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O planejamento local é mais eficiente? Uma análise de 14 municípios sergipanos de pequeno porte

Is local planning more efficient? An analysis of 14 small municipalities from Sergipe

Resumos

O presente estudo tem o objetivo de investigar o perfil do planejamento nos municípios sergipanos com até 20 mil habitantes em 2009. Localidades desse porte representam 70% do quadro municipal brasileiro e sergipano. Tais espaços se defrontam com atribuições decorrentes da autonomia ensejada pelas novas demandas institucionais/legais e pelo deslocamento do eixo do planejamento da esfera nacional para a esfera local. Examinou-se, na pesquisa, as razões que implicaram esse deslocamento; também é discutido o planejamento em âmbito municipal, considerando as razões teóricas que preveem maior eficiência do dispêndio realizado localmente. Quanto aos aspectos metodológicos, a pesquisa se deu a partir de uma amostra não probabilística de 14 pequenos municípios sergipanos. Os resultados e conclusões levantados confirmam a hipótese do trabalho, qual seja a da precariedade e fragilidade do planejamento da maioria desses subespaços.

planejamento; eficiência; municípios de pequeno porte; análise de clusters; Sergipe


This study aims to investigate the framework of local planning in municipalities located in Sergipe having up to 20 thousand inhabitants. Such municipalities represent 70% of the Brazilian and Sergipian municipalities. They face tasks arising from autonomy vested by the new institutional / legal demands as well as the shift of the planning focus from the national to the local sphere. In the first section, the reasons for such a shift are examined. This section also discusses planning at the local level, considering theoretical reasons which presume more efficiency in local expenditures. The second section describes the methodological features of the paper. The findings from this study are based on field research and a cluster analysis conducted by the authors. The third section presents and discusses these results, which confirm our hypothesis of poor planning of most of these subspaces.

planning; efficiency; small municipalities; cluster analysis; State of Sergipe (Brazil)


Introdução

A escassez de recursos com a qual se defrontam estados e municípios, somada à necessidade de atendimento das carências da população, exige dos gestores públicos a formulação de políticas eficazes e eficientes no cumprimento de seus objetivos.

Neste ponto, emerge de modo natural a palavra-chave para a administração municipal eficiente, que resulta em qualidade de vida: Planejamento. É consenso que qualquer atividade que se pretenda bem-sucedida deve ser bem planejada, especialmente em uma sociedade que se revela crescentemente bem informada e competitiva. Seja em projetos pessoais, seja em projetos coletivos, seja em projetos públicos, seja ainda em projetos privados, planejar é preciso.

No Brasil, o planejamento centralizado no governo federal e nas agências de desenvolvimento regional, tais como a Sudam e a Sudene, p. ex., tão em voga até o início da década de 1980, dá lugar à gestão focada no curto prazo, diante da premência de resolver os problemas do endividamento externo e do processo inflacionário duradouro.

Nesse contexto, amplia-se o processo de descentralização de receitas e de funções para os municípios de forma que "a política concebida a partir do provimento de bens e serviços de uso coletivo será realizada nos espaços ou territórios onde se desenha a demanda ou se encontram as carências de oferta" (Ribeiro, 2004RIBEIRO, V. L. S. Indicadores para a gestão urbana: diferentes maneiras de usá-los. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.eg.fjp.mg.gov.br/vgestaourbana/cursos/papers2004/veraribeiro-indicadoresparagestaourbana.pdf >. Acesso em: maio 2009.
http://www.eg.fjp.mg.gov.br/vgestaourban...
, p. 3). Assim, o espaço urbano municipal assume caráter de maior protagonismo.

A gestão municipal também vem se defrontando crescentemente com obrigações legais: a exigência constitucional de elaboração das peças orçamentárias, destacando-se o Plano Plurianual (PPA), de estudos de impactos ambientais quando da implementação de projetos de grande monta, bem como da elaboração do Plano Diretor para as cidades com população superior a 20 mil habitantes.

Além disso, um conjunto de autores inspirados no trabalho de Tiebout (1956TIEBOUT, C. M. A pure theory of local expenditures. The journal of political economy, Chicago, v. 64, n. 5, p. 416-424, Oct., 1956.) postula que no município se pode obter maior eficiência na aplicação dos recursos públicos, uma vez que a competição dos gestores locais pela atração de investimentos e mão de obra os impeliria a maximizar o pacote de bens e serviços a ser oferecido à população com os recursos disponíveis. A maior proximidade dos gestores com a população tenderia ainda a tornar o gasto mais eficaz, na medida em que permitiria um conhecimento mais preciso das prioridades dos moradores por parte daqueles (Mendes, 2004MENDES, M. Federalismo fiscal. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 422-461.). Também a sociedade, por sua vez, seria capaz de avaliar, de modo mais objetivo, a eficiência da administração pública, já que o gestor público mais conhecido e mais próximo do povo é o prefeito. É a esfera política com maior potencial de interação e de estímulo à cidadania. É nesse nível de poder que os impactos das demandas sociais têm mais visibilidade (Araújo, 2000ARAÚJO, T. B. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan; Fase, 2000.).

Em suma, o planejamento em nível local tem sido estimulado em decorrência da crise fiscal do governo central, do acúmulo de demandas sociais, do processo de descentralização de funções e do maior número de exigências legais aos gestores municipais (Guimarães; Jannuzzi, 2004GUIMARÃES, J. R. S.; JANNUZZI, P. M. Indicadores sintéticos no processo de formulação e avaliação de políticas públicas: limites e legitimidades. ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS-ABEP, 13., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu, 2004., p. 13-4). Como, via de regra, quanto menor o município, menor o orçamento, e consequentemente, maior a necessidade de aplicar criteriosamente esses recursos escassos.

O Brasil tem atualmente 5.565 municípios. Desses, 3.921 (70%) têm até 20 mil habitantes. Tal padrão se reproduz no Estado de Sergipe, na medida em que, dos seus 75 municípios, 54 (72%) estão abaixo desse teto populacional (IBGE, 2009INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Estimativas Populacionais 2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.).

De fato, serão esses municípios de menor porte capazes de aplicar de forma mais eficiente os parcos recursos que possuem? Para tanto, estão eles preparados para atender às disposições legais referentes ao dispêndio público? Dispõem da capacidade de planejamento requerida para extrair a máxima eficiência e eficácia dos recursos públicos? Essas são as questões de pesquisa do presente artigo.

A proposta deste trabalho, portanto, é voltada à reflexão sobre essa escala de poder denominada município, espaço onde o tecido social é plasmado; mais especificamente, os pequenos municípios, entendidos como aqueles que, pelas estimativas feitas pelo IBGE, para o ano de 2009, tinham até 20 mil habitantes.

No caso do presente artigo, usou-se o limite de 20 mil habitantes, considerando a não obrigatoriedade de elaboração de Plano Diretor - principal peça do planejamento municipal - nessas pequenas unidades político-administrativas.

Assim, pretende-se observar como se comportam atualmente esses entes federativos de menor porte, no que concerne ao tipo de planejamento para a execução das suas políticas e sobre quais fundamentos repousam tais ações.

Para tanto, na primeira seção, após uma breve discussão sobre a questão do planejamento, examinam-se as razões que implicaram o deslocamento do seu foco do nível nacional para o nível local. A seção discute ainda a sua aplicação em âmbito municipal, considerando as razões teóricas que preveem maior eficiência do dispêndio realizado localmente.

As conclusões resultantes deste estudo fundamentam-se em pesquisa de campo realizada pelos autores. Foram visitados 14 municípios, espalhados pelos oito territórios de planejamento do Governo do Estado de Sergipe, onde foram entrevistados prefeitos, membros do poder legislativo, bem como representantes da sociedade civil. A seção seguinte descreve, então, os aspectos metodológicos do trabalho.

Nessas entrevistas, bem como em fontes secundárias de dados, foram levantadas informações acerca da estrutura de planejamento e do arcabouço institucional relacionado. A terceira seção apresenta e discute esses resultados, os quais confirmam a hipótese do trabalho, qual seja a da precariedade e fragilidade do planejamento da maioria desses pequenos subespaços. Procede-se ainda a uma análise de clusters, com o objetivo de estabelecer similaridades e diferenças desse conjunto de municípios, agregando-os em subgrupos e caracterizando seus perfis.

Por fim, são elencadas as considerações finais do estudo.

O planejamento municipal no Brasil

É consenso que qualquer atividade que se pretenda bem-sucedida deve ser bem planejada, especialmente em uma sociedade que se revela crescentemente bem informada e competitiva. Seja em projetos pessoais, seja em projetos coletivos, seja em projetos públicos, seja ainda em projetos privados, planejar é preciso. Conforme entendimento de Buarque (1999BUARQUE, S. C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento econômico local e municipal sustentável. Projeto de Cooperação Técnica Incra/IICA. Brasília, jun. 1999.), o planejamento é fundamental também para sistematizar e conferir racionalidade e interação lógica às ações e às atividades diversificadas no tempo, aumentando a eficácia e a eficiência das ações e seus impactos positivos na realidade.

Na visão de Chiavenatto (1999) apud Barros (2007BARROS, Evandro S. A contribuição do planejamento municipal na efetivação dos princípios gerais da atividade econômica. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de Marília, Marília, 2007.), o planejamento deve preceder qualquer ação. Constitui-se, assim, a primeira das funções administrativas, vindo antes da organização, da direção e do controle.

Buarque (1999BUARQUE, S. C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento econômico local e municipal sustentável. Projeto de Cooperação Técnica Incra/IICA. Brasília, jun. 1999., p. 43) apresenta uma definição lapidar. Para ele, planejar "é organizar as ações de forma lógica e racional, de modo a garantir os melhores resultados e a realização dos objetivos de uma sociedade, com os menores custos e no menor prazo possíveis".

Ampliando a discussão, Rebello (2007REBELLO, A. M. Direito à cidade: legislação brasileira e instrumentos de gestão. 2007. Dissertação (Mestrado em Gestão Urbana) - Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007.) diz que, em sua essência, o planejamento deve ser interpretado como um processo, mediante um conjunto de métodos e medidas, de transformação de uma situação existente e de prevenção de situações futuras que se configurem como possibilidades ante o cenário presente e com a finalidade de garantir um determinado objetivo. Pinto (1982PINTO, A. L. O planejamento estratégico na administração pública brasileira: rumos e perspectivas. Cadernos Fundap. São Paulo, Ano 2, n. 4, jun. 1982.) acrescenta que se trata de um processo racional de intervenção na realidade com base em um modelo preconcebido da situação ideal a ser atingida.

Matus apud Buarque (1999BUARQUE, S. C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento econômico local e municipal sustentável. Projeto de Cooperação Técnica Incra/IICA. Brasília, jun. 1999., p. 43), ao enfatizar a importância do planejamento, diz que planejar é sinônimo de conduzir conscientemente; não existirá, então, alternativa ao planejamento. Ou planejamos ou somos escravos da circunstância. Negar o planejamento é negar a possibilidade de escolher o futuro, é aceitá-lo, seja ele qual for. O autor cita ainda a síntese lapidar de Matus: "Planejamento é o cálculo que precede e preside a ação".

No setor público, o planejamento tem como objetivo precípuo indicar a melhor estratégia de alocação racional dos recursos disponíveis (humanos, financeiros, capital social), com vistas ao desenvolvimento em todos os níveis de governo (nacional ou subnacional), quer seja no plano econômico, quer seja no social, quer seja no político. Desenvolvimento, portanto, é o eixo gravitacional das ações de planejamento.

Dessa forma, planejar é o ponto de partida para o desenvolvimento em qualquer esfera do governo. Só através do planejamento, é possível alcançar a missão finalística da administração pública, qual seja, oferecer as condições básicas para uma vida saudável, condizente com a dignidade da pessoa humana. (CF/1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988., art.1º, III).

Destaque-se que planejamento público é um fenômeno relativamente recente em nosso país. No Brasil, os debates começaram de forma embrionária com os positivistas no começo do século XX, os quais tomavam a ordem política como fator de estabilização do ambiente econômico, prezando o planejamento como alternativa gradual às mudanças radicais. As ideias sobre planejamento só começaram a ganhar expressão institucional no Brasil, a partir da Revolução de 30. Essa caminhada passa necessariamente pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), criado em 1938, em pleno Estado Novo, gerando, desse modo, um ambiente institucional mais propício ao planejamento. Nesse contexto, dez anos mais tarde, o governo federal lançou o Plano SALTE, tido por muitos como o mais ambicioso então concebido na América Latina (Benedito Silva, apud Pinto, 1982PINTO, A. L. O planejamento estratégico na administração pública brasileira: rumos e perspectivas. Cadernos Fundap. São Paulo, Ano 2, n. 4, jun. 1982.). No entendimento de Brasileiro (1973BRASILEIRO, A. M. O município como sistema político. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1973.), apesar do reduzido escopo, o Plano SALTE representa um marco no planejamento governamental.

Assim, podemos dizer que esse plano, independentemente da sua implementação e dos resultados, representou o embrião mais visível do ponto de vista metodológico, da ação governamental planejada. No seu leque de abrangência, está a origem do seu nome: saúde, alimentos, transporte e energia.

Sendo, pois, o planejamento público (sistematizado) um fenômeno recente; mais recente ainda é o planejamento municipal. Somente com os ventos da Constituição vigente, fizeram-se sentir ações mais efetivas voltadas para esse importante ente da Federação.

É nesse espaço que acontecem as ações que afetam o dia a dia da população.Como bem disse Lordello de Mello (1975LORDELLO DE MELLO, D. Federalismo e relações intergovernamentais. Revista de administração municipal. Rio de Janeiro: IBAM, set./out. 1975.tanto na teoria como na prática, os municípios são uma das principais bases da organização administrativa, onde a comunidade se forma. É nesse nível da administração pública que os mais importantes resultados se manifestam para os cidadãos (Asaduzzaman, 2009ASADUZZAMAN, M. Development role of the local governance institutions in Bangladesh. Nepalese Journal of Public Policy and Governance, v. xxiv, n. 1, july, 2009.).

A par da formação da cidadania, é no município que está a base do desenvolvimento nacional, tendo como premissa a interação com os demais níveis de governo. Barreto e Meneses (2007BARRETO JUNIOR, E. R.; MENESES, N. S. Ordenamento espacial e desenvolvimento local: a experiência do Plano Diretor Participativo no município de Nossa Senhora da Glória/SE. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://ogpp.gid-ufs.org/wp-content/uploads/2010/11/artigo_aber.pdf >. Acesso em: 5 abr. 2010.
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, p. 3) concordam:

Na prática, o município seria o lócus concreto de aplicação dos fundamentos da teoria do desenvolvimento endógeno e, assim, um espaço privilegiado de intervenção das diferentes instâncias governamentais que atuam em escala local, se constituindo como uma base sobre a qual se desenvolvem iniciativas para o desenvolvimento sustentável.

Buarque (1999BUARQUE, S. C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento econômico local e municipal sustentável. Projeto de Cooperação Técnica Incra/IICA. Brasília, jun. 1999.) entende planejamento local e municipal como a aplicação para subespaços de pequena escala dos métodos e das técnicas consagrados na teoria e na prática do planejamento governamental.

O deslocamento do foco para o planejamento local

O planejamento centralizado no governo federal e nas agências de desenvolvimento regional tais como a Sudam e a Sudene, p. ex., tão em voga no Brasil, até o início da década de 1980, dá lugar à gestão focada no curto prazo, diante da urgência em resolver o problema da dívida externa, cujo financiamento se torna mais complexo após a moratória do México, em 1982, e do aguçamento do processo inflacionário, interrompido somente em 1994 com a implantação exitosa do Plano Real.

A recuperação do horizonte de planejamento decorrente do controle da inflação, no entanto, veio acompanhada de uma piora na situação das contas públicas, visto que essas acabavam sendo beneficiadas pelo processo inflacionário na medida em que a inflação corroía o valor real da despesa pública e permitia o financiamento de parte do déficit através da emissão monetária1 1 A receita pública, por sua vez, estava relativamente protegida em função dos mecanismos de indexação existentes. Para mais detalhes acerca dessa linha de argumentação, vide Bacha (1994). . Com o controle da inflação, torna-se evidente a crise fiscal do setor público brasileiro.

As finanças estaduais são também penalizadas pela queda da inflação, somada a dois agravantes:

  • a perda de receitas decorrente do desvio de verbas vinculadas através da vigência do Fundo Social de Emergência, do Fundo de Estabilização Fiscal e seus prolongamentos, além das perdas provenientes da Lei Kandir e da renúncia fiscal em consequência da guerra fiscal desencadeada pelos governos estaduais; e

  • o incremento do endividamento público em razão dos altos juros vigentes em toda a segunda metade da década de 1990.

Dessa forma, a recuperação do horizonte de planejamento vem acompanhada de dificuldades crescentes para o financiamento de estratégias de planejamento e de ações desenvolvimentistas.

Diante das dificuldades enfrentadas pelo país, nas décadas de 1980 e 1990, as quais resultam em taxas de crescimento econômico pífias no período - 1,5% a.a. e 2,7% a.a. nas décadas de 1980 e 1990, respectivamente (Castro, 2006CASTRO, C. Política Fiscal e Crescimento Econômico. Revista de estudos politécnicos, v. 3, n. 5-6, p. 87-118, 2006.) -, avolumam-se as pressões sociais para enfrentamento das carências e do atendimento das demandas locais.

Simultaneamente, e possivelmente em função dos argumentos expostos, se amplia o processo de descentralização de receitas e de funções para os municípios, de forma que "a política concebida a partir do provimento de bens e serviços de uso coletivo será realizada nos espaços ou territórios onde se desenha a demanda ou se encontram as carências de oferta" (Ribeiro, 2004RIBEIRO, V. L. S. Indicadores para a gestão urbana: diferentes maneiras de usá-los. 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.eg.fjp.mg.gov.br/vgestaourbana/cursos/papers2004/veraribeiro-indicadoresparagestaourbana.pdf >. Acesso em: maio 2009.
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, p. 3), em que o espaço urbano municipal assume caráter de maior protagonismo.

Assiste, pois, razão a Hansen et al.(2004HANSEN, D. L.; OLIVEIRA, M. S.; MENDONÇA, E. F. S.; BATISTA, J. C. Capital humano e desenvolvimento local: aprendizagem como elemento fundamental no desenvolvimento das cadeias produtivas de Sergipe. Aracaju: SEPLANTEC, 2004.), ao afirmarem que o local está se tornando cada vez mais o foco dos processos de desenvolvimento.

Em suma, o planejamento em nível local tem sido estimulado em decorrência da crise fiscal do governo central, do acúmulo de demandas sociais, do processo de descentralização de funções e do maior número de exigências legais aos gestores municipais (Guimarães; Jannuzzi, 2004GUIMARÃES, J. R. S.; JANNUZZI, P. M. Indicadores sintéticos no processo de formulação e avaliação de políticas públicas: limites e legitimidades. ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS-ABEP, 13., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu, 2004., p. 13-4). A próxima seção trata especificamente desta última questão.

Condicionantes institucionais do planejamento local

A gestão municipal vem se defrontando crescentemente com obrigações legais: a exigência constitucional de elaboração das peças orçamentárias, destacando-se o Plano Plurianual (PPA), de estudos de impactos ambientais, quando da implementação de projetos de investimento de grande monta, bem como da elaboração do Plano Diretor para as cidades com população superior a 20 mil habitantes.

A Constituição Federal de 1988 representa um marco definitivo no planejamento dos três níveis de governo ao determinar a elaboração dos Planos Plurianuais como forma de balizar a alocação de gastos públicos no decorrer de um mandato.

No entendimento de Ckagnazaroff e Abreu (2009CKAGNAZAROFF, I. B.; ABREU, B. V. Governança local e participação como estratégias na avaliação e promoção de desenvolvimento econômico local. 5ème Colloque de l'IFBAE - Grenoble, 18 et 19 mai 2009, 2009.), com a Constituição de 1988, os municípios passaram a ser considerados como entes da Federação, e as noções de descentralização e participação cidadã em políticas públicas ganharam espaço formal em todos os níveis de governo.

Araújo (2003ARAÚJO, A. L. A tecnologia da geoinformação como ferramenta para modernização da gestão municipal em cidades de pequeno porte 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Geodésicas e Tecnologia da Geoinformação) - Centro de Tecnologia e Geociências, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003., p. 25) diz que a nova Constituição transferiu a responsabilidade sobre planejamento e execução de obras e serviços nas principais áreas de atenção constituídas na esfera do Estado (saúde, educação, ordenamento do espaço urbano, trânsito e transporte coletivo, entre outros) para a Administração Pública Municipal. Em consonância com esse entendimento, o autor assevera que o equacionamento de problemas centrais das sociedades urbanas, como os de transporte, infraestrutura, saúde, educação (até certos níveis), segurança, defesa ambiental, entre outros, tem sido cada vez mais tratado no plano dos governos locais.

Nesse contexto, em 4 de maio de 2000, é aprovada a Lei Complementar n. 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal. A referida lei, além de estabelecer princípios gerais de finanças públicas com o fito de prevenir desequilíbrios fiscais, reforça a importância da gestão pública planejada, na medida em que fixa limites para despesas com determinadas rubricas, como é o caso das despesas com pessoal, bem como dos limites impostos ao endividamento público.

Além disso, exige maior capacitação dos gestores para a elaboração de instrumentos por ela criados como, p. ex., anexos de metas e riscos fiscais e relatórios de execução e gestão fiscal (Cajazeira, 2012CAJAZEIRA, A. P. G. B. Lei de Responsabilidade Fiscal versus Desenvolvimento Municipal: uma análise dos municípios sergipanos no triênio 2007/9. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão de Organizações Públicas). Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2012.).

Barros (2007BARROS, Evandro S. A contribuição do planejamento municipal na efetivação dos princípios gerais da atividade econômica. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de Marília, Marília, 2007., p. 72) destaca que o desenvolvimento econômico e social do Estado brasileiro exige a implementação do planejamento municipal, por meio das políticas públicas a serem definidas no Plano Diretor das cidades, destinado a propiciar melhor qualidade de vida à população urbana.

No que concerne aos instrumentos básicos de planejamento e gestão, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01BRASIL. Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257, de 10/07/2001. Legislação Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2010.) complementa o ciclo dispondo:

Art. 4º. Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I - planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II - planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III - planejamento municipal, em especial: a) plano Diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano Plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social; (grifos dos autores)

A questão do planejamento é fundamental para que os municípios possam responder a esses novos compromissos; para tanto, a capacitação técnica e a adequação institucional são de vital importância.

A seção seguinte examina os argumentos teóricos favoráveis e contrários à ideia da maior eficiência da gestão pública em nível local.

A eficiência da gestão local

A própria ideia de descentralização fiscal baseia-se na hipótese de que os governos locais utilizam os recursos públicos de maneira mais eficiente, seja porque:

  1. competem pela atração de recursos humanos e investimentos e, para tanto, buscam oferecer um pacote de bens e serviços públicos mais abrangente ao menor custo para o contribuinte (ideia de Tiebout de que famílias "votam com os pés");

  2. conhecem melhor as preferências de seus habitantes dada a proximidade desses com os gestores locais, que, assim, conseguem oferecer pacotes de bens e serviços públicos diferenciados e compatíveis com as preferências dos moradores da localidade; e

  3. existe maior participação e fiscalização da população acerca das decisões do governo local, já que "se os gastos públicos locais são financiados por impostos cobrados dentro da própria comunidade, os contribuintes ficarão mais atentos para verificar se o seu dinheiro está sendo utilizado em projetos com uma boa relação custo-benefício" (Mendes, 2004MENDES, M. Federalismo fiscal. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 422-461., p. 427).

A despeito das vantagens mencionadas, existem várias situações em que tal descentralização não é recomendada, dentre as quais são mencionadas:

  • dificuldade de harmonização de políticas públicas;

  • desestímulo a políticas de crescimento que beneficiem as localidades vizinhas;

  • dificuldade para aplicação de medidas de política redistributiva;

  • falta de escala para oferta local de determinados bens ou serviços públicos;

  • dificuldade para lidar com externalidades tanto positivas como negativas;

  • distorção do ônus tributário, seja através de exportação de impostos, seja pela via da guerra fiscal.

Ainda que não se levem em conta as situações retromencionadas, a ideia da descentralização fiscal, tanto na construção teórica de Tiebout (1956TIEBOUT, C. M. A pure theory of local expenditures. The journal of political economy, Chicago, v. 64, n. 5, p. 416-424, Oct., 1956.) como na de Oates (1972) apud Mendes (2004MENDES, M. Federalismo fiscal. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 422-461.), é a de um governante benevolente, preocupado somente em maximizar o bem-estar da comunidade por ele gerida, e não em perseguir seu interesse próprio.

De fato, se ocorre maior participação da população na tomada de decisões em nível local, mais transparência possibilita uma fiscalização mais rigorosa por parte dessa, o que diminui o espaço para o surgimento de problemas do tipo agente e o principal.

Assim, desconsiderando-se as situações para as quais não é propícia, a descentralização fiscal contribuiria para mais eficiência e eficácia do dispêndio público. Para Prud'homme (1995 apud Mendes, 2004MENDES, M. Federalismo fiscal. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 422-461.)2 2 PRUD'HOMME, Rémy. The dangers of decentralization. The World Bank Research Observer, v. 10, n. 2, August, p. 201-220, 1995. , porém, a maior proximidade entre gestores e população pode resultar em distorções porque:

traz personalismo nas relações e o personalismo tende a ser inimigo de decisões criteriosas e não enviesadas. Quando as decisões passam a ser influenciadas pelos relacionamentos pessoais, o interesse público frequentemente fica em segundo plano e algumas decisões tendem a ser tomadas em favor de interesses particulares ou de grupos (Mendes, 2004MENDES, M. Federalismo fiscal. In: BIDERMAN, C.; ARVATE, P. (Orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 422-461., p. 449).

O mesmo Prud'homme lembra ainda que governos locais normalmente não dispõem da mesma tecnologia de produção de bens e serviços públicos que possui o governo central, principalmente no que diz respeito a recursos humanos.

Assim, ainda que se crie um mecanismo de transferências para dotar os governos locais dos recursos necessários a uma boa gestão, atendendo ao princípio tributário da adequação, faltaria base técnica ao funcionalismo local, o que implicaria perdas de eficiência decorrentes da descentralização.

Por fim, cabe lembrar que a definição do pacote de bens e serviços públicos a ser ofertado resulta de um processo de votação que, via de regra, satisfaz plenamente só ao eleitor mediano. Nesse sentido, a descentralização fiscal somente contribuiria para maior eficácia do dispêndio público na medida em que produzisse jurisdições onde os moradores tivessem preferências mais uniformes, mas nada garante que isso possa, de fato, acontecer (Musgrave; Musgrave, 1980MUSGRAVE, R.; MUSGRAVE, P. Finanças públicas: teoria e prática. Rio de Janeiro: Campus; São Paulo: EDUSP, 1980.).

Em suma, o maior protagonismo dos governos locais pode acarretar tanto em ganho como em perda de eficácia e eficiência. Como mencionado, um arcabouço adequado de planejamento em nível local é fundamental para propiciar um saldo positivo entre ambos. Resta saber se as municipalidades e, em especial aquelas de menor porte, dispõem de um.

No que diz respeito à realidade brasileira, nem todos eles estão preparados para essa empreitada, como observa Araújo (2003ARAÚJO, A. L. A tecnologia da geoinformação como ferramenta para modernização da gestão municipal em cidades de pequeno porte 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências Geodésicas e Tecnologia da Geoinformação) - Centro de Tecnologia e Geociências, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003.). Segundo o autor, muitos municípios não estão preparados para assumir inteiramente tais responsabilidades. Esse quadro é reforçado no universo dos municípios de pequeno porte, onde, na maioria dos casos, há falta de instrumentos eficientes de planejamento e gestão, baixos níveis de arrecadação de tributos e de prestação de serviços à população.

De modo geral, os municípios de pequeno, e mesmo médio porte, têm dificuldades operacionais para levar adiante uma prática de planejamento e gestão urbana, pela absoluta falta de estrutura administrativa, pessoal qualificado e instrumental apropriado de trabalho. Sobre essa realidade, Melo (2008MELO, N. A. de. Pequenas cidades da microrregião geográfica de Catalão (GO): análises de seus conteúdos e considerações teórico-metodológicas. 2008. Tese (Doutorado em Geografia) Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2008., p. 389) diz que a utilização de serviço de contabilidade terceirizado associa-se muitas vezes à insatisfatória capacitação dos servidores públicos para a realização de algumas atividades que exigem maior conhecimento técnico.

Metodologia

No que se refere especificamente ao recorte de pequenos municípios, objeto deste estudo, convém destacar de início que não existe um padrão predefinido a ser seguido (Pereira; Carvalho, 2010PEREIRA, A. M.; CARVALHO, A. I.Gestão pública nas pequenas cidades norte-mineiras: desafios e perspectivas. 2008. Disponível em:<Disponível em:http://www.coloquiointernacional.unimontes.br/ 2008/arquivos/127anetemariliapereira >. Acesso em: 19 nov. 2010.
http://www.coloquiointernacional.unimont...
). Tal classificação depende exclusivamente da natureza do estudo que esteja sendo realizado. Esse entendimento é avalizado por Fresca (2010FRESCA, T. M. Centros locais e pequenas cidades: distinções necessárias. ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS. 16., 2010, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, 2010. , p. 2), que assim se manifesta: "Evidente que, dependendo do estudo e objetivos, nada impede que se utilize a variável número de habitantes, mas há que se fazer as ressalvas necessárias, acorde aos objetivos estabelecidos na pesquisa".

Para fins do presente estudo, entende-se como pequeno município aquele com menos de 20 mil habitantes (estimativas do IBGE para o ano de 2009).

A pesquisa de campo se deu em uma amostra não probabilística de 14 pequenos municípios, o que corresponde a 20% do total de municípios do Estado de Sergipe. Visando dar representatividade à amostra, utilizou-se a territorialização elaborada pela Seplan/SE em 2007, haja vista tratar-se do estudo que dá suporte a todas as ações de planejamento do governo desde então. Foram criados, na ocasião, oito territórios de planejamento: Alto Sertão Sergipano, Médio Sertão Sergipano, Sul Sergipano, Centro-Sul Sergipano, Leste Sergipano, Agreste Central Sergipano, Baixo São Francisco Sergipano e Grande Aracaju (Falcón, 2008FALCÓN, M. L. Planejamento territorializado e participativo de Sergipe. 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.google.com/territorios.sergipanos >. Acesso em: 5 nov. 2010.
http://www.google.com/territorios.sergip...
)3 3 O IBGE, por sua vez, subdivide o estado em 3 mesorregiões e 13 microrregiões. .

Trata-se de uma técnica multivariada que engloba diferentes algoritmos de classificação para organizar informações sobre variáveis e formar grupos homogêneos. Optou-se pela utilização de um método aglomerativo, em que os agrupamentos são formados pela combinação de outros já existentes, configurando-se, então, como um procedimento hierárquico de agrupamento (Hair Jr. et al., 2005HAIR JR.; J. F.; ANDERSON, R. R.; TATHAM, R. L.; BLACK, W. C. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman, 2005.).

Cinco variáveis foram escolhidas para representar a estrutura de planejamento: existência de Seplan municipal, existência de banco de dados, realização de pesquisas próprias, existência de Plano Diretor e existência de código de obras. Outras cinco variáveis foram escolhidas para "mensurar" a gestão democrática: realização de consulta pública pela prefeitura, existência de Orçamento Participativo, participação da população nos debates legislativos, realização de consulta pública pela Câmara e participação das associações no planejamento municipal. Por sua natureza, todas as variáveis mencionadas foram transformadas em dummies binárias.

Quanto à representação gráfica, dois métodos são sugeridos: agregados aninhados e dendrograma. Optou-se pelo dendrograma, gráfico em que o eixo horizontal indica o coeficiente de aglomeração. Para medir a similaridade (ou proximidade), usou-se a distância euclideana quadrada, seguindo orientação de Hair Jr. et al. (2005)HAIR JR.; J. F.; ANDERSON, R. R.; TATHAM, R. L.; BLACK, W. C. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman, 2005.. Para esses autores, essa é a medida mais recomendada, quando o propósito é medir o comprimento de um segmento de reta desenhado entre dois objetos, tendo como base a seguinte fórmula:

A seção seguinte apresenta os resultados da pesquisa de campo e do experimento realizados.

Apresentação e análise dos resultados

Conforme indicado na metodologia, na execução da pesquisa de campo foram aplicados quatro diferentes modelos de questionário (1- Prefeitura; 2- Câmara de Vereadores; 3- Associações; 4- Consultorias), de modo a captar a realidade do planejamento municipal. Os resultados e as respectivas análises são apresentados a seguir, começando pelo Questionário 1- Prefeitura.

Prefeituras

Tabela 1:
Aspectos relacionados ao planejamento municipal

O primeiro quesito neste tópico diz respeito às áreas que merecem tratamento prioritário no planejamento local. As maiores indicações se relacionaram à educação e à saúde, com 39% e 35%, respectivamente. O que se observa no dia a dia, entretanto, é que, não obstante essa aparente prioridade, os resultados nessas duas áreas não representam respostas satisfatórias à sociedade

Quanto à existência de secretaria específica para cuidar do planejamento local - no caso, Secretaria de Planejamento -, o resultado revelou que metade dos municípios pesquisados (50%) dispõe dessa pasta, enquanto nos outros 50% as ações de planejamento são absorvidas por outras secretarias.

Considerando as previsíveis limitações de recursos humanos qualificados para responder a todas as demandas nos pequenos municípios, foi questionado sobre a forma de elaboração das principais peças orçamentárias do município, quais sejam, PPA, LDO e LOA. Nesse quesito, as respostas foram unânimes: 100% dos municípios valem-se das consultorias para o preparo dessas peças.

Questionou-se, então, sobre o grau de satisfação com tais consultorias, de modo a se ter uma ideia de até que ponto a terceirização do planejamento alcança a expectativa dos municípios. O resultado da pesquisa revela fragilidades nesse processo: a maioria - 57% - declarou-se parcialmente satisfeita, o que indica que as suas expectativas não foram plenamente atingidas. Os que se declararam totalmente satisfeitos alcançaram um percentual de 36%. No outro extremo, os totalmente insatisfeitos representaram apenas 7%.

No que diz respeito à participação da população no planejamento, teoricamente mais significativa nos pequenos municípios, visto que um dos argumentos em prol de mais autonomia desses entes federativos é a maior proximidade entre a sociedade e os gestores públicos, o que conferiria às primeiras capacidade mais elevada para participar do planejamento e fiscalizar a gestão em tais localidades, os dados parecem não confirmar a teoria: embora na maioria da amostra pesquisada (71%) as associações participem do planejamento local, constata-se que, na maioria dos casos (71%), não são realizadas consultas públicas, nem ocorre a participação da população na deliberação da alocação dos recursos através de mecanismos de Orçamento Participativo. Vale lembrar que os quesitos mencionados estão todos previstos no Estatuto da Cidade, ou seja, configuram-se também como um imperativo legal.

Por fim, uma das críticas à maior autonomia municipal é a dificuldade de empreender iniciativas conjuntas com outras localidades, em razão da fragmentação de interesses. De fato, na amostra pesquisada, não se constatou nenhuma iniciativa de ações compartilhadas ou consórcios com outras municipalidades.

Câmara de Vereadores

Os resultados da pesquisa com os presidentes das Câmaras Legislativas são apresentados na Tabela 2, na página seguinte.

Neste questionário, os presidentes das Câmaras Legislativas foram convidados a opinar sobre o planejamento municipal. Foi possível perceber, durante as entrevistas, que a simpatia pessoal pelo chefe do Executivo influenciava significativamente nas respostas. Naqueles municípios em que o prefeito tinha maioria na Câmara, a avaliação feita quanto ao planejamento municipal ficou entre boa (21%) e regular (64%), o que indica aprovação. Ao contrário, quando o presidente da Câmara não vota com o prefeito, a avaliação é sempre negativa.

Considerando que a Lei Orgânica expressa a vontade do povo e representa um "contrato social" entre todos os munícipes, perguntou-se, então, sobre a sua atualidade. Por paradoxal que pareça, a totalidade das Leis Orgânicas dos municípios pesquisados está desatualizada. A constatação inevitável é o descaso dos edis com esse aspecto formal de indiscutível relevância. Como entender que a casa das leis municipais ignore a importância de manter a lei maior do município atualizada? Sem contradição, a Lei Orgânica é o ato político por excelência da municipalidade (Resende, 2008RESENDE, A. J. C. Autonomia municipal e lei orgânica. Cadernos da escola do legislativo. Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 7-42, jan./dez. 2008.).

Em se tratando de um estudo que tem no planejamento o seu eixo central, seria indispensável a abordagem sobre a peça central do Estatuto da Cidade, qual seja o Plano Diretor. Não obstante os municípios pesquisados não estarem obrigados à sua elaboração, resolveu-se abordar a questão visando identificar a sintonia do Legislativo com esse tema.

Tabela 2:
Câmara de Vereadores

A pesquisa revelou que apenas 36% dos presidentes dos Legislativos locais conhecem efetivamente o significado e a importância de um Plano Diretor. A maioria dos respondentes (43%) conhece parcialmente, sem entender a sua essência. Consequentemente, esses não são capazes de fazer uma defesa consistente da natureza fundamental desse importante instrumento de planejamento.

A preocupação maior recai sobre aqueles municípios cujos presidentes das Câmaras (21%) nem sequer têm noção do que seja Plano Diretor.

No que tange à apreciação e à aprovação das peças obrigatórias do planejamento local - PPA, LDO e LOA -, na maioria dos municípios (64%) essas foram aprovadas sem emendas. Tal percentual remete claramente à relação do prefeito com o Legislativo local. Ou seja, tendo boa interlocução com a bancada de vereadores, as matérias de interesse do Executivo são apreciadas e votadas sem surpresas.

Por fim, no que diz respeito à participação da população na rotina legislativa do município - forma direta e didática de democratização do poder, conforme Pinho (2004)PINHO, J. A. G. Inovação na gestão municipal no Brasil: a voz dos gestores municipais. Cadernos gestão pública e cidadania, v. 9, n. 35, fev. 2004. -, teoricamente mais frequente nas pequenas urbes, graças à maior proximidade entre a sociedade e os legisladores nessas localidades, também não se confirma na presente amostra: a população participa dos debates legislativos na metade dos casos (50%) e em percentual menor ainda de audiências públicas, visto que essas foram realizadas por 36% das Câmaras Municipais pesquisadas.

Associações comunitárias

Quanto à pesquisa com os presidentes das Associações Comunitárias, os dados são apresentados na Tabela 3, a seguir.

O envolvimento da sociedade organizada nos destinos do município, além de desejável, é fundamental para dar consistência ao planejamento subnacional (Wollmann, 2004WOLLMANN, H. Local government reforms in Great Britain, Sweden, Germany and France: between multi-function and single-purpose organizations. Local government studies, v. 30, n. 4, p. 639-665, winter, 2004.). A participação das associações representativas no planejamento local está prevista tanto na Constituição Federal (art.29, XII) como no Estatuto da Cidade (art. 2º, II) e ainda na Constituição do Estado de Sergipe (art. 13, XVI).

A aplicação desse questionário teve por objetivo identificar até que ponto essa visão constitucional está tendo consequência no plano local.

Tabela 3:
Associações comunitárias

Dessa forma, o primeiro tema abordado foi sobre a interação das associações com os poderes locais, de modo específico, o Executivo e o Legislativo. As respostas oferecidas pelos presidentes das associações revelam que o relacionamento - muito bom, bom ou regular - praticamente se reproduz com essas duas esferas do poder local. Conforme revelaram os dados da pesquisa (não expostos na tabela acima), 29% afirmaram que o relacionamento com a prefeitura é muito bom, ao passo que, com a Câmara dos Vereadores, o percentual chegou a 36%. No outro extremo, 50% classificaram como regular o relacionamento com o Executivo, contra 43% com o Legislativo local. Como bem ponderou um dos entrevistados, ao refletir sobre tal questão, "tudo depende do alinhamento político".

No tocante à avaliação do planejamento local, a maioria absoluta (86%), classificou como deficiente, contra 14% que avaliaram como eficiente.

No quesito relacionado ao conhecimento da Lei Orgânica, mais uma vez fica evidenciado o desinteresse da comunidade local por essa lei fundamental para a municipalidade. Apenas 43% dos presidentes de associação disseram conhecer a Lei Orgânica, enquanto 21% a conhecem parcialmente, e 36% a desconhecem totalmente.

Não é de surpreender que, se boa parte mal conhece a Lei Orgânica do seu município, conheça menos ainda a Lei nº 10.257/01 - Estatuto da Cidade. Apenas um dos entrevistados respondeu afirmativamente a esse quesito. Os demais, 93%, desconhecem integralmente o texto dessa importante lei federal, de absoluta relevância para o planejamento dos municípios brasileiros.

Quanto ao Plano Diretor, trata-se de um tema que tem sido muito comentado, quando o assunto é planejamento urbano. Daí, o percentual daqueles que o conhecem, ainda que superficialmente, seja expressivo: 57% sabem do que se trata, contra 43% que ignoram a sua essência.

Por fim, quanto à participação da sociedade civil organizada no planejamento municipal, uma vez mais se esperava que essa fosse maior nos pequenos municípios, visto que um dos argumentos em prol da maior autonomia desses entes federativos é a maior proximidade entre a sociedade e os gestores públicos, o que conferiria às primeiras, maior capacidade para participar do planejamento e fiscalizar a gestão em tais localidades. Os dados, porém, não confirmam a teoria: apenas 29% das entidades entrevistadas participam da gestão de seus municípios, e um percentual um pouco maior, mas ainda minoritário (43%) participou de audiência pública. Interessante notar que a informação dos presidentes de associações contradiz à prestada pelo representante da Prefeitura, onde se declarou que a maioria (71%) das associações tinha participação no planejamento do município.

Assim, a hipótese da participação da população na gestão municipal, em função da maior proximidade com os poderes Executivo e Legislativo nesses entes federativos, não encontra respaldo empírico no caso da presente amostra.

Consultorias

Durante o desenvolvimento dos trabalhos de campo, identificou-se a necessidade de aplicação de mais um questionário, em face da recorrência da citação às consultorias contábeis.

Percebeu-se que a totalidade dos municípios integrantes da amostra depende dos escritórios especializados em contabilidade pública para a elaboração das suas peças orçamentárias, o que parece confirmar a hipótese de Prud'homme4 4 PRUD'HOMME, Rémy. The dangers of decentralization.The World Bank Research Observer, v. 10, n. 2, August, p. 201-220, 1995. da deficiência de capacitação técnica do funcionalismo local. Dessa forma, resolveu-se aplicar um questionário denominado "Consultoria", com o intuito de compreender melhor o papel desses escritórios no planejamento dos pequenos municípios.

Foram pesquisados os dois maiores escritórios do Estado, que em conjunto atendem a maioria (em torno de 70%) dos municípios sergipanos. Os dados desses questionários não serão tabulados, visando preservar o sigilo das informações, haja vista serem apenas dois informantes.

Esses escritórios especializados em contabilidade pública têm o seu quadro funcional composto de contadores, economistas, advogados, tecnólogos em gestão pública, entre outros.

A carteira de clientes é integrada essencialmente por prefeituras do interior, sendo a maioria composta de pequenos municípios. As principais demandas estão relacionadas à elaboração de Plano Plurianual, à lei de diretrizes orçamentárias, à lei orçamentária anual, à elaboração de pequenos projetos, além de consultoria sobre legislação.

As atividades mais intensas das consultorias concentram-se no primeiro semestre, a partir do mês de abril, estendendo-se até o mês de setembro, em função da elaboração das peças obrigatórias do planejamento municipal, quais sejam: PPA, LDO e LOA.

Os respondentes declararam que os municípios são visitados frequentemente pela consultoria, com o objetivo de manterem-se focados nas demandas. Afirmaram ainda acompanharem as votações das leis referentes à aprovação do PPA, da LDO e da LOA, junto às Câmaras Municipais. Essa informação revela-se conflitante com o que declarou a maioria dos prefeitos (64% parcialmente satisfeitos/insatisfeitos), que reclamou da falta de interação das consultorias com as prefeituras.

Análise de cluster

Com o objetivo de identificar similaridades e diferenças na amostra de municípios selecionados e visando caracterizar subconjuntos agrupados em torno de duas questões básicas relacionadas à eficiência do planejamento, quais sejam, a estrutura de planejamento e o grau de participação da sociedade na gestão de cada localidade, foi aplicada uma análise de clusters.

Por se tratar de uma técnica não inferencial, as exigências de normalidade, linearidade e homocedasticidade - normalmente requeridas por outras técnicas multivariadas - não se aplicam na presente conjuntura. As únicas suposições da análise de clusters dizem respeito à representatividade da amostra e a ausência de forte multicolinearidade (Hair Jr. et al., 2005HAIR JR.; J. F.; ANDERSON, R. R.; TATHAM, R. L.; BLACK, W. C. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman, 2005.).

No primeiro caso, nossa amostra é representativa, na medida em que contempla municípios de todos os territórios de planejamento do Estado, bem como os menores e os maiores dentro do recorte populacional adotado (< 20 mil hab.).

No segundo, a matriz de correlações de Pearsonapontou apenas dois casos - dentre 45 - significativos ao nível de erro de 5%: existência de banco de dados e realização de pesquisas próprias, e entre existência de Plano Diretor e de Código de Obras. Por sinal, estas duas últimas são as variáveis que possuem o maior fator de inflamento da variância - 3,841 e 4,421, respectivamente.

Assim, optou-se pela retirada da variável Código de Obras. Nota-se, de acordo com a Tabela 4, que, após a exclusão da referida variável todos os FIVs caíram para menos de 3 e o FIV médio é de 1,915. Como regra de bolso, considera-se que os FIVs individuais devem ser inferiores a dez, conforme Gujarati (1995GUJARATI, D. Econometria básica. São Paulo: Makron Books, 1995.), ou seja, o grau remanescente de multicolinearidade dos dados é aceitável.

Figura 1:
Matriz de Correlações de Pearson

Tabela 4:
Fator de inflamento da variância - variáveis remanescentes

Por fim, a análise dos boxplot não apontou para a presença de possíveis outliers.

Como mencionado, a medida de similaridade adotada foi a distância euclidiana quadrada, e o algoritmo de agrupamento escolhido foi o de ligação média.5 5 Trata-se de um procedimento hierárquico em que se calcula a distância média de todos os membros de um grupo em relação aos indivíduos de outro grupo. A vantagem desse procedimento é formar agregados homogêneos (Hair Jr. et al., 2005, p. 401). O número de agrupamentos foi decidido observando-se a ocorrência de saltos abruptos nos coeficientes de distância expostos na matriz de aglomeração.

A Tabela 5 e a Figura 2 abaixo apresentam a matriz de aglomeração e o dendrograma para as variáveis de estrutura de planejamento (Existência de Seplan municipal, de banco de dados e de Plano Diretor, bem como realização de pesquisas próprias) e gestão participativa (realização de consulta pública pela Prefeitura e pela Câmara Municipal, existência de Orçamento Participativo, participação da população nos debates legislativos e participação das associações no planejamento municipal). A planilha que contém o conjunto dos dados encontra-se no Apêndice Apêndice Tabela A1: Variáveis de estrutura de planejamento e gestão participativa - municípios da amostra Fonte: Pesquisa de campo. Elaboração dos autores. Método de Cálculo da Distância de Sokal e Sneath 1 Considere a matriz: Em que os casos de emparelhamento (presença-presença ou ausência-ausência de uma característica) entre os casos x e y são representados pelas letras a e d. A distância de Sokal e Sneath 1 é, então, calculada de acordo com a seguinte fórmula: A distância D estará no intervalo entre 0 e 1. Como se pode observar, os casos de emparelhamento pesam mais no cálculo de D (tutorial de ajuda do programa SPSS 13.0 e http://www.isegi.unl.pt/docentes/vlobo/escola_naval/SAD/SAD_EN_3_Dados_datawarehouse.pdf). .

Tabela 5:
Matriz de aglomeração

Figura 2:
Dendrograma

Pode-se notar a formação de três agrupamentos: um primeiro conjunto composto das localidades de Carira, Japaratuba, Salgado, Monte Alegre, Riachuelo e Aquidabã; um segundo agrupamento contemplando Maruim e Neópolis, e um terceiro cluster abrangendo os municípios de Amparo do São Francisco, General Maynard, Riachão do Dantas, Pedrinhas, Cumbe e Pedra Mole.

A técnica de clusters, no entanto, pode gerar soluções não únicas, razão pela qual se optou pela realização de dois experimentos, com o intuito de verificar a estabilidade dos agrupamentos formados, validando o resultado encontrado.

No primeiro, alterou-se a medida de similaridade, utilizando-se a distância 1 de Sokal e Sneath, em vez da distância euclidiana quadrada. Já, no segundo, se alterou o algoritmo de aglomeração, utilizando-se o método de ligação do vizinho mais distante em lugar do do método de ligação média.6 6 A distância 1 de Sokal e Sneath consiste na atribuição de peso duplo nos casos de emparelhamento (presença-presença e ausência-ausência de uma característica), conforme descrito no Apêndice. Já o método de ligação do vizinho mais distante é também um procedimento hierárquico em que a distância entre grupos é determinada pela maior distância entre dois membros de grupos diferentes. Outra estratégia de validação - a partição da amostra em uma amostra de análise e outra de teste - essa não foi utilizada no presente trabalho, em razão do reduzido número de casos. Ambos os experimentos confirmaram o agrupamento descrito acima.

Assim, uma vez formados os agrupamentos e verificada a estabilidade da solução, se passa à caracterização do perfil de cada um deles.

Grupamento das variáveis de planejamento

Grupo 1 - Carira, Japaratuba, Salgado, Monte Alegre, Aquidabã e Riachuelo: Este grupo pode ser caracterizado como um cluster que possui uma estrutura "Estatística", haja vista que o elo entre esses municípios é a existência em todos eles de banco de dados, bem como de realização de pesquisas próprias. À exceção de Riachuelo, nenhum deles elaborou Plano Diretor. Em cinco das seis localidades, o Executivo não realiza consultas públicas (a exceção é Monte Alegre), e em outros cinco não existe Orçamento Participativo (a exceção, neste caso, fica por conta de Salgado). A população participa dos debates legislativos em cinco municípios, exceto em Aquidabã. No conjunto, são municípios que possuem estrutura para a obtenção de informação, mas têm alguma deficiência em estimular a participação de seus munícipes.

Grupo 2 - Maruim e Neópolis: Todos estes municípios têm na sua estrutura administrativa uma secretaria específica para cuidar do planejamento municipal, além de uma fonte de informação (banco de dados ou pesquisas próprias). O grupo pode ser caracterizado por uma estrutura de participação razoável, na medida em que tanto a Prefeitura quanto a Câmara Municipal realizam consultas públicas, e a população participa dos debates legislativos. No entanto, nenhum dos dois elabora o orçamento de forma participativa. Dentre os três, este é o cluster com maior probabilidade de apresentar alguma eficiência em termos de planejamento.

Grupo 3 - Amparo do São Francisco, Riachão do Dantas, Cumbe, Pedrinhas, Pedra Mole e General Maynard: Este grupo caracteriza-se pela precariedade na estrutura de planejamento e no grau de participação da população. Dentre as nove variáveis selecionadas, Amparo do São Francisco e Pedrinhas possuem uma única, ao passo que General Maynard, Riachão do Dantas e Pedra Mole ostentam duas. O traço comum é a ausência de Plano Diretor, bem como de consultas públicas no âmbito do Legislativo. No caso deste agrupamento, há necessidade da busca premente de elementos que deem sustentação às ações de planejamento.

Assim, no geral, percebe-se grande fragilidade em termos de adequação da estrutura de planejamento e de participação dos munícipes, já que nenhuma localidade não possui sequer sete das nove variáveis representativas dessas dimensões e somente em dois casos - Japaratuba e Neópolis - estão presentes seis delas. Não obstante, em meio à fragilidade, observa-se uma diversidade de realidades locais na medida em que três agrupamentos são formados e o grupo 2 se destaca por apresentar uma situação um pouco mais favorável que os demais.

Considerações finais

Este estudo permitiu-nos perceber que o planejamento na maioria nos pequenos municípios (de modo específico no Estado de Sergipe) é bastante incipiente, ficando restrito à elaboração do PPA, da LDO e da LOA, de forma padronizada pelas consultorias ou pelos escritórios dedicados à contabilidade pública. O uso recorrente das consultorias reflete claramente a ausência de quadros qualificados na quase totalidade desses pequenos entes federativos. Confirma-se, assim, a hipótese colocada inicialmente, qual seja, a limitada capacidade de planejamento nos pequenos municípios.

O estudo revelou também a falta de conhecimento, tanto por parte dos prefeitos como dos presidentes das Câmaras de Vereadores, dos principais instrumentos de planejamento municipal. A quase totalidade ignora o que seja o Estatuto da Cidade, lei federal que determina as linhas básicas para o planejamento municipal. Em casos pontuais, a qualidade da entrevista ficou comprometida pelas limitações dos chefes do Poder Executivo e do Legislativo, que não conseguiam interpretar corretamente algumas questões, quando a abordagem passava por temas de natureza técnica.

Causou perplexidade constatar que as Leis Orgânicas, lei maior do município, além de desatualizadas, contêm erros comprometedores, como, por exemplo, invocarem institutos inexistentes no município. Sabe-se que a Lei Orgânica representa a visão e os valores que os munícipes desejam ver reconhecidos, respeitados e promovidos. Ao perceber-se que tal lei não recebe a atenção que lhe é devida, são bastante previsíveis os desdobramentos daí decorrentes, especialmente distorções no planejamento e atos eivados de ilegalidade.

A pesquisa de campo mostrou também que a participação da população na tomada de decisões e na fiscalização da gestão é ainda bastante incipiente nos municípios de pequeno porte e não necessariamente decorre da descentralização fiscal como previsto por alguns autores.

Finalizamos tais considerações com olhar fixo na premente necessidade de uma política específica para os pequenos municípios, maioria no quadro da municipalidade brasileira. Como não existe o todo sem a parte, urge uma atenção especial para o planejamento subnacional, de modo específico para os pequenos entes federativos, atenção que vá além das verbas eventualmente destinadas. É imperioso que se ofereçam ferramentas através da capacitação, do treinamento permanente. Necessário se faz também a formatação de um Plano Diretor específico para os municípios com população de até 20 mil habitantes.

Reafirmamos, pois, que o planejamento é condição imperiosa, tanto para o grande como para o menor de todos os municípios brasileiros, para que o desenvolvimento harmônico e sustentado do país seja uma realidade.

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  • 1
    A receita pública, por sua vez, estava relativamente protegida em função dos mecanismos de indexação existentes. Para mais detalhes acerca dessa linha de argumentação, vide Bacha (1994)BACHA, E. O fisco e a inflação: uma interpretação do caso brasileiro. Revista de economia política, v. 14, n. 1, jan. 1994. .
  • 2
    PRUD'HOMME, Rémy. The dangers of decentralization. The World Bank Research Observer, v. 10, n. 2, August, p. 201-220, 1995.
  • 3
    O IBGEINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Região de Influência das Cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008., por sua vez, subdivide o estado em 3 mesorregiões e 13 microrregiões.
  • 4
    PRUD'HOMME, Rémy. The dangers of decentralization.The World Bank Research Observer, v. 10, n. 2, August, p. 201-220, 1995.
  • 5
    Trata-se de um procedimento hierárquico em que se calcula a distância média de todos os membros de um grupo em relação aos indivíduos de outro grupo. A vantagem desse procedimento é formar agregados homogêneos (Hair Jr. et al., 2005, p. 401).
  • 6
    A distância 1 de Sokal e Sneath consiste na atribuição de peso duplo nos casos de emparelhamento (presença-presença e ausência-ausência de uma característica), conforme descrito no Apêndice. Já o método de ligação do vizinho mais distante é também um procedimento hierárquico em que a distância entre grupos é determinada pela maior distância entre dois membros de grupos diferentes. Outra estratégia de validação - a partição da amostra em uma amostra de análise e outra de teste - essa não foi utilizada no presente trabalho, em razão do reduzido número de casos.

Apêndice

Tabela A1:
Variáveis de estrutura de planejamento e gestão participativa - municípios da amostra

Método de Cálculo da Distância de Sokal e Sneath 1

Considere a matriz:

Em que os casos de emparelhamento (presença-presença ou ausência-ausência de uma característica) entre os casos x e y são representados pelas letras a e d. A distância de Sokal e Sneath 1 é, então, calculada de acordo com a seguinte fórmula:

A distância D estará no intervalo entre 0 e 1. Como se pode observar, os casos de emparelhamento pesam mais no cálculo de D (tutorial de ajuda do programa SPSS 13.0 e http://www.isegi.unl.pt/docentes/vlobo/escola_naval/SAD/SAD_EN_3_Dados_datawarehouse.pdf).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2013
  • Aceito
    13 Mar 2013
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