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Contribuições dos Repertórios de Ações Coletivas na Organização das Populações Atingidas por Barragens: um Estudo da Usina Hidrelétrica de Itapebi

Resumo

Esta pesquisa analisa as contribuições dos repertórios de ações coletivas na organização dos atingidos por barragens a partir do estudo da Usina Hidrelétrica de Itapebi. Os repertórios de ações coletivas, neste artigo, inspiram-se no autor Charles Tilly e advêm do campo da teoria da sociologia política dos movimentos sociais, tendo como definição um conjunto de formas de ação em que há motivação política. A suposição inicial da pesquisa é de que os repertórios de ações coletivas criados no âmbito local têm papel crucial na organização dos atingidos pela hidrelétrica em estudo e ajudam a sustentar as demandas nacionais do Movimento dos Atingidos por Barragens. Os resultados da pesquisa apontam que, através da experiência local, vivenciada ao longo dos anos pelos envolvidos, estes repertórios têm desempenhado não somente uma função fulcral na organização dos atingidos no que se referem às questões compensatórias propostas pela empresa responsável, mas também na criação e fortalecimento de políticas públicas que venham absorver as demandas locais e sua articulação com o movimento nacional dos atingidos.

repertórios de ações coletivas; organização; populações atingidas por barragens; políticas públicas

Abstract

This research seeks to analyze the contributions of repertoires of collective actions in the organization of those affected by dams based on a study of the Itapebi Hydroelectric Power Plant. The repertoires of collective actions in this article are inspired by the author Charles Tilly and originate from the field of the theory of political sociology of social movements, defined as a set of forms of action in which there is political motivation. The initial assumption of the research is that the repertoires of collective actions created at the local level play a crucial role in the organization of those affected by the hydroelectric plant under study and help sustain the national demands of the Movement of Those Affected by Dams. The results of the research indicate that, through local experience, lived over the years by those involved, these repertoires have performed not only a central function in the organization of those affected in relation to compensatory issues proposals by the company responsible for the Itapebi enterprise, but also in the creation and strengthening public policies that will absorb local demands and their articulation with the national movement of the those by dams.

repertoires of collective actions; organization; population affected by dams; public policies

Introdução

Os estudos sobre populações atingidas por barragens para a produção de energia vêm sendo objeto de pesquisa das ciências sociais e humanas tanto na literatura nacional quanto internacional, tomando vulto desde as últimas décadas do século XX.

Com a intensificação dos programas energéticos do país, outras áreas do conhecimento e campos disciplinares passaram a se interessar pela temática, explorando as abordagens sociais, culturais, ambientais, de ocupação territorial, de direitos humanos e de políticas públicas, gerando uma complexificação da literatura sobre o objeto de maneira a apontar para as profundas mudanças provocadas nos territórios envolvidos nos projetos hidrelétricos e na vida de grupos sociais e populações inteiras afetadas por esses projetos industriais.

Muitos desses estudos originaram-se em núcleos de pesquisa acadêmicos, que, ao divulgarem suas pesquisas, possibilitaram acesso às informações necessárias sobre os empreendimentos e serviram de pressão junto ao setor elétrico brasileiro – a holding do setor, a Eletrobrás e suas empresas concessionárias. Como resultado dessa pressão e por exigência do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, passaram ser realizados, a partir da segunda metade da década de 1980, Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) desses empreendimentos, alguns dos quais receberam colaborações científicas de universidades. Dessa forma, os estudos ambientais que eram realizados, até então, através de contratação de consultorias internacionais pelo setor elétrico tiveram que se enquadrar nas diretrizes dos EIA e RIMA propostas pelo Conama ( Teixeira, 1995Teixeira, M. G. C. (1995). Energy Policy in Latin America: social and environmental dimensions of hydropower in Amazonia. London: Sage; Avebury. ). Esse acesso a informações vem, desde então, beneficiando as organizações dos atingidos e dando subsídios a seus “repertórios de ações coletivas” ( Tilly, 1978Tilly, C. (1978). From mobilization to revolution. New York: Newbery Award Records. ) frente às suas reivindicações para o reconhecimento de direitos, diante da construção de projetos hidrelétricos.

Compreendendo esse contexto, esta pesquisa intenta analisar as contribuições dos repertórios de ações coletivas na organização dos atingidos por barragens a partir do estudo da Usina Hidrelétrica de Itapebi. A suposição inicial da pesquisa é de que os repertórios de ações coletivas criados no âmbito local têm papel crucial na organização dos atingidos pela hidrelétrica em estudo e ajudam a sustentar as demandas nacionais do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A pesquisa busca evidenciar, explorando a experiência local, vivenciada ao longo dos anos pelos envolvidos, que esses repertórios têm desempenhado não somente uma função fulcral na organização dos atingidos no que se referem às questões compensatórias propostas pela empresa responsável, mas também na criação e fortalecimento de políticas públicas que venham absorver as demandas locais e sua articulação com o movimento nacional dos atingidos.

Para explorar o problema de pesquisa e atingir seu objetivo, cabe compreender que o processo organizativo, também conhecido na literatura especializada como organizing , é o conjunto das práticas que vão caracterizar o processo de organizar (Czarniawska, 2008). Entende-se também que os repertórios de ações coletivas, cuja definição, de autoria do sociólogo americano Charles Tilly, advém do campo da teoria da sociologia política dos movimentos sociais, é “um conjunto de formas de ação” em que há motivação política; “um repertório familiar de ações coletivas que estão à disposição das pessoas comuns num dado momento histórico” (Tilly, 1978, pp. 151-152). Os repertórios de ação dos grupos sociais envolvidos pela barragem de Itapebi foram emergindo ao longo da organização dos envolvidos, que foram se percebendo como atingidos pela instalação desse empreendimento, imprimindo uma situação em que o próprio processo de organização foi se dando com base nos repertórios construídos e apropriados pelos atingidos.

A Usina Hidrelétrica de Itapebi, localizada no município homônimo, no estado da Bahia, foi instalada para atender às demandas por energia elétrica das Empresas Petroquímicas do Brasil (EPB) na cidade de Salvador e de outras do Polo Petroquímico de Camaçari (BA). A barragem inundou áreas urbanas e rurais do município de Salto da Divisa (MG), além de áreas rurais de três municípios baianos: Itapebi, Itarantim e Itagimirim. Destaca-se na pesquisa o município mineiro de Salto da Divisa, que foi o único em que os atingidos se organizaram em função das suas reivindicações frente ao empreendimento.

Há décadas que o Estado brasileiro, através da sua política energética, vem desenvolvendo um forte marco legal para garantir a construção de usinas hidrelétricas, desde o planejamento, concessão, licenciamento, liberação da obra e recursos financeiros necessários sob o argumento de que é uma “energia limpa”, mais segura, mais duradoura e menos custosa quando comparada a outras formas mais tradicionais de geração de energia. A hidroeletricidade tem sido o meio mais utilizado no país para suprir sua demanda por energia (SRD, 2016). Por outro lado, os governos não criaram canais institucionais efetivos que viessem atender às demandas das populações envolvidas, ou mesmo apresentar uma política pública específica sobre as questões que contemplassem de forma justa os direitos e/ou medidas compensatórias dos atingidos.

O MAB é um movimento social popular nacional que defende diversas pautas em favor dos atingidos por barragens nas esferas local, regional e nacional. Registros em documentos do movimento relatam que, ao longo dos anos, populações atingidas por barragens alcançaram algumas conquistas, como no caso dos atingidos pela Usina Hidrelétrica de Itá, mas não conseguiram que seus direitos fossem reconhecidos como parte de uma política pública de governo. Mais recentemente, o MAB tem reivindicado a aprovação, como política pública, da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que foi elaborada conjuntamente entre representantes do MAB e sua assessoria jurídica e científica, com a colaboração de ONG. Os principais pontos defendidos na PNAB são: o reconhecimento dos direitos dos atingidos, a instituição de um marco legal, a criação de um órgão do governo responsável pela política, com a representação e participação efetiva dos atingidos e que sejam definidas as fontes de financiamento para a realização dessas demandas (MAB, 2013). O movimento nacional dos atingidos, com o apoio dos movimentos regionais e locais, pleiteia que essa política seja um instrumento legal a ser seguido por qualquer empresa do setor elétrico na construção de barragens em todo o território nacional.

Apesar de se reconhecer a importância do Movimento dos Atingidos por Barragens como protagonista nacional, esta pesquisa pretende mostrar que, na experiência em estudo, desde o início da construção da Usina Hidrelétrica de Itapebi, em 1997, ocorreu um protagonismo autônomo na organização política local durante os mais de 20 anos que antecederam a entrada do MAB no munícipio, em 2015. Com base nessa situação, a pesquisa parte do pressuposto de que os repertórios de ações coletivas criados no âmbito local contribuem na organização dos atingidos pela barragem de Itapebi, constituindo importantes pilares para o fortalecimento do MAB e corroborando a força do protagonismo local capaz de sustentar ao longo de décadas as motivações políticas dos atingidos.

A pesquisa em questão está estruturada em quatro seções, além da introdução. Na primeira seção, o texto apresenta uma discussão teórica sobre os repertórios de ações coletivas. Em seguida, discute o processo de organizar, com base na ideia de organizing , na construção dos repertórios dos atingidos por barragens. Nesses tópicos iniciais, são explorados os fundamentos teóricos do estudo que serviram para a construção de seu arcabouço. A terceira seção, são apresentados os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa. Na quarta seção, são registrados os resultados da pesquisa, procurando-se articular a análise empírica com os pilares teóricos da pesquisa. Por fim, na quinta e última seção, são apresentadas as considerações finais do estudo.

Repertórios de ações coletivas: uma abordagem teórica inicial

Os repertórios de ações coletivas são estudados nessa pesquisa devido a sua potencialidade explicativa para compreender as formas de ações utilizadas na organização dos atingidos por barragens.

Embora haja, na literatura brasileira, diversos intérpretes de Tilly, houve uma grande demora no país e na América Latina como um todo para a disseminação das suas teorias, dentre elas, a dos os repertórios de ações coletivas. Essa demora deve-se a fatores como: (a) sentimento anti-imperialista no meio acadêmico latino-americano nas áreas de ciências humanas e sociais; (b) crítica à corrente estruturalista à qual estavam associadas teorias de Tilly; (c) a resistência dos estudiosos quanto à perda de referência da literatura marxista, ou como muitos se referiram, à suposta “morte do marxismo”; (d) a influência de Alain Touraine e outros autores das teorias dos “novos movimentos sociais”; (e) a pouca preocupação no ambiente acadêmico da América Latina com teorias produzidas por autores dos movimentos sociais norte-americanos (Bringel, 2012); (f) o desconhecimento de que a obra de Tilly era muito abrangente, não necessariamente atrelada apenas ao estruturalismo (Alonso, 2012). Esses fatores contribuíram para que, até 1990, a teoria da mobilização de recursos e a teoria da mobilização política tivessem pouca abertura nos debates brasileiros e regionais. Nesse sentindo, um grupo de autores liderado por Tilly em parceria com Tarrow e McAdam e que pesquisava sobre os repertórios de ações coletivas e os movimentos sociais procurarou estabelecer uma nova agenda de pesquisa mais ampla e relacional sobre as ações coletivas. Também segundo Bringel, apesar da construção dessa nova agenda que gerou uma grande repercussão internacional, ela não foi disseminada de forma sistemática no Brasil.

A principal vertente dos estudos de Tilly (1978)Tilly, C. (1978). From mobilization to revolution. New York: Newbery Award Records. engloba as diversas formas de manifestações e conflitos entre grupos da sociedade, sendo que, os estudos do conflito, da violência política e do repertório de ação coletiva são os elementos centrais que o autor sugeriu para que os processos de mudança do Estado fossem compreendidos como muito mais contingentes, transitórios e reversíveis do que os seus estudos prévios sobre desenvolvimento político. Outra contribuição clássica de Tilly consiste na fácil codificação do conhecimento dos historiadores sociais e políticos sobre as várias formas de ação coletiva, bem como a generalização das perguntas sobre as causas, mudanças e variações dessas formas de repertórios de ações coletivas, propondo, assim, uma hipótese de que a história de contestação limitava as opções de ação disponíveis no presente. Nesse contexto, um elemento central para a interpretação de Tilly consiste numa abordagem contingente, interativa, complexa, relacional da história e dos processos sociais (Bringel, 2012).

As explicações históricas dos repertórios de ações coletivas precisam se conectar a explicações políticas no seu tempo. Em busca das explicações históricas, esses repertórios se encontram atrelados aos movimentos sociais. Nesse sentindo Tilly (2010)Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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elenca seus principais argumentos: (a) desde suas origens no século XVIII, os movimentos prosseguiram não como performances isoladas, mas como campanhas interativas; (b) os movimentos sociais possuem uma combinação de três tipos de reivindicação: programa, identidade e posição; (c) a evidência das reivindicações de programa, identidade e posição variam expressivamente entre os movimentos sociais, os reivindicantes dentro dos movimentos sociais e entre as fases desses movimentos; (d) a democratização é responsável pela formação de movimentos sociais; (e) os movimentos sociais afirmam a soberania popular; (f) os movimentos sociais, quando comparados às formas de política popular e de base local, dependem dos fatores políticos e culturais para sua escala, durabilidade e efetividade; (g) os movimentos sociais, quando estabelecidos num cenário político, têm sua modelagem, a comunicação e a colaboração facilitadas em outros cenários conexos; (h) as formas, o pessoal e as demandas dos movimentos sociais mudam e evoluem com o tempo.

Tomando essas explicações históricas de Tilly (2010)Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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, Alonso (2012) explica que, o autor construiu a sua Teoria da Mobilização Política (TMP), afastando explicações economicistas, deterministas e psicossociais da ação coletiva. Com isso, surgiu a noção de repertórios de ações coletivas. Ainda segundo a autora, “Tilly partiu, em 1976, de uma noção de repertório como formas de ação reiteradas em diferentes tipos de conflito; abordagem estruturalista e racionalista, concentrada na ligação entre interesse e ação e privilegiando atores singulares” (p. 32).

Os repertórios, como as associações com finalidades específicas, as reuniões públicas, as marchas e outras diversas formas de ação política já existiam antes de sua combinação no interior dos movimentos sociais. Essa combinação dos repertórios com as demonstrações no interior das campanhas criou os aspectos distintivos do movimento social ( Tilly, 2010Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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). Lüchmann (2016)Lüchmann, L. H. H. (2016). Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis, SC: Editora da UFSC. observou a importância do associativismo para gerar consciência coletiva e mobilizar para a ação. Segundo McAdam, Tarrow e Tilly (2009), as ações desenvolvidas pelos movimentos sociais se tornam formas de repertórios que ligam reivindicadores aos objetos de suas reivindicações. Essas ações variam desde a criação de associações ou partidos de interesses, reuniões públicas, demonstrações, passeatas, campanhas eleitorais, comprometimento para fazer petições, pressão, ocupação de terras e edificações, programas de publicações, formação de organizações de serviço público até construção de barricadas, entre outras ações pontuais.

Em seu desenvolvimento, as ações coletivas podem ser explicadas, segundo Tilly (2004)Tilly, C. (2004). Social Movements as Politics. In C. Tilly, Social Movements, 1978-2004 (pp. 1-15). London: Paradigm Publishers. , conforme abaixo:

Um esforço público sustentado de elaboração de reivindicações coletivas direcionadas a determinadas autoridades (esforço que pode ser chamado de campanha); O emprego de combinações dentre as seguintes formas de ação política: criação de associações e coalizões para finalidades específicas, reuniões públicas, desfiles solenes, vigílias, comícios, demonstrações, iniciativas reivindicatórias, declarações para e nos meios de comunicação de massa, e panfletagem (esse conjunto variável de atividades pode ser chamado de repertório dos movimentos sociais); e representações públicas. . .. (p. 3)

Os repertórios são expressões da interação histórica atual entre movimentos sociais e seus oponentes, surgindo quando existe uma situação propícia que norteará o repertório a ser construído. Numa visão estratégica, esses oponentes reagem à propagação de um novo repertório por meio da repressão, muitas vezes utilizando estratégias de controle social com objetivo de transformar um novo repertório num repertório convencional ( McAdam et al., 2009McAdam, D., Tarrow, S., Tilly, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, (76), 11-48. doi:10.1590/S0102-64452009000100002 ).

Diante das críticas dirigidas às formas de ação coletivas, o próprio Tilly revisou essa abordagem concluindo que essas formas de ações coletivas não eram excludentes umas às outras (Bringel, 2012). Com isso, a noção de repertórios de ações coletivas se consolidou nas teorias das ações coletivas, servindo assim para:

. . . observar a evidência de que a produção de demandas se concentra em uma quantidade limitada de formas, que se repetem com variações mínimas e constituem a coleção (ou repertório) dentro das quais os potenciais atores selecionam de maneira mais ou menos deliberada. (p. 46)

Mesmo com o entendimento de que esses repertórios são limitados, Tilly salienta que também são contingentes, tendo em vista que a ocorrência de variações depende da flexibilidade ou rigidez do repertório, bem como da inovação dos grupos sociais envolvidos, lugar e momento histórico em que são utilizados (Bringel, 2012). No conjunto desses repertórios de ações coletivas, podem se destacar também os protestos, passeatas públicas, panfletagem, as marchas, boicotes, greves, abaixo-assinados, cartas de manifesto, ofícios enviados às autoridades, audiências públicas, ações judiciais, comícios, ocupações, entres outros.

Em seu livro, o clássico From Mobilization to Revolution , de 1978, dedicado a construir sua teoria da mobilização política TMP, surge, de forma generalizada, o primeiro conceito de repertórios de ações coletivas de Tilly:

Num dado ponto do tempo, o repertório de ações coletivas disponível para uma população é surpreendentemente limitado. Surpreendente, dadas as inúmeras maneiras pelas quais as pessoas podem, em princípio, empregar seus recursos ao perseguir fins comuns. Surpreendente, dadas as muitas maneiras pelas quais os grupos existentes perseguiram seus próprios fins comuns num tempo ou noutro. (1978, pp. 151-152, citado por Alonso, 2012, p. 23)

Segundo Alonso (2012), embora esse conceito tivesse recebido notoriedade nessa obra de Tilly, a noção de repertório já vinha sendo difundida, desde 1976, como uma forma de ação reiterada em diversos tipos de conflitos na abordagem estruturalista e racionalista, concentrada na ligação entre interesse e ação e privilegiando atores singulares. Contudo, ao longo de trinta anos, esse conceito foi sofrendo diversas modificações, apresentando uma abordagem mais relacional e interacionista, privilegiando as experiências que as pessoas têm com situações conflituosas e o uso/interpretação dos planos ou roteiros em performances. Tilly manteve essa nova abordagem até seus últimos trabalhos em 2008, quando veio a falecer.

Essas modificações podem ser vistas nos estudos de Tilly a partir da década de 1990, principalmente com a revisão do conceito de repertório em que segundo Alonso (2012), trouxe uma nova definição:

A palavra repertório identifica um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas, compartilhadas postas em ação por meio de um processo relativamente deliberado de escolha. Repertórios são criações culturais aprendidas, mas eles não descendem de filosofia abstrata ou tomam forma como resultado da propaganda política; eles emergem da luta. . .. Em qualquer ponto particular da história, contudo, elas [as pessoas] aprendem apenas um pequeno número de maneiras alternativas de agir coletivamente. (Tilly, 1995, citado por Alonso, 2012 p. 26)

De acordo com McAdam et al. (2009)McAdam, D., Tarrow, S., Tilly, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, (76), 11-48. doi:10.1590/S0102-64452009000100002 , os repertórios materializam a articulação entre a inovação e persistência, refletindo suas diferentes ideias. A eficácia de um repertório resulta de sua novidade, de sua habilidade, da sua temporalidade e da capacidade de pegar desprevenidos os seus oponentes ou autoridades. Nesse sentido, os repertórios têm a função de encorajar a persistência e manter a resistência.

Numa abordagem mais recente, Tatagiba, Paterniani e Trindade (2012) mostram que o conceito de repertório de ação coletiva tem sido utilizado para explicar como os movimentos sociais buscam responder aos desafios da ação coletiva em diversos contextos. Complementando essa abordagem, Lüchmann, Schaefer e Nicoletti (2017) salientam que um repertório possibilita identificar várias formas de ação, ou “diversidade da atuação associativa”, e que está relacionada não apenas aos diferentes perfis, objetivos e recursos das associações, como também aos contextos, regras e espaços institucionais disponíveis.

A maioria das pessoas que participa de uma ação coletiva está inserida em comunidades das quais derivam os significados e identidades importantes para suas vidas. Mesmo sem avaliar os custos e benefícios, as pessoas agem para confirmar as ideias centrais dos seus significados e identidades em suas vidas, principalmente quando existem modelos disponíveis de repertórios e reivindicações inseridos na história dos grupos ( McAdam et al., 2009McAdam, D., Tarrow, S., Tilly, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, (76), 11-48. doi:10.1590/S0102-64452009000100002 ).

Se levarmos em conta que os movimentos sociais estão representados simplesmente pelas suas identidades e interesses, ficaríamos limitados a estudá-los apenas através de seus respectivos documentos, suas declarações públicas e negociações de suas identidades coletivas. Contudo, os movimentos sociais conectam as suas reivindicações coletivas às autoridades mostrando que a população é merecedora, unificada, numerosa e comprometida. Isso leva os movimentos em direção às ações públicas – performances – que os próprios movimentos sociais apresentam, tanto para sinalizar suas demandas às autoridades como para criar e manter adeptos ( McAdam et al., 2009McAdam, D., Tarrow, S., Tilly, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, (76), 11-48. doi:10.1590/S0102-64452009000100002 ). Os movimentos sociais não são qualquer ação popular empreendida por qualquer causa a todas as pessoas e organizações, eles estão voltados para a combinação dos aspectos de campanha, repertório e demonstrações de ações coletivas ( Tilly, 2010Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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).

O processo de organizar na construção dos repertórios dos atingidos por barragens

Na área da administração, uma organização pode ser definida por meio de suas formas burocráticas de organizar que atenda aos interesses e espaços dominados pelo mercado. Esse tipo de organização é chamado de hegemônico pelo fato de ser caracterizado como um modelo que predomina no mercado através da competitividade, do consumo e de todos os processos que são fundamentais para as tomadas de decisões, que se configuram na reprodução de um processo individualizado e dominante (Misoczky, Flores & Böhm, 2008).

Nessa direção, Misoczky (2010)Misoczky, M. C. (2010). Das práticas não-gerenciais de organizar à organização para a práxis da libertação. In M. C. Misoczky, R. K. Flores, & J. Moraes (Orgs.), Organização e Práxis Libertadora. (pp. 13-56). Porto Alegre, RS: Dacasa. explica: “Organizar não é sinônimo de organizar de modo burocrático – para nós esse modo de organizar é tomado como sinônimo de prática gerencial. Organizar é produzir socialmente modos de cooperação, sempre instáveis e em movimento” (p. 27). Assim, é preciso que tenhamos fontes de inspiração de organização alternativa para a desconstrução do discurso da organização hegemônica. Pautados nesse conceito, é possível apresentar a argumentação de que algumas dessas fontes de inspiração vêm dos Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da Via Campesina, do Movimento Latino-Americano dos Atingidos por Barragens (MAR), dos movimentos indígenas e povos originários, entre outros, que são exemplos de organizações alternativas que contribuem para a disseminação do discurso contra hegemônico.

Alinhados ao sentido atribuído ao termo organização de Misoczky (2010)Misoczky, M. C. (2010). Das práticas não-gerenciais de organizar à organização para a práxis da libertação. In M. C. Misoczky, R. K. Flores, & J. Moraes (Orgs.), Organização e Práxis Libertadora. (pp. 13-56). Porto Alegre, RS: Dacasa. , resgata-se aqui a noção de organização que se imprime nesse trabalho, conforme definido na introdução e que diz respeito não somente às entidades que formam o movimento dos atingidos que vão se constituir os sujeitos da pesquisa, mas também no sentido de organizing , ou seja, o processo organizativo, que é o conjunto das práticas que vão caracterizar o processo de organizar (Czarniawska, 2008). Dessa forma, a organização ocorre por meio das ações realizadas pelos agentes heterogêneos, das estruturas que governam a ação e dos arranjos materiais que amparam a prática organizativa ( Schatzki, 2006Schatzki, T. R. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863-1873. doi:10.1177/0170840606071942 ). Pode-se entender, portanto, que, no presente estudo, o processo organizativo se conecta fortemente ao conjunto dos repertórios de ações coletivas movidas pelos sujeitos locais e, mais amplamente, no âmbito do movimento local dos atingidos pelo empreendimento em questão.

No final da década de 1970, teve início a primeira organização dos atingidos por barragens. Enquanto a ditadura civil-militar retirava os direitos civis e políticos, começaram a surgir diversas organizações contrárias ao regime ditatorial. Nessa época, houve a crise mundial energética e muitos países centrais foram em busca de novas formas de geração de energia para substituir a ausência de petróleo. Com isso, os países que apresentavam grande potencial energético foram alvo de estudos para a exploração de fontes de energia. Grandes empresas internacionais que demandavam muita energia elétrica estavam chegando ao Brasil, assim, o governo deu início à construção de grandes empreendimentos hidrelétricos em diversas regiões do país ( Movimento dos Atingidos por Barragens, 2011Movimento dos Atingidos por Barragens. (2011). História do MAB: 20 anos de organização, lutas e conquistas. Retrieved from https://bit.ly/3usXoxJ
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).

Entre os inúmeros problemas trazidos por esses empreendimentos, ressaltam-se as políticas compensatórias ou indenizatórias do setor elétrico, que se caracterizaram por ser excludentes, seguindo sua lógica própria, visto que obras ou inundações previstas nos projetos resultaram na expulsão de grande número de pessoas de seus locais de moradia e de trabalho. Essa situação se repetiu nas construções das hidrelétricas, que, por décadas, provocou enorme insatisfação das famílias e demais atingidos. Tal situação motivou o surgimento de diversos grupos de resistência nos locais onde as obras estavam sendo instaladas. Como exemplos, temos os casos das seguintes usinas hidrelétricas (UHE): Tucuruí, na região Norte, Itaipu, na divisa do Brasil com o Paraguai, Sobradinho e Itaparica, na região Nordeste, Itá e Machadinho, na região Sul. Os atingidos dessas regiões criaram diversas organizações locais e regionais ( Movimento dos Atingidos por Barragens, 2011Movimento dos Atingidos por Barragens. (2011). História do MAB: 20 anos de organização, lutas e conquistas. Retrieved from https://bit.ly/3usXoxJ
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).

Essas, portanto, são as primeiras motivações que levaram ao surgimento dos repertórios iniciais de ações coletivas, entre eles, as distintas formas de organizações locais, se estendendo para organizações regionais, nacionais e, por último, para fóruns internacionais. Entre as fortes motivações, encontra-se a noção de “atingido” que os grupos sociais envolvidos defendem, a qual diz respeito ao reconhecimento, leia-se legitimação, de direitos e de seus detentores. Em outras palavras, “estabelecer que determinado grupo social, família ou indivíduo é, ou foi atingido por determinado empreendimento significa reconhecer como legítimo – e, em alguns casos, como legal – seu direito a algum tipo de ressarcimento ou indenização, reabilitação ou reparação não pecuniária” ( Vainer, 2008Vainer, C. B. (2008). Conceito de “atingido”: uma revisão do debate. In F. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 39-63). Viçosa, MG: Editora UFV. , p. 40).

Nesse contexto, é importante resgatar o entendimento de que organizing enquanto processo organizativo é desencadeado por uma transformação do ambiente seguida de uma representação: os atores organizacionais agrupam um determinado segmento no seu próprio ambiente, utilizando os recursos que forem acessíveis. Com isso, conseguem obter resultados bem-sucedidos, ampliando e renovando os seus repertórios, assim, a percepção de “atingido” que foi sendo vivenciada pelos grupos sociais locais e incorporada aos repertórios. Organizing é, portanto, um encontro contínuo com ambiguidade, ambivalência e equivocalidade, partindo de uma tentativa maior de entender a vida e o mundo (Czarniawska, 2013).

As experiências pioneiras dos atingidos por barragens e que deram origem ao MAB como fórum máximo nacional, que congrega as mais diversas formas de ações coletivas, são originadas do movimento dos expropriados de Itaipu, seguido da organização dos atingidos pelo “Projeto Uruguai”, no Sul do Brasil, e da organização dos atingidos pela hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia ( Sigaud, 1986Sigaud, L. (1986). Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos: as barragens de Sobradinho e Machadinho. Rio de Janeiro, RJ: Museu Nacional-UFRJ. ). Entre essas experiências precursoras, ressalta-se o “Projeto Uruguai”, que previa a construção de 25 hidrelétricas ( Scherer-Warren & Reis, 2008Scherer-Warren, I., Reis, M. J. (2008). Do local ao global: a trajetória do movimento dos atingidos por barragens (MAB) e sua articulação em redes. (2008). In F. D. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 64-82). Viçosa, MG: Editora UFV. ). Os referidos autores expõem repertórios manifestos quanto a esse projeto, como um abaixo-assinado envolvendo mais de um milhão de assinaturas, grandes romarias, a criação de um jornal e programas de rádio, assim como ocupações, pelos atingidos, de acampamentos da empresa ELETROSUL, construídos para abrigar engenheiros e técnicos das obras.

A Igreja Católica da Teologia da Libertação, por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e de seus agentes pastorais, marcaram forte presença no processo organizativo dos atingidos pelas barragens, colocando à disposição dos grupos sociais sua estrutura física para realização de eventos, reuniões e outras ações coletivas, também oferecendo capacitação para a formação de lideranças ( Scherer-Warren & Reis, 2008Scherer-Warren, I., Reis, M. J. (2008). Do local ao global: a trajetória do movimento dos atingidos por barragens (MAB) e sua articulação em redes. (2008). In F. D. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 64-82). Viçosa, MG: Editora UFV. ). A politização das barragens estimulada pela Igreja Católica também se manifestou por ações pontuais locais através de cruzes que foram fincadas nas delimitações territoriais dos empreendimentos (Foschiera, 2010; Scherer-Warren & Reis).

Em 1989, a ação nacional de grande repercussão foi a inciativa da Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB) em organizar o I Encontro dos Atingidos por Barragens, na cidade de Goiânia, com o objetivo de estabelecer trocas de experiências e de constituir redes de contato entre organizações de atingidos de diversas regiões do país que estavam enfrentando as questões das hidrelétricas ( Scherer-Warren & Reis, 2008Scherer-Warren, I., Reis, M. J. (2008). Do local ao global: a trajetória do movimento dos atingidos por barragens (MAB) e sua articulação em redes. (2008). In F. D. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 64-82). Viçosa, MG: Editora UFV. ).

Nesse encontro, foi criada a Coordenação Nacional Provisória de Trabalhadores Atingidos por Barragens (CNPTAB), que serviu como motivação política para a criação de novas comissões de atingidos e gerar desdobramentos em diversas regiões do país, como: a Comissão Regional dos Atingidos pelo Complexo do Xingu (CRACOHX), em Altamira (PA); a Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí (CATHU), em Tucuruí (PA); a Comissão de Atingidos por Barragens do Iguaçu (CRABI) , no Paraná; o Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (MOAB), em São Paulo; o Movimento dos Atingidos por Barragens no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, entre outros. Além disso, a CNPTAB foi responsável por disseminar o debate sobre as usinas hidrelétricas nas universidades e sindicatos, elaborar o primeiro informativo nacional dos atingidos por barragens e organizar, em março de 1991, na cidade de Brasília, o I Congresso Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens (Foschiera, 2010).

Segundo Scherer-Warren e Reis (2008)Scherer-Warren, I., Reis, M. J. (2008). Do local ao global: a trajetória do movimento dos atingidos por barragens (MAB) e sua articulação em redes. (2008). In F. D. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 64-82). Viçosa, MG: Editora UFV. , a partir do Congresso Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, o MAB institucionalizou-se como movimento nacional, ampliando suas articulações políticas, o que se alinha à ideia de Tilly (2010)Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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de considerar que um movimento social não se constitui apenas pelas formas de ação de seus demandantes, mas também pela articulação dessas ações com os objetos demandados e com o seu público-alvo.

Os fóruns internacionais de debate são espaços de interação dos repertórios de ações coletivas do MAB. O IV Encontro de Ciências Sociais e Barragens, que ocorreu na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS), município de Chapecó (SC), foi marcado pela articulação de diversas organizações latino-americanas, que, conjuntamente, criaram o Movimiento dos Afectados por Represas Latino-Americano (MAR) (MAB, 2016).

Essa nova articulação, representada por dezoito organizações de doze países, surgiu para fortalecer a luta política de todos os atingidos por barragens na América Latina. Ademais, o MAR se torna uma ferramenta importante para a consolidação do paradigma latino-americano e dos repertórios de ações coletivas do MAB. A sociedade civil se organizou em diferentes níveis associativos que foram estruturados com base em interesses, valores, conquista da cidadania, em que as ações e protestos sociais se tornaram manifestações simbólicas e pressões políticas, cujo foco, desde o início, tem sido gerar mudanças em prol de políticas públicas e sociais que não são apresentadas pelo Estado com seus empreendimentos econômicos.

Procedimentos metodológicos da pesquisa

A presente pesquisa leva em conta, em relação à delimitação temporal, o período em que ocorreu a entrada da empresa no município de Salto da Divisa, em 1997, até a finalização da coleta dos dados empíricos, no final do ano de 2018. Com isso, foi possível resgatar as formas organizativas e os repertórios de ações dos atingidos pela barragem de Itapebi durante esse período, trazendo as experiências por eles vivenciadas ao longo desse tempo. Quanto à limitação espacial, o estudo foi realizado no município de Salto da Divisa, Minas Gerais, tendo em vista que, apesar de ser o município cuja área inundada foi menor em relação aos outros três munícipios baianos afetados ( Figura 1 ), foi o único em que os atingidos se organizaram em função das suas reivindicações.

Figura 1
Mapa da área inundada da UHE Itapebi nos estados da Bahia e Minas Gerais

O município de Salto da Divisa está localizado no Vale do Jequitinhonha, estado de Minas Gerais, divisa com o estado da Bahia, a 854 quilômetros de Belo Horizonte. De acordo com o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), sua população é de 6.859 habitantes. O município é banhado, pela margem direita, pelo rio Jequitinhonha, que corre por alguns municípios da Bahia, desembocando no oceano Atlântico na cidade de Belmonte (BA).

A literatura a que se lançou mão no estudo foi localizada em campos disciplinares distintos, o que permitiu a construção de um arcabouço teórico-conceitual multidisciplinar para compor a sua fundamentação teórica. A presente pesquisa se caracteriza por ser de natureza qualitativa, cujas fontes empíricas foram obtidas por meio de entrevistas realizadas com os sujeitos selecionados ( Tabela 1 ), os quais foram mapeados durante a pesquisa de campo ocorrida no município de Salto da Divisa (MG).

Tabela 1
Configuração dos sujeitos da pesquisa

Os critérios para a escolha desses sujeitos foram os seguintes: tempo de atuação no município pesquisado; organizações que representam grupos sociais que se consideram diretamente atingidas pela barragem de Itapebi; organizações que apoiam os atingidos pela barragem de Itapebi; organizações e indivíduos que possuem conhecimento das demandas dos atingidos e têm envolvimento direito com suas reivindicações. Interessa a esta pesquisa o olhar dos atingidos e das entidades que interagem diretamente com eles, lutando por suas reivindicações. Esse critério de escolha está alinhado à ideia de “repertório”, que, segundo Tilly (2006)Tilly, C. (2006). Regimes and repertoires. Chicago: University of Chicago Press. , são interações, relações entre grupos de atores, e não ações isoladas. Reitera o autor que o conceito é relacional, pressupondo uma interação entre várias partes.

A análise dos dados empíricos da pesquisa ocorreu por meio da abordagem interpretativa nos moldes de Gil (2008), em que foram definidas duas categorias de análise conforme a Figura 3 . O referido autor decompõe o processo de análise dos dados em três fases: (a) redução dos dados; (b) categorização dos dados e (c) interpretação dos dados.

Figura 3
Conjunto Paisagístico das Cachoeiras do Tombo da Fumaça do Munícipio de Salto da Divisa (MG) antes e depois do lago da UHE Itapebi

Legenda: 1. Cachoeiras do Tombo da Fumaça (atualmente área inundada); 2. Reservatório da UHE Itapebi (antigas cachoeiras do Tombo da Fumaça).


Em alinhamento à abordagem interpretativa proposta, as definições teóricas das categorias norteiam a interpretação do conteúdo dos dados recolhidos a partir das entrevistas com os sujeitos de pesquisa. Entre as duas categorias definidas a priori, com base na literatura, destacam-se subcategorias que emergiram no decorrer das entrevistas, como demonstrado na Tabela 2 .

Tabela 2
Categorias e subcategorias analíticas

Articulando os repertórios de ações coletivas no processo de organizar dos atingidos pela barragem de Itapebi

Nesta seção, serão apresentados os resultados da pesquisa, principalmente com base em consultas nas fontes documentais e entrevistas realizadas no município de Salto da Divisa (MG), com os sujeitos mapeados conforme a Tabela 1 . Os resultados são apresentados com as subcategorias analíticas definidas a priori, de modo a facilitar a compreensão e articulação dos achados em campo com os pilares teóricos da pesquisa.

A construção da Usina Hidrelétrica de Itapebi e a sua relação com a população e localidade

O aproveitamento Hidrelétrico de Itapebi está localizado no rio Jequitinhonha, extremo sul da Bahia, a 8 km da cidade de Itapebi (BA) e a 118 km da cidade de Belmonte (BA). O local onde foi instalada a usina hidrelétrica fica a 619 km de Salvador e 902 km de Belo Horizonte. O principal acesso ao empreendimento se dá através da BR-101, que faz ligações com cidades que possuem aeroportos na região, como Ilhéus e Porto Seguro, distantes 200 e 110 km, respectivamente da usina, conforme consta do Estudo de Impacto Ambiental da UHE Itapebi, elaborado pela Engevix (1995).

Na década de 1960, começaram os primeiros estudos no Baixo Jequitinhonha com fins de viabilizar a construção desse empreendimento hidrelétrico. Durante muito tempo, Furnas estudou essa região e interrompeu suas atividades, transferindo-as para a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que aproveitou todo o material herdado de Furnas e, em 1989, atualizou e reelaborou o material, dando origem à revisão dos estudos de inventário, que foi concluída pela então empresa de consultoria Engevix no ano de 1991, conforme o Estudo de Impacto Ambiental da UHE Itapebi (Engevix, 1995).

Em 1998, quando o consórcio formado pela Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA) e a empresa Neoenergia ganhou a licitação para explorar o aproveitamento hidrelétrico de Itapebi, foi criada a empresa Itapebi Geração de Energia S.A. para operacionalizar a UHE Itapebi. Em abril de 1999, a empresa obteve a concessão de uso de bem público para a UHE Itapebi, além da autorização para implantar o sistema de transmissão de interesse restrito da central geradora. A construção começou em 1999 e foi concluída em 2003, quando a usina entrou em operação ( Itapebi Geração de Energia S.A., 2018Itapebi Geração de Energia S.A. (2018). Nossa história. Retrieved from https://bit.ly/3exeYv7
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).

A Igreja Católica, principal protagonista na organização inicial dos atingidos, relatou que não houve iniciativa da empresa para abordar diretamente a população sobre o empreendimento, tendo procurado a prefeitura para falar sobre a construção da hidrelétrica. Nesse sentido, explicou que a Igreja, juntamente ao Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos (GADDH) atuante na localidade, “impuseram” essa aproximação com o intuito de mostrar para a empresa que na localidade havia uma organização que defendia os direitos humanos.

A Associação Comunitária das Lavadeiras de Salto da Divisa reforça essa ação do GADDH: “ . . . tudo foi conseguido com o Grupo de Defesa de Direitos Humanos. . .. Não sabia o que era isso, então, quando o grupo sabia e reconhecia, sabia que eles só vinha pra destruir ” (Representante da Associação Comunitária das Lavadeiras de Salto da Divisa, 2018). A empresa tentou aproximação com a Rádio Comunitária com a ideia de realizar anúncios sobre a construção da UHE para a população, contudo, a companhia recuou ao perceber que esse veículo de comunicação estava ligado à Igreja Católica (Irmãs Dominicanas) e ao GADDH.

. . . ela tentou aproximar, mas quando percebeu que as irmãs dominicanas e o GADDH, que é o Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos que estava à frente, eles deram uma recuada, porque eles acharam que aquele veículo lá como diz o dito popular, era “a casa da mãe Joana” e eles pegaram um grupo organizado, então eles deram uma recuada. (Representante da Associação Comunitária de Comunicação, 2018)

Segundo relatos da Associação Comunitária dos Extratores de Salto da Divisa, a aproximação com os extratores ocorreu quando a Engevix, empresa responsável pelos Estudos de Impacto Ambiental, foi realizar o cadastramento de algumas pessoas para serem indenizadas monetariamente em decorrência da perda da atividade desse segmento. Todavia, foi relatado que, nesse cadastramento, nem todos foram incluídos e que a indenização havia sido irrisória.

A Associação das Comunidades Rurais de Salto da Divisa relatou que os fazendeiros, donos das terras próximas às comunidades rurais, estavam a favor do empreendimento por perceberem que beneficiaria suas terras e não deram nenhum apoio aos agricultores familiares.

Com base em Vainer e Araújo (1990)Vainer, C. B., Araújo, F. G. B. (1990). Implantação de grandes hidrelétricas: estratégias do setor elétrico, estratégias das populações atingidas. Revista Travessia, 2(6), 18-24. Retrieved from https://bit.ly/33AcQMs
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, é possível argumentar que a empresa se aproximou das comunidades rurais por meio da “estratégia territorial patrimonialista” (pp. 20-21), em que reconhecia somente aqueles que detinham legalmente o direito de propriedade, não reconhecendo todos os agricultores familiares e trabalhadores das áreas que seriam inundadas. A empresa utilizou também a negociação individual para comprar as terras num preço bem abaixo do valor de mercado. Com isso, alguns agricultores familiares receberam uma indenização equivalente ao valor de trinta mil reais como compensação da área que seria inundada.

Caracterização e protagonismo das instituições que apoiam os atingidos na sua organização

Essa subcategoria de análise tem como objetivo identificar as características e o protagonismo das instituições que apoiam os atingidos em sua organização, bem como apresentar como ocorreu o processo organizativo local dos atingidos.

Igreja Católica (Irmãs Dominicanas)

Chegando ao município Salto da Divisa em 1993, as Irmãs Dominicanas foram acolhidas na casa paroquial até que pudessem se familiarizar com as pessoas e com o local. Quando adquiriram residência própria, passaram a organizar o trabalho pastoral que desejavam implantar em Salto da Divisa através das Comunidades Eclesiais de Base (CEB).

Os relatos apontam que a chegada das Irmãs Dominicanas em Salto da Divisa, desde o início, foi recebida com resistência dos coronéis e dos latifundiários, contrastando com o acolhimento dos segmentos mais desfavorecidos, que foram, aos poucos, acatando e confiando no trabalho das Irmãs Dominicanas. Com o intuito de se aproximar e entender a realidade local, as irmãs ficaram por um longo tempo ouvindo as pessoas e observando o lugar. Com isso, tomaram conhecimento dos problemas sociais e econômicos existentes na localidade e região, assim como da questão da religiosidade em Salto da Divisa, e, tomando ciência dos grandes desafios que teriam pela frente, iniciaram suas atividades pastorais. O ponto de partida foi com reuniões de pequenos grupos sociais nos bairros – realizavam reflexões bíblicas nas casas e animação litúrgica na igreja paroquial. Formaram pequenas comunidades de base e, em seguida, apoiaram a formação das associações de moradores, tudo para favorecer a formação de lideranças, em nível local, diocesano e regional. Nesse trabalho, propuseram a luta pela justiça e pela paz na cidade, proclamando a liberdade do povo em todas as dimensões humanas.

Com base nos dados coletados nas entrevistas, a Igreja Católica estimulou a criação de duas entidades de suma importância que serviram de suporte aos atingidos: o Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos (GADDH) e a Associação Comunitária de Comunicação, popularmente conhecida como “Rádio Comunitária A Voz do Povo”. Essas entidades desempenharam o papel de organizações alternativas, conforme conceitua Misoczky (2010)Misoczky, M. C. (2010). Das práticas não-gerenciais de organizar à organização para a práxis da libertação. In M. C. Misoczky, R. K. Flores, & J. Moraes (Orgs.), Organização e Práxis Libertadora. (pp. 13-56). Porto Alegre, RS: Dacasa. . Em 1997, quando houve a audiência pública para anunciar as áreas que seriam inundadas com a construção da barragem de Itapebi, e que, embora localizada nesse município baiano, o empreendimento iria também atingir o município mineiro de Salto da Divisa, num primeiro momento, as mencionadas organizações foram responsáveis por alertar os atingidos da localidade a respeito dos possíveis impactos sociais e ambientais que essa construção poderia causar. O relato a seguir mostra como se deu o apoio da Igreja nesse início:

O papel da Igreja foi com a irmã (dominicana) que tomou assim a iniciativa de proteger os atingidos, né. Então ela trabalhou muito, ela viajou muito, ela foi a lugares onde tinha barragem, aonde tinha construção de barragem, ela foi pra ver qual foi o resultado aos atingidos. Então, lá onde ela foi, como. . . também foi. É, elas viram assim uma situação muito dramática porque os atingidos não foram atendidos como os empresários, os construtores da barragem prometeram. Então, elas foram se organizando e entraram em contato com a Odebrecht, que é a empresa que construiu a barragem, e foi trabalhando com eles, foi muito penoso pra elas, viu. A igreja deu apoio aqui nessa situação porque elas viram a situação de lugares onde tinha barragem que não foi como eles prometeram. (Representante da Igreja Católica, 2018)

Essa situação se assemelha ao papel da Igreja Católica na experiência pioneira de organização dos atingidos do “Projeto Uruguai”, conforme relatado por Scherer-Warren e Reis (2008)Scherer-Warren, I., Reis, M. J. (2008). Do local ao global: a trajetória do movimento dos atingidos por barragens (MAB) e sua articulação em redes. (2008). In F. D. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 64-82). Viçosa, MG: Editora UFV. , que, em seu estudo, mostram que a Igreja Católica ao longo dos anos tem se colocado ao lado dos atingidos na reivindicação de seus direitos.

Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos (GADDH)

Conforme mencionado anteriormente, a Igreja Católica esteve à frente da criação do GADDH por intermédio das irmãs dominicanas com o objetivo principal de ajudar a conter o alto índice de violência sofrida pelas mulheres e pelos inúmeros casos de abusos sexuais de crianças, adolescentes, que chegou a culminar na morte e estupros de locais. O GADDH aponta que essa situação, na maioria das vezes, era negligenciada pelas autoridades, que não tomavam as providências cabíveis também em casos de abusos advindos do próprio poder público e pessoas de má fé. O objetivo da Igreja foi levar as pessoas a acreditarem que tinham condições de lutar pelos seus direitos e que existia um grupo disposto a apoiá-las. Segundo o Artigo 1 de seu estatuto, o GADDH foi fundado aos 7 de dezembro de 1997, na cidade de Salto da Divisa, como pessoa jurídica de direito privado, filantrópico, de caráter educacional, cultural, promocional, de denúncia, de assessoria, de estudo, de pesquisa, sem fins lucrativos e com duração indeterminada (GADDH, 1997).

O GADDH passou a ser uma organização respeitada dentro do município de Salto da Divisa não somente pela sociedade civil, mas também pelos órgãos públicos do poder executivo, legislativo e judiciário. Em reconhecimento ao seu trabalho em defesa e apoio aos direitos humanos, o GADDH foi escolhido como mediador dos conflitos que surgiram entre as demandas dos atingidos e da empresa que se apresentava como responsável pelo empreendimento, desde que foi anunciado que a construção da hidrelétrica iria atingir localidades de ambos os estados, Minas Gerais e Bahia. Posteriormente, o GADDH foi uma das organizações responsáveis e que motivaram o processo de organização dos atingidos pela UHE Itapebi no município.

Associação Comunitário de Comunicação (Asccom)

Em 15 de novembro de 1998, foi criada a Associação Comunitária de Comunicação (ASCCOM), por iniciativa da Igreja Católica. Popularmente conhecida como “Rádio Comunitária A Voz do Povo”, este veículo de comunicação passou a ter uma importância muito grande no município de Salto da Divisa, pois atingiu e uniu as populações da zona urbana e rural.

A rádio surge legalmente para poder exercer a função de comunicação entre os saltenses e vizinhança, formando-os e informando-os, bem como oferecendo um serviço de utilidade pública aos moradores de área urbana e a zona rural. Além disso, a criação da rádio foi importante para a conscientização da população por meio dos programas que interagiam com toda a comunidade, conforme relato a seguir:

Então, uma das razões da criação da rádio comunitária foi pra que o povo tenha voz e vez. Porque nós vivíamos uns anos atrás, umas décadas atrás, numa cidade onde imperava o coronelismo, onde as pessoas não poderiam ter voz nem vez, né? Uma certa ditadura . . . Quando surgiu a rádio, então o povo começou a participar, o povo começou a ligar, o povo vinha na rádio, vem na rádio e fala, pergunta, esclarece. Então, a rádio comunitária é esse instrumento que está aí até hoje de informar e esclarecer, para que o povo tenha voz e vez de cobrar, de reivindicar seus direitos, seus deveres. . .. (Representante da Associação Comunitária de Comunicação, 2018)

A rádio surgiu também como um elemento diferenciador e qualitativo no trabalho pastoral da Igreja Católica, pois favoreceu a união e a organização dos grupos, tais como as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as associações de bairros e outras associações que se preocupavam com questões específicas da população, assim, cumprindo sua missão como um instrumento a serviço da população. Nesse sentido, a rádio comunitária exerceu importante papel na organização dos atingidos pela barragem, oferecendo espaço às suas reivindicações, divulgando informações de seu interesse e estreitando os canais entre os atingidos e a população como um todo. Scherer-Warren e Reis (2008)Scherer-Warren, I., Reis, M. J. (2008). Do local ao global: a trajetória do movimento dos atingidos por barragens (MAB) e sua articulação em redes. (2008). In F. D. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 64-82). Viçosa, MG: Editora UFV. mencionam que a criação de programas de rádio são repertórios importantes que contribuem para a organização dos atingidos.

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Salto da Divisa

Segundo os relatos das entrevistas realizadas com os atingidos pela UHE Itapebi em Salto da Divisa, o MAB nacional não esteve diretamente envolvido na problemática desses atingidos desde o anúncio da construção da usina hidrelétrica. Foram as irmãs dominicanas, juntamente aos grupos locais que visitaram outras regiões em que foram construídas usinas hidrelétricas para que tomassem conhecimento e posteriormente alertassem a população local sobre os impactos que as hidrelétricas eram capazes de provocar nas regiões. Essas visitas possibilitaram o primeiro contato com o MAB nacional, que já estava atuando em outras regiões do país. Contudo, somente a partir de 2015, por ocasião de um evento cultural no Vale do Jequitinhonha, construiu-se um braço do MAB em Salto da Divisa, a partir do qual as lutas locais passaram a ser inseridas no MAB nacional. Explica o depoente:

. . . já tinha em Salto da Divisa um movimento dos atingidos; o que acontece é que não tinha essa identificação do nome MAB. O que era apenas um movimento dos atingidos por barragem, que na época era coordenado pelas irmãs. . .. Sentiu-se a necessidade de organizar esses grupos através de associações. Foram criadas as associações de moradores, extratores de pedra, é, lavadeiras, pescadores. Enfim. . . foi criada toda uma estrutura pra que esses grupos tivesse condições, a ponto de judicialmente contestar a implantação do projeto da UHE de Itapebi. (Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens em Salto da Divisa, 2018)

Como mencionado acima, o estreitamento de laços, ocorrido a partir de 2015, entre as esferas local, regional e nacional foi um marco para a organização local quando, entre os dias 26 de julho a 1 de agosto aconteceu, em Salto da Divisa, o 32° Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha (Festivale). Nesse evento, além de organizações culturais de toda a região, também estiveram presentes representantes do MAB nacional. A partir dessa ocasião, com o MAB conhecedor dos problemas locais causados pela UHE Itapebi, iniciou-se um processo de articulação entre o MAB nacional e as organizações de atingidos locais no apoio às suas pautas. O MAB possui uma estrutura bem profissional, com uma visão bastante ampla sobre direitos dos atingidos, assim, toda a população do município os reconheceu, não apenas como pessoas que fazem parte das organizações de atingidos, o que pode ser visto na entrevista:

O MAB, hoje, ele é reconhecido em Salto, tanto pelas pessoas que estão vinculadas às associações quanto aquelas que não estão. Porque entendeu-se que os atingidos não foi apenas aqueles das associações, é no entorno da cidade toda (Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens em Salto da Divisa, 2018).

Com essa nova situação, o MAB criou quatro grupos de base na localidade, os quais aderiram à estrutura e atuação já existentes no movimento social local dos atingidos, vindo fortalecer as demandas locais e contribuir para a sua articulação com as outras esferas de atuação do MAB, regional e nacional. Devido à ampla visão do MAB em relação aos direitos dos atingidos, conforme acima mencionado, a nova percepção de atingidos foi incorporada localmente, consolidando as articulações nessas esferas mesmo o processo já estando judicializado. Explica o coordenador do MAB local:

As associações locais continuam funcionando normalmente. . .. Até porque as visões das associações e a visão do MAB agora andam juntas. (Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens em Salto da Divisa, 2018)

Processo organizativo local dos atingidos

Com a construção da hidrelétrica Itapebi, registrou-se o número de 1.123 pessoas que foram diretamente atingidas ( Tabela 1 ) entre os 6.859 habitantes de Salto da Divisa (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010). Esse número, apesar de ser expressivo, nos remete ao debate sobre a noção de atingidos conforme argumenta Vainer (2008)Vainer, C. B. (2008). Conceito de “atingido”: uma revisão do debate. In F. Rothman (Org.), Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens (pp. 39-63). Viçosa, MG: Editora UFV. , que não se restringe apenas a indenizações por perdas materiais, já que essa noção engloba aspectos mais amplos de justiça social relacionados a questões culturais e simbólicas, na percepção dos atingidos e que não são considerados nos EIA e RIMA.

Associação Comunitária das Lavadeiras de Salto da Divisa

As lavadeiras ( Figura 2 ) de Salto da Divisa exerciam suas atividades econômicas nas margens do rio Jequitinhonha, lavando roupas para as famílias do município. Costumavam trabalhar em grupos quando proseavam e cantavam durante a lavagem das roupas. Essa atividade era conhecida como uma tradição cultural em que as lavadeiras, por meio dos seus cantos, passaram a ser reconhecidas como as lavadeiras do Jequitinhonha.

Figura 2
Grupos Sociais Atingidos pela UHE Itapebi

Legenda: 1. Lavadeiras de roupas de Salto da Divisa no rio Jequitinhonha antes da UHE Itapebi (atualmente área inundada); 2. Pescadores de Salto da Divisa no rio Jequitinhonha antes da UHE Itapebi (atualmente área inundada).


Com a chegada da UHE Itapebi no município, como não constava no EIA/RIMA que o lago iria inundar, as margens do rio onde as lavadeiras lavavam roupas, essas profissionais não foram consideradas como atingidas pela hidrelétrica. Consequentemente, após o enchimento do lago, tanto as margens do rio Jequitinhonha quanto os lajedos que eram utilizados para secagem das roupas foram totalmente inundados em todo o perímetro urbano do município. Diante dessa situação, as lavadeiras foram se reunindo para formarem a Associação Comunitária das Lavadeiras de Salto da Divisa, apoiadas pela Igreja Católica e pelo GADDH, ampliando o conjunto de organizações que se formavam em torno das questões relativas aos prejuízos profissionais resultantes da chegada da hidrelétrica.

Aí foi Deus primeiramente que nos juntou com o Grupo de Defesa dos Direitos Humanos, as Irmãs Dominicanas que estavam junto. . .. Aí nós, a gente, sempre se reunia e falava com as irmãs: nós vamos ser atingidas uma por uma. Não, eles falam que não vamos ser atingidos, que vamos ser livres e que todo mundo vai lavar roupa e que água vem só até o mirante. Do mirante pra cima era onde todo mundo usava. . .. Eu só sei que o processo foi rolando e nós foi se sentindo prejudicado, entendeu? E a gente, junto com as irmãs, junto com a comunidade, chegar e perguntar pra gente vocês não participam de reunião, vocês têm que cadastrar uma associação e tal, participar de reunião, participar da comunidade tal, né. Para formar a associação, as irmãs ficaram cadastrando o povo, foi cadastrando o povo, arranjando camisa da marca de atingidos. (Presidente da Associação Comunitária das Lavadeiras de Salto da Divisa, 2018)

Embora a empresa tenha construído uma lavanderia comunitária como forma de compensar o fim da atividade de lavagem de roupa nas margens do rio, esta, na visão das lavadeiras, não atendeu às suas necessidades e suas reivindicações permanecem as mesmas. Para a empresa responsável, as negociações com essa categoria já foram dadas por encerradas, mesmo assim, as lavadeiras contestam esses resultados e continuam se reunindo e apresentando seus pleitos junto aos empreendedores em função dos prejuízos que elas justificam com o fim da atividade de lavagem de roupas no rio Jequitinhonha.

Associação dos Pescadores de Salto da Divisa (APSD)

Assim como as lavadeiras, os pescadores ( Figura 2 ) também exerciam suas atividades nas margens do rio Jequitinhonha como meio de sustento para suas famílias, fazendo parte da cultura e tradição da cidade a pesca artesanal. Com o anúncio da construção da UHE Itapebi, assim como surgiram dúvidas sobre a melhoria de vida profissional dos pescadores, surgiram também diversas preocupações em relação ao futuro da pesca artesanal no rio Jequitinhonha conforme relato a seguir:

Tudo isso que aconteceu foi em função dela. Até meio porque, eu só vou voltar um pouquinho atrás, até mesmo porque na época que não existia hidrelétrica, nosso trabalho era um trabalho artesanal, bem artesanal mesmo. É, e a gente não precisava de tudo isso pra poder sobreviver, só precisava de uma tarrafa, uma prancha de surf, uma capanga de borracha e um saco de farinha eram as nossas tralhas de pescaria. E hoje estamos nessa situação graças ao surgimento da hidrelétrica, que teve impactos ambientais e acabou com a nossa tradição, a nossa tradição profissional. Não que eu estou sendo contra o progresso, é, mas que o progresso existe, mas também respeitando as nossas tradições, os nossos direitos. (Presidente da Associação dos Pescadores de Salto da Divisa, 2018)

Visto as incertezas que rondavam essa atividade tradicional, os pescadores, com o apoio das outras entidades já atuantes na causa dos atingidos, passaram a se reunir, o que resultou na criação da Associação dos Pescadores de Salto da Divisa (APSD), cuja finalidade principal foi de se organizarem para apresentar suas demandas junto à UHE Itapebi, tendo em vista que, com o enchimento do lago, a atividade pesqueira sofreu grandes alterações, afetando a produção da pesca da região. A APSD foi uma das organizações pioneiras no município e, devido a sua experiência, outras organizações de atingidos foram surgindo ao longo dos anos.

A APSD continua com suas reivindicações frente a UHE Itapebi para que seus direitos sejam garantidos. Essa associação deu origem a outra organização de pescadores, o que será visto mais à frente nesse trabalho.

Associação de Pedreiros de Salto da Divisa

Essa categoria sofreu impactos com a vinda da UHE Itapebi devido ao fim das atividades de extração de pedra, areia e dos fazedores de bloco em decorrência da inundação do lago. Com isso, houve o encarecimento da matéria prima que era retirada pelos extratores e, por consequência, o aumento do desemprego para os pedreiros. Diante da nova situação que se apresentou aos pedreiros, esse grupo social encontrou apoio e orientação da Igreja Católica e do GADDH e se organizou para criar a Associação de Pedreiros de Salto da Divisa. Essa situação é relatada pela Associação de Pedreiros de Salto da Divisa conforme notas taquigráficas de Audiência Pública realizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em Belo Horizonte em 20 de dezembro de 2016:

Eu gostaria de explicar um pouco como surgiu a Associação dos Pedreiros. Foi uma das entidades criadas por último, porque, quando a Itapebi iniciou todos os procedimentos de informação sobre a construção da hidrelétrica, sempre deixou alguns pontos que não fechavam. Por isso, a Associação de Pedreiros só foi sentir o impacto após o enchimento do lago, que aconteceu, se não me falha a memória, em novembro de 2002, quando o lago começou a cobrir as Cachoeiras do Tombo e da Fumaça. . .. Quem viu não se conteve e se emocionou vendo aquilo. Cobriu toda a área de onde era extraída a pedra, a brita e a areia, automaticamente, nós, pedreiros, a construção civil, seríamos atingidos porque não pagávamos nada por aquela matéria prima. Simplesmente íamos lá, pegávamos e usávamos para construir. Naquela época também se encerrou uma atividade dos pedreiros artesanais que construíam as alvenarias feitas de pedras espelhadas. No Salto, ainda se encontra muita casa construída por alvenarias artesanais. Quando nos deparamos com essa situação, criamos nossa associação, em março de 2003, composta por 174 profissionais da construção civil e ajudantes de pedreiros. ( Minas Gerais, 2016Minas Gerais. (2016). Notas Taquigráficas da 27a Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 18a Legislatura. Belo Horizonte, MG: Assembleia Legislativa de Minas Gerais. , p. 22-23)

A Associação de Pedreiros de Salto da Divisa conta que a inundação do rio Jequitinhonha, decorrente da UHE Itapebi, levou à extinção da areia e das pedras que eram retiradas do local. Com isso, as obras diminuíram e a escassez de trabalho levou muita gente a mudar da cidade. Os pedreiros não receberam nenhuma indenização e, por isso, reivindicam seus direitos frente à UHE Itapebi.

Associação das Comunidades Rurais de Salto da Divisa (Acrusald)

Segundo o Artigo 1 do seu estatuto, a Associação das Comunidades Rurais de Salto da Divisa (Associação das Comunidades Rurais de Salto da Divisa, 2005) foi fundada em 1 de maio de 2005, com sede na Comunidade Rural da Ilha Paraíso e foro na Comarca de Jacinto (MG), como uma sociedade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, duração indeterminada, sem fins lucrativos ou econômicos e regida pelo próprio estatuto. Iniciativa de três agricultoras familiares que começaram a se reunir para discutir a situação da agricultura familiar no município, a Acrusald foi criada com o objetivo de agregar e defender os direitos de todos os pequenos produtores familiares rurais do município. Além da comunidade rural Ilha Paraíso, outras também passaram a fazer parte desta associação, a saber: a Ilha Maravilha, a Ilha Fantasia, a Ilha Brilho do Sol, a Ilha Monte Cristo, a Ilha Girassol, a Ilha Nova Gália, entre outras. Vale ressaltar que esse conjunto de ilhas fica localizado acima do reservatório da UHE Itapebi, entretanto, outras comunidades rurais também foram atingidas porque estavam na área que foi inundada pela UHE Itapebi, fazendo com que parte dos agricultores familiares que viviam nessas comunidades rurais fosse buscar refúgio nas que estavam acima do reservatório. O relato abaixo mostra como ocorreu a abordagem da empresa responsável pela construção da UHE Itapebi nas comunidades rurais que foram inundadas:

A empresa comprando terras baratas, com preço de banana. Se autofavorecendo, né? Faltando a justiça social. E eles (agricultores familiares) achando que aqueles trinta mil era muito dinheiro. . .. A primeira cartada dela (UHE Itapebi) é essa, se houvesse resistência, aí poderia ter havido um final diferente. . .. Para o fazendeiro, a construção da barragem foi maravilhosa, porque antes eles não tinha água pro gado beber e, com o enchimento do lago, veio favorecer. (Representante da Associação das Comunidades Rurais de Salto da Divisa, 2018)

Para a representante da Acrusald ouvida na pesquisa, os prejuízos sofridos pelos trabalhadores rurais com a UHE Itapebi ferem o direito constitucional dessa categoria de trabalhadores e comprometem o fomento do progresso e avanço da extensão rural em Salto da Divisa (MG). Nesse sentido, a Acrusald apresenta como proposta, junto aos produtores atingidos: identificar, analisar, mobilizar e concentrar esforços no sentido de que os produtores familiares rurais conquistem maior atenção dos órgãos públicos competentes, de forma a obterem mais apoio para a produção e comercialização de seus produtos através de intervenções políticas e sociais organizadas.

Associação Comunitária dos Extratores de Salto da Divisa (Acoes)

Associação Comunitária dos Extratores de Salto da Divisa (Acoes) é uma organização que engloba as categorias de extratores de pedra, areia e fazedores de bloco. Essa organização foi criada devido à impossibilidade da extração de pedra e areia em decorrência da inundação do rio Jequitinhonha, que gerou, como consequência, o desemprego generalizado desses trabalhadores. Os extratores de pedras reivindicavam que fosse disponibilizado pela empresa um novo local com toda a estrutura para a extração de pedras e areia nos arredores do município, como resposta, a empresa utilizou a estratégia de pressionar esses extratores para que a indenização fosse feita em dinheiro. Todavia, nem todas as suas demandas foram atendidas e a empresa não reconheceu todas as categorias que foram agregadas nessa associação. Conforme se observa no relato a seguir:

Eles chamaram os extratores e fizeram reuniões várias vezes, junto com a irmã. E aí o que aconteceu? Eles . . . teve dia que eles colocou eles na parede e falou “Ou tudo ou nada. Ou vocês recebem essa quantia que eu estou dando, ou nada” eles já estavam praticamente cansados daquela luta, receberam, mas não foi indenização, foi apenas uns trocados que deram pra eles. E aí ficaram . . . nove extratores sem receber nada, porque estavam acima do mirante e pensavam que o cabo não ia até lá. E essas pedras que eles tiravam era da beira do lago, a areia também era do lago do rio, Jequitinhonha. . .. E o que acontece? até hoje nós estamos com as associações formadas, tudo documentado, estamos na justiça, e já tá pra mais ou menos o que, uns dezesseis, dezessete anos que tá na justiça. Nós não temos resposta de nada. (Presidente da Associação Comunitária dos Extratores de Salto da Divisa, 2018)

Para esse segmento social, a empresa falhou ao não identificar que o grupo era maior, o que configurou, na visão dos atingidos, mais uma negligência da empresa diante de uma realidade não considerada. Também não foi previsto que o alagamento da área de extração de areia fosse mais abrangente, alcançando as proximidades do porto de Itapuã, onde os extratores também atuavam. Esse conjunto de problemas fez com que essa categoria se organizasse, com o apoio da Igreja Católica e do GADDH, para formar a Associação Comunitária dos Extratores de Salto da Divisa (Acoes), com intuito de dar continuidade às demandas relacionadas aos impactos não registrados no EIA/RIMA que atingiram o segmento.

Colônia dos Pescadores de Salto da Divisa

A Colônia dos Pescadores de Salto da Divisa, também conhecida pelo nome “Colônia dos Pescadores Artesanais e Aquicultores de Salto da Divisa-MG – Z 33”, originou-se da Associação de Pescadores de Salto da Divisa (APSD), com o objetivo de garantir os direitos trabalhistas de todos os pescadores da associação. Os pescadores artesanais e aquicultores se organizaram para a criação da colônia, mesmo que já houvesse uma associação de pescadores criada, visto que a colônia tem mais peso institucional para recorrer aos direitos trabalhistas desse segmento. Tal situação facilitou os trâmites burocráticos para os pescadores e pescadoras adquirirem seus direitos trabalhistas, como o seguro defeso, o auxílio maternidade, a aposentadoria, entre outros. Isso fortaleceu a luta dos pescadores como atingidos. O depoente a seguir explica essa situação:

Bom, no início não existia colônia aqui pelo fato de a gente ser meio leigo no assunto, né. Então, aí a gente fundou uma associação, uma associação é diferente da colônia. Colônia, ela faz muitas coisas em benefício do pescador, principalmente a aposentadoria, enquanto que a associação não faz isso, entendeu? Ela adquire o seguro defeso, salário maternidade, ela busca recursos para o pescador sobre aposentadoria do pescador. E por isso que a gente, como aqui é distante da cidade, igual tem a cidade de Almenara, uma colônia, a gente também optou por fundar uma colônia aqui, pelo fato de as pessoas ser carente e não ter dinheiro pra deslocar daqui para outra colônia, porque a distância é muito longa, e os pescadores não têm recurso pra isso. Entendeu? (Presidente da Colônia dos Pescadores de Salto da Divisa, 2018)

A Colônia dos Pescadores de Salto da Divisa conta com 110 membros e conquistou seus direitos enquanto colônia, garantidos por lei. Entretanto, para interagir direto com a empresa responsável pelo empreendimento, os pescadores decidiram que isso seria feito pela Associação; assim, eles se organizaram de maneira a dividir as ações em relação aos seus direitos. A Associação ficou responsável por apresentar as demandas dos pescadores frente à UHE Itapebi, se fortalecendo com o apoio da Colônia, que ficou responsável por apresentar as demandas dos pescadores frente às instituições trabalhistas.

Associação das Casas Danificadas

A Associação das Casas Danificadas surgiu frente à necessidade de a população reivindicar seus direitos devido aos impactos causados nas suas casas durante a construção da barragem e após o enchimento do lago. Algumas casas começaram a sofrer rachaduras devido às explosões realizadas para a construção de obras, bem como pela grande circulação de caminhões e máquinas pesadas no município de Salto da Divisa. Anos depois, foi detectado que esse efeito atingiu um maior número de casas.

Logo que esse efeito foi sentido, os moradores das casas danificadas foram se reunindo em pequenos grupos que, posteriormente, foram ampliados de modo a formar uma organização maior que se dispôs a acionar a empresa responsável pelo empreendimento. Decidiram, então, formar a Associação das Casas Danificadas e, desse modo, adquirir maior legitimidade nas suas reivindicações frente à UHE Itapebi. Explica um depoente sobre a formação dessa associação:

Eu tinha um grupo, não era associação mesmo, era um grupo, você entendeu? Onde desde quando formou esse grupo que eu fui ser o representante, você entendeu. Aí depois a gente formou a associação. . . O próprio juiz falou pra gente que a gente tinha que formar uma associação pra ficar mais fácil de ir resolvendo os problemas. (Presidente da Associação das Casas Danificadas, 2018)

Dados disponibilizados pela Associação das Casas Danificadas durante entrevista registram que há 553 famílias que reivindicam junto à UHE Itapebi reparação das suas residências, não somente pelas razões informadas acima, mas também como consequência do enchimento do lago, visto que a água invadiu o lençol freático da cidade, causando danos em diversas casas de diferentes bairros espalhados pelo município.

O quadro geral que se apresenta, agrupando os relatos extraídos das entrevistas com representantes dos atingidos, é que, por causa das inundações, as lavadeiras perderam o seu espaço de trabalho e lazer no rio Jequitinhonha; os pescadores perderam sua forma artesanal de pescar, assim como o próprio pescado que foi drasticamente reduzido com o desaparecimento de várias espécies; agricultores familiares tiveram que migrar para outras localidades por terem suas terras inundadas, deixando para trás seus laços sociais e de trabalho; os extratores de pedra, areia e fazedores de bloco tiveram encerradas suas atividades em decorrência do desaparecimento da matéria prima e, como consequência, os pedreiros tiveram que enfrentar o desemprego por causa do encerramento das atividades dos extratores. Além disso, muitas casas foram danificadas com infiltrações e rachaduras provocadas pela construção das obras e formação do reservatório. O lazer e turismo locais possibilitados pelas Cachoeiras do Tombo da Fumaça ( Figura 3 ) e seu entorno se encerraram com a inundação dessas áreas.

A tomada de consciência dos efeitos da UHE Itapebi foi de suma importância para que os atingidos fossem se organizando para apresentar suas demandas frente aos responsáveis pelo setor elétrico na localidade. Essas demandas se fizeram através de ações coletivas apoiadas principalmente pela Igreja Católica, GADDH e Rádio Comunitária, que redundaram na criação da associação dos pescadores, das lavadeiras, dos extratores de pedra areia e bloco, dos pedreiros, das comunidades rurais e a das casas danificadas. O conjunto dessas práticas coletivas está alinhado à ideia de processo organizativo/ organizing nos moldes de Czarniawska (2008, 2013). Ademais, essas associações também são organizações alternativas conforme Misoczky (2010)Misoczky, M. C. (2010). Das práticas não-gerenciais de organizar à organização para a práxis da libertação. In M. C. Misoczky, R. K. Flores, & J. Moraes (Orgs.), Organização e Práxis Libertadora. (pp. 13-56). Porto Alegre, RS: Dacasa. . O relato a seguir mostra que a associação de pescadores foi uma das primeiras a ser criadas e que, pelo intermédio dela, outras associações vieram a surgir ao longo dos anos, conforme mostra a Figura 2 .

Olha, a associação de pescadores de Salto da Divisa, ela é uma pioneira. Foi por intermédio dela que desenrolou todo o processo de, dos impactos, de reconhecimento dos impactos. Aí, por intermédio dela, veio as associações das lavadeiras, foi criada a associação dos pedreiros, dos extratores de pedra e areia, né. Até a associação pegou uma causa bem do próprio município que englobou essa questão aí, pra. . . é. . . dá prosseguimento nos processos. Então, as associações de pescadores, ela, nesse sentido, é das principais, né? (Representante da Associação dos Pescadores de Salto da Divisa, 2018)

Lüchmann (2016)Lüchmann, L. H. H. (2016). Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis, SC: Editora da UFSC. afirma que o associativismo é de importância crucial para gerar consciência coletiva e mobilizar para a ação. A prova disso é a quantidade de associações que foram criadas e ainda são atuantes em Salto da Divisa e o envolvimento delas com o Movimento do Atingidos por Barragens. Elas mantêm acesa a chama da mobilização local ao longo dos anos.

O apoio da Igreja Católica sempre ocorreu de forma conjunta ao GADDH e à Rádio Comunitária. Importante se faz resgatar o marco de 2015, quando já havia uma forte organização local e representantes do MAB nacional se fizeram presentes no evento regional “Festival de Cultura da Popular do Vale do Jequitinhonha”, que ocorreu no município de Salto da Divisa. A partir daí, conforme já mencionado acima, inicia-se uma duradoura aproximação entre a organização local dos atingido e o MAB.

Ações coletivas apresentadas pelas associações de atingidos e pelas instituições locais que os apoiam

As primeiras ações coletivas dos atingidos pela barragem de Itapebi, no município de Salto da Divisa, iniciam-se em meados da década de 1990 com a participação da Igreja Católica, do GADDH, da Rádio Comunitária e dos grupos sociais locais que se articularam e promoveram reuniões, petições públicas, passeatas, audiências públicas, elaboração de jornais informativos, entre outros repertórios ( Figura 4 ) igualmente importantes na organização associativa dos atingidos na localidade. Essas articulações motivaram a criação de associações locais relatadas anteriormente. Portanto, o associativismo configura-se como o ponto de partida da organização local dos atingidos, vindo se incorporar aos demais repertórios de ações coletivas nos moldes de Tilly (2010)Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
https://bit.ly/3f0gWTq...
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Figura 4
Repertórios de Ações Coletivas dos Atingidos pela UHE Itapebi

Legenda: 1. Jornal informativo do Movimento de Cultura Popular Saltense e Movimento SOS Tombo da Fumaça; 2. Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) na Câmara Municipal de Salto da Divisa (MG); 3. Audiência pública da Comissão de Participação Popular da ALMG sobre a Hidrelétrica de Itapebi em Belo Horizonte (MG).


A Igreja Católica relata que a empresa chegou à localidade que seria inundada pela barragem de Itapebi para derrubar as casas, deixando a área livre para as primeiras obras. No entanto, os moradores, suas associações e entidades apoiadoras se posicionaram em frente às máquinas para impedir a demolição das casas sem que antes soubessem para onde seriam realocados.

Além disso, foi registrado em depoimento que os atingidos haviam organizado um abaixo-assinado, outra relevante ação coletiva, para a aprovação de uma lei municipal e outra estadual que visavam proteger das inundações as cachoeiras do Tombo da Fumaça, exigindo limites na capacidade de inundação da hidrelétrica e do seu processo de licenciamento ambiental. Muito embora essas leis tivessem sido revogadas posteriormente, toda a mobilização que envolveu os atingidos serviu como importante aprendizado no processo de organizar/ organizing (Czarniawska, 2008, 2013) e para expor a força dos repertórios de ação locais, conforme estudados por e Tilly (2010)Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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. . . nós fizemos vários abaixo-assinados aqui, vários. Saímos de casa em casa, batendo de porta em porta pedindo apoio pro povo, e ele apoiava em tudo o que a gente precisava. Saía nas ruas, nas caminhadas, no grito dos excluídos, tantos participavam. Nos ajudavam. (Representante do Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos em 26, 2018)

Avanços e desafios dos repertórios de ações coletivas na articulação entre as associações de atingidos e as instituições que os apoiam

No conjunto de repertórios observados por McAdam et al. (2009)McAdam, D., Tarrow, S., Tilly, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, (76), 11-48. doi:10.1590/S0102-64452009000100002 , as reuniões se destacam, e esta pesquisa encontra respaldo justamente nesses autores, visto que as reuniões foram e continuam sendo o que mais contribui na organização dos atingidos. A Associação de Pescadores de Salto da Divisa relata que mais de duzentas reuniões bastante duradouras foram realizadas ao longo dos anos iniciais:

Foi duzentas e tantas reuniões. Reuniões que começava cinco da tarde e terminava lá por volta de meia-noite, meia-noite e meia, né? Ou começava sete da manhã e termina por volta de meia-noite, meia-noite e meia. Geralmente era assim. Só a fim de esclarecer pra nós sobre a questão dos impactos ambientais que uma hidrelétrica causaria, e. . . por nós não ter conhecimento, muitos de nós duvidaram até da existência disso. (Representante da Associação dos Pescadores de Salto da Divisa, 2018)

Diversas reuniões e audiências públicas ocorreram para a definição de como e onde seriam realocadas as pessoas atingidas. O GADDH teve acesso ao mapa que a empresa havia elaborado para a construção de um novo bairro e apresentou aos ribeirinhos, entretanto, ninguém concordou com o formato de casa que seria construído pelo fato de apresentarem, na visão dos atingidos, condições inferiores às moradias anteriores ao empreendimento.

Outra luta, tornamos a reunir o povo e nos trouxeram já o mapa deles, a planta feita, ahn, ahn. Ninguém aceitou, “olha, não vamos aceitar dessa forma não, porque minha casa era assim, minha casa era assado, meu quintal era assim. . .”. Eles queriam colocar tudo geminado, né? Não, nós aceitamos! Aceita, não aceita e mais audiência. . .. (Representante do Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos, 2018)

Após inúmeras reivindicações e fiscalização dos atingidos, a empresa construiu um novo bairro com oitenta casas, denominado pela população de Bairro Vila União, para configurar que havia sido o resultado de uma ação coletiva, de uma união de forças. Essa situação exemplifica a potência de um repertório conforme demonstrado por McAdam et al. (2009)McAdam, D., Tarrow, S., Tilly, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, (76), 11-48. doi:10.1590/S0102-64452009000100002 , o que pode se observar no relato a seguir.

O tempo foi passando, é. . . aí a gente foi é, pegando experiência mais através do pessoal dos direitos humanos, viu. Aí, chegou onde a gente conseguimos oitenta casas ali do Vila União, aquela foi que construíram para o pessoal que morava na área atingida. É atingida hoje, você entendeu? Conseguimos oitenta casas, viu. E através do GADDH é que a gente fazia, a gente não tinha experiência, né, mas fazia essas vistorias através de muita briga com a usina, a gente fazendo essas vistorias, você entendeu? E. . . tamos aí, viu? (Representante da Associação das Casas Danificadas, 2018)

Os dados empíricos mostram que as ações coletivas empreendidas pelos atingidos não se limitaram ao nível local, registrando-se uma mobilidade dos atingidos que participaram de manifestações, reuniões e audiências públicas fora da localidade para apresentar as suas demandas e apoiar as de atingidos por outras barragens. A Associação das Casas Danificadas relata que os atingidos participaram e continuam participando de manifestações em outras cidades, a exemplo da cidade de Mariana, Brasília, entre outras. Além disso, estiveram presentes no 8º Encontro Nacional do MAB, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em 2018.

Teve um encontro fora, igual na barragem de Mariana, foi pessoal daqui foi. É, teve encontro em Brasília, foi gente daqui. No Rio de Janeiro mesmo foi gente daqui, você entendeu? O povo tá participando e buscando mais, é. . . maneira de a gente tá aprendendo cada vez mais com o pessoal lá fora, né? (Representante da Associação das Casas Danificadas, 2018)

Os repertórios de ações coletivas de Tilly (2010)Tilly, C. (2010). Movimentos sociais como política. Revista Brasileira de Ciência Política, (3) 33-160. Retrieved from https://bit.ly/3f0gWTq
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utilizados pelos atingidos foram de fundamental importância para estimular a criação de outras organizações na localidade, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da Comunidade Quilombola Braço Forte e da Comunidade Tradicional Cabeceira da Piabanha. A criação dessas organizações locais se assemelha ao surgimento das Comissões Regionais de Barragens, conforme mostrado por Foschiera (2010) e Movimento dos Atingidos por Barragens (2011)Movimento dos Atingidos por Barragens. (2011). História do MAB: 20 anos de organização, lutas e conquistas. Retrieved from https://bit.ly/3usXoxJ
https://bit.ly/3usXoxJ...
. O Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos e a Associação Comunitária de Comunicação relataram que a articulação entre todas as organizações é de extrema relevância para fortalecer a organização local e que, na composição dos membros dessas novas organizações, fazem parte representantes dos atingidos e entidades que os apoiam, facilitando, assim, o elo de interação entre as organizações.

Considerações finais

O principal objetivo dessa pesquisa foi analisar as contribuições dos repertórios de ações coletivas na organização dos atingidos por barragens a partir do estudo da Usina Hidrelétrica de Itapebi, tendo como ponto de partida o reconhecimento da sua potencialidade explicativa para compreender as formas de ações das quais se apropriaram os atingidos, assim como as motivações políticas que mantêm suas ações e expectativas ao longo de décadas.

Para chegar a esse objetivo, realizou-se uma revisão da literatura em diversos campos disciplinares, o que permitiu a construção do arcabouço teórico-conceitual do estudo. Também foram realizadas entrevistas no local do empreendimento e consultas a documentos, alguns dos quais foram disponibilizados para consulta no momento da entrevista.

Foi possível identificar que a Igreja Católica foi a primeira organização local protagonista e responsável por estimular a criação de outras entidades de suma importância que serviram de suporte aos atingidos como o GADDH, a Rádio Comunitária, entre outras. Num primeiro momento, essas organizações foram responsáveis por representar e acompanhar os atingidos nas suas reivindicações frente à barragem de Itapebi. A partir de 2015, o Movimento dos Atingidos por Barragens (de esfera nacional) passou a absorver e encaminhar as reivindicações e demandas locais dos atingidos pela Barragem de Itapebi. Também foi possível identificar que, devido à necessidade dos atingidos apresentarem suas demandas específicas frente à hidrelétrica de Itapebi, essas se fizeram através de ações coletivas que redundaram nas inúmeras associações criadas.

Observou-se que as ações coletivas dos atingidos no município de Salto da Divisa iniciaram-se em meados da década de 1990, com a participação da Igreja Católica, do GADDH, da Associação Comunitária de Comunicação, que se articularam e promoveram reuniões, petições públicas, passeatas, audiências públicas entre outras ações igualmente importantes na organização associativa dos atingidos na localidade. Essas articulações motivaram a criação de associações locais, destacando-se a de pescadores, a de lavadeiras, a de extratores de pedra areia e bloco, seguida da associação das comunidades rurais e das casas danificadas. A pesquisa sinaliza a importância dos repertórios de ações coletivas em várias situações, como a aprovação de duas importantes leis, mostrando a importância de se organizar. Além disso, os resultados da pesquisa mostram que, no conjunto dos repertórios de ações coletivas apropriados pelos atingidos, as reuniões foram e continuam sendo um repertório de grande peso, pois favoreceram a criação das associações. Ademais foi identificado que um dos principais avanços dos atingidos resultantes dos repertórios foi a construção de um novo bairro para a população que estava prestes a perder a possibilidade de novas moradias no local e nos moldes que elas desejavam.

A pesquisa conclui, com base nos resultados apontados, que, através dessa experiência local, vivenciada ao longo de mais de vinte anos pelos envolvidos, os repertórios de ações coletivas tiveram e ainda têm um papel fundamental na atuação dos atingidos frente à barragem de Itapebi no que se refere às questões indenizatórias propostas pela empresa. Tais ações podem colaborar para a efetivação de políticas públicas governamentais propostas pelo MAB, como a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que deverá desempenhar um importante papel em absorver as demandas das populações locais atingidas por barragens, com o potencial de resolver conflitos provocados pelo setor elétrico e suas concessionárias, que se arrastam ao longo de décadas pelo país.

A pesquisa confirma que os repertórios de ações coletivas criados no âmbito local contribuem na organização dos atingidos pela barragem de Itapebi, constituindo importantes pilares para o fortalecimento do MAB, legitimando a força do protagonismo local capaz de sustentar, ao longo de décadas, as motivações políticas dos atingidos.

Por fim, como ideias que possam colaborar para o aprofundamento e continuidade dessa pesquisa, recomenda-se:

  1. abordar a perspectiva de outras organizações locais, como a prefeitura, a Câmara de Vereadores e a empresa do setor elétrico responsável pelo empreendimento sobre a compreensão de atingidos e do empreendimento como um todo;

  2. ampliar a pesquisa envolvendo as novas organizações locais, surgidas por intermédio dos repertórios de ações coletivas dos atingidos, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terras (MST), a Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha e a Comunidade Quilombola Braço Forte;

  3. estudar o projeto de lei da Política Estadual dos Atingidos por Barragens e outros Empreendimentos (PEABE) e o projeto de lei da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que foi aprovada no âmbito da Câmara dos Deputados, mas não ainda no Senado, no sentido de mapear suas propostas para o reconhecimento dos direitos das populações atingidas.

Agradecimentos

Os autores agradecem o acolhimento dos grupos sociais locais e seus representantes, para a realização da pesquisa.

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  • Financiamento
    Os autores agradecem o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Editado por

Editora Associada: Maria Elisabete Pereira dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2020
  • Aceito
    24 Ago 2020
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