Este artigo explora a visão dos servidores públicos moçambicanos sobre as entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção e sua influência na gestão de carreiras. A investigação envolveu 20 participantes e foram administradas entrevistas semiestruturadas. O método grounded theory foi utilizado para analisar as narrativas recolhidas. Os achados obtidos colocam em evidência a ocorrência de quatro entropias burocráticas, nomeadamente: fragilidades da gestão de recursos humanos, ineficiência das práticas de gestão de carreiras, patronagem no recrutamento e decisões centralizadas. Contudo, as visões expressas pelos entrevistados são consensuais que as entropias burocráticas afetam, negativamente, a gestão de carreiras.
entropias burocráticas; recrutamento; seleção; gestão de carreiras; setor público
Abstract
This article explores the view of Mozambican public servants on bureaucratic entropies in the recruitment and selection process and its effects on career management. The investigation involved 20 participants, and semi-structured interviews were conducted. The grounded theory method was used to analyze the collected narratives. The findings obtained highlight the occurrence of four bureaucratic entropies, namely: weaknesses in human resource management, inefficiency in career management practices, patronage in recruitment, and centralized decisions. However, the views expressed by the interviewees reach a consensus on bureaucratic entropies negatively affecting career management.
bureaucratic entropies; recruitment; selection; career management; public sector
Resumen
Este artículo explora la visión de los servidores públicos mozambiqueños sobre las entropías burocráticas en el proceso de reclutamiento y selección y su influencia en la gestión de carrera. La investigación involucró a 20 participantes y se realizaron entrevistas semiestructuradas. Se utilizó el método de la teoría fundamentada para analizar las narrativas recopiladas. Los hallazgos obtenidos destacan la ocurrencia de cuatro entropías burocráticas, a saber: debilidades en la gestión de recursos humanos, ineficiencia en las prácticas de gestión de carrera, clientelismo en la contratación y decisiones centralizadas. Sin embargo, las opiniones expresadas por los entrevistados son consensuadas en que las entropías burocráticas afectan negativamente la gestión de carrera.
entropías burocráticas; reclutamiento; selección; gestión de carrera; sector público
Résumé
Cet article explore le point de vue des fonctionnaires mozambicains sur les entropies bureaucratiques dans le processus de recrutement et de sélection et son influence sur la gestion de carrière. L'enquête a impliqué 20 participants et des entretiens semi-structurés ont été menés. La méthode de grounded theory a été utilisée pour analyser les récits recueillis. Les résultats obtenus mettent en évidence l'occurrence de quatre entropies bureaucratiques, à savoir: les faiblesses de la gestion des ressources humaines, l'inefficacité des pratiques de gestion des carrières, le clientélisme dans le recrutement et les décisions centralisées. Cependant, les opinions exprimées par les personnes interrogées sont consensuelles sur le fait que les entropies bureaucratiques affectent négativement la gestion des carrières.
entropies bureaucratiques; recrutement; sélection; gestion de carrière; secteur public
Introdução 4 4 Este artigo está escrito em português europeu.
As transformações económicas, sociais e políticas ao nível do mundo provocaram alterações na Gestão de Recursos Humanos (GRH) e criaram desequilíbrios nas organizações. A recessão económica de 2008 foi um dos exemplos dentre vários fatores que teve efeitos desastrosos no mercado de trabalho e esteve na origem do colapso financeiro dos Estados Unidos da América, cuja taxa de layoff atingiu 10% ( Piatak, 2017Piatak, J. S. “Sector switching in good times and in bad: are public sector employees less likely to change sectors?”. Public Personnel Management, vol. 46, no 4, p. 327-341, 2017. ). Tal conjuntura impulsionou o endividamento público de muitos países e, consequentemente, a diminuição das contratações nas organizações ( Piatak, 2019Piatak, J. S. “Weathering the storm: the impact of cutbacks on public employees”. Public Personnel Management, vol. 48, no 1, p. 97-119, 2019. ). O colapso do investimento direto estrangeiro e o peso estrutural das dívidas contraídas pelos países do terceiro mundo reduziram a capacidade de recrutamento de pessoal, em especial em Moçambique, onde os indicadores do desenvolvimento mundial reportam que a taxa de desemprego atingiu 20% nos últimos cinco anos ( Lachler e Walker, 2018Lachler, U.; Walker, I. Mozambique Jobs Diagnostic. vol. 1, no 13. World Bank, Washington DC, 2018. ).
O cenário das mudanças ocorridas ao nível das organizações criou problemas na GRH. Uma das soluções encontradas para colmatar tais adversidades, segundo Setyowati (2016)Setyowati, E. “Merit system in recruitment and selection process of civil servant candidate in malang Indonesia”. Journal of Administrative Sciences and Policy Studies, vol. 4, no 1, p. 83-95, 2016. , foi a estabilização das práticas utilizadas no processo de recrutamento e seleção de candidatos para garantir o sucesso organizacional. Contudo, poucas organizações foram bem-sucedidas, porque as práticas de GRH utilizadas no setor público e privado são díspares. Enquanto o contexto público continua ancorado em normas, legislações e burocracias que não o permitem consolidar o quadro profissional meritocrático, o privado tende a melhorar o processo de contratação de colaboradores qualificados para garantir o aumento da produtividade ( Mueller, 2009Mueller, H. “Patronage or meritocracy: political institutions and bureaucratic efficiency”. Institut d’Analisi Economica, p. 1-30, 2009. ).
Nesse contexto, o setor público moçambicano concebeu novas políticas públicas concretamente à aprovação do novo Sistema de Carreiras e Remunerações, Qualificador Profissional e o Sistema de Gestão de Desempenho na Administração Pública (Sigedap) para responder aos desafios da GRH. Nesses novos documentos, esse setor tende a apropriar-se dos modelos gerenciais utilizados no setor privado para o tornar eficiente, adotando técnicas e instrumentos modernos de gestão de carreiras ( Simione, 2019Simione, A. A. “Gestão estratégica de recursos humanos: já se pode falar dela na administração pública em Moçambique?”. Revista Foco, vol. 12, no 3, p. 138-161, 2019. ), cujo contexto visa estabelecer estruturas flexíveis de GRH, com vista a melhorar o processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos.
Embora o setor público moçambicano pretenda inovar os procedimentos administrativos de gestão de carreiras, autores, como Awortwi (2010)Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. , defendem o contrário, evidenciando que a limitação de recursos financeiros e a ocorrência de entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção retardam o desenvolvimento de carreiras dos servidores públicos. É a partir desse contexto que o presente artigo procura compreender, primeiro, como ocorrem as entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos de Moçambique e, segundo, de que forma influenciam a gestão de carreiras.
Assim, o objetivo principal deste artigo é analisar as visões dos servidores públicos moçambicanos sobre a ocorrência das entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção e sua influência na gestão de carreiras. Literatura específica que verse sobre a relação entre recrutamento, seleção e gestão de carreiras em Moçambique é ainda escassa. No entanto, não se descarta a possibilidade de existência de outras pesquisas que abordam a GRH. As poucas pesquisas teóricas e empíricas disponíveis sobre a temática do processo de recrutamento e seleção de candidatos ao setor público ( Utresp, 2006Unidade Técnica De Reforma Do Setor Público (Utresp). Política salarial da administração pública moçambicana. Estratégia global da reforma 2006-2015. Maputo, 2006. ; Awortwi, 2010Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. ; Wood et al., 2011Wood, G., et al. “HRM in Mozambique: homogenization, path dependence or segmented business system?”. Journal of World Business, vol. 46, no 1, 31-41, 2011. ; Dibben et al., 2017Dibben, P., et al. “Institutional legacies and HRM: similarities and differences in HRM practices in Portugal and Mozambique”. The International Journal of Human Resource Management, vol. 28, no 18, p. 2.519-2.537, 2017. ; Simione, 2019Simione, A. A. “Gestão estratégica de recursos humanos: já se pode falar dela na administração pública em Moçambique?”. Revista Foco, vol. 12, no 3, p. 138-161, 2019. ) forneceram base para o desenvolvimento deste artigo.
O presente artigo visa trazer uma abordagem teórica para sustentar o vazio informacional que existe na literatura moçambicana sobre o recrutamento, seleção e gestão de carreiras do setor público, servindo para informar outras pesquisas que poderão ser desenvolvidas no contexto dessa temática. Além disso, este artigo pretende trazer uma abordagem que possa contribuir para o desenvolvimento de melhores políticas de GRH nas organizações. Por assim proceder, é possível despertar o setor público para a promoção de procedimentos flexíveis de gestão de carreiras, com o propósito de robustecer as diretrizes do processo de recrutamento e seleção.
Este artigo está estruturado em cinco seções fundamentais, dentre as quais essa introdução corresponde à primeira, seguida pelo quadro teórico, que traz uma visão geral sobre as entropias burocráticas, tendências do recrutamento, dinâmicas da seleção, recrutamento e seleção no contexto do setor público moçambicano e breves notas sobre a gestão de carreiras no setor público. A terceira seção apresenta os procedimentos metodológicos. A quarta analisa e discute os principais achados do artigo, incluindo as limitações e pesquisas futuras. E, por último, as considerações finais.
Quadro teórico
Entropias burocráticas
Para uma compreensão das entropias burocráticas é crucial perceber os termos entropia e burocracia , separadamente. O conceito de entropia originou das ciências aplicadas, é uma grandeza da termodinâmica que mede o grau de desordem de um sistema físico ( Coldwell, 2016Coldwell, D. “Entropic citizenship behavior and sustainability in urban organizations: towards a theoretical model”. Entropy, vol. 18, no 12, p. 2-12, 2016. ). Enquanto que a burocracia é uma estrutura de poder hierarquizada que estabelece o cumprimento rigoroso de leis e normas administrativas, primando por uma relação autoritária na organização ( Faria e Meneghetti, 2011Faria, J. H. M.; Meneghetti, F. K. “Burocracia como organização e poder”. Revista de Administração de Empresas, vol. 51, p. 424-439, 2011. ).
A associação dos termos entropia e burocracia foi aplicada às áreas das ciências sociais como Economia, Sociologia e Administração para avaliar o grau de funcionamento de um sistema burocrático, procurando encontrar as nuances que provocam a sua ineficiência ( Styhre, 2007Styhre, A. The innovative bureaucracy: bureaucracy in an age of fluidity. New York: Routledge, 2007. ). Para Matejko (1980)Matejko, A. J. “The obsolescence of bureaucracy”. Relations Industrielles, vol. 35, no 3, 467-493, 1980. , a entropia burocrática é indicador que mede o nível de tomada de decisão de uma organização, com vista a avaliar a força motriz, cujos efeitos reduzem a eficiência do trabalho. Auster (1983)Auster, R. “Institutional entropy”. Public Choice, vol. 40, no 2, p. 211-216, 1983. denomina que entropia institucional é o procedimento utilizado para verificar os fatores que provocam instabilidades a uma organização. Na perspetiva de Vaz (2018)Vaz, A. C. N. “Dispersão decisória, centralidade política e entropia burocrática: mitigando custos transacionais na gestão pública”. Opinião Pública, vol. 24, nº 3, p. 622-669, 2018. , a eficiência organizacional é influenciada por fatores externos que, por sua vez, interferem na tomada de decisões, ocasionando mudanças disruptivas. Por essa razão se pode considerar entropia burocrática.
O conceito de entropia burocrática é dinâmico e se enquadra no contexto das transformações que as organizações sofrem. Ele surge para verificar como funciona o modelo burocrático nas organizações, por este ter deixado de apresentar a mesma eficácia, sob ponto de vista da sustentabilidade organizacional ( Bailey, 1990Bailey, K. D. “Social entropy theory: an overview”. Systems Practice, vol. 3, p. 365-382, 1990. ). No contexto da implementação das políticas de GRH, registam-se ainda preocupações relacionadas ao desenvolvimento profissional dos colaboradores, tendencialmente movidas por um conjunto de desordem organizacional. É nesse quadro que se procura compreender as vicissitudes da gestão de carreiras, abrindo espaço para avaliar a eficiência organizacional. Daí que as entropias burocráticas visam averiguar o funcionamento da organização, pretendemos descobrir os fatores que influenciam a operacionalização das estratégias de GRH ( Sátyro e Cunha, 2019Sátyro, N. G. D.; Cunha, E. S. M. “Jogando luzes sobre os determinantes burocráticos e de gestão da política de assistência social nos municípios brasileiros”. Opinião Pública, vol. 25, no 2, p. 401-432, 2019. ). Conforme consideram Martínez-Berumen, López-Torres e Romo-Rojas (2014)Martínez-Berumen, H. A.; López-Torres, G. C.; Romo-Rojas, L. “Developing a method to evaluate entropy in organizational systems”. Procedia Computer Science, vol. 28, p. 389-397, 2014. , a entropia burocrática manifesta-se na circunstância de observar a importância do mérito nas organizações, no contexto em que os procedimentos de GRH estão desordenados. Nesse horizonte, valoriza-se a capacidade organizacional, cujo propósito é entender como se vislumbra a eficácia das práticas de gestão de carreiras.
Tendências do recrutamento
O recrutamento é um conjunto de técnicas que visa atrair candidatos qualificados e capazes de ocupar certas carreiras dentro da organização ( Louw, 2013Louw, G. “Exploring recruitment and selection trends in the Eastern Cape”. South African Journal of Human Resource Management, vol. 11, no 1, p. 319-329, 2013. ). Nesse sentido, a literatura aponta para duas perspetivas de recrutamento: a clássica e a moderna. Na perspetiva clássica, as técnicas de recrutamento são centralizadas, isto é, dependem das hierarquias, ao passo que no contexto moderno o foco das competências constitui o elemento crucial de ingresso na carreira, cujo objetivo é gerar inovações e mudanças organizacionais. Aqui se procuram candidatos qualificados ( Chiavenato, 1999Chiavenato, I. Gestão de Pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. ). O recrutamento é subdivido em três tipos, nomeadamente: interno, externo e misto.
O “recrutamento interno é feito dentro da organização, pois os indivíduos já são conhecidos” ( Boas e Andrade, 2009Boas, A. A. A.; Andrade, R. O. B. Gestão estratégica de pessoas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. , p. 38). O recrutamento externo consiste em atrair candidatos que não fazem parte do pessoal da organização para disputar novas carreiras ( Moreira, 2017Moreira, F. G. “A importância da gestão estratégica no recrutamento e seleção de pessoal nas organizações”. Revista Práticas de Administração Pública, vol. 1, nº 2, p. 57-70, 2017. ). Para o caso do recrutamento misto, trata-se de uma alternativa para conciliar os recrutamentos interno e externo. Tanto os candidatos internos como os externos têm as mesmas oportunidades de ocupar certas carreiras. Esse tipo de recrutamento é feito para estabilizar a organização, em termos de admissão de novos indivíduos ( Baylão e Rocha, 2014Baylão, A. L. S.; Rocha, A. P. S. “A importância do processo de recrutamento e seleção de pessoal na organização empresarial”. XI Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, vol. 15, p. 1-15, 2014. ). Nesse sentido, apresenta-se a Figura 1:
A Figura 1 mostra que o processo de recrutamento começa por identificar as oportunidades de provimento de novas carreiras nas organizações. Em seguida se faz a descrição da tal carreira para definir o perfil a ser exigido do candidato. Contudo, as organizações procuram pessoas competentes para ocupar certas carreiras. Por isso, a GRH tem a função de as planificar e orçamentar para submeter aos níveis hierarquicamente superiores para decisão. Cada tipo de recrutamento (interno e externo) apresenta vantagens e desvantagens que, de forma sintetizada, se mostram no Quadro 1 . Entretanto, nesse Quadro não se faz menção ao recrutamento misto, pois este compartilha as características dos dois tipos de recrutamento acima referidos.
Apesar do Quadro 1 mostrar as vantagens e desvantagens dos recrutamentos interno e externo, é crucial referenciar que Setyowati (2016)Setyowati, E. “Merit system in recruitment and selection process of civil servant candidate in malang Indonesia”. Journal of Administrative Sciences and Policy Studies, vol. 4, no 1, p. 83-95, 2016. considera o setor público como sendo pouco atrativo, por falta de observância rigorosa das competências dos candidatos ao provimento das carreiras, dada as disfunções na tomada de decisão para o recrutamento do quadro de pessoal.
Dinâmicas da seleção
A seleção de pessoal depende dos requisitos exigidos nas carreiras em função do perfil dos candidatos. A comparação das competências dos concorrentes permite aprimorar a tomada de decisão no contexto da ocupação das carreiras disponíveis ( Ávila e Stecca, 2015Ávila, L. V.; Stecca, J. P. Gestão de pessoas. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, Colégio Politécnico, Rede e-Tec, 2015. ). A principal característica do processo de seleção, nesse caso, é a análise do perfil dos indivíduos. Daí que a GRH se encarrega da escolha de candidatos competentes. Para o efeito, existem técnicas que são utilizadas que, para Mazon e Trevizan (2000)Mazon, L.; Trevizan, M. A. “Recrutamento e seleção de recursos humanos em um hospital psiquiátrico de um município paulista”. Revista Latino-Americana de Enfermagem, vol. 8, no 4, p. 81-87, 2000. , se resumem em (i) análise curricular: visa fazer uma pré-seleção dos candidatos, eliminando os que não apresentam requisitos satisfatórios, e a seguir se faz a análise das competências específicas; (ii) testes: buscam avaliar o perfil dos candidatos que vão para a fase final da seleção – a entrevista. Os tipos de testes utilizados variam, podendo ser de conhecimentos (gerais e específicos), de idiomas, grafológicos, habilitacionais, mentais, de integridade, dinâmica de grupo, psicométricos e de honestidade; (iii) entrevistas: permitem verificar as experiências adquiridas nas carreiras anteriores, o temperamento, o interesse e os aspetos pessoais relacionados com a carreira pretendida; e (iv) verificação de referências: visa obter informações profissionais e pessoais para comprovar a veracidade dos dados fornecidos, aprofundando o nível de informações referentes ao desempenho profissional dos candidatos nas carreiras anteriores.
Entretanto, “todo processo de seleção deve ter um planejamento estratégico com objetivos a longo prazo, para que eventuais ocorrências não venham prejudicar o bom desempenho da organização” ( Guimarães e Arieira, 2005Guimarães, M. F.; Arieira, J. O. “O Processo de recrutamento e seleção como uma ferramenta de gestão”. Revista de Ciências Sociais da UNIPAR, vol. 6, no 2, p. 203-214, 2005. , p. 204). A seleção como processo intermediário de gestão de carreiras é vital para as organizações, porque o desempenho depende da escolha de colaboradores qualificados. Esse processo constitui tarefa nobre para as organizações, cujo objetivo é encontrar o candidato competente ao emprego ( Ekwoaba, Ikeije e Ufoma, 2015Ekwoaba, J. O.; Ikeije, U. U.; Ufoma, N. “The impact of recruitment and selection criteria on organizational performance”. Global Journal of Human Resource Management, vol. 3, no 2, p. 22-33, 2015. ). Para ilustrar, a Figura 2 apresenta o esquema de seleção:
A Figura 2 mostra o processo de seleção de candidatos nas organizações. Por essa via, a GRH desempenha um papel importante na organização dos procedimentos seletivos. Os candidatos têm a possibilidade de participar de vários testes para mensurar as competências gerais e específicas, cuja seleção depende do perfil que se adequa à demanda institucional. O provimento da carreira depende dos testes concursais e do orçamento que o é alocado. Por isso, a gestão de carreiras desempenha um papel crucial na intervenção dos procedimentos de recrutamento e seleção das organizações.
Recrutamento e seleção no setor público moçambicano
O setor público moçambicano é caracterizado por carência de profissionais qualificados, por causa de razões históricas. O abandono dos profissionais de origem portuguesa, na altura da Independência Nacional, deixou o país desnudado, tendo sido recrutados e selecionados em 1978 jovens sem experiência para assegurar o funcionamento da máquina administrativa ( Awortwi, 2010Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. ). Tal cenário acontece numa altura que as técnicas e estratégias de recrutamento e seleção de pessoal não são observadas ( Feijó, 2009Feijó, J. “A gestão de recursos humanos em empresas moçambicanas num contexto de debilidade do Estado Providência”. In: II Conferência do IESE. Dinâmicas da Pobreza e Padrões de Acumulação em Moçambique. Maputo: Iese, 2009. ). O funcionamento do setor público é considerado pouco atrativo e obsoleto, caracterizado por uma GRH precária, porque nesse momento as regras e regulamentos para o recrutamento, seleção e gestão de carreiras dos servidores públicos não são, devidamente, aplicadas ( Utresp, 2006Unidade Técnica De Reforma Do Setor Público (Utresp). Política salarial da administração pública moçambicana. Estratégia global da reforma 2006-2015. Maputo, 2006. ).
A viragem estrutural acontece na reforma do sector público moçambicano de 2001, trazendo ganhos à GRH. Passa-se por uma gestão administrativa tradicional para a moderna, cuja tendência visa valorizar a carreira dos servidores públicos, com o intuito de promover as boas práticas de recrutamento, seleção e gestão de carreiras, assente em modelos estratégicos e iniciativas flexíveis ( Simione, 2019Simione, A. A. “Gestão estratégica de recursos humanos: já se pode falar dela na administração pública em Moçambique?”. Revista Foco, vol. 12, no 3, p. 138-161, 2019. ).
O processo de recrutamento e seleção é considerado como prioridade da GRH do setor público moçambicano. A apropriação de modelos gerenciais do setor privado é notável, pois a elaboração dos planos de desenvolvimento de recursos humanos a curto, médio e longo prazos, bem como a disponibilidade orçamental para o desenvolvimento de carreiras constituem práticas recentes para inovar e modernizar a GRH. Nesses termos, o vínculo de trabalho passa a ser definitivo. Os servidores públicos começam a ser recrutados por contrato de trabalho na modalidade de tempo indeterminado ( Awortwi, 2010Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. ; Simione, 2019Simione, A. A. “Gestão estratégica de recursos humanos: já se pode falar dela na administração pública em Moçambique?”. Revista Foco, vol. 12, no 3, p. 138-161, 2019. ).
No disposto dos instrumentos legais, o recrutamento e a seleção do setor público moçambicano cumprem rigorosamente os escopos plasmados nas normas e legislações devidamente aprovadas no âmbito da GRH. Esse processo é efetuado ao abrigo dos dispostos nos números 1 e 2 do artigo 35 e nos números 1 e 2 do artigo 39 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE) aprovado pela Lei n o 10/2017 de 1 de agosto, considerando que:
O ingresso no Aparelho do Estado faz-se a nível mais baixo da respetiva carreira por concurso, salvo exceções definidas por regulamento. Excecionalmente, havendo ponderosas razões de interesse público, pode ser dispensado o concurso de ingresso, em determinadas carreiras profissionais, correspondentes a áreas vitais ou quando seja manifesto que o número de candidatos disponíveis é inferior às necessidades do quadro de pessoal ( Moçambique, 2017aMoçambique. Lei no 10/2017 de 01 de agosto aprova o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado e revoga a Lei no 14/2009 de 17 de março. Boletim da República, I série, nº 119, p. 1-25, 2017a. , p. 34).
Os pressupostos legais acima referidos mostram que o provimento de uma carreira pública é feito por concurso, com exceção de alguns casos. De fato, o número 1 do artigo 6 do Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (REGFAE) aprovado pelo Decreto n o 5/2018 de 26 de Fevereiro esclarece que existem organismos que têm poder de dispensar o concurso como “a Presidência da República pode celebrar contratos com dispensa de concurso por um período de um até cinco anos, podendo ser renovados por igual período uma vez, para lugares de assessoria e apoio geral previstos no respetivo quadro de pessoal” ( Moçambique, 2018bMoçambique. Decreto no 5/2018 de 26 de fevereiro aprova o Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado. Boletim da República, I série, nº 40, p. 253-267, 2018b. , p. 2). Esse privilégio é extensivo a Assembleia da República e ao Gabinete do Primeiro Ministro.
Porém, o quadro legal acima mencionado mostra que o processo de recrutamento e seleção do setor público moçambicano pode não ser regido por concurso público, dando poderes aos quadros séniores do Estado na contratação de pessoal. Esse tipo de recrutamento é caracterizado para as categorias especiais de empregos isentos de concurso como os cargos de indicação política ou cargos de chefia por confiança.
O ponto crítico do processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos moçambicanos é a desvalorização das carreiras vitais do Estado, como o professorado e técnicos de saúde que não gozam de tais privilégios, mesmo que se tenha consciência da sua utilidade. É certo que, atualmente, não se pode celebrar contratos para esses profissionais, mesmo que tenha sido admitido no concurso público.
É importante notar que o desafio atual do setor público moçambicano é a condução de um processo de recrutamento e seleção eficaz ( Awortwi, 2010Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. ; Simione, 2019Simione, A. A. “Gestão estratégica de recursos humanos: já se pode falar dela na administração pública em Moçambique?”. Revista Foco, vol. 12, no 3, p. 138-161, 2019. ), embora o CIP (2020)Centro De Integridade Pública (CIP). Governação e integridade em Moçambique. Maputo: CIP, 2020. apresente evidências contrárias, considerando que a patronagem é um dos motivos pelos quais a seleção de candidatos meritocráticos não tem sido efetiva, comprometendo, desse modo, a gestão de carreiras.
Forquilha (2008)Forquilha, S. C. “Remendo novo em Pano Velho: o impacto das reformas de descentralização no processo de governação local em Moçambique”. In: Cidadania e Governação em Moçambique. Maputo: IESE, 2008. levanta suspeitas do processo de recrutamento e seleção do setor público moçambicano, alegando que em algumas circunstâncias este tende a ser partidarizado, por razões de que a GRH depende de decisões hierarquizadas. Isso acontece quando a gestão de carreiras é influenciada por um certo grau de patronagem, cuja tendência é favorecer certos candidatos ao emprego público.
Gestão de carreiras no setor público
A gestão de carreiras é um conjunto de procedimentos administrativos que são utilizados no contexto da GRH das organizações e tem a função de monitorar o crescimento profissional dos colaboradores ( Seema e Sujatha, 2013Seema, A.; Sujatha, S. “Conceptual work on career management strategies from an organization perspective”. International Journal of Management, IT and Engineering, vol. 3, no 7, p. 184-198, 2013. ). Para De Vos, Dewettinck e Buyens (2009)De Vos, A.; Dewettinck, K.; Buyens, D. “The professional career on the right track: a study on the interaction between career self-management and organizational career management in explaining employee outcomes”. European Journal of Work and Organizational Psychology, vol. 18, no 1, p. 55-80, 2009. , trata-se de atividades de planejamento e desenvolvimento de carreiras dos colaboradores. Ela contribui para a flexibilidade dos processos administrativos relativos ao recrutamento, seleção, treinamento, avaliação de desempenho, mentoring , aconselhamento de carreira, promoção, progressão e aposentação.
A literatura aponta duas perspetivas fundamentais de gestão de carreiras: a tradicional e a atual. A primeira, que é tradicional, baseia-se na segurança profissional que os colaboradores detêm a longo prazo. A promoção e a progressão na carreira dependem da antiguidade e são os meios pelos quais se ascende a novos cargos. A lealdade e a confiança na execução das tarefas são valorizadas para o crescimento na carreira. A gestão de carreira é controlada pela organização ( De Vos, Dewettinck e Buyens, 2008De Vos, A.; Dewettinck, K.; Buyens, D. “To move or not to move?”. Employee Relations, vol. 30, no 2, p. 156-175, 2008. ). A segunda, considerada moderna, visa promover o mérito dos colaboradores, através de suas competências técnicas na organização. Aqui o crescimento na carreira depende do desempenho dos colaboradores e do referido mérito no trabalho (Oliveira, Cavazotte e Dunzer, 2019).
Além das duas perspetivas acima referidas, a gestão de carreiras é uma combinação de planejamento estratégico (contexto teórico) e do desenvolvimento profissional (contexto operacional). A diferença que existe entre esses dois procedimentos está no fato de que o primeiro corresponde à projeção de carreiras a serem providas nas organizações. Essa fase constitui a parte teórica. É onde se organizam os procedimentos administrativos relativos ao processo do recrutamento e seleção. Para Seema e Sujatha (2013)Seema, A.; Sujatha, S. “Conceptual work on career management strategies from an organization perspective”. International Journal of Management, IT and Engineering, vol. 3, no 7, p. 184-198, 2013. , a parte prática visa desenvolver as carreiras dos colaboradores e consiste na criação de condições orçamentais para garanti-los a progressão no trabalho.
Na perceção de Tolfo (2002)Tolfo, S. R. “A carreira profissional e seus movimentos: revendo conceitos e formas de gestão em tempos de mudanças”. Revista Psicologia: Organizações & Trabalho, vol. 2, no 2, p. 39-63, 2002. , a gestão de carreiras surge como uma solução no contexto de GRH, que procura suprir eventuais fragilidades da vida profissional dos servidores e se dedica à flexibilização das estratégias de gestão de carreiras. Trata-se de um procedimento administrativo que visa apoiar a carreira dos colaboradores nas organizações.
Porém, a eficiência da gestão de carreiras tem sido questionada por causa das instabilidades que ocorrem nas organizações, dado o contexto das mudanças operadas na GRH, com tendência de mudar o conceito de carreira. A introdução de “novas carreiras” denominadas proteanas alterou o paradigma tradicional de GRH, na medida em que a responsabilidade de gestão de carreiras passou a ser do empregado e não da organização ( De Vos, Dewettinck e Buyens, 2009De Vos, A.; Dewettinck, K.; Buyens, D. “The professional career on the right track: a study on the interaction between career self-management and organizational career management in explaining employee outcomes”. European Journal of Work and Organizational Psychology, vol. 18, no 1, p. 55-80, 2009. ). É crucial frisar que os novos paradigmas de gestão de carreiras, apenas se aplicam a organizações privadas ( Clarke, 2013Clarke, M. “The organizational career: not dead but in need of redefinition”. The International Journal of Human Resource Management, vol. 24, no 4, p. 684-703, 2013. ).
Wiersma e Hall (2007)Wiersma, M. L.; Hall, D. T. “Organizational career development is not dead: a case study on managing the new career during organizational change”. Journal of Organizational Behavior, vol. 28, p. 771–792, 2007. questionam o declínio das carreiras organizacionais, por causa do surgimento de novas carreiras (proteanas e sem fronteiras) considerando, contudo, que a responsabilidade pela gestão de carreiras não pode ser do empregado. Por isso, Son e Kim (2021) introduziram o conceito de Organizational Carreer Growth (OCG) que se refere aos benefícios dos colaboradores, no que diz respeito ao crescimento de carreira dentro de sua organização, como o caso de aumento de incentivos. Entretanto, as carreiras organizacionais são consideradas vitais porque a OCG está positivamente relacionada à gestão de carreiras dos servidores públicos.
Percurso metodológico
Já foi referido na seção introdutória que o objetivo deste artigo é analisar as entropias burocráticas do processo de recrutamento e seleção e a sua influência na gestão de carreiras do setor público. Para esse efeito foi delineada a abordagem do tipo qualitativo, utilizando o método grounded theory que, segundo Graham e Thomas (2008)Graham, B.; Thomas, K. “Building knowledge-developing a grounded theory of knowledge management for construction”. The Electronic Journal of Business Research Methods, vol. 6, no 2, p. 115-122, 2008. , visa gerar conceitos ou teorias. Esse método consiste na adoção de mecanismos de análise de dados, organizados numa sequência estruturada, que agrupa informação similar e diferente para a análise.
Nessa perspetiva, a grounded theory procura construir conhecimentos. É fruto de uma interação entre o investigador e os participantes da pesquisa ( Mills, Bonner e Francis, 2006Mills, J.; Bonner, A.; Francis, K. “The development of constructivist grounded theory”. Internacional Journal of Qualitative Methods, vol. 5, no 1, p. 25-35, 2006. ). Trata-se de um método que gera uma teoria fundada na informação recolhida, a respeito de um determinado processo social. Tal conhecimento produzido resulta de dados relevantes obtidos na entrevista, os quais fornecem subsídios sólidos na construção de uma base científica ( Leite, 2015Leite, F. “Raciocínio e procedimentos da Grounded Theory Construtivista”. Questões Transversais – Revista de Epistemologias da Comunicação, vol. 3, no 6, p. 20-21, 2015. ). Portanto, a informação encontrada na literatura e os achados deste artigo produziram resultados que permitiram analisar as entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção e sua influência na gestão de carreiras.
A abordagem deste artigo enquadra-se no contexto do paradigma construtivista que busca gerar conhecimento para sustentar a informação teórica encontrada na literatura. Para Hallberg (2006)Hallberg, L. R. M. “The 'core category' of grounded theory: making constant comparisons”. International Journal of Qualitative Studies on Health and Well-Being, vol. 1, no 3, 141-148, 2006. , a utilização desse tipo de paradigma justifica-se pelo fato de o processo investigativo ser enriquecido pela subjetividade do pesquisador, porque o conhecimento gerado é uma realidade criada e construída, através de um processo transacional que envolve uma relação de apropriação da informação por parte do pesquisador.
Por isso, este artigo privilegiou o raciocínio indutivo, o qual procurou explicar as entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção partindo das teorias particulares ao contexto geral de análise. Para Sbaraini et al. (2011)Sbaraini, A., et al. “How to do a grounded theory study: a worked example of a study of dental practices”. BMC Medical Research Methodology, vol. 11, 2011. , a análise indutiva é feita de forma sistemática e analítica, através da relação entre a informação fornecida pela literatura e os depoimentos dos participantes.
Para o presente artigo, a recolha de dados decorreu no Conselho Autárquico de Angoche na província de Nampula, em Moçambique. A instituição onde a pesquisa foi realizada é pública e foi criada à luz do Decreto n o 2/97 de 18 de fevereiro ( Moçambique, 1997Moçambique. Lei no 2/97 de 18 de fevereiro cria o quadro jurídico-legal para a implantação das Autarquias Locais. Boletim da República, I série, nº 7, p. 3-19, 1997. ) que estabelece o quadro jurídico-legal para a implantação das autarquias locais em Moçambique. Possui 354 servidores públicos e 60 colaboradores contratados a tempo parcial para prestar serviços sazonais que são denominados por empregados fora do quadro. A diferença que existe entre esses dois tipos de colaboradores é que os do quadro possuem um vínculo definitivo com o Estado e os fora de quadro ostentam contratos precários para auxiliar as atividades municipais rotineiras. O pagamento das remunerações é diferente. Os do quadro são pagos pelo Orçamento Municipal e os sazonais auferem as suas recompensas por meio das receitas próprias geradas pelo Conselho Autárquico. É crucial notar que os empregados fora do quadro só se encontram nos Conselhos Autárquicos e não em todos os setores públicos de Moçambique, por razões dessa instituição possuir a autonomia administrativa, patrimonial e financeira, podendo contratar pessoal de apoio a título temporário. A escolha dessa instituição, no meio de tantas com perfis similares, resultou do grau de acessibilidade de informação e dos respondentes, o que é representativo em termos de pesquisa qualitativa.
Na recolha de dados, participaram 20 servidores públicos. A conceção da amostra cingiu-se no critério de saturação teórica, visto que as entrevistas foram administradas, de forma contínua, até que se atingisse a repetição da informação, quando os entrevistados não mais trouxessem dados novos. O objetivo era colher as opiniões que melhor expressassem a visão dos servidores públicos sobre a ocorrência das entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção e sua influência na gestão de carreiras.
Em termos de caracterização dos participantes, 60% (n=12) são do sexo masculino e 40% (n=8) do sexo feminino. Estes foram distribuídos por faixas etárias, sendo 40% (n=8) com idade de 20-25 anos; 30% (n=6) de 25-30 anos; 15% (n=3) de 30-35 anos e 15% (n=3) de 35-40 anos de idade. Dos respondentes inquiridos n=4 são chefes de repartições; n=4 técnicos de GRH; n=12 Secretaria Geral. Quanto ao grau de escolaridade n=4 são técnicos superiores N1, ostentando o nível de licenciatura; n=10 são técnicos médios, com 12º ano de escolaridade; n=2 técnicos profissionais, possuem o 12º ano de escolaridade, adicionado ao curso técnico e n=4 são assistentes técnicos, que possuem o 10º ano de escolaridade. Em termos de experiência profissional, n=4 têm mais de 20 anos; n=8 de 15-20 anos; n=4 de 10-15 anos e n=4 de 5-10 anos.
O instrumento de recolha de dados utilizado foi a entrevista semiestruturada, contendo oito perguntas abertas. No total foram administradas 160 perguntas para n=20. As sessões de entrevistas variavam entre 25 e 30 minutos. Após ter explicado o objetivo do artigo, os entrevistados não permitiram que a informação fosse gravada, por receio de represálias dos superiores hierárquicos. Assim, as respostas foram anotadas em papéis de formato A4 e depois transcritas.
Quando se chegou ao 20º entrevistado, se notou a repetição da informação, tendo se atingido a saturação teórica porque “as informações fornecidas pelos novos participantes da pesquisa pouco acrescentariam ao material já obtido, não mais contribuindo, significativamente, para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamentada nos dados que estão sendo coletados” ( Fontanella, Ricas e Turato, 2008Fontanella, B. J. B.; Ricas, J.; Turato, E. R. “Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 24, no 1, p. 17-27, 2008. , p. 17). Em seguida se fez a transcrição das respostas, cujo conteúdo da informação obtido na entrevista foi exibido a todos os participantes para as possíveis censuras e melhorias, como forma de garantir a validade informacional.
Em termos de procedimentos para a análise dos dados obtidos na entrevista, foi feita a codificação aberta para identificar as principais categorias teóricas de recrutamento, seleção e gestão de carreiras. Essa análise gerou subcategorias conceituais semelhantes e diferentes. Em seguida, foi feita a codificação axial, através de uma estrutura convencional adaptada que é de Q1, Q2, Q3 a Q20. Foram revistos todos os códigos e subcategorias para depois se criar dimensões teóricas. Nesse contexto, foi feita a comparação da informação obtida, cujas diferenças e semelhanças foram identificadas e agrupadas em categorias gerais. Finalmente, a codificação seletiva dos dados que permitiu encontrar as categorias finais.
Nas diferentes etapas da codificação (aberta, axial e seletiva) mencionadas no parágrafo anterior, o pesquisador analisa os dados por comparação constante, iniciando a estruturação das entrevistas, progredindo para a análise comparativa entre as semelhanças e diferenças, de modo que as suas interpretações fossem traduzidas em códigos e categorias. Conforme consideram Mills, Bonner e Francis (2006)Mills, J.; Bonner, A.; Francis, K. “The development of constructivist grounded theory”. Internacional Journal of Qualitative Methods, vol. 5, no 1, p. 25-35, 2006. , tal comparação constante permite encontrar as categorias basilares para a teorização final, através das experiências dos participantes.
Importa frisar que a grounded theory utiliza três principais codificações acima mencionadas. A codificação aberta (primeira etapa) valoriza rigorosamente os dados, porque aqui as principais estratégias de codificação são conhecidas por “palavra por palavra” ou “linha a linha”. Ao longo desse processo as expressões fornecidas pelos participantes entrevistados são agregadas. Na codificação axial (segunda etapa) são utilizados os códigos iniciais, com maior frequência para se analisar minuciosamente e posteriormente os agrupar. Nesta fase, o investigador seleciona a informação a ser categorizada. Por fim, a codificação seletiva (terceira e etapa final) é de um nível sofisticado que segue os códigos selecionados na codificação axial para gerar resultados ( Mozzato e Grzybovski, 2011Mozzato, A. R.; Grzybovski, D. “Análise de conteúdo como técnica de análise de dados qualitativos no campo da administração: potencial e desafios”. Revista de Administração Contemporânea, vol. 15, no 4, p. 731-747, 2011. ).
Principais achados
Partindo do princípio de que a entropia burocrática é um indicador que visa avaliar o grau de funcionamento de uma organização, procurando encontrar as nuances que provocam desordem na GRH, conforme mencionado na segunda seção deste artigo, os depoimentos dos participantes (n=20) mostram a ocorrência de quatro categorias teóricas que estão associadas à ocorrência das referidas entropias burocráticas do processo de recrutamento e seleção do setor público moçambicano, nomeadamente: (i) fragilidades da GRH; (ii) ineficiência das práticas de gestão de carreiras; (iii) patronagem no recrutamento e (iv) decisões centralizadas. Isso se demonstra no Quadro:
O Quadro 2 apresenta resumidamente os principais achados deste artigo. O conteúdo encontrado nos depoimentos dos entrevistados relata a ocorrência de entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção e a sua influência na gestão de carreiras dos servidores públicos de Moçambique, que a seguir se caracterizam:
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a) Fragilidades da GRH: os participantes relataram que o processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos moçambicanos é rígido e fraco. Além disso, a operacionalização das políticas de desenvolvimento de carreiras é considerada defeituosa, pois ocorrem disfunções na sua implementação, como se ilustra no Quadro 3:
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b) Ineficiência das práticas de gestão de carreiras: os depoimentos apresentados pelos entrevistados indicam que as carreiras dos servidores públicos moçambicanos se desenvolvem num contexto de carências orçamentais. Apesar disso, houve reconhecimento de que o processo de recrutamento, seleção e gestão de carreiras evoluiu ao longo nos últimos cinco anos. Já no passado, o processo era precário, pouco transparente e disfuncional no que diz respeito ao cumprimento das normas, cuja seleção de servidores públicos dependia da confiança político-partidária. Com as mudanças nas formas de governação que ocorrem de cinco em cinco anos, sobretudo no contexto municipal, houve tendência de se observar os procedimentos de GRH flexíveis que é um bom ponto de partida para o aprimoramento das práticas de gestão de carreiras, procurando, desse modo, recrutar pessoal competente, embora prevaleçam algumas fragilidades da GRH, como a seleção de candidatos por meio de afinidades partidárias. Tais factos são ilustrados no Quadro 4:
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c) Patronagem no processo de recrutamento: os entrevistados foram consentâneos ao considerar que esta surge na sequência de disfunções dos procedimentos de GRH, pois o processo de tomada de decisão para o recrutamento, seleção e gestão de carreiras dos servidores públicos tem sido discricionário. Apesar disso, os participantes estão cientes de algumas melhorias registadas nas estratégias de GRH no setor público moçambicano, que visam promover práticas inovadoras e flexíveis para eliminar os vínculos precários que alguns servidores públicos ostentam, evitando recrutamentos arbitrários. Mesmo assim, a execução das práticas de recrutamento e seleção continuam a ser influenciadas por um cunho de natureza político-partidária, com tendência de favorecer certos candidatos no provimento de carreiras públicas, violando o princípio de transparência do setor público. Tais fatos são elucidados no Quadro 5:
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d) Decisões centralizadas: os depoimentos dos entrevistados mostram que processo de recrutamento e seleção e gestão de carreiras dos servidores públicos é influenciado pelas decisões hierarquizadas. As decisões tomadas de cima para baixo são uma característica dos modelos de governação burocrática, onde o controlo de todo o processo de GRH depende das influências das vieses de decisão do tipo top-down . Os depoimentos mostram que, embora se apliquem os procedimentos de recrutamento e seleção, as hierarquias superiores têm o poder de os manipular, no sentido de promover interesses particularistas, atuando como rent seekers . As evidências desses achados são apresentadas no Quadro 6:
Análise e discussão dos principais achados
Os achados deste artigo foram analisados e discutidos de forma sequenciada. Primeiro, foram abordados os aspetos relacionados às entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos moçambicanos, nomeadamente: fragilidades da GRH, ineficiência das práticas de gestão de carreira, patronagem no recrutamento e decisões centralizadas. Segundo, foi demonstrado como esses achados, concretamente as referidas entropias burocráticas, influenciam a gestão de carreiras no setor público. Para a operacionalização desta seção, os achados acima mencionados foram evidenciados e contrastados com a informação encontrada na literatura, que a seguir passam a ser apresentados:
a) Fragilidades da gestão de recursos humanos
Os resultados obtidos neste artigo mostram que a GRH do setor público moçambicano é frágil. Conforme consideram Dibben et al. (2017)Dibben, P., et al. “Institutional legacies and HRM: similarities and differences in HRM practices in Portugal and Mozambique”. The International Journal of Human Resource Management, vol. 28, no 18, p. 2.519-2.537, 2017. , tais fragilidades estão relacionadas à deterioração substancial do suporte organizacional às carreiras dos servidores públicos, por razões de alocação deficitária do orçamento destinado à gestão de carreira. Há, contudo, rigidez dos procedimentos administrativos para garantir a GRH efetiva, razão pela qual se nota a estagnação de carreiras, limitando a promoção e progressão dos servidores públicos. No âmbito da GRH municipal, as carreiras dos servidores públicos têm um suporte deficitário, carecendo de capacitações sobre a gestão autárquica, uma vez que essa instituição se circunscreve num contexto de GRH específica, dada a natureza da autonomia administrativa, financeira e patrimonial que a caracteriza. “As autarquias locais dispõem de quadro de pessoal próprio, organizado de acordo com as respetivas necessidades permanentes” ( Moçambique, 2018aMoçambique. Lei no 6/2018 de 18 de fevereiro, altera a Lei n° 2/97, de 18 de fevereiro, que estabelece o quadro jurídico-legal para a implantação das autarquias locais. Boletim da República, I série, nº 152, p. 1.799-1.842, 2018a. , p. 2). Para tal, Noronha e Brito (2010)Noronha, J.; Brito, L. Desafios da gestão municipal de uma lógica administrativa e institucional para uma lógica de desenvolvimento organizacional e sustentabilidade. Maputo: Iese, 2010. observam a falta de definição clara das tarefas e funções estatutárias para os servidores públicos municipais. Wood et al. (2011)Wood, G., et al. “HRM in Mozambique: homogenization, path dependence or segmented business system?”. Journal of World Business, vol. 46, no 1, 31-41, 2011. apontam três razões que afetam a GRH no contexto moçambicano, nomeadamente: fraca regulamentação do setor público, sindicatos ineficazes e gestão arbitrária de carreiras dos servidores. Os procedimentos utilizados na gestão de carreiras são burocráticos e morosos. Por isso, Lavigna e Hays (2004)Lavigna, R. J.; Hays, S. W. “Recruitment and selection of public workers: an international compendium of modern trends and practices”. Public Personnel Management, vol. 33, no 3, p. 237-253, 2004. constataram, igualmente, que a GRH do setor público é um processo critico, delineado por políticas de desenvolvimento de pessoal precárias e lentas. No contexto do setor público moçambicano, uma das fragilidades da GRH que vale a pena mencionar é a precariedade das recompensas na carreira: tanto as remunerações, bem como os incentivos, são exíguos, ocasionando a incapacidade de atrair, desenvolver, capacitar e reter servidores públicos devidamente qualificados, constituindo, desse modo, uma entropia do processo de recrutamento e seleção.
b) Ineficiência das práticas de gestão de carreiras
A organização torna-se ineficiente, no âmbito de GRH, quando enfrenta carências orçamentais. Evidências mostram que em Moçambique, a dinâmica das finanças públicas depende das transformações macroeconómicas. Porém, a pressão fiscal dos impostos no Produto Interno Bruto (PIB) aumentou em média de 13% para 23% no período entre 2010-2016, ao passo que a despesa pública no PIB foi instável e cresceu no mesmo período de 25% para 36%. No que diz respeito às despesas correntes destaca-se a remuneração dos servidores públicos, o serviço da dívida pública e as transferências de pagamentos para as famílias, que em conjunto perfizeram 82% em 2016. Isso reflete um orçamento rígido e inflexível que está descoordenado com o PIB, sendo incapaz de responder às flutuações da conjuntura económica ( Sylvestre, Marrengula e Quive, 2016Sylvestre, M. M.; Marrengula, C. P.; Quive, T. O. Dinâmica da sustentabilidade das finanças públicas em Moçambique (2000-2016). Maputo: Universidade Eduardo Mondlane, 2016. ). Para o caso específico do Orçamento Municipal, Sicoche (2014)Sicoche, B. F. “Estudo comparativo do poder de decidir do Município no Estado Brasileiro e Moçambicano”. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, vol. 2, no 2, p. 17-32, 2014. aponta que os Conselhos Autárquicos não possuem capacidade financeira suficiente para suportar as despesas de pessoal, pois o seu desempenho na mobilização de recursos financeiros é fraco. Já Forquilha (2020)Forquilha, S. C. “Reformas de descentralização em Moçambique: o papel das instituições na definição dos resultados”. Wider Working Paper, vol. 132, p. 1-21, 2020. ilustra que, além de carências orçamentais, se verifica a morosidade de transferência da verba aos municípios sobretudo para o pagamento dos servidores públicos. Há uma forte dependência do Governo Central para a alocação desses recursos financeiros. CIP (2019)Centro De Integridade Pública (CIP). Descentralização fiscal sem enquadramento no contexto actual das finanças públicas. Maputo. CIP. 2019. acrescenta que o desembolso do Fundo de Compensação Autárquica (FCA) é imprevisível, rígida e disfuncional, o que provoca problemas financeiros agudos ao nível da GRH nos municípios. Além disso, o aumento da dívida pública provocou a redução da verba para as carreiras, afetando a eficácia de todo setor público moçambicano ( Castel-Branco, 2014Castel-Branco, C. N. “Growth, capital accumulation and economic porosity in Mozambique: social losses, private gains”. Review of African Political Economy, vol. 41, p. 26-48, 2014. ). A título de exemplo, a execução orçamental do primeiro trimestre de 2020, mostrou a incoerência do sector público moçambicano para assegurar as despesas dos servidores. Houve desequilíbrios entre as receitas cobradas, equivalentes a 22,5%, e a execução orçamental em 20,6%. Para a cobertura desse défice, o sector público recorreu ao financiamento interno e externo para harmonizar o Orçamento ( Moçambique, 2020Moçambique. Relatório de Execução do Orçamento do Estado-I Trimestre. Maputo. Maputo: Ministério da Economia e Finanças, 2020. ). Esse fato cria descoordenação entre as políticas de GRH e a sua operacionalização, devido à limitação financeira para suportar as despesas com o pessoal. Por isso o setor público moçambicano restringiu o ingresso e desenvolvimento de carreiras dos servidores ( Santos, Gallardo e Filipe, 2017Santos, A. A.; Gallardo, G.; Filipe, M. “Moçambique in African economic outlook 2017”. In: African Development Bank (AfDB); Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), United Nations Development Programme (UNDP) (orgs.). African economic outlook: entrepreneurship and industrialization. Paris: OECD Publishing, 2017. ). Esse argumento vai ao encontro da perspetiva desenvolvida por Anido e Rondón (2016)Anido, L. S.; Rondón, I. G. “Modelo de gestión de los recursos humanos con base en la teoría de los subconjuntos borrosos”. Revista Internacional de Gestión del Conocimiento y la Tecnología, vol. 4, no 2, p. 14-34, 2016. considerando que as estratégias de GRH dependem dos limites orçamentais para carreiras. Um dos pontos críticos que estagnou o recrutamento, seleção e gestão de carreiras dos servidores públicos moçambicanos foi a adoção de medidas de austeridade aprovadas pelo Decreto 75/2017 de 27 de dezembro ( Moçambique, 2017bMoçambique. Decreto no 75/2017 de 27 de dezembro aprova as medidas de contenção de despesa pública. Boletim da República, I série, nº 201, p. 2.590-2.592, 2017b. ) que estabelecem a contenção da despesa pública, fixando o subsídio de localização 5 5 Consiste no aumento da remuneração para os servidores públicos que estão afetos no distrito ou nas zonas rurais, como forma de os incentivar. de 15% para todos os novos ingressos, que anteriormente variava de 35% a 100%, dependendo da zona de afetação do servidor público.
As adversidades de tais medidas resultam no congelamento de carreiras, limitando o desenvolvimento profissional dos servidores públicos. Registou-se a redução da taxa de bonificação dos servidores públicos em 10% para todos. Por exemplo, o subsídio da carreira de Técnico Profissional passou de 30% para 20%. Apesar disso, o setor público moçambicano retomou de forma gradual o desenvolvimento de carreiras dos servidores públicos, dando-os oportunidades de promoções, progressões e mudanças de carreiras. Porém, o processo de recrutamento e seleção continua estagnado. Dá-se primazia apenas para o ingresso de pessoal ao sector da Educação, Saúde e Agricultura, excluindo outros setores públicos.
c) Patronagem no recrutamento
No contexto de recrutamento e seleção, a patronagem é considerada como escolha de candidatos para prover certas carreiras no setor público, por meio de influência político-partidária. O objetivo desse tipo de recrutamento consiste na escolha de servidores leais para servir aos interesses particularistas dos gestores públicos ( Brierley, 2020Brierley, S. “Combining patronage and merit in public sector recruitment”. The Journal of Politics, vol. 83, no 1, 2020. ). Nesse caso, Colonnelli, Prem e Teso (2020)Colonnelli, E.; Prem, M.; Teso, E. “Patronage and selection in public sector organizations”. American Economic Review, vol. 110, no 10, p. 3.071-3.099, 2020. denominam de patronagem quid pro quo que se manifesta na seleção de pessoas por meio de confiança para ocupar certas carreiras públicas. Para Lima (2020)Lima, R. D. C. “O recrutamento político impacta atitudes e perceções de burocratas em ministérios brasileiros? Evidências empíricas usando matching em survey”. Opinião Pública, vol. 26, no 3, p. 587-632, 2020. , a patronagem no recrutamento visa escolher indivíduos utilizando critérios discricionários, para a troca de interesses, dentre os quais a sua lealdade. Sátyro e Cunha (2019)Sátyro, N. G. D.; Cunha, E. S. M. “Jogando luzes sobre os determinantes burocráticos e de gestão da política de assistência social nos municípios brasileiros”. Opinião Pública, vol. 25, no 2, p. 401-432, 2019. alertam que a patronagem no setor público não viola as normas de recrutamento e seleção, porém os gestores introduzem decisões meramente particularistas e discricionárias na seleção de certos candidatos ao emprego público. Esse tipo de patronagem é considerado por Lazari, Bolonha e Rangel (2013)Lazari, I.; Bolonha, C.; Rangel, H. “A relevância dos limites discricionários do juiz generalista”. Revista Direito, vol. 9, no 2, p. 417-434, 2013. como “entranhas” normativas. Argumento contra a patronagem no recrutamento é apresentado por Barbosa e Temoche (2007)Barbosa, A. R.; Temoche, M. D. R. “O uso do poder discricionário pelo administrador público como instrumento de justiça social”. Qualitas Revista Eletrónica, vol. 6, no 1, 2007. , segundo o qual as decisões ad hoc na GRH reduzem a eficiência organizacional. Cistac (2012)Cistac, G. “Institucionalização, organização e problemas do poder local”. In: Jornadas de Direito Municipal comparado Lusófono, Lisboa, vol. 2, abr. 2012. levanta críticas contra a patronagem no recrutamento do setor público moçambicano, considerando que a autonomia dos gestores criou favoritismo na GRH. Esses resultados vão ao encontro das reflexões do CIP (2020)Centro De Integridade Pública (CIP). Governação e integridade em Moçambique. Maputo: CIP, 2020. que apontam a descentralização de competências de GRH como sendo um veículo que promove certo liberalismo no recrutamento de servidores públicos, provocando ineficiências organizacionais, pois a patronagem interfere nos processos de gestão de carreiras. Uma pesquisa similar desenvolvida por Louw (2013)Louw, G. “Exploring recruitment and selection trends in the Eastern Cape”. South African Journal of Human Resource Management, vol. 11, no 1, p. 319-329, 2013. sobre as práticas de recrutamento e seleção no setor público revela que fatores como patronagem, nepotismo, favoritismo e interferência política são forças motrizes que retardam a gestão de carreiras dos servidores, tornando-a ineficiente e pouco flexível. No contexto moçambicano, a alternância do poder político nos municípios tem estado na origem das entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos. A título de exemplo, o Conselho Autárquico de Angoche, onde a pesquisa foi realizada, tem uma forte influência da oposição. A sucessão de partidos políticos tem estado na origem da reestruturação de pessoal, fato que é influenciado pelo certo grau de patronagem. Conforme considera Rosário (2015)Rosário, D. M. “Os municípios dos 'outros'. Alternância do poder local em Moçambique? O caso de Angoche”. Cadernos de Estudos Africanos, vol. 30, p. 135-165, 2015. , tem-se verificado a admissão de novo pessoal, cujo objetivo é a satisfação do eleitorado. Cada partido político que ganha as eleições substitui os vereadores e diretores das unidades administrativas autárquicas. Procede a rescisão de contratos dos empregados sazonais. Além disso, muitos servidores públicos perdem os cargos de direção de chefia por confiança e são substituídos por outros que pertencem à ala partidária no poder. Alguns desses servidores solicitam a transferência por mobilidade para outras instituições, por receio de represálias e perseguições de natureza política, deixando espaços vagos para a admissão de novo pessoal. É nessa senda que ocorre a patronagem na GRH, como sendo uma das entropias do processo de recrutamento, seleção e gestão de carreiras dos servidores públicos.
d) Decisões centralizadas
A tomada de decisões centralizadas enquadra-se no contexto de GRH nas organizações de natureza burocrática. Refere-se ao processo de tomada de decisão que depende das hierarquias superiores. Os servidores públicos dos níveis hierárquicos baixos e intermediários não têm a autonomia de decidir sobre a seleção de pessoal para admissão a carreiras públicas, sendo uma tarefa reservada a lideranças do topo ( Dwivedi, 1967Dwivedi, O. P. “Bureaucratic corruption in developing countries”. Asian Survey, vol. 7, no 4, p. 245-253, 1967. ). Contudo, a tendência do recrutamento e seleção dos servidores públicos moçambicanos depende das decisões tomadas ao nível hierárquico, pois os gestores públicos têm a liberdade de escolha dos candidatos favoritos à admissão no setor público ( Feijó, 2009Feijó, J. “A gestão de recursos humanos em empresas moçambicanas num contexto de debilidade do Estado Providência”. In: II Conferência do IESE. Dinâmicas da Pobreza e Padrões de Acumulação em Moçambique. Maputo: Iese, 2009. ). Na perspetiva de Gonçalves (2013)Gonçalves, E. “Orientações superiores: time and bureaucratic authority in Mozambique”. African Affairs, vol. 112, no 449, p. 602-622, 2013. , a tomada de decisões da GRH depende das orientações superiores. Por isso, Forquilha (2008)Forquilha, S. C. “Remendo novo em Pano Velho: o impacto das reformas de descentralização no processo de governação local em Moçambique”. In: Cidadania e Governação em Moçambique. Maputo: IESE, 2008. defende que há muitas interferências no processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos que dependem meramente das decisões hierarquizadas. Awortwi (2010)Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. considera que o recrutamento, seleção e gestão de carreiras dos servidores públicos moçambicanos estão ancorados a princípios e orientações da lógica top down .
Influência das entropias burocráticas no processo do recrutamento e seleção na gestão de carreiras
Partindo do princípio de que a entropia burocrática é um indicador que visa avaliar o nível das deficiências na GRH de uma organização ( Matejko, 1980Matejko, A. J. “The obsolescence of bureaucracy”. Relations Industrielles, vol. 35, no 3, 467-493, 1980. ), as principais constatações deste artigo mostram a ocorrência de quatro entropias que ocorrem no processo de recrutamento e seleção de servidores públicos, nomeadamente fragilidades da GRH, ineficiência das práticas de gestão de carreiras, patronagem no recrutamento e tomada de decisões centralizadas.
A primeira entropia que se refere nos achados deste artigo é a fragilidade de GRH no setor público moçambicano. Ela é caracterizada por debilidades no suporte às carreiras dos servidores públicos, devido à disfuncionalidade do processo de desenvolvimento profissional. Para Sartorius, Merino e Carmichael (2011)Sartorius, K.; Merino, A.; Carmichael, T. “Human resource management and cultural diversity: a case study in Mozambique”. The International Journal of Human Resource Management, vol. 22, no 9, p. 1.963-1.985, 2011. , no setor público rege uma cultura de gestão autocrática que se caracteriza pela obediência e respeito aos superiores hierárquicos, o que afeta os procedimentos legais da GRH.
A segunda está relacionada à ineficiência das práticas de gestão de carreiras do setor público moçambicano que é influenciada por fatores de ordem económica ( Moçambique, 2010Moçambique. Planificação, Orçamentação, Execução, Monitoria, Avaliação (POEMA). Maputo: Ministério da Educação, 2010. ). As restrições da verba pública impulsionaram a aprovação das medidas de contenção de despesas que desestruturam o funcionamento da GRH e, consequentemente, afetaram a gestão de carreiras ( Moçambique, 2017bMoçambique. Decreto no 75/2017 de 27 de dezembro aprova as medidas de contenção de despesa pública. Boletim da República, I série, nº 201, p. 2.590-2.592, 2017b. ). Porém, as verbas públicas são tardiamente desembolsadas e por sinal exíguas, por isso se nota a restrição da promoção, progressão e mudanças de carreiras dos servidores públicos moçambicanos.
A terceira entropia burocrática constatada neste artigo é a patronagem que se manifesta nas formas de recrutamento e nomeação de servidores públicos por inclinação de natureza político-partidária, cujos critérios são pouco transparentes, fragilizando a gestão de carreiras ( Monteiro, 2013Monteiro, L. M. “Reforma da administração pública e carreiras de Estado: o caso dos especialistas em políticas públicas e gestão governamental no Poder Executivo federal”. Revista da Administração Pública, vol. 47, no 5, p. 1.117-1.143, 2013. ). No entanto, os servidores públicos podem ser contratados sem concurso, quando se constatam a urgência e a conveniência de serviço para exercer funções de chefia por confiança. No entanto, o risco de os gestores públicos desrespeitarem os regulamentos torna-os consensuais, recorrendo a decisões particularistas.
A quarta, que é a última, refere-se à tomada de decisões centralizadas. O recrutamento e a seleção funcionam numa lógica top down , cuja escolha de certos candidatos para o setor público moçambicano é considerada por Gonçalves (2013)Gonçalves, E. “Orientações superiores: time and bureaucratic authority in Mozambique”. African Affairs, vol. 112, no 449, p. 602-622, 2013. como dependente das decisões hierarquicamente superiores. Os meios utilizados na seleção e nomeação dos servidores constituem mecanismos de controlo político, garantindo a proximidade entre os interesses particularistas e a gestão pública.
Nos termos das constatações acima apresentadas, é possível concluir que existe uma crença partilhada entre os participantes da pesquisa de que as entropias burocráticas do processo de recrutamento e seleção do setor público moçambicano influenciam negativamente a gestão de carreiras, pois esta é vista como ineficiente e inoperante ( Awortwi, 2010Awortwi, N. “Building new competencies for government administrators and managers in an era of public sector reforms: the case of Mozambique”. International Review of Administrative Sciences, vol. 76, no 4, p. 723-748, 2010. ), provocando disfunções nos procedimentos administrativos relativos à gestão de pessoas ( Carneiro e Menicucci, 2013Carneiro, R.; Menicucci, T. M. G. Gestão pública no século XXI: as reformas pendentes. Brasília: Ipea, 2013. ).
Limitações do artigo e perspetivas futuras
O desenvolvimento deste artigo deparou-se com algumas limitações de natureza investigativa que vale a pena mencionar. Uma das quais é a escassez de literatura especializada sobre o recrutamento, seleção e gestão de carreiras no contexto público moçambicano. A recolha de dados para a operacionalização deste artigo foi realizada no Conselho Autárquico de Angoche. Embora se tenha recorrido à literatura sobre o sector público moçambicano, a GRH nos municípios é específica e difere do setor público no geral, por se tratar de instituição pública com autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
A outra limitação observada neste artigo é que o Conselho Autárquico de Angoche tem uma forte influência da oposição, ocasionando a patronagem política, como uma das entropias identificadas neste artigo. O processo de recrutamento, seleção e gestão de carreiras é positivamente influenciado por alternância do poder político. A título de exemplo, a escolha dos vereadores e diretores das unidades autárquicas resultam de uma seleção de cunho político, observando as diretrizes e ideologias do partido político que ganha a eleição do Presidente do Conselho Autárquico. Não obstante, é importante reconhecer que este artigo não traz opções para criar mudanças estruturais para o setor público moçambicano na sua plenitude, senão contribuir para as alterações que possam ser vincadas no âmbito de recrutamento, seleção e gestão de carreiras. Em termos de pesquisas futuras, considera-se crucial replicar os resultados deste artigo em outros setores de atividade, como saúde e educação. Os achados aqui apresentados poderão contribuir para outras investigações de natureza quantitativa. Porém, as conclusões deste artigo não podem ser generalizadas para todo setor público moçambicano, podendo, contudo, ser aceites como fiáveis para o contexto específico de realização da pesquisa. Apesar disso, não se deixa de reconhecer a dificuldade na realização das entrevistas, pois alguns participantes recusaram participar por receio de represálias dos superiores hierárquicos. Tais limitações foram mitigadas, na medida em que os investigadores sensibilizaram os participantes sobre o objetivo da pesquisa e da confidencialidade da informação.
Considerações finais
Este artigo enquadra-se no contexto da GRH e procura explorar as entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção do setor público moçambicano e suas influências na gestão de carreiras. Para a sua consecução foram entrevistados 20 participantes do Conselho Autárquico de Angoche. Os principais achados mostram a ocorrência das referidas entropias burocráticas, nomeadamente: fragilidades da GRH, ineficiência das práticas de gestão de carreiras, patronagem no recrutamento e decisões centralizadas.
Os depoimentos dos participantes foram unânimes ao considerar o esforço do setor público moçambicano, no que diz respeito ao aprimoramento dos procedimentos de contratação de pessoal, por meio da inovação administrativa, buscando os modelos gerenciais do sector privado, cuja tendência é garantir a prestação de serviços de qualidade, através de um processo de ingresso na carreira, gerido de maneira eficaz e transparente.
Apesar disso, as estratégias de implementação da GRH flexível não são devidamente monitoradas, provocando a ocorrência de entropias burocráticas no processo de recrutamento e seleção dos servidores públicos. Contudo, a fraca capacidade de pessoal qualificado em GRH, as carências orçamentais e as decisões hierarquicamente tomadas no âmbito do recrutamento e seleção dos servidores provocaram a estagnação da promoção, progressão e mudança de carreiras no setor público moçambicano. Nesses termos, a análise e discussão das narrativas dos entrevistados permitiram concluir que as entropias burocráticas acima mencionadas afetam, negativamente, a gestão de carreiras, tornando-a inoperante e ineficiente.
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4
Este artigo está escrito em português europeu.
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5
Consiste no aumento da remuneração para os servidores públicos que estão afetos no distrito ou nas zonas rurais, como forma de os incentivar.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Out 2022 -
Data do Fascículo
May-Aug 2022
Histórico
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Recebido
27 Mar 2020 -
Aceito
11 Abr 2022