Open-access Sob o Império da Técnica: A Razão Instrumental e a Rejeição da Política na Formação do Banco Central do Brasil

Resumo

A partir da crítica à racionalidade instrumental, baseada em Weber, Habermas e Arendt, busca-se analisar, por meio de entrevistas das lideranças envolvidas na criação do Banco Central do Brasil (BCB), a tensão entre política e técnica na sua formação como burocracia. A pesquisa, de história oral, foi feita com base em entrevistas realizadas pelo CPDOC/FGV, publicadas em 2019, em 25 volumes da “Coleção História Contada do Banco Central do Brasil”, com lideranças que participaram da criação do BCB. Identificou-se, por meio das entrevistas, um discurso de rejeição à política em geral e de aversão às políticas de esquerda em específico, além da sagração da técnica ensejando uma visão tecnocrática do BCB, órgão que é tido como insulado burocraticamente, mas, no qual apenas uma técnica seria possível: a liberal-econômica de matriz neoclássica. Essas duas dimensões se combinam para estabelecer uma posição de sujeição da política à técnica em que até mesmo a democracia pode ser sacrificada para que se aproveitem oportunidades de implantação de uma determinada agenda técnico-econômica. Há indícios, portanto, de uma instrumentalidade da razão nas manifestações das lideranças do BCB, ao oporem técnica versus política, o que pode acarretar um processo de banalização do mal tal qual criticado por Arendt, sobretudo, ao enxergar regimes de exceção no país como meras oportunidades de criação do BCB e de implantação de uma agenda liberal-econômica. Essa perspectiva transforma a técnica em um entrave político, inclusive, com a rejeição ao maior produto de participação política democrática do país, a Constituição de 1988.

razão instrumental; banalidade do mal; tecnocracia; Banco Central do Brasil

Abstract

Using the critique of instrumental rationality, based on Weber, Habermas and Arendt, we analyze, through interviews of the leaders involved in the creation of the Central Bank of Brazil (BCB), the tension between politics and technique in its formation as a bureaucracy. This oral history research was based on interviews conducted by CPDOC/FGV, published in 2019, in 25 volumes of the "Told History of the Central Bank of Brazil Collection," with leaders who participated in the creation of the BCB. As a result, we identified a discourse of rejection of politics in general and aversion to left-wing policies in particular, in addition to the sacredness of technique, giving rise to a technocratic vision of the BCB, an organization that is seen as bureaucratically insulated, but in which only one technique would be possible: the neoclassical liberal economic view. These two dimensions combine to establish a position of subjection of politics to technique in which even democracy can be sacrificed as an opportunity to implement a certain technical-economic agenda. There are indications, therefore, of an instrumentality of reason in the manifestations analyzed, in pitting technique against politics, which can lead to a process of banalization of evil as criticized by Arendt, especially in seeing regimes of exception in the country as mere opportunities to create the BCB and to implement a liberal-economic agenda. This perspective transforms technique into a political obstacle, including with the rejection of the greatest product of democratic political participation in the country, the 1988 Constitution.

instrumental reason; banality of evil; technocracy; Central Bank of Brazil

Introdução

A discussão sobre a racionalidade instrumental é bastante difundida nas ciências sociais, sobretudo em função das contribuições feitas pela Teoria Crítica e por pensadores como Weber, Habermas e Arendt. A instrumentalidade da razão decorre, segundo estas perspectivas, da falta de reflexão ético-política em favor de uma racionalidade voltada estritamente para o cálculo frio da técnica (em que os fins justificam os meios). Com o tempo, isso poderia levar, nas burocracias, a um processo de banalização do mal. Na discussão econômica, autores como Stiglitz (2012 , 2019 ), Conti-Brown (2015) , Riles (2018) e Tucker (2018) têm apontado o fato de que algumas burocracias específicas, como bancos centrais, seriam fortemente dominadas por lideranças tomadas por uma racionalidade instrumental tecnocrática neste sentido, que entende a técnica econômica como algo que deve se impor à política em qualquer situação. Essa visão estaria, portanto, trazendo riscos às democracias do mundo todo, ao opor técnica e política de modo muito restritivo. A partir dessa discussão, esta pesquisa procura analisar o tensionamento existente entre política e técnica nas lideranças que participaram da criação e consolidação do Banco Central do Brasil (BCB) como burocracia de Estado. O objetivo é identificar se, no caso brasileiro, há indícios que sugerem uma predominância da racionalidade instrumental nessas lideranças, algo que poderia levar à banalização de contextos políticos conturbados, como regimes autoritários e ditatoriais, desde que uma determinada orientação econômica prevalecesse.1

Este artigo é composto de quatro partes, além desta introdução. Na primeira, resgatamos brevemente a discussão teórica sobre racionalidade instrumental no contexto organizacional. Na segunda, apresentamos a metodologia utilizada para realizar a pesquisa. Na terceira, discutimos o resultado da análise realizada sobre razão instrumental no BCB e, em seguida, fazemos as considerações finais.

Sob o império da técnica: a instrumentalização da razão e a rejeição da política no âmbito organizacional

O debate sobre razão, embora extenso, complexo e antigo, como Schafer (2018) recentemente analisou, vem sendo reimpulsionado em função de um forte negacionismo científico dos tempos da pós-verdade que abala os princípios democráticos no mundo todo ( Danblon, 2020 ; Lewandowsky, Cook & Lloyd, 2018). Um dos reflexos dessa discussão foi o resgate da necessidade de uma reflexão racional, ética, política e democrática na ciência, o que no âmbito organizacional também as apresenta pela renovação da crítica à razão instrumental (Souza, Souza & Pereira, 2017; Vilanova & Martins, 2017 ; Sepúlveda & Véliz, 2015 ; Andrade, Tolfo & Dellagnelo, 2012). Esta é uma crítica que remete a Max Weber (1922, 1999), cuja teoria destaca, dentre outros aspectos, duas dimensões da racionalidade: a) a da razão instrumental, que é formal, técnica e calculista entre meios e fins, pretensamente objetiva, impessoal, neutra e típica da dominação racional-legal que caracteriza as organizações burocráticas que emergem na Modernidade; b) a da razão substantiva, que trata da reflexão valorativa, ética, estética ou axiologicamente orientada – ou seja, subjetiva, e que não se restringe ao cálculo pragmático e utilitarista da razão instrumental ( Cochrane, 2017 ; Swedberg & Agevall, 2016) .

O conceito da racionalidade instrumental foi recuperado por intelectuais ligados à Teoria Crítica, originada na Escola de Frankfurt, principalmente nos trabalhos de Horkheimer (1973) , Adorno e Horkheimer (1985) e, mais tarde, Jürgen Habermas (1989 , 1991 , 2006, 2012). Habermas, em especial, estabelece um diálogo direto com Weber, reposicionando-o como teórico crítico da Modernidade, como apontado em Best, Bonefeld e O’Kane (2018), Henning (2018) e Schecter (2010) . No Brasil, Guerreiro Ramos (1946, 2006, 1981), Tragtenberg (2006) e Prestes Motta (1986) também são leitores de Weber neste sentido. No âmbito organizacional, uma das consequências da predominância da racionalidade instrumental é a supervalorização da técnica e da produtividade, buscando soluções ótimas que desconsideram o coletivo, o debate e a negociação, ocultando a existência de conflitos, ou seja, afastando as questões políticas das organizações, o que levaria a soluções tecnicistas e desumanizadas. Trata-se do que Adorno e Horkheimer (1985) chamaram de razão transformada em coisa, em mero formalismo, um instrumento de dominação. Essas questões estão sendo retomadas no debate atual que se debruça sobre a oposição entre tecnocracia e democracia ( Ryan, 2018 ; Habermas, 2015 ). O resultado da rejeição à política e da sagração da técnica é a instrumentalização da razão em que os fins justificam os meios ou, na expressão arendtiana, a banalização do mal.

Segundo Arendt (1963, 2013, 1989) e Habermas (1989 , 1991 , 2006, 2012), ao invés da autonomia dos sujeitos, a racionalidade instrumental levaria, de um lado, à atomização dos indivíduos, tomando camadas inteiras da população como irrelevantes e descartáveis no mundo social, e de outro, à incapacidade de compreensão por parte da população dos perigos e da gravidade deste contexto. Arendt, nos lembra Lafer (2018) , toma os regimes totalitários como um caso extremo desta dupla condição que implicaria a banalização do mal na sociedade. A superação dessa condição, em Arendt e Habermas, passaria pela reflexão política e pela esfera pública como espaço de interlocução entre sujeitos autônomos, igualmente reconhecidos como tais, no qual a prática política e o exercício do diálogo – como elementos do discurso ético – ensejariam a possibilidade de construção de uma coexistência emancipada e democrática na sociedade. Haveria, portanto, uma conexão kantiana na discussão da racionalidade, aproximando Weber, Arendt e Habermas, que implica a percepção de que a dignidade humana é o fim aoqual a razão deve servir: nenhuma vida pode ser desprezada ou instrumentalizada ( Nixon, 2015 ; Hunziker, 2010 ).

No contexto da Administração Pública, Dardot e Laval (2016) demonstraram que a expansão do neoliberalismo causou um grande impulso tecnocrático-instrumental na linha dessa banalização do mal. Os autores recuperaram a posição de Woodrow Wilson, Frank Goodnow, Leonard White e Dwight Waldo, da dicotomia entre Administração (como técnica gerencial) e Política ( Abrucio & Loureiro, 2018 ; Overeem, 2008) . Essa visão foi atualizada, também, no final do século passado pela Nova Administração Pública (NAP). Conforme demonstrou Paes de Paula (2009) , ao cindir a técnica da política, a NAP promoveu um descompasso entre três dimensões fundamentais para a construção de uma gestão pública democrática: a econômico-financeira, a institucional-administrativa e a sociopolítica. A NAP oblitera a dimensão sociopolítica e opera sob a lógica da técnica apartada da reflexão crítica, que reforça a racionalidade instrumental nas burocracias públicas e impede o aprofundamento democrático.

Um exemplo atual disso se encontra na atuação de bancos centrais que são, em sua maioria, órgãos públicos em seus países. Conforme discutem Stiglitz (2012 , 2019 ), Conti-Brown (2015) , Baradaran (2015) , Riles (2018) , Tucker (2018) e Holmes (2014) , nessas organizações haveria uma forte aversão à política em favor de uma visão deles como órgãos estritamente técnicos e totalmente independentes. Essa posição é impulsionada pelas teorias derivadas da matriz liberal-econômica neoclássica que dominam o setor, sobretudo da Escola de Chicago dos anos 1960-70, e da Escola de Virgínia que originou a Teoria da Escolha Pública ( Public Choice ), ambas também presentes na NAP. Nesse contexto, os bancos centrais estariam fortemente sujeitos à difusão da instrumentalização da razão, por meio da sagração da técnica em oposição às questões ético-políticas. Como afirma Stiglitz (2019 , p. xxvi), no entanto, “política e economia não podem ser separados”, pois, se isso acontecer, bancos centrais serão cada vez mais capturados por uma elite econômica do setor financeiro, que atuará em benefício próprio. Essa elite se valerá de uma roupagem técnica para favorecer o 1% mais rico da sociedade, por meio de desregulamentação e financeirização que, além de gerarem pobreza e desigualdade, culminarão na fragilização das próprias democracias ( Maclean, 2017 ; Stiglitz, 2012 ; Loureiro & Abrucio, 2012 ). Em outras palavras, estariam reforçando uma visão tecnicista que “banaliza o mal”, no sentido arendtiano, que significa uma negativa da reflexão e tendência a não assumir a responsabilidade pelos seus atos, atribuindo os mesmos à necessidade de cumprir normas e técnicas de ordem superior (Arendt, 1963, 2013).

Comentários metodológicos

A pesquisa histórica e documental, em geral, vem sendo incentivada no campo da Administração Pública como importante fonte de análise organizacional, conforme discutem Costa (2018) , Costa e Costa, (2016) e Garcia e demais autores (2016), assim como, especificamente, a história oral nos estudos organizacionais e Administração de Empresas ( Costa & Wanderley, 2021 ; Hodge & Costa, 2020 ; Sacramento, Figueiredo & Teixeira, 2017). Embora haja controvérsias quanto ao posicionamento científico da história oral, como ciência auxiliar, técnica ou método, tal como discutem Gomes e Santana (2010) , este trabalho segue a definição trazida por Delgado (2003, p , p.23) para quem “história oral é uma metodologia primorosa voltada à produção de narrativas como fontes do conhecimento”. Neste sentido, uma das principais fontes de registros históricos orais no país, que aglutina um rico acervo desta produção de narrativas como fontes de conhecimento, é o arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Trata-se de um arquivo amplo, disponibilizado livremente ao público, com registros de longos depoimentos de personalidades históricas, já bastante utilizado em pesquisas de diversas áreas, como a de Alberti e Pereira (2008) , sobre a história do movimento negro no Brasil, a de Cantisano (2019) , sobre a história oral do Supremo Tribunal Federal, e a de Korndörfer (2021) , sobre a trajetória de Olympio da Fonseca na formação de profissionais de Saúde no Brasil. Pouco se sabe, porém, de pesquisas específicas envolvendo o BCB.

A presente pesquisa, portanto, parte do extenso material elaborado com as entrevistas conduzidas e transcritas pela equipe do CPDOC/FGV, publicadas e divulgadas pelo BCB, em janeiro de 2019, em 25 volumes – cada um enfocando lideranças do nível gerencial mais alto do BCB (ex-presidentes e ex-diretores) que participaram da preparação, da criação e da consolidação institucional do órgão, bem como de lideranças de órgãos correlatos que acompanharam esse processo, como a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), o Ministério da Fazenda e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Estes 25 volumes compõem a “Coleção História Contada do Banco Central do Brasil”, elaborada no “Projeto Memória do Banco Central do Brasil”, constituindo fontes que permitem acesso a essas lideranças em momentos distintos de suas trajetórias profissionais, conforme disposto nas Tabelas 1 e 2 .

Tabela 1
: Entrevistas analisadas

Tabela 2
: Fontes consultadas

A partir dessas entrevistas, portanto, buscou-se realizar uma análise de história oral temática, que Sacramento, Figueiredo e Teixeira (2017, p. 60) definem como aquela “cujo objetivo é analisar um determinado tema, baseado numa questão central”. No caso desta pesquisa, a questão central é compreender como as lideranças envolvidas na criação do BCB se posicionam quanto à relação entre política e técnica naquela organização. O uso do método da história oral é importante porque permite “recuperar a memória em torno de objetos de estudos que nem sempre oferecem documentos escritos e materiais”, como as posições de lideranças em relação a temas complexos como estes ( Branco, 2020 , p.15). Tal como Costa e Wanderley (2021) , Hodge e Costa (2020) e Branco (2020) discutem, este é um método já consolidado internacionalmente, que ainda avança na pesquisa social brasileira, mas que tem sido fundamental para alcançar criticamente perspectivas subjetivas de temas históricos sensíveis, como as disputas em torno de visões políticas sobre momentos conturbados da política nacional (golpes, regimes autoritários e ditatoriais), algo que perpassa a própria constituição do BCB.

A proposição específica da análise é a de que, conforme apontado por Stiglitz (2012 , 2019 ), Conti-Brown (2015) , Riles (2018) e Tucker (2018) , bancos centrais tenham por característica uma defesa de suas lideranças de que seriam organizações estritamente técnicas e avessas às questões políticas. A proposição mais geral é a de que essa rejeição da política em favor da técnica é característica de um fenômeno mais amplo, de evidenciação da racionalidade instrumental, conforme Weber discutiu e Adorno, Horkheimer e Habermas recuperaram diretamente, e Arendt, indiretamente, como fenômeno típico das burocracias modernas. Segundo esses pensadores, a instrumentalidade da razão é uma característica perniciosa da própria Modernidade que poderia levar à justificação de movimentos antidemocráticos e antiéticos, por banalizar o mal, ensejando a noção de que os fins (técnicos) justificam os meios (antidemocráticos), favorecendo contextos políticos autoritários, calcados na violência, na opressão e no combate a minorias políticas.

Diante disso, a proposta analítica desta pesquisa foi identificar se existem manifestações que indicariam a presença de uma racionalidade instrumental nas lideranças do BCB que participaram da construção e consolidação desta burocracia pública. Para se alcançar a noção de instrumentalidade da razão, procurou-se verificar uma possível oposição entre técnica e política em seus depoimentos apreendida da seguinte forma: a) política: identificar se existe, na percepção das lideranças, uma aversão ou uma rejeição às questões políticas, em geral, entendendo especificamente o BCB como órgão insulado burocraticamente e avesso ao contexto político brasileiro; b) técnica: identificar qual a percepção sobre a técnica econômica e o papel do BCB como órgão burocrático que atua neste contexto político brasileiro; c) política versus técnica: como efeito das dimensões (a) e (b), procurar identificar se existem, nos depoimentos, manifestações que demonstrem a crença entre um embate entre técnica e política em que a técnica há de prevalecer seguindo-se o entendimento de que os fins justificam os meios, na ideia de que, para se preservar uma técnica econômica específica, o contexto político, por mais grave que seja, deve ser banalizado. Habermas (1968, 2006, p. 49), especificamente, desenvolve uma argumentação, a partir de Marcuse, segundo a qual o processo de racionalização da Modernidade de Weber se encontra com a crítica à racionalização posta por Freud, ambas demonstrando a dominação oculta na técnica, ou seja, o processo de esvaziamento subjetivo da razão que a sujeição irrestrita à técnica promove, no que ele chama de “imperativos técnicos”. É sob esses imperativos técnicos, ou sob o império da técnica, que se pauta o perigoso caminho burocrático para a banalização do mal, conforme discutido por Hannah Arendt.

Estas três perspectivas (Política, Técnica e Política versus Técnica) serão compreendidas segundo três níveis de análise, quais sejam: a) as posições pessoais dos entrevistados em relação à política em geral e a como um banco central deveria ser; b) as percepções organizacionais, quando manifestam como enxergam a relação entre política e técnica especificamente no trabalho interno do BCB, como burocracia; c) as percepções ambientais, sobre como enxergam o tensionamento entre a influência do ambiente político geral brasileiro em relação à criação e à atuação do BCB. Uma síntese dessas relações está descrita na Tabela 3 , que indica quais perguntas a pesquisa visa a responder para identificar a presença da instrumentalidade da razão nas percepções declaradas pelas lideranças do BCB.

Tabela 3
: Síntese das perspectivas analisadas

O resultado deste trabalho levará ao preenchimento dessa mesma tabela, apontando uma visão geral da relação entre técnica e política para as lideranças entrevistadas, que é o que se apresenta a seguir, logo após um breve histórico de criação do BCB para contextualizar a análise realizada.

Breve contexto de criação do BCB

O Brasil ficou 122 anos sem um banco central típico, em um longo arco que vai de 1822 a 1964, sendo que, entre 1945 e 1964, o Sistema Financeiro Nacional (SFN) estabeleceu-se com sobreposições de suas funções entre três órgãos: o Banco do Brasil (BB), o Tesouro Nacional (TN) e a Sumoc ( Cabral, 2017 ; Gambi, 2012 ; BCB, 2017 , 2018 ). A criação de um banco central no país começa a ser gestada no âmbito do processo de modernização conservadora da estrutura administrativa federal, iniciado em 1930, e que se estendeu pelas décadas seguintes em um esforço de profissionalização da burocracia nacional ( Draibe, 2004 ) e de insulamento burocrático. ( Nunes, 2003 ) Formalmente, a preparação para a sua criação ocorreria apenas em 1945, ao final do Estado Novo, com a instituição da Sumoc pelo Decreto-Lei nº 7.293, sendo que sob o Regime de Ditadura Civil-Militar de 1964, tem-se a criação do Banco Central do Brasil (BCB) como principal órgão executor da política monetária e do Conselho Monetário Nacional (CMN), como seu órgão definidor, arranjo que permanece até hoje. Em 35 anos, de 1964 até 1999, chega-se ao desenho atual, que além desses dois órgãos, inclui o fim da conta movimento e a estrita separação de funções entre BB, TN e BCB, em 1986, e a definição de um órgão interno do BCB que define a taxa básica de juros da economia, o Comitê de Política Monetária (Copom), em 1996; e, por fim, a implementação do Regime de Metas para a Inflação, em 1999 ( BCB, 2018 ).

O BCB entre a política e a técnica

A rejeição à política: “uma alergia qualquer”

Em relação à dimensão política, o que se depreende das entrevistas é um posicionamento inicial em torno da sua rejeição em termos gerais, aparentemente associado a uma pretensa defesa de neutralidade e de objetividade decorrentes da natureza do cargo técnico-burocrático no BCB e da própria ciência econômica ( Stiglitz, 2019 ; Riles, 2018 ). Ao aprofundar-se a análise dos depoimentos, porém, o que se observa é uma rejeição particular a uma agenda política específica, a da esquerda. Essas posições se tornam mais contraditórias ao perceber-se que, embora o discurso preze pela neutralidade, as opiniões sobre políticas de esquerda são majoritariamente negativas, além de, em vários momentos, os depoentes assumirem terem participado da elaboração de planos de governo de candidatos de direita, atuado em organizações sociais associadas à direita e demonstrado identificação com governos de direita e, por vezes, manifestar terem atuado diretamente em desfavor da própria criação do BCB durante governos de esquerda. Essas posições aparentemente contraditórias foram bastante discutidas por Habermas (1968, 2006) em técnica e ciência como “ideologia”, em que ele demonstra como o discurso da defesa da técnica como neutra esconde em si mesmo uma posição política clara, pois a técnica é também um projeto histórico e social em que se projetam a sociedade e os interesses dominantes.

A rejeição à política por parte dos entrevistados foi identificada na combinação dos seguintes aspectos: a) no nível pessoal, com o desinteresse ou aversão individual de participação política em geral, na manifestação de alienação em relação ao contexto político e na tentativa de afirmar uma postura de isenção (por vezes confusa) em relação aos espectros de direita e esquerda, mas prevalentemente uma rejeição à agenda de esquerda em geral; b) no nível organizacional, na manifestação de que a política não deve fazer parte da atuação dos economistas ou do BCB que, aliás, serve para proteger a sociedade de suas instabilidades ou não sofre influência dela (insulamento burocrático); c) no nível ambiental, no incômodo manifestado em relação ao fato de a atuação do BCB e de suas lideranças estarem inseridas em um contexto político, pois se veem como atuações estritamente técnicas e isentas da política.

No nível pessoal, por exemplo, Octávio Bulhões (2019, p. 24-25) afirmava ter “uma alergia qualquer” à política, dizendo-se distante dos acontecimentos políticos que o cercavam, argumentando que “assistia a tudo de uma maneira um tanto afastada”. Frisando este alheamento, ele diz: “não acompanhei de perto, não me informava bem. Sou um péssimo depoente nessa área, nunca sei de nada”, o que soa improvável para alguém que participou definitivamente das decisões políticas e econômicas do país desde, pelo menos, os anos 1930 até o final dos anos 1970. Sobre a repercussão política do golpe de 1937 no Ministério da Fazenda, onde trabalhava, por exemplo, Bulhões (2019, p. 24-25) reforça essa condição: “eu trabalhava com um grupo de pessoas e estávamos completamente alheios aos acontecimentos”. Fernão Bracher (2019, p. 19-20), por sua vez, ao comentar um determinado período de trabalho no BCB, também demonstra apreço por esse mesmo tipo de alheamento no órgão, “um período muito agradável”, segundo ele, porque “atuei em uma área exclusivamente técnica, que não tinha nenhuma relação com política”.

Alegar não se envolver com política é uma manifestação recorrente nos depoimentos. Ruy Leme (2019, p. 17), por exemplo, assumia-se assim: “eu, em particular, não era politizado”. Wadico Bucchi (2019, p. 25), similarmente, afirmava que “não participava ativamente da vida política do país”. Gustavo Loyola (2019, p. 17), ao comentar a sua formação econômica durante a ditadura de 1964, também diz, “nunca tive uma atuação política”. E Gustavo Franco (2019, p.18-19), comentando a grande participação no governo de economistas da PUC/RJ (como ele próprio), após a redemocratização, enaltece este aspecto: “militância política não fazia parte da vida das pessoas que estavam ali”, para ele era um grupo tecnicamente superior porque, no Brasil, “ninguém estava fazendo pesquisas na área de Economia com excelência, isenção, tecnologia e contato com o mundo acadêmico exterior. Esse grupo buscou preencher esse vazio e estava mais afastado da política”. Henrique Meirelles (2019, p. 66) também dizia, enquanto presidente do BCB, “não me dedicava a fazer análises de ordem política”. Algo que chama a atenção é uma autopercepção peculiar de alguns entrevistados em relação aos espectros políticos de direita e esquerda, entre a isenção e a confusão. Ruy Leme (2019, p.22-35), por exemplo, é taxativo: “não sou de esquerda. Também não me julgo de direita nenhuma”. A posição de Denio Nogueira (2019, p. 83-84) é um pouco mais confusa: “nós estamos no Brasil, numa posição em que é difícil definir o que é esquerda e o que é direita. Quando eu me comparo ao Celso Furtado, considero-me de extrema esquerda e a ele de extrema direita”. Obviamente, ninguém é obrigado a engajar-se politicamente, mas o que chama a atenção nessa primeira percepção de rejeição à política é que, ao se aprofundarem as entrevistas, os depoimentos passam a adotar posturas que não confirmam essa posição inicial.

Ao aprofundar-se a análise dos depoimentos, o que se observa é que essa postura de isenção e alheamento é manifestada, mas, junto a ela a rejeição mais evidenciada é a da política de esquerda e de engajamento nas agendas políticas da direita. São comuns referências negativas a vários intelectuais e economistas associados à esquerda política nacional, bem como a percepções de avanços comunistas e socialistas perniciosos ao Brasil que deveriam ser combatidos. Ernane Galvêas, por exemplo, faz o seguinte depoimento a respeito da crítica social da esquerda sobre a educação no país, durante os anos do regime militar pós-1964, enfatizando o receio da população pobre poder participar do processo político do país:

As proposições de Florestan Fernandes, Moacir Gadotti, Carlos [Rodrigues] Brandão, Moacyr de Góes e Darcy Ribeiro, entre outros, implicam uma destruição do modelo tradicional, o modelo humanista, que foi aquele do Império. [...] E há um momento em que esses educadores realmente atrapalham. Surge o Paulo Freire a querer mudar a cartilha tradicional [...] havia a infiltração de uma ideologia de esquerda para ajudar o sujeito a votar politicamente com as esquerdas: “O rico tem casa. O pobre não tem casa”. Todo o trabalho de alfabetização de adultos era nesse sentido. [...] Vamos educar os adultos, ensiná-los a escrever. Para quê? Com isso, ele vai aprender a trabalhar rapidamente as máquinas? Não. É preciso uma educação muito mais longa. Mas o adulto precisava aprender a assinar o nome, para poder votar. Pode-se imaginar as repercussões que isso tem. (Galvêas, 2019, p. 117-119)

Vários dos depoentes não se furtam, portanto, de assumir e de elogiar a participação em governos de direita, bem como o interesse em compreender e influenciar a política nacional em favor de uma agenda econômica liberal associada a esse espectro político. Neste sentido, há manifestações sobre participação ativa em associações civis que trabalharam intelectualmente pelo golpe de 1964 e contra a agenda política da esquerda, como o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), ou que exerceram papéis estratégicos no regime militar, como a Escola Superior de Guerra (ESG), bem como na elaboração dos planos de governo do presidente Collor, em 1989, e do candidato à Presidência Aécio Neves, em 2014, além de manifestações de apreensão quanto à não eleição do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), em 2002.

Bulhões (2019, p. 66), Nogueira (2019, p. 87) e Brandão (2019, p. 173), por exemplo, afirmam ter mantido vínculos com a ESG antes e durante do governo militar de 1964, uma organização estratégica para a formação intelectual da extrema-direita conservadora brasileira, onde também estiveram outros proeminentes liberais-econômicos brasileiros, como Julian Chacel e Eugênio Gudin. Carlos Brandão (2019, p. 173), por exemplo, enalteceu, em seu depoimento, a definição das estratégias governamentais por este órgão, e dizia que a ESG “sem dúvida, era um acesso privilegiado. Todos sonhavam em ir para a ESG porque era onde se gestava a maioria dos programas estratégicos do governo”, afirmava também que “a instituição tornou-se um centro de apoio às decisões governamentais na época da ditadura” e que “a ESG forneceu subsídios fabulosos” nesse sentido. Brandão ainda destacou que a relação não se restringia a acadêmicos, servidores públicos e militares, mas se estendia ao setor privado também. Comentando sobre a colaboração dos empresários, que na época, segundo ele, tinham um bom entrosamento com os militares, ele diz “Muito bom! A maioria dos estagiários da ESG era formada de empresários” (Brandão, 2019, p. 173).

Alguns tiveram atuações mais radicais, como Nogueira (2019, p. 85), que reconhece que chegou a trabalhar em órgãos que contribuíram intelectualmente para o golpe de 1964, como o Ipes – onde também esteve Bulhões – e o Ibad ( Oliveira, 2009 ), mas justifica sua atuação dizendo que o teria feito “devido à necessidade de ganhar dinheiro”. Similarmente, não faltam apoios e reconhecimentos ao golpe de 1964. Ruy Leme (2019, p. 35), por exemplo, declara francamente: “eu era a favor da revolução. Eu me lembro de que era frontalmente contra o Jango. Fiquei satisfeitíssimo com a revolução”. Em uma referência comum aos que concordam com a ruptura institucional perpetrada em 1964, muitos não o nomeiam como golpe e sim como “revolução”, como é o caso do próprio Leme (2019, p. 35), de Ribeiro (2019, p. 175-177), Galvêas (2019, p. 45), Brandão (2019, p. 161), Nogueira (2019, p. 87), Bulhões (2019, p. 149) e Langoni (2019, p. 21). O uso do termo revolução para se referir ao golpe militar de 1964, conforme demonstram os estudos de ciência política, denota uma posição típica da interpretação da direita conservadora brasileira, que tem sido bastante recuperada pela nova direita ( Ponsoni & Bonani, 2017 ) e pela extrema-direita brasileira nos últimos anos, inclusive em movimentos sociais como o Escola Sem Partido ( FARIAS; OLIVEIRA, 2020) , e na base de apoio político militar do bolsonarismo ( Messenberg, 2019) .

Fraga Neto (2019, p. 116), por sua vez, declara o receio das eleições do Partido dos Trabalhadores (PT) na disputa presidencial, em 2002, e afirma “nós no Banco Central estávamos com o dedo no pulso do paciente, sentindo a tensão crescer. Em junho, o PT fez a Carta ao Povo Brasileiro [...] Serra não decolou, a Carta não teve efeito. Então, começamos a ficar muito tensos”. Em que pese a defesa da neutralidade e da manifesta aversão ou alheamento à política, portanto, na maior parte das manifestações fica claro o pendor pelo espectro político da direita para o qual se contribui, inclusive, ativamente. Apesar disso, a argumentação geral é a de que, além da rejeição à política em geral no nível pessoal, existe a percepção de que o trabalho no BCB exige um afastamento da política no nível organizacional. Neste sentido, Denio Nogueira (2019, p. 193), embora tenha atuado no Ipes e no Ibad, afirme ter conhecido Castelo Branco na ESG e, logo depois, com o golpe militar, tenha se tornado o primeiro presidente do BCB, é categórico ao afirmar que “o economista é um profissional de um tipo de atividade que deve ser isolada da política” e complementa, “o presidente do BCB, por exemplo, tem que ser um profissional puro, não deve ter nenhuma inclinação para soluções políticas”. Langoni (2019, p. 29) também afirma que esse é um comportamento esperado pela sociedade, pois “os agentes econômicos precisam saber que a instituição tem uma maneira de atuar e vai agir no momento correto, independentemente do contexto político”, e que isso significa que o “Banco Central pode funcionar como um grande escudo que protege a economia da turbulência política” (Langoni, 2019, p. 93).

Nessa linha, as lideranças consideram que a atuação do BCB não recebe nenhuma interferência política, sendo insulada burocraticamente. Fernando Milliet (Oliveira, 2019, p. 59-60), a este respeito, disse que “nunca houve influência política, velada ou explícita [...] No período em que fui presidente do Banco Central, nunca sofri cobranças e nunca tive um pedido para abrir uma exceção”. Gustavo Franco (2019, p. 45) afirmou também considerar o BCB “mais protegido”, neste sentido, que o próprio Ministério da Fazenda. Carlos Brandão (2019, p. 114), por sua vez, também reforçou esse entendimento ao comentar que, dentre outros aspectos, rejeitava indicações políticas: “não aceitei imposição de nomes” para o BCB. A visão geral, portanto, era a de que “o Banco Central nunca esteve exposto diretamente à ingerência político-partidária” (Loyola, 2019, p. 22). Denio Nogueira (2019, p. 103), portanto, conclui que “o que é preciso entender é que as funções políticas estão sujeitas às pressões políticas. E é preciso que haja funções que estejam isentas dessas pressões”, como o caso do BCB, segundo ele.

Apesar das manifestações pessoais de alheamento e de alguns terem de fato se engajado politicamente, a visão geral do contexto político é negativa. Estar inserido em um ambiente político, portanto, causava incômodo, pois a política atrapalhava a técnica, segundo a maior parte dos depoimentos. Gustavo Loyola (2019, p. 22), por exemplo, via dificuldades na redemocratização em 1985 – um processo fundamental de amadurecimento político do país –, pois “o BCB sempre foi um órgão muito técnico, mas ficava no meio dessa discussão política”. Paulo Ximenes (Ferreira, 2019, p. 19) também enfatizava que se buscava um isolamento deste contexto, e o órgão tentava se restringir a “um trabalho técnico, preparado por técnicos”, e lamentava momentos políticos como o dos processos de impeachment de Fernando Collor e de Dilma Rousseff, em que, segundo ele, “a agenda econômica não se compatibilizava com a agenda política” (Ferreira, 2019, p. 27). Gustavo Franco (2019, p. 133), ao comentar a redemocratização, também estabelece um trade-off entre economia e política, e afirma que era “um ambiente econômico absolutamente destrambelhado” e que “não enxergamos a Nova República como um fracasso. Pode não ter sido um fracasso político, mas, do ponto de vista econômico, foi uma tragédia, e seu legado foi a hiperinflação”.

Quando entendem que a técnica prevalece sobre a política, no entanto, a visão é oposta e a política deixa de ser um problema. Ernane Galvêas (2019, p. 120), por exemplo, enaltecia o período da ditadura civil-militar, quando “a prevalência do corpo técnico na condução da política econômica era total”, sendo “toda ela conduzida com muita independência pelos técnicos”, em um processo que “não teve solução de continuidade com o presidente Costa e Silva. Permaneceram os tecnocratas” (Galvêas, 2019, p. 119). Essa posição, portanto, prenuncia a ideia de que a técnica supera a política, uma percepção que acaba por colocar limites técnicos à noção de democracia, em que as várias possibilidades políticas coexistem. Conforme Habermas (2015) discute, essa posição caminha para a assunção da tecnocracia, que nada mais é que uma pretensa justificativa científica para o impedimento da diversidade política, ponto analisado a seguir.

A sagração da técnica: “uma máquina superbem treinada”

Se, do lado da dimensão política tem-se as manifestações pela sua rejeição ou a tentativa de afastá-la da realidade organizacional do BCB – ao menos no nível do discursos –, na dimensão da técnica tem-se a sua sagração, que foi identificada na combinação dos seguintes aspectos: a) na visão mecânica da burocracia, funcionando como uma máquina, com o reconhecimento da capacidade técnica do quadro de pessoal do BCB, com a falta de indicações políticas e a percepção do órgão como uma elite pensante e bem treinada; b) na defesa de apenas uma técnica possível para o BCB, a da teoria econômica de matriz neoclássica - chamada nas entrevistas de economia ortodoxa, monetarista ou liberal -, que se opõe a visões tidas como ideológicas e não técnicas, citadas como desenvolvimentistas, cepalinas ou estruturalistas. Em função dessas duas percepções, é possível identificar que, no nível pessoal há um apreço pela técnica econômica liberal-ortodoxa tida como uma solução inquestionável, no nível organizacional há um enaltecimento da competência técnica dos servidores do BCB e, em nível ambiental há o entendimento de que a própria técnica é capaz de isolar o BCB das turbulências políticas (insulamento burocrático).

A criação do BCB, para os entrevistados, representa uma insurreição técnica no governo com a ascensão dos economistas ao poder a partir de 1964, ano de criação do órgão, que funciona como um ponto de inflexão na condução da política econômica pelo Estado. “A partir do governo Castelo Branco”, afirma Langoni (2019, p. 29), “começou a surgir a figura do economista técnico, do tecnocrata” e assim, a orientação para a formação do órgão teria sido a de constituir uma burocracia de excelente nível de competência técnica. Ernane Galvêas (2019, p. 119) afirma, neste sentido, que “os ministros Bulhões e Campos levaram para o Banco Central e para o Ministério da Fazenda os técnicos burocratas. Havia uma prevalência dos técnicos”. Segundo Casimiro Ribeiro (2019, p. 174), o BCB era justamente diferente da Sumoc porque nesta “muitos, quase todos, 90%, entraram por nomeação, ou por influência política, ou por parentesco com funcionários”. Diante disso, o BCB é representado em uma visão compartilhada entre as lideranças, como uma elite técnica que tinha “o status de trabalhar no principal órgão financeiro do país” (Camões, 2019, p. 21).

Langoni (2019, p. 87), por exemplo, dizia, o “que me impressionou no Banco Central foi a qualidade técnica dos funcionários”, Carlos Brandão (2019, p. 114) reafirmava isso, ao dizer, “formei toda a minha diretoria com funcionários do Banco Central”, alegando ter resistido a indicações políticas e não ter precisado nomear ninguém do mercado. Affonso Pastore (2019, p. 49) também afirmou, “sempre considerei o corpo técnico [do BCB] de primeira linha” e com “muita gente boa na Instituição”. Pedro Malan (2019, p. 55), de modo similar, declarou, “trabalhei com funcionários de carreira do Banco Central, todos excelentes”. Na percepção de Gustavo Franco (2019, p. 45), “no Banco Central, eu tinha tempo e recursos, o que não havia no Ministério da Fazenda. [...] No Banco Central, em contraste, havia uma máquina superbem treinada que tinha totais condições de atender a qualquer demanda”.

A formação de uma burocracia de alto nível era, portanto, uma preocupação das lideranças do BCB. De início, o órgão contava com servidores advindos de outras carreiras e ficou, de 1964 a 1976, sem processo público de admissão. “Em 1977, fizemos os primeiros concursos públicos para poder constituir uma burocracia bem treinada e bem remunerada”, afirma Paulo Lira (2019, p. 51). Segundo ele, não se tratava de uma organização trivial, “o Banco Central tem que ser uma elite pensante”, dizia, “porque o custo para o país de uma política mal concebida ou mal executada pelo Banco Central causa um prejuízo inestimável para a economia” (LIRA, 2019, p. 51). Desta forma, conforme o seu entendimento, “as cabeças mais privilegiadas devem fazer parte da equipe do Banco Central, porque o mal que ele pode fazer é muito grande” (LIRA, 2019, p. 51). Neste sentido, a qualidade e a competência técnicas do corpo funcional são enaltecidas em vários momentos, o que não decorreria apenas do órgão, mas seria uma herança do Banco do Brasil, de node parte do funcionalismo teria vindo à época de sua criação:

Naquela época, havia um grupo mais sênior – alguns até em final de carreira –, composto por alguns funcionários oriundos do Banco do Brasil e por outros selecionados em concurso rigoroso, que era excelente. Eram pessoas que conheciam profundamente a parte operacional, o funcionamento das instituições. (Langoni, 2019, p. 87-88)

Além da competência técnica, os entrevistados entendem que há apenas uma técnica possível para a atuação do banco central e, com isso, eles enaltecem o que estiver associado ao mercado, às privatizações e ao liberalismo e rejeitam o que for relacionado ao Estado e às posições econômicas usualmente entendidas como heterodoxas. Neste sentido, Denio Nogueira (2019, p. 83-84) é taxativo ao dizer que “defender o estruturalismo é uma posição ideológica, não é inteligente”. Segundo ele, portanto, não há alternativas, logo, “um homem que foi presidente de um banco central de qualquer país do mundo não pode deixar de ser um monetarista, ou então é uma loucura!” (Nogueira, 2019, p. 58). E é por isso que, segundo Ribeiro (2019, p. 151), quem vai para o BCB “vira monetarista”. De outro lado, era preciso, conforme Lemgruber (2019, p. 15) afirmou, ter “a percepção da beleza das forças de mercado no sistema capitalista”. Isso implicava, conforme vemos na fala de Carlos Brandão (2019, p. 115), uma posição anti-Estado, pois “minha convicção era que o mercado devia prevalecer sempre”. O que encontra algum eco na visão de Gustavo Franco (2019, p. 77), que dizia, “claro que, pessoalmente, sou favorável a um Estado menor na economia”, e completava, “por isso, participar do processo das privatizações, para mim, foi um duplo prazer”. A visão mais liberal e pró-mercado, portanto, é predominante nas entrevistas.

Assim, do ponto de vista do contexto geral da técnica econômica, governos tidos como liberais econômicos são bem-vistos, tomados como governos tecnicamente superiores. Como manifesta Ibrahim Eris (2019, p. 28), que diz que “quem lê o programa do Collor vê que é algo dos sonhos [...] um choque de capitalismo”, um programa do qual ele fez parte e que qualificou como “ultraliberal”. Na mesma linha, conforme expõe Galvêas (2019, p. 49), a própria criação do BCB é vista como uma vitória liberal, pois “a sua criação marcou o ponto de inflexão dessa velha política [a desenvolvimentista], correspondeu a uma mudança de atitude, refletindo um sentimento muito mais neoclássico, muito mais liberal”. As experiências de planejamento econômico são vistas como grandes processos de intervenção, tecnicamente ruins, como Carlos Brandão (2019, p. 109) comenta sobre o plano econômico do governo Geisel, que ele desejava que “poderia ter se realizado sem a participação direta do governo, estatizando tudo”, e lamenta: “vivíamos um regime de exceção e aquilo mais parecia coisa de país socialista”. De outro lado, governos tidos como não liberais são rejeitados, tidos como tecnicamente inferiores, e igualmente associados às experiências socialistas, o que leva Gustavo Franco (2019, p. 138) a dizer que “no Brasil houve um bolivarianismo light, vamos dizer assim, sobretudo com Dilma Rousseff”, e que, “o ‘socialismo do século XXI’ [...] foi rechaçado pelas instituições no país”, inclusive, aparentemente, pelas próprias lideranças do BCB.

A sagração da técnica: “uma máquina super bem treinada”

Como discutido, o resultado da rejeição à política e da sagração da técnica é a lógica de que os fins justificam os meios com a banalização do mal, sentido arendtiano, estabelecida pela negligência atribuída ao contexto político em termos amplos. Assim, mesmo a democracia pode ser sacrificada em nome da técnica e a repressão política pode ser útil para se implementar uma agenda técnica específica. Neste sentido, a instrumentalização da razão ocorre por meio de uma dominação ampliada, nos termos de Habermas (1968, 2006, p. 50), que recuperando Marcuse, afirma que a razão encapsulada pela instrumentalidade faz do conhecimento um meio de dominação, isto é, “a ciência, em virtude do seu próprio método e dos seus conceitos, projetou e fomentou um universo no qual a dominação da natureza se vinculou com a dominação dos homens”, em que a técnica deixa de ser tecnologia para a emancipação e passa a ser veículo de dominação política. No caso, a técnica econômica deixa de ser algo que projeta a superação dos problemas materiais para ser um obstáculo à democracia.

Esse fenômeno pode ser identificado em relação à visão das lideranças sobre o BCB, nos seguintes aspectos: a) a percepção de regimes de exceção como oportunidades para a implementação de uma agenda técnica específica e para a ascensão dos economistas ao poder, e ainda relativizando ou demonstrando apreço por governos e líderes autoritários do país, como uma defesa do autoritarismo burocrático ( Ricupero, 2014 ; Reis, 2012 ) – algo que remete também à própria postura de intelectuais neoliberais como Hayek, Friedman e James Buchanan, de relevarem ditaduras ou se aproximarem de ditadores, como Pinochet no Chile, para fazerem valer suas propostas econômicas liberais ( Slobodian, 2020 ; Dardot & Laval, 2016 ; Farrant, Mcphail & Berger, 2012); b) na técnica como amarra política para defender a matriz teórica liberal-econômica, seja por meio de golpe, impeachment ou na rejeição a governos de política econômica diversa ou à própria Constituição de 1988. No nível pessoal, portanto, isso é manifestado como um entendimento de que problemas políticos não interessam, por mais graves que sejam, como o caso de uma Ditadura. No nível organizacional, isso é manifestado segundo percepções que indicam que a técnica deve prevalecer sempre, reconhecendo a tecnocracia como um modelo organizacional adequado. No nível do ambiente, por sua vez, expressa-se a banalização do mal quando regimes de exceção são vistos como meras oportunidades para consagração da técnica defendida pelas lideranças. Conforme a análise da Teoria Crítica preconiza, porém, essas posições não se apresentam sem ambiguidades, demonstrando que as tensões na relação entre política e técnica são relativizadas se a ideologia política predominante no contexto for favorável à agenda liberal-econômica.

Como exemplo do ponto (a), portanto, Galvêas (2019, p. 121) diz que, no BCB, durante a ditadura civil-militar de 1964, “discutíamos as questões conscientes de que havia um regime de exceção”, mas, segundo ele, “nós vestíamos o uniforme do técnico: ‘problema político não é conosco’”. Se a ditadura, esse “problema político” não importa ao técnico, ela pode então ser uma oportunidade. Conforme relata Ribeiro (2019, p. 161-162), não foi por acaso que “foram precisos dois regimes não democráticos para se criar o Banco Central”, pois, do ambiente antidemocrático podem-se extrair vantagens técnicas para implementar sua própria agenda, já que, “nos dois casos havia poderes ditatoriais, e estava lá uma pessoa lúcida – e pura – como o doutor Bulhões, que aproveitou os poderes excepcionais que havia para fazer aquilo que não se conseguia fazer”. Na mesma linha, ele complementa que Bulhões “aproveitou então que o governo tinha poderes para baixar decreto-lei ‘para vender o peixe dele’ sem depender do Congresso. E fez muito bem, porque se não tivesse feito aquilo, não teria saído nem a Sumoc” (Ribeiro, 2019, p. 31). Nogueira (2019, p. 121) também reconheceu na ditadura um contexto favorável à criação do BCB, dizendo que “eu não discordaria de que a situação especial existente em 1964 tivesse tido uma influência ponderável no andamento da Lei do Banco Central”. O regime de exceção, porém, conforme vemos na entrevista de Langoni (2019, p. 26), não foi uma oportunidade apenas para uma agenda técnica, mas para toda uma categoria, pois “a verdade é a seguinte: os economistas assumiram o poder com os militares. Se houve uma classe profissional privilegiada com a mudança política no país, foi a dos economistas”, reverberando a conhecida tese levantada por Maria Rita Loureiro (1997) .

Além disso, nos depoimentos, são muitas as manifestações de apreço por regimes autoritários, em especial nos momentos em que apresentaram viradas liberais-econômicas no país, como o início do Regime Militar de 1964 e durante a República Velha com Campos Salles-Rodrigues Alves. Há também reconhecimentos positivos à ordem e à disciplina instauradas em outros períodos de autoritarismo, como no Estado Novo. Assim, o governo de Castelo Branco é descrito por Ribeiro (2019, p. 167) como “realmente um período muito especial”, e o governo Médici é tido por Brandão (2019, p. 131) como “uma época em que tudo dava certo”, e Nogueira (2019, p. 151) afirma que “quando se conversa com qualquer pessoa, a opinião mais ou menos geral é de que o governo Castelo foi um dos melhores que o Brasil já teve”. Indo além, Galvêas (2019, p. 68) diz que “é preciso lembrar o seguinte: o presidente Castelo Branco era, realmente, um democrata”, mesmo reconhecendo que “podemos dizer que era uma ditadura”. Ainda assim segundo Galvêas, “ele [Castelo Branco] tinha um grande respeito às instituições jurídicas”, relativizando, portanto, o regime ditatorial por ele instaurado e a ruptura institucional perpetrada com o golpe civil-militar de 1964.

Bulhões (2019, p. 195), por sua vez, elenca entre os melhores períodos que o Brasil já teve, o de Arthur Bernardes que, segundo ele, teve “muitos mal-entendidos [...] mas dentro de tudo havia disciplina, havia ordem”. De acordo com Ana Gomes e Andityas Matos (2017, p. 1.764), na República Velha (1889-1930) o país passou 2.365 dias em estado de sítio, sendo 1.287 dos quais apenas no governo de Arthur Bernardes, que governou em “estado de normalidade por menos de dois meses num governo de quatro anos”. Apesar disso, Bulhões (2019, p. 43) qualifica a República Velha como o tempo dos “políticos de grande valor moral e cultural”, mesmo período que Gustavo Franco (2019, p. 21) entendeu como “um extraordinário preparativo!” para “tudo o que, anos depois, tivemos que aplicar” em termos econômicos. Bulhões (2019, p. 43) também admirava o governo de Epitácio Pessoa, por ser “um período de ordem, de disciplina”; e mesmo o Estado Novo, porque “também havia muita disciplina e austeridade”. Tentando explicar como liberais coadunavam com uma agenda autoritária, Bulhões (2019, p. 192) simplesmente diz que “a liberdade exige disciplina e autoridade”. Vê-se, portanto, que há uma predominância da relativização de regimes autoritários, sobretudo quando associados a inclinações liberais econômicas, algo bastante similar, principalmente, à posição neoliberal de Hayek e Friedman que Slobodian (2020) , Dardot e Laval (2016) , e Farrant, Mcphail e Berger (2012) analisam. Uma das exceções a todo esse raciocínio é Chico Lopes (2019, p. 23), que é categórico: “a ditadura foi uma coisa absurda”. Em comum, portanto, à maior parte dos períodos políticos citados, encontra-se a tentativa de implementação de reformas liberais-econômicas.

Sobre o ponto (b), vemos pelas entrevistas que, se a política não deveria interferir na técnica, o contrário seria permitido, desde que para se defender a técnica liberal-econômica ou para se rejeitar e não auxiliar uma política contrária. O entendimento compartilhado, portanto, parece ser o da necessidade de impedir a agenda política de esquerda. Conforme Galvêas (2019, p. 42) deixa claro, no governo João Goulart, a “minha preocupação maior era com o próprio sistema de governo, no qual havia uma forte presença da esquerda”. Kafka (2019, p. 65), por sua vez, qualificou João Goulart como o “desastroso Jango como presidente”, cuja rejeição é majoritária e consciente, inclusive com alguns entrevistados afirmando tê-la evitado propositalmente: “os economistas mais responsáveis da época – Eugênio Gudin, Roberto Campos, Octavio Bulhões, e mesmo os da nossa área miúda [da assessoria econômica do governo] – não quiseram cooperar” com o governo, afirmou Galvêas (2019, p. 58). Diante disso, muitos deliberadamente se opuseram à própria criação do BCB não apenas no governo João Goulart, mas durante o curto período democrático anterior ao golpe de 1964, algo que é contraditório com quem entende que a agenda técnica econômica não deveria se pautar pelo contexto político. Galvêas (2019, p. 54) afirma, neste sentido, que “o próprio doutor Bulhões resistiu muito à criação do Banco Central. Em diversas oportunidades, manifestou-se afirmando que a ideia era prematura [...] não se cogitou levar à frente a proposta”. E o próprio Galvêas (2019, p. 42) assume essa posição ao dizer: “eu adotei um ponto de vista contrário [à criação do BCB], mais por raiva do que por convicção realmente acadêmica”. A imagem utilizada era a de que se estaria plantando “uma semente em terra árida, em terra infértil” (Galvêas, 2019, p. 54).

A imposição da técnica, sem debates, contrário, portanto, ao agir dialógico comunicativo pretendido por Habermas (1981, 2012), era algo importante para a visão de boa parte destas lideranças, pois significava a não subordinação à política, que deveria ser relegada a segundo plano:

Celso Furtado já havia sido ministro de João [Belchior Marques] Goulart, Roberto Campos havia sido do BNDE, mas ambos se subordinavam aos políticos. Já no governo militar, a influência dos economistas no processo de decisão política aumentou muito. Roberto Campos, por exemplo, era a grande estrela do governo Castelo Branco, dominava praticamente toda a estratégia de governo. A economia passou a ser primeira página dos jornais, até porque o debate político foi perdendo importância relativa. (Langoni, 2019, p. 26)

Assim, para algumas destas lideranças que se identificam como liberais, ou seja, que teriam na defesa da liberdade o seu balizador principiológico, o contexto político democrático não era visto como ideal para a criação do BCB e sim o contexto ditatorial brasileiro. Este, talvez, seja o maior exemplo de manifestação da instrumentalidade da razão pelas lideranças, no sentido adotado por Habermas (1981, 2012, p.267), segundo o qual, “sob o signo de uma razão instrumental autonomizada [...] a ciência e a técnica, que para Marx ainda encerravam um potencial emancipatório inequívoco, tornam-se elas mesmas o médium de repressão social”. Pelos depoimentos, liberdade política e liberdade econômica aparentam ser incompatíveis entre si, e para se vencer um debate econômico, o caminho seria não haver debate e sim buscar oportunidades em momentos de repressão para se impor uma agenda. O que mais perturba nestas visões, é que as entrevistas foram realizadas anos depois do fim do regime militar (v. Tabela 1 ), e ainda assim, poucas são as manifestações que ponderam a importância do amadurecimento político-democrático do país como fator social relevante. Neste sentido, é importante atentar-se para o alerta de Hannah Arendt (1963, 2013) sob a banalidade do mal, sobretudo, quando nas burocracias se perde a capacidade de avaliação do contexto político e a ética é expulsa da reflexão crítica em favor do apego irrefletido à técnica.

Em períodos recentes, portanto, a técnica volta a ser utilizada como justificativa para determinar os rumos políticos do país. A interrupção de governos considerados de orientação política contrária ao desejado pelas lideranças, como no caso de Dilma Rousseff, é justificada não pela natureza política do processo, mas como uma questão técnica de “um festival de inconsequências, disfarçadas e escondidas pelas pedaladas fiscais” (Moraes, 2019, p. 57), mesmo se reconhecendo que “para a opinião pública, fica a ideia de que foram tecnicalidades” (Fraga Neto, 2019, p. 124). A liberdade democrática legítima de um governo de orientação política distinta em seguir sua própria agenda é, portanto, rechaçada, devendo-se obrigatoriamente sujeitar-se à amarra técnica de uma posição contrária, pois como Fraga Neto (2019, p. 135) manifesta, a ideia do “agora vou fazer o que quero. ‘Geralmente, isso não é bom sinal. E foi o que aconteceu com o PT ”. Em função disso, entendem, em sua maioria, que o impeachment de Dilma Rousseff ocorreu também por motivação técnica e por isso não caberiam argumentações contra sua legitimidade, como vemos nos depoimentos de Moraes (2019, p. 52), Franco (2019, p. 138-139) e Fraga Neto (2019, p. 124). É importante ressaltar, no entanto, que mesmo economistas de renome e vinculados ao mainstream econômico, como Joseph Stiglitz (2012 , 2019 ), Paul Krugman (2009) e Paul Romer (2015 , 2016 ), laureados com prêmios Nobel, criticam vários aspectos da teoria econômica ortodoxa tradicional e não apenas o que se chama usualmente de heterodoxia, demonstrando que há ainda muito debate, de várias vertentes, em relação às teorias que muitos dos entrevistados assumem como inequívocas e que ensejam a técnica como uma restrição à política, conforme analisa Ricardo Reis (2018) .

Ao aprofundar-se a análise das manifestações neste ponto, portanto, vê-se que elas passam a demonstrar ambiguidades na relação entre política e técnica econômica. De um lado, a falta de compromisso com a técnica liberal-econômica é citada como fundamentação para a necessidade urgente de mudança política, como no caso do governo Dilma Rousseff, pois colocava a política monetária em risco, e, de outro, afirma-se que neste mesmo governo “o Banco Central não desorganizou a política monetária de modo relevante”, e “mesmo quando o Banco Central esteve sob imensa pressão do Palácio, não foi capaz de subverter a lógica do regime de metas para a inflação” e, portanto, “não foi o protagonista do fracasso que foi o governo Dilma Rousseff e nem poderia ter sido, porque o assunto que desencadeou o processo de impeachment sequer era de sua alçada”, como disse Gustavo Franco (2019, p. 140-143). Esse entendimento se deve ao fato de que se considera o BCB um órgão cuja atuação já era tecnicamente independente e que continuou assim. Neste ponto, muitos destacam a elaboração do Plano Real como elemento fundamental para a independência de atuação do BCB, como destacam Arida (2019, p. 89-90), Pastore (2019, p. 23) e Loyola (2019, p. 82). Ao mesmo tempo, portanto, que o BCB é reconhecido como tecnicamente independente da política, ele é visto também sob a ameaça de uma política associada à esquerda, durante o mesmo governo.

A análise do sucesso do Plano Real é ainda mais ambígua, pois não é atribuída exclusivamente à competência técnica dos órgãos econômicos, mas à capacidade política do governo da época e chega a ser entendido como uma elaboração técnica que não adveio unicamente da teoria econômica liberal ortodoxa, mas que foi gestada também com base no aprendizado das experiências econômicas e da literatura econômica-heterodoxa. Neste sentido, enaltece-se para o resultado positivo da estabilização da moeda no país que enseja a independência técnica do BCB, a questão política que fora justamente rechaçada em depoimentos anteriores. Assim, afirma-se que foi crucial “a combinação do sucesso do Plano Real com a liderança de Fernando Henrique” (Moraes, 2019, p. 52-54), pois “executar um plano de estabilização é um projeto coletivo e político, porque muda o país”, e “nada teria sido possível sem a liderança e capacidade política do Fernando Henrique” (Arida, 2019, p. 68), já que se tratava de “uma combinação entre ciência e evidência empírica, sem esquecermos do necessário apoio político dado pelo presidente da República, que implementou o Plano Real, que tornou o Banco Central de fato independente no uso dos instrumentos” (Pastore, 2019, p. 23). Assim, entende-se que “com Fernando Henrique, o Banco Central se tornou independente de fato” (Arida, 2019, p. 89), e “o que nos faltou no Plano Cruzado foi a segurança de uma diretriz a ser seguida”, ou seja, a orientação política, mas ainda assim “foi um grande aprendizado para o Plano Real”, disse Fernão Bracher (2019, p. 45). Neste ponto, Pastore (2019, p. 17), por exemplo, acaba reconhecendo uma ironia histórica, chega a dizer que “curiosamente, foram os economistas ‘heterodoxos’ que criaram o Plano Real, que deram ao Banco Central a possibilidade de utilizar a política monetária para controlar a inflação”, e isso não apenas em termos de experiência, mas de teoria econômica.

Como última percepção contraditória sobre a tensão política versus técnica, há a defesa de que, eventualmente, é necessário impor a agenda técnica ao meio político quando se estiver na liderança do BCB, pois “na Presidência do Banco Central, tem-se que ter uma disposição política maior. Não era possível permanecer apenas como técnico. Ser presidente do Banco Central é algo muito importante, tem-se que estar disposto a enfrentar politicamente várias questões”, afirmou Carlos Bracher (2019, p. 49). Apesar da defesa da imposição da técnica sobre a política e da argumentação majoritária de que não há ingerências nem influências políticas na atuação do BCB, alguns depoimentos destacam dificuldades em lidar com pressões externas, e chega-se a afirmar momentos em que se cedeu a determinadas pressões, do governo e do mercado – inclusive para resolver problemas organizacionais, como lidar com um movimento grevista:

O Banco Central nunca esteve exposto diretamente à ingerência político-partidária. Duas exceções eram as áreas de crédito rural e de crédito industrial. Como sempre ocorre com créditos subsidiados, havia excesso de demanda e, assim, era preciso que houvesse alguma forma de racionamento, alguma fila. Normalmente, isso era resolvido por meio de influências políticas. (Loyola, 2019, p. 22-23)

Os banqueiros externos reclamavam da falta de pagamentos; enfim, transtornos de toda ordem. Não tive outra alternativa a não ser demitir 24 funcionários que lideravam a greve [...] Havia muita pressão das autoridades, do Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e de outros órgãos do governo. Não tive alternativa, tive que demitir [os grevistas]. (Camões, 2019, p. 32-33)

A amarra técnica à agenda liberal-econômica aparece primeiro, portanto, na ideia de que ela funciona como um freio às opções políticas, no sentido de que “a política econômica deve ser baseada em regras e não em discricionariedade”, assim, “quanto mais regras, melhor”, sejam orçamentárias, fiscais ou monetárias (Lopes, 2019, p. 58). Há, em segundo lugar, o entendimento da amarra técnica que culmina na diminuição da importância de fenômenos políticos fundamentais, como o processo de redemocratização, e um de seus principais produtos, a Constituição de 1988, que devem ser sujeitados à técnica econômica. Neste sentido, um dos maiores exemplos de participação democrática no país, por exemplo, a Constituinte de 1988, é qualificado como “o trauma da Constituinte de 1988” (Arida, 2019, p. 89-90), em função de questionamentos à sustentabilidade econômica deste texto legal. Neste ponto, são feitas manifestações duras contra a Constituição, entendida como um erro, um delírio, um atraso ou um desastre:

A nova Constituição [de 1988] está completamente fora da realidade atual e futura. É uma Constituição retrógrada, que não acompanha o movimento da iniciativa particular, que não acompanha a economia de mercado. Não acompanha nenhuma das inovações que estão surgindo. É estatizante, excessivamente nacionalista, muito preocupada com a distribuição e pouco favorável à produção. Em uma palavra, um desastre. (Bulhões, 2019, p. 206)

A Constituição de 1988 foi sim um delírio de voluntarismo que criou uma montanha de privilégios e direitos para os quais não há dinheiro que pague. Deveríamos ter insistido e deveríamos ter feito uma revisão rigorosa na Constituição. Esse foi de longe o nosso maior erro [...] Enfim, foi um erro gigantesco e que, em retrospecto, cada dia fica maior. (Franco, 2019, p. 68)

Essa leitura da Constituição de 1988, que não é considerada como um produto político democrático fundamental, ainda que passível de melhorias ou de equívocos, demonstra assertivamente os riscos da instrumentalização da razão. Todo o passado antidemocrático do país, de repressão, de violência e de falta de liberdade contra o qual a Constituinte se insurgia, é ignorado por lideranças do BCB apenas para que a perspectiva teórica liberal-econômica seja defendida. Esses últimos depoimentos sintetizam este perigoso flerte do liberalismo econômico brasileiro com o autoritarismo, e ajudam a compreender por que novamente se veria em curso no país, nas eleições de 2018, uma radicalização do neoliberalismo.

Pelo conteúdo analisado, identificou-se que, de fato, existe uma prevalência da técnica sobre a política nos depoimentos, confirmando o apontado por Stiglitz (2012 , 2019 ), Conti-Brown (2015) , Riles (2018) e Tucker (2018) para bancos centrais. Mais do que isso, acompanhando a discussão sobre racionalidade instrumental feita com Weber, Adorno, Horkheimer, Habermas e Arendt, o que se percebeu foi uma visão instrumentalizada da razão, seguindo os conceitos discutidos de sagração da técnica, de rejeição da política e de banalização do mal como resultado da coexistência das duas anteriores, ainda que perpassados por algumas ambiguidades e contradições. Essas dimensões foram identificadas e organizadas, com base nas entrevistas, nas seguintes perspectivas: a) rejeição da política: manifestações de aversão às questões políticas por parte dos entrevistados com o reconhecimento de uma oposição entre técnica e política, mas que é, em especial, uma rejeição às políticas de esquerda; b) sagração da técnica: a organização vista como tecnocracia, isolada da política, na qual apenas a técnica liberal-econômica neoclássica deve prevalecer; c) instrumentalização da razão e banalização do mal (o império da técnica): como efeito das dimensões (a) e (b), tem-se a concretização da lógica dos fins (técnico-econômicos) justificam os meios (antidemocráticos), especialmente identificada nos depoimentos que tomaram regimes de exceção como meras oportunidades para a criação do BCB e a implementação de uma agenda técnica liberal-econômica, bem como ao manifestar desapreço por marcos político-democráticos fundamentais como a Constituição de 1988. Esses resultados estão sumarizados na Tabela 4 .

Tabela 4
: Síntese dos resultados da análise das entrevistas

Conclusões

A pesquisa realizada evidenciou indícios da prevalência de uma racionalidade instrumental nas manifestações das lideranças envolvidas na formação burocrática do BCB, demonstradas na tentativa de se afastar a política da técnica, tal como discutido pela Teoria Crítica. As narrativas orais analisadas expõem uma tentativa de rejeição à política nos níveis pessoais, organizacionais e ambientais, além das posições de sagração da técnica enfatizada na visão mecânica do BCB, como tecnocracia, tomando-o como órgão totalmente insulado burocraticamente e independente. O BCB é tido como uma burocracia dominada por apenas uma técnica possível: a liberal-econômica de matriz neoclássica, que em sua própria teoria também preconiza pelo o afastamento da política das questões econômicas.

O resultado é a presença de indícios de banalização do mal, no sentido arendtiano. Por um lado, a criação do BCB é compreendida como decorrente do aproveitamento de oportunidades dadas pela instauração de regimes de exceção no país, flertando com o autoritarismo burocrático. A técnica econômica, então, é entendida como algo que deve restringir todas as discussões políticas, inclusive, servindo para rejeitar o maior produto de participação política democrática do país, a Constituição de 1988, evidenciando um forte enraizamento de uma visão conservadora e antidemocrática na mentalidade dos dirigentes do BCB, algo que antecede e retroalimenta o momento atual de extremismo da direita no Brasil. Por outro lado, essas posições são naturalizadas como “tecnicamente corretas”, neutras e apolíticas, sem avaliação das consequências para a perpetuação do autoritarismo e da desigualdade no país e sem responsabilização desses agentes pelas políticas públicas e econômicas que engendram a radicalização neoliberal.

A pesquisa realizada apresentou contribuições não só para a compreensão histórica da formação de um dos principais órgãos de política econômica do Estado brasileiro, como também para a identificação de uma antiga, persistente e perigosa aproximação entre representantes do pensamento liberal econômico nacional e posições pouco democráticas do ponto vista político. Como os resultados da eleição de 2018 demonstraram, a agenda liberal econômica brasileira continua se associando a propostas políticas autoritárias, a fim de fazer valer suas predileções econômicas. Este fato demonstra que a agenda de pesquisa explorada de modo incipiente neste trabalho segue atual e relevante. Como limitações ao trabalho, tem-se a necessidade de uma discussão sobre como modificar essa visão instrumentalizada da técnica econômica no BCB, algo que não foi feito nesta pesquisa e que poderia ser aprofundado em trabalhos futuros.

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Notas

  • 1
    . Embora seja compreensível supor que, dada sua natureza econômica, a predominância da racionalidade instrumental em um órgão como o Banco Central do Brasil seja autoevidente, o artigo apresentado é uma pesquisa que busca demonstrar empiricamente este fato e não apenas deduzi-lo teoricamente. Como não havia pesquisas voltadas a demonstrar especificamente este aspecto nas lideranças envolvidas com o BCB, desde a sua criação até os momentos históricos mais recentes, o artigo procura preencher esta lacuna trazendo uma análise mais detida sobre como pensam e se manifestam suas lideranças ao longo do dilatado prazo de consolidação deste órgão no país. Isso é importante porque, tal como discutido no próprio artigo, por mais que a visão crítica consiga demonstrar a instrumentalidade da razão no órgão, muitas de suas lideranças não o percebem, e mesmo quando se manifestam de modo contundente, assumindo posições autoritárias e antidemocráticas, elas não aparentam perceber esse fato, o que reforça a necessidade de demonstrar analiticamente que a compreensão substantiva da razão não é algo trivial. Cabe ressaltar, ainda, que, como o foco do artigo também é trazer uma análise da formação histórica do órgão, ou seja, do passado, ele não se preocupou em apontar a possibilidade de o órgão vir ou não a ser organizado de modo diferente, enfatizando outro tipo de racionalidade, como a substantiva.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Disponibilidade de dados

A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2022
  • Aceito
    26 Jan 2023
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