil, 2011Brasil. Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. 2011.). O decreto define ainda o papel das Comissões Intergestores Regionais (CIR), organizadas pelas secretarias estaduais de Saúde como instâncias de articulação dos gestores municipais, que devem propor, de maneira coordenada, a distribuição dos serviços e dos trabalhadores da saúde, visando garantir amplo acesso nos diferentes níveis de atenção e possibilitando a equidade e a integralidade mediante a gestão do cuidado (Santos; Giovanella, 2014Santos, Adriano Maia dos; Giovanella, Ligia. “Regional Governance: Strategies and Disputes in Health Region Management”. Revista de Saúde Pública , 2014, v. 48/4, pp. 622-31. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005045 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

O processo de regionalização deve ser compreendido, portanto, como um modo de organização das ações e dos serviços de saúde em uma região cujo objetivo é assegurar a integralidade da atenção, propiciar a racionalidade dos gastos, bem como a equidade e a otimização dos recursos (Morais; Chaves, 2016Morais, Vânia Soares; Chaves, André Preissler Loureiro. “Percepção dos gestores municipais de saúde relacionada à saúde ambiental: consórcio intermunicipal de saúde Cerrado Tocantins Araguaia”. Saúde e Sociedade, 2016, v. 25, pp. 349-60. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902016149984 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Nessa discussão inclui-se a temática da cooperação interfederativa, visto que, para que exista uma organização da oferta e da demanda dos serviços de saúde entre os municípios de uma dada região, é necessária a criação de uma estrutura institucional que garanta a concertação dos interesses, a distribuição equitativa dos recursos financeiros e a atenuação dos conflitos entre os entes.

A partir da década de 1990, os Consórcios Intermunicipais de Saúde (CIS) passam a ser considerados uma forma de organização regional das demandas e dos serviços a partir de uma ideia de cooperação intermunicipal (Morais; Chaves, 2016Morais, Vânia Soares; Chaves, André Preissler Loureiro. “Percepção dos gestores municipais de saúde relacionada à saúde ambiental: consórcio intermunicipal de saúde Cerrado Tocantins Araguaia”. Saúde e Sociedade, 2016, v. 25, pp. 349-60. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902016149984 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Abrangem diversos municípios de uma mesma região, organizam a demanda por consultas especializadas e serviços de média e alta complexidades, beneficiando, sobretudo, os municípios de menor porte (Silva et al., 2017Silva, Camila Ribeiro et al. “Dificuldade de acesso a serviços de média complexidade em municípios de pequeno porte: um estudo de caso”. Ciência & Saúde Coletiva , 2017, v. 22/4, pp. 1109-20. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27002016 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Além disso, possibilitam a redução no preço dos medicamentos, comprando em grande escala e incrementando o poder de barganha (Amaral; Blatt, 2011Amaral, Silvâni Maria Sehnem do; Blatt, Carine Raquel. “Consórcio intermunicipal para a aquisição de medicamentos: impacto no desabastecimento e no custo”. Revista de Saúde Pública, 2011, v. 45/4, pp. 799-801. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000016 >. Acesso em: 10/9/2020.
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; Ferraes; Cordoni Junior, 2007Ferraes, Alide Marina Biehl; Cordoni Junior, Luiz. “Consórcio de medicamentos no Paraná: análise de cobertura e custos”. Revista de Administração Pública , 2007, v. 41/3, pp. 475-86. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-76122007000300005 >. Acesso em: 10/9/2020.
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); contribuem para o acesso aos serviços de média complexidade (Nicoletto; Cordoni Junior; Costa, 2005Nicoletto, Sônia Cristina Stefano; Cordoni Junior, Luiz; Costa, Nilson do Rosário. “Consórcios Intermunicipais de Saúde: o caso do Paraná, Brasil”. Cadernos de Saúde Pública , 2005, v. 21/1, pp. 29-38. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000100004 >. Acesso em: 10/9/2020.
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; Silva et al., 2017Silva, Camila Ribeiro et al. “Dificuldade de acesso a serviços de média complexidade em municípios de pequeno porte: um estudo de caso”. Ciência & Saúde Coletiva , 2017, v. 22/4, pp. 1109-20. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27002016 >. Acesso em: 10/9/2020.
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); facilitam o desenvolvimento de ações que envolvam cooperação intergovernamental (Rocha, 2016Rocha, Carlos Vasconcelos. “A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no estado do Paraná”. Cadernos Metrópole, 2016, v. 18/36, pp. 377-99. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3604 >. Acesso em: 10/9/2020.
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); e promovem a satisfação dos usuários, graças à ampliação do acesso (Muller; Greco, 2010Muller, Erildo Vicente; Greco, Marisabel. “Avaliação da satisfação dos usuários com os serviços do consórcio intermunicipal de saúde do noroeste do Paraná”. Ciência & Saúde Coletiva , 2010, v. 15/3, pp. 925-30. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000300036 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

Os consórcios intermunicipais são um mecanismo de cooperação que extrapola os limites territoriais e administrativos dos municípios, e sua formação é uma escolha autônoma (Abrucio; Filippim; Dieguez, 2013Abrucio, Fernando Luiz; Filippim, Eliane Salete; Dieguez, Rodrigo Chaloub. “Inovação na cooperação intermunicipal no Brasil: a experiência da Federação Catarinense de Municípios (Fecam) na construção de consórcios públicos”. Revista de Administração Pública, 2013, v. 47/6, pp. 1.543-68. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-76122013000600010 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Os municípios não são obrigados a respeitar as divisões territoriais preexistentes ou qualquer outra divisão político-institucional, como as Regiões Metropolitanas, as Regiões de Saúde e as Coordenadorias Regionais de Saúde, instituídas pelos governos estaduais. O argumento para isso repousa na ideia de que é necessário haver um sistema que permita iniciativas autônomas de cooperação subnacional e, ao mesmo tempo, uma coordenação uniforme que gerencie os recursos, as demandas e as esferas de gestão envolvidas na implementação das políticas (Grin; Abrucio, 2017_______; _______. “Quando ‘feds’ e ‘locals’ não falam a mesma língua: uma análise sobre dissonâncias na cooperação federativa”. Cadernos EBAPE.BR, 2017, v. 15/3, pp. 694-719. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1679-395164940>. Acesso em: 10/9/2020.
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; Segatto; Abrucio, 2016Segatto, Catarina Ianni; Abrucio, Fernando Luiz. “A cooperação em uma federação heterogênea: o regime de colaboração na educação em seis estados brasileiros”. Revista Brasileira de Educação, 2016, v. 21/65, pp. 411-29. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216522 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

Esse debate é particularmente interessante na medida em que a autonomia municipal pode criar, em nível estadual, um sistema altamente heterogêneo, com sobreposições (no caso de municípios que participam de mais de um consórcio) e vazios assistenciais (no caso de regiões onde não existem consórcios). Assim, ganha destaque o conceito de cooperação vertical como forma de garantir um sistema coordenado em nível estadual (Julião; Olivieri, 2020Julião, Karine Sousa; Olivieri, Cecília. “Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil”. Cadernos de Saúde Pública , 2020, v. 36/3, p. e00037519. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311x00037519 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Nesse caso, a autonomia dos municípios para se consorciarem é conciliada com o papel ativo do governo estadual para coordenar o processo de regionalização da saúde e organizar as instâncias decisórias dos consórcios com as Coordenadorias Regionais de Saúde.

Os consórcios firmaram-se, ao longo da década de 2000, como mecanismos relevantes para a gestão municipal da saúde no Brasil: em 2015, 50% dos municípios participavam de consórcios de saúde (IBGE/MUNIC, 2015IBGE/MUNIC. Perfil dos municípios brasileiros. Brasília, 2015.). Tal difusão se deve aos resultados funcionais propiciados aos seus participantes, entre eles, os ganhos de escala na compra de medicamentos, a maior racionalidade em processos e despesas e a realização de projetos regionais conjuntos. Isso seria impraticável se os municípios atuassem isoladamente (Flexa; Barbastefano, 2020Flexa, Raquel Gonçalves Coimbra; Barbastefano, Rafael Garcia. “Consórcios públicos de saúde: uma revisão da literatura”. Ciência & Saúde Coletiva, 2020, v. 25/1, pp. 325-38. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.24262019 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

A partir de 2005, os consórcios públicos passaram a contar com uma legislação específica (Brasil, 2005Brasil. Lei n. 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre as normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm >. Acesso em: 25/3/2019.
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), com orientações mais claras sobre a atividade dessas organizações (Abrucio, Filippim; Dieguez, 2013Abrucio, Fernando Luiz; Filippim, Eliane Salete; Dieguez, Rodrigo Chaloub. “Inovação na cooperação intermunicipal no Brasil: a experiência da Federação Catarinense de Municípios (Fecam) na construção de consórcios públicos”. Revista de Administração Pública, 2013, v. 47/6, pp. 1.543-68. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-76122013000600010 >. Acesso em: 10/9/2020.
https://doi.org/10.1590/S0034-7612201300...
). O estudo de Strelec e Fonseca (2011_______; Fonseca, Francisco. “Alcances e limites da Lei dos Consórcios Públicos - um balanço da experiência consorciativa no estado de São Paulo”. Cadernos Adenauer, XII (4), Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2011, pp. 1-29.) analisa o impacto desse instrumento normativo na gestão dos consórcios e nas relações intermunicipais. Segundo os autores, antes da lei, os consórcios careciam de regulação e segurança jurídica, o que favorecia a emergência de conflitos, principalmente no que concerne aos custos financeiros e ao uso dos benefícios. Poucos estudos, porém, investigam de que forma os atores inseridos na gestão dos consórcios entendem a organização social e o seu papel na gestão municipal (Flexa; Barbastefano, 2020Flexa, Raquel Gonçalves Coimbra; Barbastefano, Rafael Garcia. “Consórcios públicos de saúde: uma revisão da literatura”. Ciência & Saúde Coletiva, 2020, v. 25/1, pp. 325-38. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.24262019 >. Acesso em: 10/9/2020.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
). Alguns estudos utilizam metodologias quantitativas para investigar, a partir do conceito de ação coletiva institucional, quais seriam os indicadores que contribuem para a decisão do municípios e se consorciar (Fernandes et al., 2020Fernandes, Antônio Sérgio Araújo et al. “Uma análise dos consórcios intermunicipais para serviços de tratamento de resíduos sólidos a partir da ação coletiva institucional”. Revista de Administração Pública , 2020, v. 54/3, pp. 501-23. Disponível em: <Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/81511 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Contudo, é necessário compreender os processos de gestão dos consórcios públicos, principalmente no que diz respeito a sua dinâmica organizacional e inserção na esfera local.

Para compreender a organização dos consórcios, recorremos às abordagens institucionais. Nesse aspecto, o conceito de legitimidade orientará nossa análise da construção do processo de gestão organizacional, dado que inclui a percepção de que as ações de uma organização são desejáveis e adequadas (Wooten; Hoffman, 2013Wooten, Melissa; Hoffman, Andrew J. “Organizational Fields: Past, Present and Futur”. In: Greenwood, R. et al. (orgs.). Handbook of Organizational Institutionalism. Londres: Sage, 2013.).

O conceito de legitimidade, na teoria neoinstitucional, é relacionado por autores clássicos como Meyer e Rowan (1977Meyer, John W.; Rowan, Brian. “Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony”. American Journal of Sociology, 1977, v. 83/2, pp. 340-63. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1086/226550 >. Acesso em: 10/9/2020.
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) e DiMaggio e Powell (1983DiMaggio, Paul; Powell, Walter W. “The Iron Cage Revisited: Collective Rationality and Institutional Isomorphism in Organizational Fields”. American Sociological Review, 1983, v. 48/2, pp. 147-60.) ao conceito de isomorfismo. Ele se aplica quando uma instituição passa a copiar ou se assemelhar a outras instituições mais consolidadas em seu campo. Conforme enfatizam Wooten e Hoffman (2013Wooten, Melissa; Hoffman, Andrew J. “Organizational Fields: Past, Present and Futur”. In: Greenwood, R. et al. (orgs.). Handbook of Organizational Institutionalism. Londres: Sage, 2013.), a legitimidade de uma organização depende da percepção de sua eficiência num determinado meio. Em seu estudo clássico, Meyer e Rowan (1977Meyer, John W.; Rowan, Brian. “Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony”. American Journal of Sociology, 1977, v. 83/2, pp. 340-63. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1086/226550 >. Acesso em: 10/9/2020.
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) sugerem que tanto eficiência técnica quanto conformidade com as regras vigentes do jogo são fundamentos da legitimidade. Ou seja, para uma organização se legitimar, ela precisa ser entendida como eficiente, perseguir objetivos e metas de atuação explícitas e tidas como válidas pelos atores sociais de um determinado campo, e desenvolver estratégias de ação apropriadas.

Nesse sentido, a análise proposta neste artigo apresenta, num primeiro momento, a teoria institucional para observar de que modo a dinâmica de cooperação intermunicipal opera no estado do Rio Grande do Sul e, num segundo momento, discute como os consórcios dialogam com os esforços relativos à implementação da política de regionalização da saúde.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a execução deste estudo foram utilizados dados provenientes de pesquisa documental e entrevistas que seguiram um roteiro semiestruturado (Yin, 2011Yin, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman Editora, 2011.). Para a pesquisa documental, foram consultados os sites dos dezesseis consórcios de saúde existentes no Rio Grande do Sul, nos quais foram coletadas informações como atas de reuniões e de eventos e as descrições das atividades realizadas. Além disso, foi consultado o Plano Estadual de Saúde, produzido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul.

A escolha do objeto de estudo se deu pelo fato de esse estado, ao contrário dos outros da federação, apresentar um percentual de 65% de municípios consorciados na área da saúde (IBGE, 2015IBGE/MUNIC. Perfil dos municípios brasileiros. Brasília, 2015.) e ainda carecer de estudos sobre o tema. Além disso, dado que um amplo conjunto de estudos está sendo realizado sobre o tema em outros estados, a presente pesquisa contribui para a discussão nacional.

A pesquisa de campo ocorreu de março de 2017 a dezembro de 2018. Inicialmente, os pesquisadores fizeram contato telefônico com os secretários executivos (SE) de todos os consórcios de saúde e apresentaram o projeto de pesquisa. A relevância desses atores está em sua posição de responsáveis pelo funcionamento da instituição. Dos dezesseis contatados, doze aceitaram participar do estudo. As entrevistas ocorreram nas sedes dos consórcios, situadas no interior do Rio Grande do Sul, e foram agendadas de acordo com a conveniência dos participantes. Com duração média de uma hora, todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas. A gravação foi autorizada pelos entrevistados, que assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e o sigilo de sua identidade foi garantido.

A maioria dos consórcios estudados não atua somente na saúde, mas em uma vasta gama de áreas, tais como gestão de resíduos sólidos, meio ambiente, desenvolvimento rural etc. (Quadro 1). Muitos se formaram com foco na saúde e, com o passar do tempo, ampliaram o rol de áreas, de acordo com a demanda dos municípios participantes. Em relação ao financiamento dos serviços dos consórcios, identificamos que é realizado um contrato de rateio, pelo qual cada município paga pelo que consome. Essa mesma lógica de organização fiscal foi identificada por todos os estudos de caso sobre consórcios (Rocha, 2016Rocha, Carlos Vasconcelos. “A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no estado do Paraná”. Cadernos Metrópole, 2016, v. 18/36, pp. 377-99. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3604 >. Acesso em: 10/9/2020.
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; Strelec; Fonseca, 2011_______; Fonseca, Francisco. “Alcances e limites da Lei dos Consórcios Públicos - um balanço da experiência consorciativa no estado de São Paulo”. Cadernos Adenauer, XII (4), Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2011, pp. 1-29.).

QUADRO 1
Consórcios intermunicipais de saúde do Rio Grande do Sul

A partir da análise dos dados, foram organizados dois blocos de categorias baseados na percepção dos gestores. O primeiro bloco trata das questões relativas à gestão e organização do consórcio como organização criada para cumprir determinados fins; o segundo bloco aborda os desafios para construir estratégias de cooperação interfederativa que alinhem as atividades dos consórcios públicos municipais com as diretrizes das Coordenadorias Regionais de Saúde e das Comissões Intergestoras de Saúde.

GESTÃO E ORGANIZAÇÃO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS NO RIO GRANDE DO SUL

Em todos os consórcios investigados, identificou-se um discurso semelhante em relação aos motivos que levaram à criação de tais organizações, quais sejam: a demanda da população por serviços de saúde e a frágil situação financeira e técnica dos municípios, principalmente os de pequeno porte. A partir das atas das reuniões, pôde-se perceber que é bastante comum a preocupação dos prefeitos em satisfazer a demanda por serviços de saúde, principalmente em função do apelo eleitoral. Desse modo, os consórcios têm sido utilizados como um modelo inovador na superação das necessidades municipais na área das políticas públicas (Neves; Ribeiro, 2006Neves, Luiz Antonio; Ribeiro, José Mendes. “Consórcios de saúde: estudo de caso exitoso”. Cadernos de Saúde Pública , 2006, v. 22/10, pp. 2.207-17. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006001000027 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). A fala do Entrevistado 8 é ilustrativa:

O principal ponto na compra de medicamentos via consórcio é o poder de barganha e volume de medicamentos que você elenca num processo licitatório. Ao invés de comprar para um, tu compras para catorze municípios. Ao invés de comprar para uma população de 3 mil habitantes, você compra para 355 mil pessoas. Então é o poder de barganha que você tem na negociação. Nós optamos por fazer uma Ata de Registro de Preço, e o município vai comprar de forma autônoma onde estiver mais barato. O primeiro edital representou uma economia de 20% no custo da compra de medicamentos, tem municípios que me falaram que foi em torno de 50% de economia. (Entrevista 8, 2018)

Ao tentar aplicar a noção de legitimidade aos consórcios públicos, identificamos que, na visão dos secretários executivos entrevistados nesta pesquisa, a única justificativa plausível para a criação de mais uma estrutura administrativa, das tantas já existentes no aparato estatal, seria justamente sua eficiência na resolução dos problemas enfrentados pelos municípios. Por outro lado, a ideia de criar uma instituição para servir de “cabide de empregos” era entendida por nossos entrevistados como nefasta e associada às velhas práticas da administração pública. Não por acaso, o discurso dos SE ao longo das entrevistas enfatizava a resolutividade dos consórcios, principalmente no que concerne à compra de medicamentos e à economia que proporcionam:

[Entrevistado] Eu entrei para trabalhar no consórcio em 2014, e nós éramos dez municípios, e hoje somos dezesseis, com esse novo município, e isso demonstra que o consórcio público é uma boa ferramenta de gestão para os municípios.

[Entrevistador] E o quadro de funcionários é o mesmo?

[Entrevistado] É o mesmo. São os cinco funcionários. E nós estamos demandando dos prefeitos o aumento da equipe por causa da demanda. Quando alguém sai de férias, daí dá uma desfalcada, é evidente. Tem o jurídico e o contador, daí são específicos. O nosso contador tem vinte horas aqui e ele presta assessoria para os outros consórcios. (Entrevista 9, 2018)

Outros secretários alegaram que o baixo custo de manutenção do consórcio, rateado entre os municípios participantes, é compensado pela economia feita nas compras conjuntas de medicamentos e pela eficiência na gestão das políticas regionais.

Eu fiz a pesquisa lá e a economia dos medicamentos é de 40% a 50% no preço final. Além disso, com o consórcio nós chegamos a uma média de 95% de entrega dos medicamentos, e isso é um problema muito grande que os municípios pequenos enfrentam. A partir do momento que você vai fazer uma licitação na modalidade de pregão eletrônico, vai vencer uma empresa, mas ela não vai saber quanto ela vai ter que entregar, em questão de quantidade de medicamento. Aí, depois que ela ganhou a licitação, ela vai perceber que terá que entregar uma caixinha de remédio e trazer isso de lá de São Paulo para o interior do Rio Grande do Sul. Numa situação dessas, o frete acaba custando mais do que o próprio medicamento. O que ela vai fazer? Ela não vai te entregar nada devido aos custos, e o município fica sem o medicamento. Com o consórcio, nós reduzimos esse problema a praticamente zero, porque compramos em larga escala para muitos municípios. Esses tempos, um prefeito de um município que não é consorciado me disse que o município dele estava com uma média de não entrega de 60% dos medicamentos, e que era comum as empresas não entregarem o que foi contratado na licitação e, dessa forma, o cidadão fica sem o remédio. Os nossos municípios consorciados não têm esse problema devido ao trabalho do consórcio. (Entrevista 6, 2018)

Outro ponto assinalado pelos entrevistados diz respeito ao poder de barganha que os consórcios trazem às negociações com os fornecedores de medicamentos, uma relação percebida como bastante conflituosa, que gera nos gestores públicos locais um sentimento de impotência. Importante frisar que os consórcios não se sobrepõem aos municípios no que concerne à decisão final de compra de qualquer produto e/ou contratação de serviço médico: o município pode escolher adquirir produtos e serviços pelo consórcio ou separadamente.

A nossa região conta com poucos habitantes e é muito grande territorialmente. Quando os municípios contratavam os serviços de clínicas situadas no município A e B, um município pagava [por] um exame dezoito reais e o outro município pagava quarenta reais pelo mesmo exame. Em relação aos serviços médicos era a mesma coisa: uma consulta com um cardiologista custava para um município quarenta reais e para outro chegava a custar cem reais. O preço variava de acordo com a cara do freguês. E aí havia apontamentos, os tribunais de contas apontavam isso porque o mesmo auditor que auditava os municípios da região percebia a disparidade. Assim, o consórcio nasceu, e a primeira função foi essa. Agora o consórcio emite um chamamento público, as empresas se credenciam e todos os municípios pagam o mesmo valor pelas consultas e exames. Assim, nós nivelamos o preço. (Entrevistado 5, 2018)

Os entrevistados relataram que os municípios de pequeno porte têm dificuldade para realizar autonomamente o processo licitatório de compra de medicamentos, visto que as empresas distribuidoras operam com preços distintos, dependendo do tamanho da população e da localização do município. Em razão das dificuldades logísticas, os preços dos medicamentos seriam mais elevados para os pequenos municípios interioranos, em comparação com os de grande porte e/ou próximos da capital. Os entrevistados também informaram que os atrasos na entrega dos medicamentos aos municípios eram comuns antes da criação dos consórcios. Estes, que em geral são compostos por mais de dez municípios, garantem um maior poder de barganha com as empresas privadas para que se cumpram regularmente os contratos firmados na licitação.

Constatamos, ainda, que alguns consórcios dispõem de estrutura física para o armazenamento de medicamentos, bem como de farmacêuticos contratados para realizar seu manejo e sua distribuição, possibilitando, assim, que a empresa fornecedora entregue os medicamentos na sede do consórcio e este os distribua para os municípios consorciados. Outros, porém, decidiram não investir em uma estrutura logística dessa natureza, e o fornecedor entrega o produto diretamente a cada município.

No que concerne ao acesso às consultas de média complexidade e aos exames, averiguamos que certos consórcios credenciam clínicas particulares para a realização desses serviços. Desse modo, identificamos um fato já constatado na literatura, qual seja: a oferta de consultas especializadas para municípios de pequeno porte apresenta inúmeros gargalos que dificultam o acesso dos consórcios a esses serviços, tais como: carência de médicos especialistas, o que gera insuficiência de consultas, dependência do setor privado e redução da participação federal e estadual na oferta e financiamento dos serviços (Silva et al., 2017Silva, Camila Ribeiro et al. “Dificuldade de acesso a serviços de média complexidade em municípios de pequeno porte: um estudo de caso”. Ciência & Saúde Coletiva , 2017, v. 22/4, pp. 1109-20. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27002016 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

Além disso, verificamos que a presença dos consórcios no mercado tem influência no preço dos serviços prestados. Assim como ocorria na entrega dos medicamentos, as empresas prestadoras praticavam preços diferentes para os mesmos serviços de saúde, dependendo da capacidade de barganha dos municípios. Como as clínicas situam-se geralmente no município de referência das regiões, os municípios de pequeno porte têm menor capacidade de barganha para negociar. Os entrevistados consideram que se trata de má-fé da parte das clínicas particulares. Em razão da cobrança de preços diferentes pelo mesmo serviço, os consórcios passaram a intermediar a relação entre as clínicas e os municípios, de modo a nivelar os preços dos serviços prestados.

Há uma vertente relativamente consolidada na literatura que trabalha com o argumento de que os consórcios são eficientes e produzem economia de escala aos municípios. Amaral e Blatt (2011Amaral, Silvâni Maria Sehnem do; Blatt, Carine Raquel. “Consórcio intermunicipal para a aquisição de medicamentos: impacto no desabastecimento e no custo”. Revista de Saúde Pública, 2011, v. 45/4, pp. 799-801. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000016 >. Acesso em: 10/9/2020.
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) calcularam o impacto da atuação de um consórcio na aquisição de medicamentos em um município catarinense: comparando o custo da compra consorciada com o da compra individual pelo município, constataram uma diferença de 33% no custo total. Além disso, concluíram que o consórcio evitou que os municípios ficassem desabastecidos de medicamentos (Amaral; Blatt, 2011Amaral, Silvâni Maria Sehnem do; Blatt, Carine Raquel. “Consórcio intermunicipal para a aquisição de medicamentos: impacto no desabastecimento e no custo”. Revista de Saúde Pública, 2011, v. 45/4, pp. 799-801. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000016 >. Acesso em: 10/9/2020.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
). Ferraes e Cordoni Junior (2007Ferraes, Alide Marina Biehl; Cordoni Junior, Luiz. “Consórcio de medicamentos no Paraná: análise de cobertura e custos”. Revista de Administração Pública , 2007, v. 41/3, pp. 475-86. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-76122007000300005 >. Acesso em: 10/9/2020.
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), estudando o estado do Paraná, chegaram às mesmas conclusões no que concerne à economia proporcionada pelos consórcios na compra de medicamentos. Contudo, algumas questões precisam ser observadas. Em primeiro lugar, a ideia de economia e eficiência precisa ser colocada em perspectiva, pois os consórcios somente existem por incapacidade dos entes locais de desenvolver políticas públicas. Em segundo lugar, a ideia de eficiência é usada como elemento discursivo de legitimação do consórcio no ambiente institucional, pois a existência do consórcio depende da vontade dos prefeitos (Wooten; Hoffman, 2013Wooten, Melissa; Hoffman, Andrew J. “Organizational Fields: Past, Present and Futur”. In: Greenwood, R. et al. (orgs.). Handbook of Organizational Institutionalism. Londres: Sage, 2013.). Nesse sentido, percebe-se que há uma construção de narrativa por parte dos gestores que associa a ideia de eficiência e resolutividade dessas organizações ao conceito de legitimidade.

Observamos também que, enquanto alguns consórcios adquirem serviços de saúde em clínicas privadas, outros organizam estruturas próprias para a sua implementação (por exemplo, constroem o prédio onde serão feitos os atendimentos). É importante ressaltar que, mesmo naqueles que possuem estrutura própria, os profissionais de saúde que ali atendem são oriundos de clínicas privadas. Aqueles que construíram serviços próprios de atendimento regional contaram com convênios e transferências voluntárias da União, o que demanda, em regra, uma intensa articulação política (Lui; Schabbach; Nora, 2020Lui, Lizandro; Schabbach, Letícia Maria; Nora, Carlise Rigon Dalla. “Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais”. Ciência & Saúde Coletiva , 2020, v. 25/12, pp. 5065-74. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

É importante mencionar que os consórcios possuem estruturas administrativas enxutas: em todos os casos investigados, com menos de uma dezena de pessoas. A prestação dos serviços em saúde se dá sobretudo por licitação, não havendo um corpo burocrático próprio para prestar o serviço. Nesse caso, um agente vital para sua atividade é aquele responsável pela execução da licitação. É preciso destacar que os consórcios não operam diretamente pela lógica de regulação do sus, mas criam uma lógica própria de aquisição dos serviços de saúde para resolver as demandas de forma pontual e direta.

Em alguns momentos da pesquisa de campo, pudemos identificar certos procedimentos administrativos relativos à entrada dos municípios nos consórcios. Em uma dessas ocasiões, o entrevistado, enquanto concedia a entrevista, recebeu um telefonema de um prefeito da região. Na conversa, o prefeito expressou o desejo de participar do consórcio e perguntou ao secretário quais eram os trâmites necessários para fazê-lo. O fato de outras prefeituras desejarem ingressar nos consórcios era muito exaltado pelos SE, que entendiam isso como um sinal de que a organização era prestigiada e valorizada na região. Segundo eles, se não fosse assim, os municípios solicitariam sua exclusão. Mais uma vez, o motivo mais citado foi a eficiência do consórcio no que concerne à economia de escala na compra de produtos e serviços. Em outro momento, um entrevistado mencionou que o consórcio do qual fazia parte foi criado em 2005 com sete municípios, e em 2018 contava com trinta. Nesse caso, a ampliação do número de consorciados deveu-se basicamente ao reconhecimento por parte dos atores políticos da região de que é vantajoso se consorciar. Em outros casos, os entrevistados relataram que o próprio Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) recomendou a adesão dos municípios a algum consórcio, em razão dos preços mais baixos daí advindos.

Assim, podemos afirmar que os consórcios são respostas funcionais a imperativos situacionais, ou seja, por um lado, os municípios são legalmente chamados a implementar direitos constitucionais e responder às demandas diretas dos cidadãos; por outro, carecem de capacidade para tanto. Nesse sentido, os esforços empreendidos pelos consórcios diminuiriam um problema provocado pela excessiva fragmentação e heterogeneidade do federalismo brasileiro.

A partir das características identificadas, percebemos uma semelhança no funcionamento dos consórcios gaúchos e os de outros estados. Tanto Rocha (2016Rocha, Carlos Vasconcelos. “A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no estado do Paraná”. Cadernos Metrópole, 2016, v. 18/36, pp. 377-99. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3604 >. Acesso em: 10/9/2020.
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) como Ferraes e Cordoni Junior (2007Ferraes, Alide Marina Biehl; Cordoni Junior, Luiz. “Consórcio de medicamentos no Paraná: análise de cobertura e custos”. Revista de Administração Pública , 2007, v. 41/3, pp. 475-86. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-76122007000300005 >. Acesso em: 10/9/2020.
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) afirmam que alguns consórcios paranaenses têm por objetivo específico realizar a compra de medicamentos, enquanto outros se dedicam à gestão do Serviço de Assistência Médica de Urgência (SAMU). No caso do Rio Grande do Sul, a gestão do SAMU é realizada por apenas um dos consórcios estudados: ele contrata a empresa terceirizada que opera o serviço, e os municípios arcam com o pagamento. Identificamos que alguns consórcios desistiram de fazer a gestão do SAMU em virtude dos atrasos dos repasses estaduais para o seu custeio. Tal situação gerou conflito entre os municípios, a empresa terceirizada que operava o serviço e o consórcio que fazia o gerenciamento do processo. Isso nos leva à segunda parte deste artigo: os desafios de articulação entre os consórcios e o governo estadual.

DESAFIOS PARA O PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE

Os entrevistados afirmam que os consórcios são financiados pelo rateio dos custos, definido em contrato firmado pelos municípios participantes. Isso faz com que, quando um município precisa contratar uma clínica privada para ofertar serviços de média complexidade, ele o faz com seus próprios recursos. Contudo, a atenção de média e alta complexidade é responsabilidade de todos os entes federados e não somente dos municípios. Assim, quando o consórcio atua para adquirir serviços dessa natureza, ele está arcando sozinho com custos que, em tese, deveriam ser compartilhados.

Por esse motivo, os entrevistados criticaram fortemente a postura do governo do Rio Grande do Sul, argumentando que se exime da responsabilidade de prover os serviços de média complexidade, deixando-a a cargo dos municípios. Citaram a Resolução n. 129/2013, da Comissão Intergestores Bipartite do estado do Rio Grande do Sul (Rio Grande do Sul, 2013), que assegura um incentivo estadual ao custeio da atenção secundária e terciária. Segundo eles, o governo estadual alega a crise financeira para justificar os atrasos nos repasses.

No que concerne às estratégias de regionalização da saúde e do alinhamento entre os consórcios intermunicipais e as Coordenadorias Regionais de Saúde (CIR), alguns desafios ainda persistem no estado. Conforme apontado pelo IBGE (2015IBGE/MUNIC. Perfil dos municípios brasileiros. Brasília, 2015.), 65% dos municípios gaúchos faziam parte de algum consórcio de saúde. Todavia, diferentemente do caso do estado do Paraná, onde todos os consórcios atuam dentro da mesma circunscrição territorial das Coordenadorias Regionais de Saúde (Rocha, 2016Rocha, Carlos Vasconcelos. “A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no estado do Paraná”. Cadernos Metrópole, 2016, v. 18/36, pp. 377-99. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3604 >. Acesso em: 10/9/2020.
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), a situação dos consórcios gaúchos requer atenção especial. Identificamos que os consórcios de saúde se desenvolveram independentemente das delimitações definidas pelo governo estadual no desenho das Regiões de Saúde. Tal composição político-institucional, teoricamente, deveria ser levada em consideração no planejamento da Secretaria Estadual de Saúde. Tanto o Plano Estadual de Saúde de 2016-2019 (Rio Grande do Sul, 2016Rio Grande do Sul. Secretaria da Saúde. Plano Estadual de Saúde 2016-2019. Grupo de Trabalho de Planejamento, Monitoramento e Avaliação da Gestão. Porto Alegre, 2016. ), vigente quando esta pesquisa foi realizada, quanto o plano corrente de 2020-2023 não mencionam a existência dos consórcios no estado, e não existe sequer planejamento para lidar com essa realidade. Soma-se a isso o fato de que, ao longo do período de realização desta pesquisa, não foi constatado nenhum tipo de diálogo ou planejamento conjunto entre os consórcios públicos e a Secretaria Estadual de Saúde.

Verificamos também que os entrevistados estão cientes dos efeitos que o processo de descentralização do atendimento à saúde provocou nos municípios. Nesse sentido, destacaram os efeitos negativos da fragmentação do sistema federativo brasileiro no tocante ao acesso aos serviços de saúde (principalmente de média e alta complexidades), fazendo persistir a dependência municipal dos recursos financeiros estaduais e federais. Ao mesmo tempo, entendem que os consórcios amenizam esses efeitos negativos, na medida em que facilitam o acesso aos serviços de saúde.

Para garantir a coordenação das ações dos consórcios intermunicipais, o estudo de Julião e Olivieri (2020Julião, Karine Sousa; Olivieri, Cecília. “Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil”. Cadernos de Saúde Pública , 2020, v. 36/3, p. e00037519. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311x00037519 >. Acesso em: 10/9/2020.
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) traz à tona o conceito de coordenação vertical. Segundo as autoras, o desenho vertical garantiria uma articulação entre a coordenação estadual e a articulação horizontal entre os municípios, dado que os consórcios dos quais participa o governo estadual são coerentes com a regionalização proposta pelo Pacto pela Saúde (Julião; Olivieri, 2020Julião, Karine Sousa; Olivieri, Cecília. “Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil”. Cadernos de Saúde Pública , 2020, v. 36/3, p. e00037519. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311x00037519 >. Acesso em: 10/9/2020.
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, p. 9).

Por fim, uma questão que ainda precisa ser tratada é a falta de integração entre consórcios e demais órgãos de gestão da saúde que existem no território estadual. Ou seja, embora os consórcios e as Coordenadorias Regionais de Saúde atuem em âmbito regional, não há um planejamento integrado das ações a serem desenvolvidas. A situação é de ausência de diálogo e de iniciativas de cooperação, isto é, cada esfera de gestão atua de forma independente e isolada, mesmo sabendo da existência da outra e tendo consciência da necessidade de se estabelecer um sistema coordenado de ações.

Vem sendo discutida na literatura a ideia de que há um continuum de iniciativas de cooperação vertical no país, dos estados onde ela é mais fraca àqueles onde está institucionalizada e consolidada (Segatto; Abrucio, 2016Segatto, Catarina Ianni; Abrucio, Fernando Luiz. “A cooperação em uma federação heterogênea: o regime de colaboração na educação em seis estados brasileiros”. Revista Brasileira de Educação, 2016, v. 21/65, pp. 411-29. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216522 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Na presente pesquisa, verificamos que o Rio Grande do Sul não possui um órgão responsável pela articulação entre os consórcios públicos e a Secretaria Estadual de Saúde, carecendo, portanto, de espaços institucionalizados de cooperação. Por outro lado, em estados como o Ceará, há uma coordenação das atividades em âmbito regional.

Por fim, percebemos que os consórcios de saúde pesquisados não contam com instrumentos de participação, o que dificulta o controle social das atividades. Essa mesma situação é encontrada em nível nacional, o que contraria um princípio central do SUS (Côrtes, 2009Côrtes, Soraya Vargas. “Sistema Único de Saúde: espaços decisórios e a arena política de saúde”. Cadernos de Saúde Pública, 2009, v. 25/7, pp. 1.626-33. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000700022 >. Acesso em: 10/9/2020.
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).

CONCLUSÃO

É importante reconhecer que a trajetória das políticas de saúde no Brasil criou, ao longo do tempo, um conjunto de instâncias gestoras com poder de decisão e alocação de recursos. Ademais, Grin e Abrucio (2017_______; _______. “Quando ‘feds’ e ‘locals’ não falam a mesma língua: uma análise sobre dissonâncias na cooperação federativa”. Cadernos EBAPE.BR, 2017, v. 15/3, pp. 694-719. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1679-395164940>. Acesso em: 10/9/2020.
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) enfatizam a importância de traçar estratégias que orientem a cooperação e a coordenação federativas entre essas instâncias, sob o risco de produzir comportamentos predatórios, excesso de custos, sobreposição de atividades, vazios assistenciais em um mesmo território, além de competição por recursos. Portanto, articular as esferas de gestão em torno de um pacto pela saúde de âmbito regional tem sido um desafio para o aprimoramento dessa área da política pública.

A pesquisa nos permitiu observar que os consórcios intermunicipais desempenham um importante papel, pois facilitam o acesso a medicamentos e serviços de saúde para uma larga gama de municípios. Os secretários executivos dos consórcios apontam que essas organizações são estruturas que geram eficiência, além de conferir maior poder de barganha (se comparados com os municípios que atuam individualmente) para negociar o valor de insumos e/ou serviços de saúde com o mercado privado. Contudo, por um olhar mais crítico, vê-se que os consórcios são uma resposta funcional a imperativos situacionais, decorrentes da excessiva fragmentação do federalismo brasileiro e da falta de capacidade técnica e administrativa dos municípios.

Entende-se, contudo, que ainda são necessários esforços para aprimorar as estratégias de regionalização da saúde no Rio Grande do Sul. Primeiramente, as ações executadas pelos consórcios precisam estar em consonância com o planejamento e o funcionamento de instâncias como as secretarias estaduais de Saúde e as Coordenadorias Regionais de Saúde. Os resultados demonstraram que os consórcios públicos e os órgãos estaduais de gestão não desenvolveram ferramentas de comunicação e cooperação suficientes que proporcionassem melhoria em seu desenvolvimento e gestão.

Defende-se que futuras pesquisas investiguem melhor a interação entre os órgãos de controle (tais como os tribunais de contas) e os consórcios públicos, bem como as relações entre os governos estaduais. Em relação aos limites da presente pesquisa, ressalta-se o fato de ter sido realizada dentro de um locus específico e não abranger outros estados ou o âmbito nacional. Em relação à pandemia de Covid-19 e seus efeitos nas políticas públicas municipais, estudos têm demonstrado o caráter altamente descoordenado das políticas conduzidas pelo governo federal (Lui et al., 2021Lui, Lizandro; Albert, Carla; Marques, Rodrigo dos Santos; Vieira, Luan da Cruz. “Disparidades e heterogeneidades das medidas adotadas pelos municípios brasileiros no enfrentamento à pandemia de Covid-19”. Trabalho, Educação e Saúde, 2021, v. 19, p. e00319151. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00319 >. Acesso em: 10/9/2020.
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). Esse fato fez com que as ações tomadas pelos municípios para enfrentar a crise sanitária fossem altamente desconexas entre si, cada qual editando medidas não farmacológicas. Nesse contexto, os consórcios municipais podem ser atores importantes no processo de compra de insumos na área da saúde com maior economia e celeridade, além de atuar nas estratégias de coordenação dos serviços de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2020
  • Aceito
    17 Jul 2021
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