As pesquisas de intenção de voto para presidente no primeiro turno de 2022 divergiram do resultado de domingo (2 de outubro), levando a críticas de que teriam sido cometidos erros. Este artigo examina uma explicação alternativa para o fato, segundo a qual mudanças de preferências ocorreriam entre as pesquisas e a votação. Embora impopular, a explicação tem respaldo na literatura com foco em dois processos: o voto estratégico e o alinhamento dos indecisos. Utilizando um experimento feito uma semana antes da eleição, mostramos que eleitores indecisos e de candidaturas menores apresentavam propensão a serem persuadidos por vídeos de campanha. Também utilizamos uma pesquisa feita às vésperas do pleito, para desenvolver modelos que identificam eleitores propensos a mudarem suas escolhas, de modo a ajustar a estimativa da votação. Os resultados sugerem que as mudanças tardias seriam um fenômeno mais do que plausível nas eleições brasileiras recentes.
eleições; voto; pesquisas eleitorais; voto estratégico; indecisão
Abstract
Polls in the first round of Brazil's 2022 presidential election diverged from the official results, leading to criticisms that they made mistakes. This paper examines an alternative explanation: that actual changes in vote intentions occurred between the polls and election day. Although unpopular, this explanation finds theoretical support in the scholarship based on two main processes: strategic voting and delayed decision-making. Using an experiment conducted a week before the election, we show how undecided voters and voters for less competitive candidacies displayed high propensity to change their minds after watching campaign videos. We also use data from one of the last polls conducted before the election to develop models that identify voters most prone to late swings in vote choice and reallocate such votes to adjust vote estimates. The results suggest that late swings in vote intentions can be a more than plausible phenomenon in recent Brazilian elections.
elections; voting; polling; strategic voting; undecided voters
Resumen
Los resultados de las encuestas acerca de la primera vuelta de las elecciones presidenciales de Brasil de 2022 divergieron de los resultados oficiales, lo que generó críticas según las cuales las encuestas habrían cometido errores. Este documento examina una explicación alternativa que los analistas a menudo tratan con escepticismo: qué cambios reales de intención de voto ocurrieron entre la última recopilación de datos y el día de las elecciones. Aunque impopular, esta explicación encuentra apoyo teórico en la literatura basada en dos procesos principales: votación estratégica y toma de decisiones retrasada. Usando un experimento realizado una semana antes de las elecciones, mostramos cómo los votantes indecisos y los votantes de candidaturas menos competitivas mostraron una alta propensión a cambiar de opinión después de ver los mensajes de campaña. También utilizamos datos de encuestas de una de las últimas encuestas realizadas antes de las elecciones para desarrollar modelos que identifiquen a los votantes más propensos a cambios tardíos en la elección de votos y reasignar sus votos para ajustar las distribuciones de votos. Los resultados sugieren que los cambios tardíos en las intenciones de voto pueden ser un fenómeno más que plausible en las recientes elecciones brasileñas.
elecciones; voto; encuestas electorales; voto estratégico; votantes indecisos
Résumé
Les résultats des sondages sur le premier tour de l'élection présidentielle brésilienne de 2022 ont divergé des résultats officiels, ce qui a conduit à des critiques selon lesquelles le sondage aurait commis des erreurs dans la collecte des données. Cet article examine une explication alternative qui est souvent traitée avec scepticisme par les analystes : les fluctuations réelles d'intentions de vote se sont produites entre la dernière collecte de données et le jour du scrutin. Bien qu'impopulaire, cette explication trouve un appui théorique dans la recherche basée sur deux processus principaux : le vote stratégique et la prise de décision différée. À l'aide d'une expérience menée une semaine avant l'élection, nous montrons comment les électeurs indécis et les électeurs des candidatures moins compétitives ont affiché une forte propension à changer d'avis après avoir vu les messages de campagne. Nous utilisons également les données d'enquête de l'un des derniers sondages menés avant les élections pour développer des modèles qui identifient les électeurs les plus enclins à des changements tardifs dans le choix du vote et réattribuent ces votes afin d'ajuster la répartition des votes. Les résultats suggèrent que les fluctuations tardives des intentions de vote peuvent être un phénomène plus que plausible lors des récentes élections brésiliennes.
élections; vote; sondages électoraux; vote stratégique; électeurs indécis
Introdução3 3 O Apêndice deste artigo está disponível no site do Cesop, na seção Revista Opinião Pública, na página deste artigo <https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica>.
A conclusão da contagem de votos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no primeiro turno da eleição de 2022 concretizou um dos piores pesadelos dos principais institutos de pesquisa de opinião do país. As estimativas de intenção de voto para presidente, obtidas pelos institutos durante a última semana da campanha do primeiro turno, divergiram drasticamente do resultado da votação no domingo. O agregador de pesquisas eleitorais do jornal O Estado de São Paulo, que combina os resultados de diversas pesquisas de âmbito nacional para a presidência, indicava, à véspera do pleito, que Lula teria cerca de 47% dos votos totais, enquanto Bolsonaro teria 33%, o que configurava uma diferença de 14 pontos percentuais entre os dois principais candidatos na disputa4 4 Disponível em: < https://www.estadao.com.br/politica/eleicoes/agregador-pesquisa-eleitoral-2022/?turno=&cargo=presidencial&modalidade=todas®iao=todas>. Acesso em: 06 abr. 2022. . Tomando-se esse agregador como uma média geral das pesquisas, a constatação é a de que estas subestimaram a votação de Bolsonaro em cerca de 8 pontos percentuais, uma vez que o então presidente obteve 41,3% dos votos totais no domingo5 5 Disponível em: <https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/divulga/votacao-nominal;e=544;cargo=1;uf=br>. Acesso em: 06 abr. 2022. . A divergência surpreendeu parte dos observadores, mas já havia ocorrido antes. Tanto em 2014 quanto em 2018, as principais pesquisas realizadas e divulgadas durante a última semana de campanha do primeiro turno também divergiram da votação oficial. Divergências entre pesquisas e resultados também ocorrem com certa frequência em pesquisas feitas nos âmbitos estadual e municipal.
Algumas análises que emergiram logo após o pleito atribuem as divergências a deficiências técnicas nas coletas de entrevistas feitas pelos institutos. Fatores como vieses de amostragem, recusas de certos respondentes e incapacidade de se captar adequadamente as abstenções são levantados como explicações possíveis para o insucesso dos resultados, de tal forma que seria necessário que os institutos revissem amplamente suas metodologias para aproximarem-se dos resultados em eleições futuras. No entanto, ainda que possam contribuir para explicar as divergências, as supostas limitações técnicas que teriam prejudicado as pesquisas no primeiro turno não levaram a discrepâncias tão grandes entre pesquisas e resultados no segundo6 6 O agregador de pesquisas do jornal O Estado de São Paulo indicou a vitória de Lula no segundo turno com 52% dos votos válidos, divergindo do resultado oficial em 1,1 pontos percentuais. , indicando que os aspectos técnicos das coletas de dados não explicam satisfatoriamente as divergências substanciais do primeiro turno7 7 Os registros publicamente disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral mostram que os principais institutos do país não modificaram suas metodologias de coleta de dados entre o primeiro e o segundo turno. Disponível em: <https://pesqele-divulgacao.tse.jus.br/app/pesquisa/listar.xhtml>. Acesso em: 11 nov. 2022. .
Uma explicação menos popular entre analistas é a de que as divergências observadas seriam causadas por mudanças reais na distribuição das intenções de voto no eleitorado durante os dias (ou mesmo horas) finais da campanha do primeiro turno. Tal explicação é geralmente rechaçada com o argumento de que seria um subterfúgio, uma explicação posterior ao resultado que serviria como defesa velada dos institutos de pesquisa. No entanto, o fenômeno da mudança tardia na decisão do voto é amplamente explorado na literatura internacional sobre pesquisas de intenção de voto (Kennedy et al., 2018Kennedy, C., et al. "An evaluation of the 2016 election polls in the United States". Public Opinion Quarterly, vol. 82, nº 1, p. 1-33, 2018.; Bon; Ballard; Baffour, 2019).
Há pelo menos dois mecanismos decisórios de mudança tardia que poderiam explicar parte das divergências entre as pesquisas de véspera e o resultado oficial da votação. O primeiro é conhecido como voto estratégico (também chamado no Brasil de “voto útil”). Segundo essa teoria, eleitores de candidatos menos competitivos mudariam seu voto tardiamente para um dos dois mais competitivos na disputa, com o objetivo de impedir a possível vitória do candidato competitivo que rejeitam (Blais et al., 2011Blais, A., et al. "Strategic vote choice in one-round and two-round elections: an experimental study". Political Research Quarterly, vol. 64, nº 3, p. 637-645, 2011.). O segundo mecanismo se refere ao alinhamento tardio dos eleitores que se declaram indecisos nas pesquisas, os quais podem se distribuir desigualmente entre os candidatos e produzir discrepâncias entre pesquisas e resultados (Chaffee; Rimal, 1996; Willocq, 2019Willocq, S. "Explaining time of vote decision: The socio-structural, attitudinal, and contextual determinants of late deciding". Political Studies Review, vol. 17, nº 1, p. 53-64, 2019.; Lloyd; Turgeon, 2021Lloyd, R.; Turgeon, M. "Polling in New Democracies and Electoral Malpractice: The Case of Brazil". International Journal of Public Opinion Research, vol. 33, nº 4, p. 1039-1049, 2021.).
O contexto das eleições presidenciais brasileiras recentes oferece condições amplas para a operação dos mecanismos do voto estratégico e do alinhamento tardio de indecisos. A estrutura da corrida presidencial pela eleição majoritária e multipartidária, por exemplo, fomenta o comportamento estratégico por parte de eleitores que preferem candidatos menos competitivos (Guarnieri, 2015Guarnieri, F. "Voto estratégico e coordenação eleitoral: testando a Lei de Duverger no Brasil". Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 30, p. 77-92, 2015.). Elementos como o voto obrigatório e a baixa adesão popular a partidos contribuem para que parte considerável do eleitorado se encontre ambivalente e se declare indecisa nas eleições. Além disso, fatores como o uso amplo de redes sociais e a politização de grupos sociais com penetração ampla no eleitorado, como os evangélicos, aumentam a dinâmica das campanhas e sua capacidade de influenciar eleitores, principalmente no sentido de gerar movimentos tardios de mudanças de decisão. Finalmente, os mecanismos de mudança tardia de decisão parecem teoricamente mais consistentes do que as demais perspectivas para explicar por que as discrepâncias entre pesquisas e resultados do primeiro turno não foram observadas na mesma medida no segundo turno. Primeiro, porque, consistentemente à teoria do voto estratégico, a presença de apenas dois candidatos no segundo turno denota que não há eleitores de candidatos menos competitivos que possam mudar sua decisão tardiamente. Segundo, uma vez que a ocorrência do primeiro turno da eleição obriga parte dos eleitores indecisos a se alinharem a algum dos candidatos, a proporção de respondentes indecisos nas pesquisas tende a cair no segundo turno, com a consequente redução do impacto de tal grupo sobre as estimativas de votação.
O presente artigo teoriza e apresenta evidências em favor da tese de que as mudanças tardias de decisão ajudam a explicar os supostos erros nas pesquisas de intenção de voto para presidente em 2022. Para tanto, as seções “Mudanças tardias”, “’Voto útil’” e “Alinhamento dos Indecisos” discutem as bases teóricas e as evidências nacionais e internacionais a favor da tese das mudanças tardias. Em seguida, na seção “Estudo 1: Um experimento com apelos de campanha”, apresentamos um experimento de survey conduzido a menos de duas semanas da eleição do primeiro turno, que testou em que medida vídeos com mensagens de apelo direcionadas a eleitores que não expressavam voto por Lula ou Bolsonaro poderiam mudar sua intenção de voto. Na seção “Estudo 2: realocando votantes estratégicos e indecisos”, com base em dados da pesquisa de intenção de voto concluída pela Quaest Consultoria e Pesquisa, no dia 1 de outubro, véspera do pleito do primeiro turno, desenvolvemos modelos que identificam e realocam os votos de eleitores indecisos e dos propensos ao “voto útil”. Finalmente, a seção “Conclusão” propõe que os resultados das duas análises reforçam a ideia de que mudanças tardias de voto ajudam a explicar as divergências entre resultados e eleição, uma perspectiva que não pode ser facilmente descartada no contexto brasileiro.
Mudanças tardias
Uma das causas da surpresa com as divergências entre as pesquisas e o resultado do primeiro turno de 2022 foi a alta estabilidade nas intenções de voto ao longo da campanha. Em geral, as pesquisas mostravam poucas mudanças nos percentuais de votos dos candidatos ao longo do tempo, distribuições semelhantes nas intenções de voto entre perguntas espontâneas e estimuladas e altos percentuais de respondentes que indicavam que sua decisão seria definitiva. Sendo assim, poderia mesmo haver um contingente do eleitorado propenso a mudar de opinião nos últimos dias da campanha de modo a produzir as discrepâncias observadas?
Há evidências de que as mudanças tardias na decisão do voto são parte importante das disputas eleitorais em democracias. Mesmo nos Estados Unidos, onde a clivagem partidária é mais estruturada no eleitorado, a literatura documenta que parte considerável dos eleitores decide o voto para presidente nos dias finais da campanha (Chaffee; Rimal, 1996; Bon; Ballard; Baffour, 2019). Nas eleições presidenciais estadunidenses de 2016, por exemplo, há evidências de que a mudança tardia do voto por parte de alguns eleitores teria contribuído para as divergências entre as estimativas das pesquisas e os resultados (Kennedy et al., 2018Kennedy, C., et al. "An evaluation of the 2016 election polls in the United States". Public Opinion Quarterly, vol. 82, nº 1, p. 1-33, 2018.; Bon; Ballard; Baffour, 2019). Por outro lado, as evidências com relação ao impacto das decisões tardias sobre o viés das pesquisas eleitorais de forma geral são mistas (Prosser; Mellon, 2018Prosser, C.; Mellon, J. "The twilight of the polls? A review of trends in polling accuracy and the causes of polling misses". Government and Opposition, vol. 53, nº 4, p. 757-790, 2018.). Seja como for, algumas características do sistema político estadunidense tornam as mudanças tardias menos comuns naquele sistema em comparação ao contexto brasileiro. Primeiro, porque o sistema bipartidário com ampla adesão no eleitorado e com outras candidaturas minúsculas minimiza a possibilidade de que eleitores mudem de intenção de voto pelo cálculo estratégico. Segundo, porque as taxas mais baixas de comparecimento eleitoral, em virtude do voto facultativo, aumentam a probabilidade de que eleitores indecisos solucionem sua ambivalência por meio da abstenção. Mesmo assim, estudiosos defendem que, ainda que dispondo da abstenção como opção, a presença de um contingente de indecisos que comparece às urnas pode contribuir para as divergências entre as pesquisas e a votação (Mitofsky, 1998Mitofsky, W. "Was 1996 a worse year for polls than 1948?" The Public Opinion Quarterly, vol. 62, nº 2, p. 230-249, 1998.; Pilnacek et al., 2021Pilnacek, M., et al. "Apportioning Uncertain Voters in Pre-Election Polls in a Multi-Party System". International Journal of Public Opinion Research, vol. 33, nº 4, p. 973-985, 2021.). No Brasil, as pesquisas Genial-Quaest de intenção de voto mostraram uma queda na proporção de indecisos de 8,3%, no sábado anterior ao primeiro turno, para 5%, no sábado anterior ao segundo, o que corrobora o argumento de que parte significativa dos indecisos soluciona sua ambivalência ao escolher no primeiro turno, de modo a diminuir o impacto da alocação dos indecisos no segundo.
A seguir, apresentamos as teorias a respeito dos dois mecanismos de tomada de decisão tardia que explicariam as divergências entre as pesquisas e os resultados oficiais no caso brasileiro, particularmente em 2022: o “voto útil” (ou estratégico) e o alinhamento dos indecisos. O contexto brasileiro oferece condições amplas para que ambos ocorram e afetem as pesquisas.
“Voto útil”
O que se convencionou chamar de “voto útil” no contexto brasileiro corresponde a um fenômeno conhecido na literatura de comportamento eleitoral como voto estratégico. A premissa fundamental do voto estratégico é a de que o eleitor não escolhe com base apenas no simples ordenamento de suas preferências pelos candidatos, com o consequente voto no candidato predileto. Não se trataria de uma escolha “sincera”, baseada exclusivamente em considerações individuais. Pelo contrário, o componente estratégico do voto denota que o eleitor leva em consideração as decisões dos demais eleitores ao tomar a própria decisão, como se estivesse em um jogo. Sendo assim, o voto estratégico caracteriza o comportamento segundo o qual o eleitor pode não escolher o candidato predileto (Blais et al., 2011Blais, A., et al. "Strategic vote choice in one-round and two-round elections: an experimental study". Political Research Quarterly, vol. 64, nº 3, p. 637-645, 2011.).
O tipo mais comum de voto estratégico se refere à decisão tomada por eleitores cujo candidato predileto se encontra abaixo da segunda colocação e com chances pequenas de vencer a eleição. Nesse caso, o eleitor muda seu voto para um dos dois candidatos mais competitivos visando a evitar a vitória do adversário que rejeita. Trata-se do mecanismo decisório que fundamenta a conhecida “lei de Duverger”, segundo a qual tal comportamento levaria ao predomínio de dois partidos em sistemas eleitorais majoritários (Duverger, 1954). Embora a teoria pressuponha que o comportamento estratégico ocorra primordialmente em sistemas eleitorais de apenas um turno, há evidências de sua ocorrência também em sistemas de dois turnos (Blais et al., 2011Blais, A., et al. "Strategic vote choice in one-round and two-round elections: an experimental study". Political Research Quarterly, vol. 64, nº 3, p. 637-645, 2011.).
Em sistemas de dois turnos também pode ocorrer o que Tsebelis (1986)Tsebelis, G. "A general model of tactical and inverse tactical voting". British Journal of Political Science, vol. 16, nº 3, p. 395-404,1986. chamou de voto estratégico reverso, no qual eleitores de candidatos mais competitivos decidem votar em um candidato menos competitivo porque este teria mais chances de derrotar o adversário competitivo que rejeitam mais intensamente (Plutowiski et al., 2021). Também é possível que eleitores insatisfeitos votem em candidatos menos competitivos para sinalizar postura crítica em relação aos mais competitivos (Meirowitz; Tucker, 2007Meirowitz, A.; Tucker, J. "Run Boris run: strategic voting in sequential elections". Journal of Politics, vol. 69, nº 1, p. 88-99, 2007.). Embora haja evidências de tais variantes do voto estratégico reverso no caso brasileiro (Rennó; Hoepers, 2010Rennó, L.; Hoepers, B. "Voto estratégico punitivo: transferência de votos nas eleições presidenciais de 2006". Novos Estudos CEBRAP, p. 141-161, 2010.), Plutowski, Weitz-Shapiro e Winters (2021) mostram que, nas eleições de 2018, o tipo mais comum de voto estratégico foi o deslocamento de votos dos candidatos menos competitivos para os mais competitivos.
Seja como for, as principais manifestações do voto estratégico apresentam dois componentes comuns para o mecanismo da mudança de escolha. O primeiro se refere ao fato de que o voto estratégico é fundamentalmente um ato de rejeição. O eleitor muda sua escolha para um candidato mais competitivo não por necessariamente extrair alta utilidade direta da vitória dessa candidatura, mas principalmente a fim de evitar a vitória de um candidato que resultaria em utilidade ainda menor. Sendo assim, eleitores de candidaturas menos competitivas que identificam e ordenam os candidatos de forma clara são os mais propensos a votarem de maneira estratégica (Blais et al., 2011Blais, A., et al. "Strategic vote choice in one-round and two-round elections: an experimental study". Political Research Quarterly, vol. 64, nº 3, p. 637-645, 2011.).
O segundo componente fundamental do voto estratégico se refere às expectativas do eleitorado em relação às chances de cada candidato vencer o pleito. Se o eleitor tem certeza de que o candidato mais competitivo e menos rejeitado vencerá a eleição, não faz sentido transferir seu voto para ele a fim de evitar a vitória do outro, algo que já estaria assegurado. Tampouco haverá voto estratégico se o eleitor atribuir erroneamente chances de vitória ao seu candidato predileto, porém inviável. Nesse sentido, é necessário que o eleitor acredite, ou pelo menos não descarte, a possibilidade de vitória do candidato que rejeita, o que fomenta a decisão estratégica de mudar o voto para o candidato competitivo que tem chances de evitar que isso aconteça. Finalmente, esse movimento de mudança seria tardio porque tais eleitores tendem a considerar as estimativas sobre as chances de vitória de cada candidato mais confiáveis às vésperas do pleito.
Fatores contextuais e individuais favorecem a ocorrência do “voto útil”. Do ponto de vista contextual, eleições multipartidárias estruturadas em torno de duas candidaturas competitivas aumentam a probabilidade do comportamento estratégico (Tyszler; Schram, 2016). Do ponto de vista individual, a literatura evidencia que o voto estratégico é mais comum entre eleitores mais sofisticados politicamente, já que consiste em um cálculo que demanda certo engajamento cognitivo (Merolla; Stevenson, 2007; Eggers; Rubenson; Loewen, 2022). No Brasil, o artigo de Miranda e Meloni (2016)Miranda, J.; Meloni, L. "Does education play a role in strategic voting behavior? Evidence from Brazil". Texto para discussão, FEA-RP, Universidade de São Paulo, 2016. corrobora esses achados e mostra que o “voto útil” é mais comum em zonas eleitorais com eleitores mais escolarizados.
Contudo, é possível que o ambiente informacional forneça os elementos necessários para que mesmo eleitores menos sofisticados votem estrategicamente. Particularmente, informações sobre as pesquisas eleitorais ajudam o eleitor a aferir o nível de competitividade das candidaturas, um elemento crucial para o voto estratégico (Merolla, 2009Merolla, J. "The effect of information signals on strategic voting in mock mayoral elections". Political Behavior, vol. 31, nº 3, p. 379-399, 2009.; Rich, 2015Rich, T. "Strategic voting and the role of polls: Evidence from an embedded web survey". PS: Political Science & Politics, vol. 48, nº 2, p. 301-305, 2015.; Roy et al., 2015Roy, J., et al. "An experimental analysis of the impact of campaign polls on electoral information seeking". Electoral Studies, vol. 40, p. 146-157, 2015.; Dueñas, 2020Dueñas, J. "¿Quién se expone a los sondeos preelectorales en campaña? Voto estratégico y competencia electoral en España (2011-2019)". Revista Española de Ciencia Política, vol. 53, p. 71-94, 2020.). Há evidências de que eleitores de candidatos inviáveis são menos propensos ao “voto útil” quando acreditam erroneamente que seu candidato predileto tem chances de vencer (Blais; Turgeon, 2004Blais, A.; Turgeon, M. "How good are voters at sorting out the weakest candidate in their constituency?". Electoral Studies, vol. 23, nº 3, p. 455-461, 2004.; Heath; Ziegfield, 2022). Merolla (2009)Merolla, J. "The effect of information signals on strategic voting in mock mayoral elections". Political Behavior, vol. 31, nº 3, p. 379-399, 2009. mostra que apelos diretos pelo voto estratégico, os quais informam os eleitores sobre as pesquisas e explicam a lógica da mudança, aumentam substancialmente a probabilidade dessa modalidade de voto ocorrer. A literatura também mostra que eleitores imbuídos do sentimento de que seu voto será importante no resultado final têm maior probabilidade de mudar sua decisão (Quattrone; Tversky, 1984Quattrone, G.; Tversky, A. "Causal versus diagnostic contingencies: On self-deception and on the voter's illusion". Journal of Personality and Social Psychology, vol. 46, nº 2, p. 237-248, 1984.; Acevedo; Krueger, 2004Acevedo, M.; Krueger, J. I. "Two egocentric sources of the decision to vote: The voter's illusion and the belief in personal relevance". Political Psychology, vol. 25, nº 1, p. 115-134, 2004.). Também se observa que candidatos mais competitivos se beneficiam dos chamados efeitos de bandwagon (Liu et al., 2021Liu, Y., et al. "Modeling undecided voters to forecast elections: From bandwagon behavior and the spiral of silence perspective". International Journal of Forecasting, vol. 37, nº 2, p. 461-483, 2021.), no qual os eleitores mudam seu voto para candidatos mais competitivos quando recebem informações de que seu candidato favorito não tem chances de vitória. No caso brasileiro, o artigo de Araújo e Gatto (2022) apresenta evidências fortes de tal processo.
Os pleitos presidenciais no Brasil desde 2014 têm mostrado padrões consistentes de discrepâncias entre pesquisas e resultados, nos quais as estimativas superestimam as votações dos candidatos menos competitivos e subestimam as votações de pelo menos um dos dois líderes da disputa. Notavelmente, a disputa acirrada entre Lula e Bolsonaro, em 2022, estruturou-se de forma a incentivar o voto estratégico dos eleitores de candidatos menos competitivos. Além disso, dado que a divulgação de pesquisas de intenção de voto aumenta a probabilidade de voto estratégico (Lago; Guinjoan; Bermúdez, 2015), é possível que o número recorde de pesquisas divulgadas em 2022 tenha contribuído para a migração de votos dos candidatos menos para os mais viáveis na disputa.
Os indicadores de opinião pública também davam sinais de que parte dos eleitores da chamada “terceira via” poderia mudar seu voto na última semana antes do primeiro turno de 2022. De acordo com dados da pesquisa Genial-Quaest realizada até a terça-feira antes do primeiro turno (27 de setembro), enquanto apenas cerca de 15% dos eleitores de Lula e Bolsonaro diziam que ainda poderiam mudar sua escolha, o percentual chegava a 50% entre os eleitores das demais candidaturas. Entre esses eleitores da “terceira via”, 71% acreditavam na vitória ou de Lula ou de Bolsonaro, enquanto 18% diziam não saber, com apenas 10% desses eleitores acreditando que seu candidato predileto venceria (Genial-Quaest, 2022). Portanto, havia, às vésperas do pleito, um contingente substancial de eleitores da “terceira via” que não considerava sua escolha como definitiva e considerava baixas as chances de vitória de seu candidato predileto.
Alinhamento dos indecisos
Pesquisas de intenção de voto em diversos contextos geralmente indicam uma parcela do eleitorado que se declara indecisa ou não sabe em quem votar mesmo nos dias finais da campanha. A maioria desses eleitores está apenas a protelar a tomada de decisão e escolherá um dos candidatos no dia da eleição (Chaffee; Rimal, 1996). Há evidências de crescimento do grupo de indecisos em diversos contextos ao longo dos anos, o que indica sua potencial relevância na dinâmica eleitoral recente (Irwin; Holstein, 2008; Nir; Druckman, 2008Nir, L.; Druckman, J. "Campaign mixed-message flows and timing of vote decision". International Journal of Public Opinion Research, vol. 20, nº 3, p. 326-346, 2008.). Nas eleições estadunidenses de 2016, por exemplo, os indecisos chegaram a cerca de 5% do eleitorado às vésperas do pleito e seu alinhamento tardio ajudaria a explicar as divergências entre as pesquisas e o resultado da eleição (Bon; Ballard; Baffour, 2019).
No caso brasileiro, o artigo de Lloyd e Turgeon (2022) oferece o esforço mais sistemático feito até o momento, no sentido de se compreender o impacto das campanhas sobre o eleitorado indeciso e como tal dinâmica afetaria as pesquisas eleitorais no Brasil. Os autores mostram que as pesquisas eleitorais feitas no Brasil tendem a divergir mais dos resultados em eleições onde há uma combinação entre alto percentual de eleitores indecisos e desigualdade de recursos de campanha entre as candidaturas. A interpretação dos autores é a de que as campanhas utilizariam estratégias ilegais (como a “boca de urna” e a compra de votos) nos momentos finais da campanha, as quais produziriam mudanças tardias das preferências, com impacto sobre a acurácia das pesquisas eleitorais. O artigo também indica que as discrepâncias entre pesquisas e resultados seriam maiores em eleições com menor visibilidade, o que seria consistente com a interpretação dos autores para o mecanismo explicativo. Embora as estratégias específicas de persuasão e mobilização utilizadas pelas campanhas estejam fora do escopo das análises apresentadas neste artigo, é notório que os achados de Lloyd e Turgeon corroboram a ideia central defendida aqui, segundo a qual campanhas eleitorais utilizam seus recursos para persuadir eleitores indecisos nos momentos finais da corrida eleitoral.
A ambivalência é uma característica fundamental da opinião pública. Segundo Zaller e Feldman (1992Zaller, J.; Feldman, S. "A simple theory of the survey response: Answering questions versus revealing preferences". American Journal of Political Science, vol. 36, nº 3, p. 579-616, 1992., p. 584), “os indivíduos possuem opiniões múltiplas e às vezes conflitantes sobre assuntos importantes”, especialmente sobre política. Os indivíduos com considerações conflitantes sobre candidatos geralmente encontram dificuldades em ordenar suas preferências, o que faz indicarem-se indecisos quando perguntados. Em geral, os eleitores ambivalentes tendem a ser menos envolvidos politicamente e menos identificados com partidos e candidatos (Willocq, 2019Willocq, S. "Explaining time of vote decision: The socio-structural, attitudinal, and contextual determinants of late deciding". Political Studies Review, vol. 17, nº 1, p. 53-64, 2019.; Lisi, 2022Lisi, M. "Age, period and cohort effects in a dealigned electorate: comparing late deciders and vote switchers". Swiss Political Science Review, vol. 28, p. 728-749, 2022.). Tais eleitores tendem a definir seu voto tardiamente na disputa, principalmente, devido a fatores como a competição intensa entre estímulos de campanha divergentes (Nir; Druckman, 2008Nir, L.; Druckman, J. "Campaign mixed-message flows and timing of vote decision". International Journal of Public Opinion Research, vol. 20, nº 3, p. 326-346, 2008.; Orriols; Martínez, 2014Orriols, L.; Martínez, Á. "The role of the political context in voting indecision". Electoral Studies, vol. 35, p. 12-23, 2014.), bem como a pressões divergentes nas redes de interação nas quais se inserem (Willocq, 2019Willocq, S. "Explaining time of vote decision: The socio-structural, attitudinal, and contextual determinants of late deciding". Political Studies Review, vol. 17, nº 1, p. 53-64, 2019.).
Sendo a ambivalência um fenômeno ubíquo na opinião pública, mesmo em assuntos mais salientes, há pelo menos dois desideratos cruciais para se mensurar adequadamente tal fenômeno em pesquisas de intenção de voto. Primeiramente, é de se esperar que pesquisas de intenção de voto captem proporções substanciais de indecisos, mesmo às vésperas dos pleitos (Bon; Ballard; Baffour, 2019). Institutos de pesquisas precisam ter cautela em suas abordagens de mensuração das intenções de voto, especialmente quando estas intervêm diretamente para minimizar a proporção de indecisos. A presença de entrevistadores, por exemplo, pode fazer com que respondentes indecisos expressem as respostas que acham que os entrevistadores esperam (Atkeson; Adams; Alvarez, 2014). Por outro lado, algumas pesquisas feitas via internet ou por telefone sequer oferecem a indecisão como opção válida de resposta, o que pode ser problemático, já que a decisão forçada, no contexto de uma entrevista, pode não corresponder à decisão tomada no dia da votação. Em segundo lugar, a prática comum de se desconsiderar eleitores indecisos na apresentação e no debate sobre a distribuição das intenções de voto incorre no equívoco de se tratar tal grupo como um “ruído” estatístico. Ao eliminar os indecisos da análise, assume-se que, caso compareçam, seus votos se distribuirão aleatoriamente entre os candidatos, seguindo as proporções de votos do restante dos votantes. Trata-se de um equívoco comum no estudo da opinião pública. Uma vez que o perfil sociodemográfico e político de eleitores indecisos (não respondentes) tende a divergir do restante do público, e que tais indivíduos tomam decisões com base nas considerações mais salientes no momento da escolha (Zaller; Feldman, 1992Zaller, J.; Feldman, S. "A simple theory of the survey response: Answering questions versus revealing preferences". American Journal of Political Science, vol. 36, nº 3, p. 579-616, 1992.), é pouco provável que se distribuam de forma aleatória e, em alguns casos, sua alocação pode alterar substancialmente a distribuição coletiva de preferências (Althaus, 2003Althaus, S. L. Collective preferences in democratic politics: Opinion surveys and the will of the people. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.).
Segundo a literatura, o alinhamento tardio dos indecisos tende a ser fortemente influenciado pelas campanhas e seus estímulos de curto prazo (Fournier et al., 2004; Nir; Druckman, 2008Nir, L.; Druckman, J. "Campaign mixed-message flows and timing of vote decision". International Journal of Public Opinion Research, vol. 20, nº 3, p. 326-346, 2008.), sendo a economia um fator importante para tais eleitores (Kosmidis; Xezonakis, 2010Kosmidis, S.; Xezonakis, G. "The undecided voters and the economy: Campaign heterogeneity in the 2005 British general election". Electoral Studies, vol. 29, nº 4, p. 604-616, 2010.). Em suma, a presença de um grupo substancial de eleitores indecisos introduz instabilidade à dinâmica da opinião pública e aumenta a possibilidade de que mudanças tardias produzam resultados eleitorais divergentes das pesquisas. Nesse sentido, alguns especialistas recomendam que institutos de pesquisa não ignorem a categoria de indecisos ao apresentarem a distribuição dos votos (Mitofsky, 1998Mitofsky, W. "Was 1996 a worse year for polls than 1948?" The Public Opinion Quarterly, vol. 62, nº 2, p. 230-249, 1998.; Pilnacek et al., 2021Pilnacek, M., et al. "Apportioning Uncertain Voters in Pre-Election Polls in a Multi-Party System". International Journal of Public Opinion Research, vol. 33, nº 4, p. 973-985, 2021.).
O contexto das eleições presidenciais recentes no Brasil, particularmente desde 2014, quando as pesquisas apresentaram divergências significativas em relação aos resultados, tem características propícias para a ambivalência eleitoral, apesar da aparente estabilidade nas preferências da maioria do eleitorado. A dinâmica das campanhas na reta final do período eleitoral em eleições recentes apresenta um elemento novo em relação a pleitos de décadas anteriores. Trata-se da crescente relevância das redes sociais – especialmente de aplicativos de mensagem privada, como o WhatsApp e o Telegram (Moura; Michelson, 2017Moura, M.; Michelson, M. "WhatsApp in Brazil: mobilising voters through door-to-door and personal messages". Internet Policy Review, vol. 6, nº 4, p. 1-18, 2017.; Rossini et al., 2021Rossini, P., et al. "Dysfunctional information sharing on WhatsApp and Facebook: The role of political talk, cross-cutting exposure and social corrections". New Media & Society, vol. 23, nº 8, p. 2430-2451, 2021.) – como fontes de informações sobre política e veículos de mensagens de campanhas eleitorais.
Diferentemente dos meios de comunicação convencionais, em que o ritmo e a propagação de conteúdos de campanha seguem padrões temporalmente mais consistentes e monitorados publicamente, as redes sociais permitem que conteúdos circulem sem os mesmos níveis de mediação e com intensidade crescente nos dias finais da campanha. Notavelmente, parte desses conteúdos inclui desinformação e sensacionalismo a respeito dos candidatos e do processo eleitoral. Em 2022, o TSE recebeu mais de 700 denúncias de conteúdos falsos circulando nas redes sociais apenas nos dias 1 e 2 de outubro, comparados a uma média de cerca de 150 denúncias nos dias anteriores8 8 Disponível em: < https://www.camara.leg.br/radio/radioagencia/911969-tse-registra-783-denuncias-de-noticias-falsas-no-final-de-semana-do-primeiro-turno/>. Acesso em: 11 nov. 2022. . Como consequência da intensificação da campanha nos últimos dias antes da votação, é possível que tais conteúdos tenham afetado o contingente de eleitores ambivalentes de forma a favorecer desproporcionalmente certos grupos políticos. Como mostram alguns estudos recentes, conteúdos favoráveis a partidos e candidaturas de direita tendem a circular de forma mais intensa e efetiva nas redes sociais (Bursztyn; Birnbaum, 2019Bursztyn, V.; Birnbaum, L. "Thousands of small, constant rallies: A large-scale analysis of partisan WhatsApp groups". IEEE/ACM International Conference on Advances in Social Networks Analysis and Mining (ASONAM), p. 484-488, 2019.; Evangelista; Bruno, 2019Evangelista, R.; Bruno, F. "WhatsApp and political instability in Brazil: targeted messages and political radicalisation". Internet Policy Review, vol. 8, nº 4, p. 1-23, 2019.).
Outro elemento que contribui para a intensificação da campanha em seus dias finais e que pode alinhar os eleitores indecisos de maneira desproporcional é o papel das igrejas evangélicas como grupos sociais de influência horizontal para uma parcela crescente e significativa da opinião pública brasileira. Embora o potencial de influência de grupos e lideranças sobre o voto evangélico não seja um fenômeno novo (Bohn, 2004Bohn, S. "Evangélicos no Brasil: perfil socioeconômico, afinidades ideológicas e determinantes do comportamento eleitoral". Opinião Pública, Campinas, vol. 10, nº 2, p. 288-338, 2004.; Rodrigues; Fuks, 2015Rodrigues, G.; Fuks, M. "Grupos sociais e preferência política: o voto evangélico no Brasil". Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 30, p. 115-128, 2015.), sua estruturação nacional e com claro alinhamento a candidatos de direita é mais recente. Essa postura teria sido causada por dois fatores principais: o aumento da fragmentação religiosa, com o consequente aumento da competição no mercado religioso, e as mudanças recentes na sociedade e na política brasileira que favorecem visões seculares de gênero e sexualidade (Smith, 2019Smith, A. Religion and Brazilian democracy: mobilizing the people of God. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.). Em resposta a tais mudanças, lideranças evangélicas adotaram um alinhamento mais claro a candidaturas de direita, utilizando a capilaridade espacial das igrejas e sua penetração em diversos segmentos da sociedade para influenciar eleitores (Prandi; dos Santos; Bonato, 2019; Ferreira; Fuks, 2021Ferreira, M.; Fuks, M. "O hábito de frequentar cultos como mecanismo de mobilização eleitoral: o voto evangélico em Bolsonaro em 2018". Revista Brasileira de Ciência Política, vol. 34, p. 1-27, 2021.). O potencial de influência de tais grupos é aumentado pelo seu controle – tanto por meio das interações face a face quanto pela internet – de “redes de influências informais”, as quais fornecem contextos que favorecem a persuasão nas relações interpessoais (Baker; Ames; Rennó, 2019).
Como evidência de que a intensificação da campanha em ambientes online e entre o eleitorado evangélico estaria relacionada às mudanças tardias no voto de parte considerável do eleitorado, a Tabela 1 compara as intenções de voto declaradas nos dias anteriores ao pleito do primeiro turno aos votos reportados por tais grupos nos dias seguintes à eleição. As pesquisas Genial-Quaest, coletadas entre 26 e 27 de setembro (antes do primeiro turno) e entre 3 e 4 de outubro (depois do primeiro turno), perguntaram aos eleitores sobre o meio de comunicação que mais utilizavam para obter informações sobre política. A Tabela 1 compara os eleitores que responderam se informar principalmente pela internet àqueles que preferem outros meios de comunicação. Compara também as intenções de voto e os votos de eleitores evangélicos aos demais, entre o sábado (1 de outubro) e os dias posteriores ao primeiro turno (3 e 4 de outubro). As células da tabela reportam votos válidos, uma vez que os indecisos não são comparáveis a nenhum grupo da pergunta feita após o pleito.
Os resultados da Tabela 1 corroboram a conjectura de que eleitores evangélicos e consumidores de informação política pela internet mudaram substancialmente sua decisão nos momentos finais da campanha. Entre eleitores que preferem se informar pela internet (cerca de 40% do total), a distância entre Bolsonaro e Lula de seis pontos percentuais na intenção de voto aumentou para mais de 13 pontos percentuais no voto reportado. O mesmo padrão não é observado entre os eleitores que se informam por outros meios de comunicação, o que indica que o fluxo de informações via internet, na reta final da campanha, pode ter contribuído para as mudanças. Tomando-se o tamanho total do grupo no eleitorado (40%) e o aumento de aproximadamente sete pontos da vantagem de Bolsonaro não captado pela pesquisa pré-eleitoral, é possível que a mudança tardia tenha levado a um aumento geral de cerca de 3% nas intenções de voto em favor de Bolsonaro, acima da margem de erro convencional das pesquisas.
No que se refere aos evangélicos, a Tabela 1 também mostra mudanças drásticas entre a véspera e os dias seguintes à eleição. A vantagem de Bolsonaro sobre Lula nesse grupo sobe de 27 para 39 pontos, enquanto o mesmo padrão não é observado entre os demais eleitores. Para um grupo que constitui em torno de 28% do eleitorado, esse crescimento tardio de aproximadamente 12 pontos percentuais na distância entre os candidatos poderia levar a um aumento superior a 3% na estimativa de tal diferença em favor de Bolsonaro, o que levaria a um resultado fora da margem de erro do levantamento pré-eleitoral.
Portanto, características estruturais do contexto de 2022 podem ter contribuído para as mudanças tardias na opinião pública, seguindo a intensificação da campanha nos dias finais da disputa. É possível ainda que a influência do ambiente sobre a mudança tardia tenha se dado de forma a favorecer desproporcionalmente certos candidatos, o que contribuiria diretamente para a divergência observada entre as pesquisas de véspera e o resultado de domingo.
Estudo 1: Um experimento com apelos de campanha
Segundo a perspectiva das mudanças tardias, parte dos eleitores da chamada “terceira via” e dos indecisos poderia mudar seu voto na última hora, o que geraria as discrepâncias entre as pesquisas de véspera e o resultado da eleição. Entretanto, segundo os analistas mais céticos, o nível de estabilidade das intenções de voto nas pesquisas ao longo de 2022 tornaria tal perspectiva pouco provável como explicação. Diante do debate, faz-se crucial examinar se tais eleitores seriam, de fato, suscetíveis a mudar o voto com base em estímulos de campanha na reta final da disputa do primeiro turno. Para tanto, apresentamos os resultados de um experimento de survey conduzido via internet pela Quaest Consultoria e Pesquisa, entre os dias 21 e 25 de setembro de 2022. A pesquisa foi concluída a uma semana da eleição do primeiro turno e testou se mensagens de campanha em favor do candidato Lula poderiam convencer eleitores que não declaravam voto em Bolsonaro a escolherem o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). Um total de 1.500 pessoas de 26 estados brasileiros participou da pesquisa9 9 A amostra tem maiores proporções de mulheres (62%), habitantes da região Sudeste (58%), brancos (54%) e de renda entre 2 e 5 salários-mínimos (54%). O perfil é explicado em larga medida pela exclusão de eleitores de Lula e Bolsonaro, bem como pelo método de coleta por entrevistas via internet. . Os participantes que declararam votar em Lula ou em Bolsonaro foram filtrados e não responderam ao questionário completo. Do total dos participantes, 29% declararam voto em Ciro Gomes, 24% declararam voto em Simone Tebet, 5% declararam votos para outros candidatos, 12% declararam voto nulo ou branco, 23% se declararam indecisos e 7% disseram se abster.
Após a pergunta de filtro sobre a intenção de voto e uma bateria de perguntas sobre características demográficas, os participantes assistiram a um vídeo curto de campanha e responderam a perguntas relacionadas ao voto. Os participantes foram divididos aleatoriamente em cinco grupos10 10 Testes de balanceamento mostram que a randomização dos grupos foi bem-sucedida com base nas variáveis pré-tratamento. Observou-se um pequeno viés com base na região, o qual não impacta as comparações apresentadas aqui. . O grupo de controle assistiu a um vídeo informacional do TSE de 37 segundos de duração explicando como votar no dia da eleição. Cada um dos quatro demais grupos assistiu a um vídeo contendo um apelo de campanha específico.
O primeiro grupo de tratamento assistiu a um vídeo de campanha do PT com um incentivo explícito ao voto estratégico, produzido em alinhamento com as evidências encontradas em Merolla (2009)Merolla, J. "The effect of information signals on strategic voting in mock mayoral elections". Political Behavior, vol. 31, nº 3, p. 379-399, 2009.. O vídeo de 30 segundos apresentava os resultados de uma pesquisa de intenção de voto com Lula próximo da vitória no primeiro turno, combinados a uma mensagem direta sugerindo aos eleitores que seu voto poderia decidir a eleição já no primeiro turno com a derrota de Bolsonaro. O segundo grupo recebeu um vídeo de campanha do PT de 30 segundos, em que o candidato Lula fala diretamente ao espectador sobre a importância do voto e sua capacidade de decidir a eleição. A mensagem, além de conter a sugestão direta de voto no candidato, também procura fomentar o sentimento de eficácia da participação (Acevedo; Krueger, 2004Acevedo, M.; Krueger, J. I. "Two egocentric sources of the decision to vote: The voter's illusion and the belief in personal relevance". Political Psychology, vol. 25, nº 1, p. 115-134, 2004.). O terceiro grupo recebeu um vídeo de campanha do PT de 30 segundos contendo ataques diretos ao candidato Bolsonaro. Esse vídeo consiste em uma tentativa explícita de salientar ou mesmo aumentar a rejeição dos espectadores pelo adversário (Daoust; Bol, 2020Daoust, J.; Bol, D. "Polarization, partisan preferences and strategic voting". Government and Opposition, vol. 55, nº 4, p. 578-594, 2020.). Finalmente, o quarto grupo recebeu um vídeo (com duração de 1 minuto e 30 segundos) no qual algumas celebridades cantam e dançam ao som de uma canção de endosso à candidatura de Lula, como tentativa de produzir a sensação de bandwagon (Liu et al., 2020).
Após assistirem ao vídeo, os participantes responderam a uma bateria curta de perguntas sobre sua decisão de voto. A primeira pedia que eles informassem novamente a sua intenção de voto na eleição para presidente. As duas perguntas seguintes eram sobre se sua escolha seria definitiva ou se poderia mudar, e sobre se aqueles que diziam que ainda poderiam mudar consideravam votar em Lula ainda no primeiro turno. Com base em tais perguntas, as análises que se seguem examinam duas variáveis dependentes principais: a escolha por Lula na pergunta de intenção de voto pós-tratamento e se os participantes que não mudaram seu voto imediatamente para Lula e não consideravam sua escolha definitiva pensavam em fazê-lo ainda no primeiro turno11 11 A pergunta sobre pensar em votar em Lula já no primeiro turno utilizou uma escala de resposta de quatro categorias: nada provável, pouco provável, provável e muito provável. Para simplificação da apresentação dos resultados, codificamos as opções de resposta entre improvável (nada/pouco provável) ou provável (provável/muito provável). .
A expectativa dos testes apresentados a seguir é a de que os apelos influenciam participantes da “terceira via” e indecisos a mudarem ou, pelo menos, pensarem em mudar o voto para Lula com maior frequência do que os participantes do grupo de controle. Dado o perfil centrífugo de eleitores nulos/brancos e absentes em relação ao processo político, espera-se que as mensagens não os façam mudar de decisão. A Tabela 2 mostra os efeitos das mensagens sobre a intenção de voto em Lula para toda a amostra e para cada subgrupo de eleitores. As estimativas são baseadas em modelos de probabilidade linear (mínimos quadrados ordinários com erros robustos) e não incluem variáveis de controle12 12 Modelos que incluem as variáveis pré-tratamento apresentam resultados muito próximos dos apresentados aqui. .
Os achados da Tabela 2 corroboram as expectativas de que mensagens com conteúdo direcionado a eleitores de “terceira via” e indecisos podem mudar votos na reta final da campanha. Em geral, assistir a qualquer um dos vídeos de apelo transfere em média 7% dos votos para Lula entre todos os participantes. Também se observa variabilidade importante no que se refere ao tipo de mensagem e ao subgrupo de eleitores-alvo. Conforme previsto, os vídeos não influenciam eleitores que pretendem votar nulo ou em branco, e tampouco afetam eleitores que não pretendem comparecer. O resultado é esperado, uma vez que não há expectativa teórica a respeito da possibilidade de mudança tardia entre tais grupos. No que se refere aos tipos de vídeos, as quatro mensagens influenciam eleitores de “terceira via” a mudarem seu voto para Lula, embora o efeito do apelo direto pelo “voto útil” seja consideravelmente mais alto do que o ataque ao adversário13 13 É possível que os vídeos 1 e 2 tenham sido mais efetivos do que os vídeos 3 e 4 em virtude de não terem circulado publicamente antes da realização da pesquisa. Sendo assim, é possível que alguns dos participantes já estivessem “tratados” pelos vídeos 3 e 4, o que poderia limitar sua influência. . Entre os indecisos, apenas o vídeo de ataque não influencia a mudança em favor de Lula. Esses padrões de resultados sugerem ser possível que eleitores indecisos também sigam em alguma medida a lógica de “voto útil”, especialmente se estão inclinados a votar em algum dos candidatos menos competitivos.
Além de levarem certos eleitores a mudar sua intenção de voto em favor de Lula, as mensagens também fazem com que os que não mudam imediatamente passem a considerar tal possibilidade no futuro. A Tabela 3 mostra os resultados de modelos similares aos da análise anterior, mas tendo como variável dependente se o participante pensa em mudar o voto para Lula ainda no primeiro turno (entre aqueles que não mudaram após o vídeo e não consideram sua escolha definitiva):
Os resultados mostram que, além da mudança imediata, as mensagens também fazem com que 8% a mais dos participantes considerem mudar seu voto para Lula ainda no primeiro turno em comparação ao grupo de controle. Novamente, os efeitos são observados apenas entre eleitores da “terceira via” e indecisos, conforme as expectativas. No que se refere aos tipos de apelos, as quatro mensagens têm efeito para toda a amostra, mas o apelo direto pelo “voto útil” é o único efetivo tanto entre eleitores da “terceira via” quanto indecisos.
O objetivo principal da apresentação dessa evidência experimental é o de sugerir a plausibilidade de que a exposição a estímulos tardios de campanha pode alterar preferência. Obviamente, trata-se de uma possibilidade teórica, uma vez que não há garantia de que todos os eleitores de tais grupos foram expostos a mensagens de campanha como as que o artigo apresentou. Além dessa limitação, cabe mencionar que, no contexto real da campanha, é possível que a exposição a mensagens contrárias pelas campanhas minimize os efeitos de persuasão (Nir; Druckman, 2008Nir, L.; Druckman, J. "Campaign mixed-message flows and timing of vote decision". International Journal of Public Opinion Research, vol. 20, nº 3, p. 326-346, 2008.). Outro aspecto relevante é o da assimetria do estímulo, uma vez que o experimento apenas foca em mensagens a favor da candidatura de Lula, tornando especulativa a extrapolação a respeito do efeito de mensagens sobre a mudança tardia de voto em favor de Bolsonaro. Entretanto, os méritos da evidência apresentada nesta seção superam suas limitações. Por exemplo, uma vez que uma das premissas deste artigo é a de que estímulos tardios de campanha são desiguais e, portanto, não são proporcionais à distribuição de votos antes da última pesquisa, a exposição a mensagens contrárias apenas torna os efeitos observados no experimento implausíveis, caso o volume e a intensidade das campanhas rivais sejam idênticos. Além disso, ainda que os resultados valham para as mensagens em favor de Lula, as evidências sobre o volume de deslocamento tardio de eleitores em 2022 apontam que Bolsonaro foi o maior beneficiário de tais movimentos. Sendo assim, parece mais plausível que os efeitos observados aqui subestimem e não superestimem a influência das mensagens de campanha tardias.
Estudo 2: Realocando votantes estratégicos e indecisos
Os resultados do experimento sugerem que certos tipos de apelos de campanha podem provocar movimentos tardios de eleitores indecisos e da “terceira via”. A partir de tais resultados, cabe perguntar qual seria a influência desse movimento tardio no pleito de 2022, tanto em favor de Lula quanto de Bolsonaro, para explicar as divergências entre as últimas pesquisas de intenção de voto e o resultado do primeiro turno.
Como exemplo de tais divergências, a Tabela 4 apresenta os resultados da distribuição da intenção de voto para presidente, segundo a pesquisa da parceria Genial-Quaest realizada de forma presencial entre sexta-feira (30 de setembro) e sábado (1 de outubro) com amostra representativa do eleitorado nacional14 14 A pesquisa utilizou cotas amostrais para sexo, idade, renda e escolaridade com base nos dados do TSE, do Censo 2010 do IBGE, da PNADC de 2021 e da PNADC2 de 2022. As estimativas são ponderadas com base em pesos pós-estratificação. A ponderação é utilizada como correção na medida em que ocorram diferenças entre os percentuais esperados na amostra e os obtidos na coleta (registro BR-07190/2022). , comparados ao resultado oficial divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral para o pleito de domingo.
As principais divergências entre a pesquisa concluída no sábado (1 de outubro) e o resultado de domingo (2 de outubro) são as subestimações das votações de Bolsonaro (7,8 pontos percentuais) e Lula (2,8 pontos percentuais). Portanto, Bolsonaro teria se beneficiado mais do que Lula pelo processo de mudança tardia de preferências. Isso poderia se dar devido a fatores como as intenções de voto em Lula estarem mais próximas de seu “teto”, a maior efetividade da campanha de Bolsonaro em converter eleitores na reta final do pleito e a tendência de que a combinação mais comum entre rejeição e expectativa de vitória de Lula entre eleitores de “terceira via” contribuiria para o voto estratégico em Bolsonaro. A superestimação da votação dos candidatos de “terceira via” também é consistente com a tese do voto estratégico. Além dela, vale notar a taxa alta de eleitores indecisos (8,3%) que poderiam se distribuir de forma sistemática em favor de certos candidatos.
Uma vez que, segundo a perspectiva das mudanças tardias, as divergências na Tabela 2 seriam explicadas por mudanças de decisão ocorridas nas últimas horas da campanha, vale questionar se seria possível identificar os eleitores de sábado mais propensos a mudar com base nas teorias sobre o voto estratégico e o alinhamento dos indecisos. A partir disso, pergunta-se se seria possível, então, realocá-los hipoteticamente para seus votos mais prováveis no domingo. De acordo com as seções anteriores, o voto estratégico e o alinhamento dos indecisos são fenômenos conceitualmente distintos, uma vez que apresentam dinâmicas decisórias específicas. Sendo assim, apresentamos aqui modelos analíticos distintos de realocação de votos para cada tipo de comportamento.
A dinâmica do voto estratégico ou “útil” ocorre em função da combinação entre a rejeição a um candidato competitivo e a expectativa de vitória de tal candidato. Quando um eleitor de um candidato menos competitivo (“terceira via”) percebe que o candidato que mais rejeita tem chances de vitória, ele abandona seu candidato predileto em favor de outro mais competitivo. Dessa forma, a mudança não se dá pelo fato de que o eleitor gosta ou prefere o candidato mais competitivo, mas, sobretudo, por rejeitar o outro competidor. Esse movimento tende a ser tardio, uma vez que a proximidade do pleito aumenta a confiança do eleitorado da “terceira via” em sua estimativa sobre quem vencerá a eleição. Já os eleitores indecisos definem-se tardiamente por conta de sua ambivalência em relação aos candidatos. Não há necessariamente um mecanismo de cálculo decisório mais complexo para os indecisos, como no caso do voto estratégico. O dilema do eleitor indeciso envolve a necessidade de se estabelecer o ordenamento consistente de suas preferências, de modo que possa votar de maneira “sincera” no candidato predileto. Portanto, essa escolha tardia deve-se à tendência de protelar a busca por informações e de refletir sobre sua estrutura de preferências. O grande volume de estímulos apresentados nos dias finais da campanha ajuda os indecisos a ordenarem suas preferências pelos candidatos e a votarem de forma sincera no preferido.
O elemento conceitualmente comum aos dois modelos decisórios é o ordenamento das preferências em relação aos candidatos. Em geral, as pesquisas de intenção de voto no Brasil não incluem ou divulgam dados com base em perguntas que permitam aferir diretamente o ordenamento de tais preferências. Contudo, as pesquisas feitas pela Quaest ao longo da corrida presidencial incluíram informações que permitem a aferição indireta de tal ordenamento. A Quaest incluiu em seu questionário uma série de perguntas adicionais sobre as opiniões dos eleitores acerca dos candidatos. Além das perguntas sobre o voto espontâneo, o voto estimulado de segundo turno, e a avaliação do governo Bolsonaro, comuns em pesquisas de intenção de voto, a Quaest perguntou aos eleitores se estes tinham mais medo da vitória de Lula ou de Bolsonaro, sobre quem os respondentes achavam que mereceria vencer e qual dos candidatos os respondentes acreditavam que venceria. Esse conjunto de perguntas fornece informações que permitem a identificação do ordenamento das preferências de eleitores de “terceira via” e indecisos, sobretudo no que se refere a Bolsonaro e a Lula.
Para estimar tal ordenamento, utilizamos um modelo de regressão logística multinomial tendo como variável dependente a resposta à pergunta estimulada de intenção de voto, apresentada na Tabela 415 15 Os resultados completos do modelo estão na Tabela A11 do Apêndice. . O modelo tem como variáveis independentes o voto no segundo turno, o voto na pergunta espontânea, a avaliação do governo Bolsonaro, e as questões sobre medo de vitória, sobre o merecimento e a expectativa de vitória de Lula e Bolsonaro16 16 Embora não seja um determinante convencional do voto, a pergunta sobre expectativa de vitória tem correlação alta com as demais variáveis utilizadas no construto, sendo, portanto, afetada por tal propensão. Uma vez que o objetivo da modelagem é quantificar o construto latente referido a tal propensão, utiliza-se a variável de expectativa de vitória, uma vez que ela capta a variação de interesse. . O modelo também controla por variáveis sociodemográficas: região, sexo, raça, religião, renda, educação e idade. Rentsch, Schaffner e Gross (2019) mostram que, para além das perguntas de intenção e comportamento, a inclusão do controle por variáveis sociodemográficas melhora o desempenho de modelos de propensão para voto provável (likely voting). No presente caso, as correlações entre os escores de propensão obtidos com e sem os controles por essas variáveis são todas acima de 0,9.
Com base nesse modelo, estima-se para cada respondente os escores com a propensão à escolha das respostas disponíveis na pergunta estimulada de intenção de voto. Por exemplo, um respondente que declara voto em Lula no segundo turno, vota em Lula na pergunta estimulada, avalia mal o governo, tem medo da vitória de Bolsonaro e acredita na vitória de Lula tem alta propensão a votar nesse candidato a partir da estimação do modelo. Sendo assim, os escores de propensão estimam o grau de preferência por cada opção (inclusive para votar nulo e branco) e permitem estabelecer o seu ordenamento para cada respondente na pesquisa. Isso se torna particularmente importante para se realocar os votos de indecisos e de eleitores de “terceira via”. Para os indecisos, é preciso identificar qual o candidato predileto, isto é, qual o candidato com maior escore de propensão segundo o modelo. Para os eleitores da “terceira via”, é preciso identificar qual o candidato rejeitado, isto é, qual candidato aparece com o menor escore de propensão. No caso dos dados da Genial-Quaest de sábado (dia 1 de outubro), Bolsonaro aparece acima de Lula no ordenamento de 52,5% dos indecisos e 54,3% dos eleitores de “terceira via”. No que se refere ao posicionamento no último lugar do ordenamento de preferências, Lula é o mais rejeitado entre 39,1% dos eleitores de “terceira via” e entre 39,9% dos indecisos, enquanto Bolsonaro é o mais rejeitado entre 26,8% dos eleitores de “terceira via” e entre 32,1% dos indecisos. Nota-se, portanto, que esses dois grupos de eleitores apresentavam inclinação favorável a Bolsonaro caso mudassem suas decisões no domingo (dia 2 de outubro, data do primeiro turno).
Porém, ainda se questiona quantos eleitores podem mudar seu voto. A Tabela 5 apresenta diferentes estratégias de realocação, separadas para eleitores de “terceira via” e indecisos, utilizando os dados da Genial-Quaest de 1 de outubro. O modelo de rejeição absoluta considera como eleitores estratégicos de Lula aqueles de “terceira via” que não descartam a vitória de Bolsonaro (acreditam que ele vencerá ou não sabem dizer) e têm Bolsonaro abaixo de todos os demais no ordenamento de preferências. O raciocínio é o mesmo para o voto estratégico em Bolsonaro: eleitores de “terceira via” que não descartam a vitória de Lula e para os quais o candidato está abaixo dos demais no ordenamento de preferências mudarão seus votos para Bolsonaro. O modelo de rejeição relativa apenas relaxa o critério de rejeição utilizado no modelo anterior: não é preciso que o candidato rejeitado (Lula/Bolsonaro) esteja abaixo de todos os demais, mas apenas de seu principal adversário (Lula/Bolsonaro). Já para os indecisos, apresentamos duas estratégias principais de alocação. Na primeira, eles são alocados para sua segunda opção (uma vez que sua primeira escolha é a indecisão) no ordenamento de preferências obtido a partir dos escores de propensão. A segunda estratégia consiste na imputação de percentuais de votos dos indecisos proporcionalmente à votação de cada candidato entre os demais votantes.
Além desses modelos, a Tabela 5 apresenta outros nos quais os critérios de realocação para votantes estratégicos (da “terceira via”) são estendidos (“es.”) para eleitores indecisos. Nessa situação, é possível que os eleitores indecisos, ao “descerem” para sua segunda opção em seu ordenamento de preferências na decisão do voto, transformem-se em potenciais votantes estratégicos. Caso notem que essa preferência não tem chance de se eleger, ao passo que percebem que o candidato que mais rejeitam pode vencer, tais eleitores indecisos se encaixam, em tese, na realocação pelo modelo do “voto útil”. A partir dos modelos de rejeição absoluta e relativa aplicados para realocar eleitores de “terceira via” e indecisos, as duas últimas colunas mostram as realocações com base nos critérios de segunda opção e proporcional no conjunto reduzido (“red.”) de eleitores indecisos remanescentes.
As estratégias de realocação de voto estratégico tendem a apresentar resultados parecidos, sendo que a realocação por rejeição relativa estima uma quantidade maior de votos estratégicos do que a realocação por rejeição absoluta. Em ambas, Bolsonaro recebe mais votos estratégicos do que Lula. Tal resultado é esperado porque as rejeições (absoluta e relativa) de Lula são maiores nesse eleitorado e tais eleitores tendem a atribuir maiores chances de vitória ao candidato do PT do que a Bolsonaro. No que se refere à realocação de indecisos, as duas estratégias apresentadas mostram resultados divergentes. Enquanto a realocação com base na segunda preferência mostra ligeira vantagem para Bolsonaro entre os indecisos, a alocação proporcional ignora as propensões dos eleitores indecisos e imputa a esse grupo a vantagem obtida por Lula entre os demais votantes. Tendo em vista que as discrepâncias entre a estimativa da pesquisa e o resultado oficial superestimaram a vantagem de Lula, parece problemático assumir a distribuição proporcional dos votos entre os eleitores indecisos, o que corrobora estudos anteriores (Pilnacek et al., 2021Pilnacek, M., et al. "Apportioning Uncertain Voters in Pre-Election Polls in a Multi-Party System". International Journal of Public Opinion Research, vol. 33, nº 4, p. 973-985, 2021.). Finalmente, as realocações de voto estratégico estendidas para indecisos que se inclinam pela “terceira via” diminuem o impacto da realocação de indecisos em comparação à realocação de votantes estratégicos, embora o impacto agregado seja parecido.
A partir dos resultados da Tabela 5, questiona-se qual seria a estimativa da distribuição de votos quando se levam em conta os fenômenos do voto estratégico e da alocação dos indecisos. A Tabela 6 apresenta quatro cenários que combinam algumas das estratégias de realocação de votos estratégicos e indecisos apresentadas acima. O primeiro cenário faz a combinação da realocação de voto estratégico com base na rejeição absoluta (e que realoca apenas eleitores que não descartam a vitória do candidato rejeitado) com a realocação dos indecisos de acordo com sua segunda preferência. O segundo cenário utiliza a rejeição relativa (e que realoca apenas eleitores que não descartam a vitória do candidato rejeitado) combinada à realocação dos indecisos de acordo com sua segunda preferência. Os dois outros cenários consistem nos primeiros dois cenários com a realocação de “voto útil” estendida aos indecisos cuja segunda preferência era por candidato da “terceira via”. Devido aos problemas inerentes à alocação proporcional de indecisos, a tabela não inclui cenários que combinam os modelos de realocação de votos estratégicos com a estratégia de realocação proporcional.
Os resultados da Tabela 6 mostram que os diferentes cenários de realocação levam a estimativas parecidas das votações dos candidatos, além de aproximarem substancialmente as estimativas do resultado oficial. As projeções para o voto em Bolsonaro variam entre 40,1% e 41,1%, sendo mais próximas do resultado oficial (41,3%) do que a estimativa original da pesquisa (33,5%). Embora as projeções superestimem a votação de Lula entre 1,7 e 2,2 pontos, elas variam entre 48,0% e 48,5% e também tendem a se aproximar do resultado oficial (46,3%). Todas as demais projeções da tabela se aproximam dos resultados oficiais em relação à pesquisa original. Finalmente, enquanto a diferença entre as intenções de voto em Lula e Bolsonaro sem a realocação e os resultados é de 10 pontos (Tabela 4), a distância varia entre 7,4% e 7,9% nos quatro cenários de realocação, o que indica que a realocação pode reduzir pela metade a divergência das estimativas em relação ao resultado oficial.
Também é possível cotejar os resultados da alocação com os do experimento apresentado na seção “Estudo 1: Um experimento com apelos de campanha”. Entre os eleitores de “terceira via”, os resultados do experimento mostram que os estímulos levam a cerca de 9% de mudança imediata para Lula (Tabela 2), e a cerca de 8% de aumento na consideração de mudança (Tabela 3), o que resultaria hipoteticamente em 17% dos eleitores de “terceira via” como potencialmente alocados para Lula no dia do primeiro turno. Da mesma forma, entre os indecisos, os resultados do experimento mostram que os estímulos aumentam em cerca de 10% a mudança imediata para Lula (Tabela 2) e em cerca de 12% a consideração de mudança (Tabela 3), o que resultaria hipoteticamente em 22% dos eleitores indecisos como potencialmente alocados para Lula no dia do primeiro turno. Se aplicamos tal alocação aos percentuais encontrados pela Quaest no sábado, véspera do primeiro turno (Tabela 4: 11,6% de “terceira via” e 8,3% indecisos), estima-se um aumento de 3,8% de votos para Lula com base em mudanças tardias estimadas pelo experimento. Tal realocação não apenas aproxima os ganhos de Lula em relação aos modelos de realocação propostos na Tabela 6 (que variam entre 3,7% e 4,2% de ganho total para Lula), como também gera uma estimativa final de 47,3% dos votos para Lula, a qual diverge do resultado oficial (46,3%) em apenas um ponto percentual.
As divergências remanescentes entre os modelos de realocação e os resultados oficiais sugerem que, embora as mudanças tardias possam explicar parte considerável das divergências entre pesquisas e resultados, pode haver fatores adicionais que, caso levados em consideração, tornariam as estimativas ainda mais próximas dos resultados. Por exemplo, os resultados mostrados aqui não ajustam as estimativas pela propensão dos respondentes a comparecerem ou se absterem, procedimento geralmente feito com base nos “modelos de eleitor provável”17
17
Uma possível tradução de likely voting models.
(Rentsch; Schaffner; Gross, 2019). A Quaest não incluiu as informações (perguntas) necessárias para se estimar tais modelos na pesquisa de 1 de outubro de 2022, mas estimou tais modelos para ajustar as estimativas de intenção de voto nas pesquisas feitas durante a campanha do segundo turno. Segundo o relatório apresentado sobre a pesquisa do sábado anterior ao segundo turno (29 de outubro), as estimativas a partir do modelo de “eleitor provável” (likely voter) reduziram a diferença estimada entre Lula e Bolsonaro de 4,2 pontos (52,1% a 47,9%) na coleta para 2,8 (51,4% a 48,6%) na estimativa de “eleitor provável”, o que indica uma aproximação de 1,4 pontos em direção ao resultado oficial (Genial-Quaest, 2022Genial-Quaest. Genial nas Eleições 2022: Outubro/22. Genial Investimentos e Quaest Consultoria e Pesquisa, 29 de outubro de 2022. Disponível em: <https://media-blog.genialinvestimentos.com.br/wp-content/uploads/2022/10/29174328/GENIALQUAESTNACIONAL29OUT.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2022.
https://media-blog.genialinvestimentos.c...
). Como ilustração, um ajuste similar de 1,4 pontos à projeção de rejeição relativa estendida (última coluna da Tabela 6) reduziria a diferença estimada entre os candidatos para seis pontos, muito próxima à diferença de cinco pontos no resultado oficial.
Conclusão
A ideia de que mudanças tardias nas intenções de voto explicariam divergências entre pesquisas e resultados de eleições é ocasionalmente tratada com desprezo por analistas. Para alguns, os defensores de tal tese estariam a convenientemente tergiversar sobre os possíveis equívocos técnicos das pesquisas que explicariam tais divergências. No entanto, há evidências de que mudanças tardias de votos ajudariam a explicar os supostos erros de institutos de pesquisa em outros contextos (Kennedy et al., 2018Kennedy, C., et al. "An evaluation of the 2016 election polls in the United States". Public Opinion Quarterly, vol. 82, nº 1, p. 1-33, 2018.; Bon; Ballard; Baffour, 2019). De acordo com as teorias que embasam a tese das mudanças tardias, a ideia faria ainda mais sentido no contexto das eleições majoritárias brasileiras. Fatores como o multipartidarismo com múltiplas candidaturas presidenciais de “terceira via” e a divulgação ampla de pesquisas de opinião tornariam um contingente substancial de eleitores propensos a praticar o voto estratégico. Além disso, os níveis baixos de partidarismo, o ambiente informacional polarizado e com altas taxas de rejeição a candidaturas, além do voto obrigatório fariam com que um número considerável de eleitores se mostrasse ambivalente, os quais se veriam forçados a decidir tardiamente sobre seu candidato.
O presente artigo traz evidências sugestivas da mudança tardia na decisão de voto no primeiro turno da eleição presidencial de 2022, quando as pesquisas eleitorais de véspera divergiram drasticamente do resultado oficial. Além de discutir as bases teóricas dos mecanismos de voto estratégico e alinhamento dos indecisos, os quais explicariam as mudanças tardias, o artigo apresenta um experimento conduzido nos últimos dias da campanha presidencial que mostra os efeitos de mensagens de vídeo sobre a mudança de voto dos eleitores não alinhados a Lula ou a Bolsonaro. Os resultados sugerem que parte substancial desses eleitores apresentava alta propensão a mudar seu voto em resposta a estímulos de campanha. Além disso, o experimento evidencia o poder de persuasão de conteúdos de campanha, algo que não é encontrado no contexto estadunidense (Coppock; Hill; Vavreck, 2020; Beknazar-Yusbashev; Stalinski, 2022; Sides; Vavreck; Warshaw, 2022), e que fora observado em apenas um artigo anterior conduzido no contexto brasileiro (Desposato, 2007Desposato, S. "The impact of campaign messages in new democracies: results from an experiment in Brazil". Manuscrito não publicado. Universidade da Califórnia, San Diego, 2007.).
O artigo também apresenta modelos de realocação das intenções de voto na pesquisa Genial-Quest concluída no sábado (1 de outubro), véspera da votação. Os modelos seguem as teorias de voto estratégico e alinhamento de indecisos (Mitofsky, 1998Mitofsky, W. "Was 1996 a worse year for polls than 1948?" The Public Opinion Quarterly, vol. 62, nº 2, p. 230-249, 1998.; Pilnacek et al., 2021Pilnacek, M., et al. "Apportioning Uncertain Voters in Pre-Election Polls in a Multi-Party System". International Journal of Public Opinion Research, vol. 33, nº 4, p. 973-985, 2021.). Os resultados apontam que a realocação aproxima substancialmente as estimativas da pesquisa em relação ao resultado oficial, de forma consistente ao sugerido pela tese das mudanças tardias. Cabe lembrar que o modelo de alocação de voto estratégico explorado aqui é determinístico, isto é, aloca todos os eleitores que preenchem os critérios teóricos previamente definidos pela teoria do voto estratégico. Adiante, é preciso que os pesquisadores se debrucem sobre o desenvolvimento de baterias de perguntas que permitam a estimação de modelos probabilísticos de voto estratégico, de modo que se estime a propensão a voto estratégico para cada respondente.
Os resultados do artigo têm implicações diretas tanto para os institutos que realizam as pesquisas eleitorais quanto para os analistas que as utilizam para compreender as eleições brasileiras. O contexto do processo eleitoral brasileiro é cada vez mais dinâmico, de modo que a capacidade de pesquisas eleitorais anteciparem os resultados tende a diminuir, por mais que sofisticadas tecnicamente. Fatores ausentes ou de relevância menor no passado, como o papel das redes sociais na comunicação política, os novos alinhamentos de grupos sociais com relevância política (como os evangélicos), além da própria divulgação ampla de pesquisas eleitorais, contribuem para que parte do eleitorado se comporte de maneira fluida e tenha alta propensão a mudar a decisão do voto nos últimos dias da campanha. Nesse sentido, a crença de que perguntas feitas às vésperas do pleito, por meio da amostragem representativa dos eleitores do país, captarão as preferências cristalizadas de um eleitorado plenamente informado e certo de suas escolhas demanda certo grau de ingenuidade a respeito da dinâmica da comunicação eleitoral e da opinião pública no Brasil atual. Para parte dos eleitores, as preferências observadas no sábado simplesmente não são as mesmas do voto manifestado no domingo.
Em suma, é necessário que os institutos de pesquisa desenvolvam e apresentem estratégias que ajudem os consumidores de pesquisas a anteciparem possíveis movimentos de última hora no eleitorado, os quais não são captados pelas perguntas convencionais. É preciso que se estudem e se testem técnicas de ajustes de estimativas que ofereçam ao público cenários possíveis de mudanças a partir de fenômenos como o voto estratégico e o alinhamento dos indecisos. Nesse sentido, as pesquisas precisam coletar informações para além da simples pergunta de intenção de voto, mensurando de forma direta ou indireta fatores como o ordenamento das preferências, a propensão a mudar de opinião e as expectativas sobre o resultado final. O que o presente artigo propõe é um esboço de tentativa de captar tais predisposições, pois os resultados encontrados sugerem a real necessidade do investimento de pesquisadores no estudo e no aprimoramento de tais ferramentas. Portanto, ao passo que os estudos sobre as eleições estadunidenses constatam que as pesquisas precisam ajustar suas estimativas por conta da dinâmica das abstenções, utilizando modelos sobre os likely voters, sugerimos aqui que as pesquisas brasileiras precisam ampliar sua metodologia, desenvolvendo, também, modelos que nos ajudem a entender a dinâmica brasileira mais comum dos changing voters.
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Disponível em: <https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/divulga/votacao-nominal;e=544;cargo=1;uf=br>. Acesso em: 06 abr. 2022.
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6
O agregador de pesquisas do jornal O Estado de São Paulo indicou a vitória de Lula no segundo turno com 52% dos votos válidos, divergindo do resultado oficial em 1,1 pontos percentuais.
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7
Os registros publicamente disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral mostram que os principais institutos do país não modificaram suas metodologias de coleta de dados entre o primeiro e o segundo turno. Disponível em: <https://pesqele-divulgacao.tse.jus.br/app/pesquisa/listar.xhtml>. Acesso em: 11 nov. 2022.
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8
Disponível em: < https://www.camara.leg.br/radio/radioagencia/911969-tse-registra-783-denuncias-de-noticias-falsas-no-final-de-semana-do-primeiro-turno/>. Acesso em: 11 nov. 2022.
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9
A amostra tem maiores proporções de mulheres (62%), habitantes da região Sudeste (58%), brancos (54%) e de renda entre 2 e 5 salários-mínimos (54%). O perfil é explicado em larga medida pela exclusão de eleitores de Lula e Bolsonaro, bem como pelo método de coleta por entrevistas via internet.
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10
Testes de balanceamento mostram que a randomização dos grupos foi bem-sucedida com base nas variáveis pré-tratamento. Observou-se um pequeno viés com base na região, o qual não impacta as comparações apresentadas aqui.
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11
A pergunta sobre pensar em votar em Lula já no primeiro turno utilizou uma escala de resposta de quatro categorias: nada provável, pouco provável, provável e muito provável. Para simplificação da apresentação dos resultados, codificamos as opções de resposta entre improvável (nada/pouco provável) ou provável (provável/muito provável).
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12
Modelos que incluem as variáveis pré-tratamento apresentam resultados muito próximos dos apresentados aqui.
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É possível que os vídeos 1 e 2 tenham sido mais efetivos do que os vídeos 3 e 4 em virtude de não terem circulado publicamente antes da realização da pesquisa. Sendo assim, é possível que alguns dos participantes já estivessem “tratados” pelos vídeos 3 e 4, o que poderia limitar sua influência.
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A pesquisa utilizou cotas amostrais para sexo, idade, renda e escolaridade com base nos dados do TSE, do Censo 2010 do IBGE, da PNADC de 2021 e da PNADC2 de 2022. As estimativas são ponderadas com base em pesos pós-estratificação. A ponderação é utilizada como correção na medida em que ocorram diferenças entre os percentuais esperados na amostra e os obtidos na coleta (registro BR-07190/2022).
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Os resultados completos do modelo estão na Tabela A11 do Apêndice.
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Embora não seja um determinante convencional do voto, a pergunta sobre expectativa de vitória tem correlação alta com as demais variáveis utilizadas no construto, sendo, portanto, afetada por tal propensão. Uma vez que o objetivo da modelagem é quantificar o construto latente referido a tal propensão, utiliza-se a variável de expectativa de vitória, uma vez que ela capta a variação de interesse.
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17
Uma possível tradução de likely voting models.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Jun 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
19 Jan 2023 -
Aceito
23 Nov 2023