Acessibilidade / Reportar erro

Teorias do capital social e desenvolvimento local: lições a partir da experiência de Pintadas (Bahia, Brasil)1 1 Projeto de pesquisa «Capital social, participação política e desenvolvimento local: atores da sociedade civil e políticas de desenvolvimento local na Bahia» (2002-2005), financiado pela FAPESB e desenvolvido na Escola de Administração da UFBA (NPGA/NEPOL/PDGS/CIAGS). Agradecimentos aos bolsistas Diana Santos, Sheila Cunha e Tiago Guedes.

Resumo

Quais são as premissas e a origem da teoria do capital social? O que a análise crítica H J do conceito de capital social pode trazer de novo ao campo do desenvolvimento local. O conceito de capital social representa avanço epistemológico na tentativa atual de construir novas categorias de análise para ler e explicar a realidade do desenvolvimento local? Qual o valor heurístico deste conceito? Neste artigo, em primeiro lugar, expo os e analisamos as experiências de desenvolvimento local no Município de Pintadas (Bahia, Brasil). Buscamos, neste estudo de caso, significados (práticas e expressões) do capital social no projeto de desenvolvimento local de Pintadas que nos permitam explicar, de modo contextualizado e empiricamente analisado, relações possíveis entre tais significados e o projeto de transformação social (em seu discurso e em seus resultados). Em um segundo momento, a partir de uma revisão preliminar de alguns estudos sobre capital social, tentamos lançar primeiras interrogações acerca da importância deste conceito para compreender as estruturas de poder local e para analisar o desenvolvimento local em sua complexidade.

Abstract

Academic literature and international reports on social capital tend to acknowledge that economic factors are not enough to yield socially and environmentally balanced development. However, there is no novelty in restating that social, institutional, and cultural dimensions have a major impact in a qualitative increase in the communication between individuals and social players, in the production of innovative forms of social interaction and in the reduction of the traditional dilemmas of collective action. Thus, what is the innovative character of social capital theory? What are the origins and premises of this theory? What can a critical analysis of it bring about in the understanding of local development? In what does social capital differ from social control, civic participation, political culture or civic culture? How to rigorously develop a concept that is in-between economic, cultural, social and political dimensions? Does it represent an epistemological progress when we consider the current attempts in building new categories to explain and read the reality of local development? What is its heuristic value? How does the analysis of local development in Bahia question and contribute to the understanding of social capital? In this article, based on a critical review of definitions of social capital and a field research being conducted in the countryside of Bahia (mainly through the experiences in the Municipality of Pintadas in the «sertão», a semi-arid zone in the North-East of Brazil), we try to understand why and how social capital can help us firstly explain changes in local power structures in Brazil, and secondly analyze the complexities of local development.

A literatura acadêmica e os relatórios de agências internacionais que tratam do tema do capital social partem, de modo quase generalizado, da constatação de que as variáveis econômicas não são suficientes para produzir desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável. Afirmam que o crescimento econômico não produz, necessária e diretamente, o desenvolvimento social; relembram que as instituições e o sistema social são elementos-chave na resolução do problema do acesso aos benefícios econômicos produzidos e de sua repartição. Autores como Robert PutnamPUTNAM, Robert. (1995), « Bowling alone: America’s declining social capital ». Journal of Democracy, janeiro, v. 6, n. 1, pp. 65-78., James ColemanCOLEMAN, James. (1990), Foundations of social theory. Cambridge, Massachusetz: Harvard University Press., Michael WoolcockWOOLCOCK, Michael. (1998), "Social capital and economic development: toward a theoretical synthesis and policy framework". In Theory and Society, 27 (2), pp. 151-208., Henrique RattnerRATTNER, Henrique. (2002), Prioridade: construir o capital social. Disponível em: http://www.abdl.orq.br/rattner
http://www.abdl.orq.br/rattner...
, Ricardo AbramovayABRAMOVAY, Ricardo. (2000), "O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento territorial". Economia Aplicada, v. 4, n. 2, abril/junho., entre outros estudiosos do tema, tratam, em seus respectivos campos de estudo, as redes de compromisso cívico, as normas de confiança mútua e a riqueza do tecido associativo enquanto fatores fundamentais do desenvolvimento local (rural e urbano). Os fatores de ordem social, institucional e cultural são, assim, reconhecidos por terem impacto direto no incremento qualitativo da comunicação entre indivíduos e atores sociais, na produção de melhores formas de interação social e na redução dos dilemas da ação coletiva.

Ora, sabe-se desde há muito que o desenvolvimento local envolve fatores sociais, culturais e políticos que não se regulam, exclusivamente, pelo sistema de mercado. O crescimento econômico é uma variável essencial, porém não suficiente para ensejar o desenvolvimento local. Considerado como projeto (PERROUX, 1961PERROUX, François. (1961), L'Economie au XXe siècle. Paris : Presses Universitaires de France.), caminho histórico (SACHS, 1993SACHS, Ignacy. (1993), L'Ecodéveloppement, stratégies de transition vers le XXIe siècle. Paris: Syros, 120p.), plurldimensional (HENRI BARTOLI, 1999BARTOLI, Henri. (1999), Repenser le développement, en finir avec la pauvreté. Paris : UNESCO/MOST/Economica, 205 p.), o desenvolvimento local é, sabidamente, marcado pela cultura do contexto em que se situa. O desenvolvimento local pode ser considerado como o conjunto de atividades culturais, econômicas, políticas e sociais - vistas sob ótica intersetorial e trans-escalar - que participam de um projeto de transformação consciente da

realidade local. Neste projeto de transformação social, há significativo grau de interdependência entre os diversos segmentos que compõem a sociedade (âmbitos político, legal, educacional, econômico, ambiental, tecnológico e cultural) e os agentes presentes em diferentes escalas econômicas e políticas (do local ao global). É fundamental pensar o desenvolvimento local enquanto projeto integrado no mercado, mas não somente: o desenvolvimento local é também fruto de relações de conflito, competição, cooperação e reciprocidade entre atores, interesses e projetos de natureza social, política e cultural.

Por conseguinte, reafirmar a relevância dessas dimensões do desenvolvi mento local não nos parece constituir o aspecto particularmente inovador e pertinente dos escritos sobre capital social. Quais são as premissas e a origem da teoria do capital social? O que a análise crítica do conceito de capital social pode trazer de novo ao campo do desenvolvimento local? A definição de capital social integra as noções de controle sacia1, participação cidadã, cultura política, cohabitação, convivência e cultura cívica? Como pensar a construção de um conceito que se encontra na fronteira entre o econômico, o cultural, o social e o político? O conceito de capital social representa avanço epistemológico na tentativa atual de construir novas categorias de análise para ler e explicar a realidade do desenvolvimento local? Qual o valor heurístico deste conceito?

Neste artigo, em primeiro lugar, expomos e analisamos as experiências de desenvolvimento local no Município de Pintadas (Bahia, Brasil). Buscamos, neste estudo de caso, significados (práticas e expressões) do capital social no projeto de desenvolvimento local de Pintadas que nos permitam explicar, de modo contextualizado e empiricamente analisado, relações possíveis entre tais significados e o projeto de transformação social (em seu discurso e em seus resulta dos). Em um segundo momento, a partir de uma revisão preliminar de alguns estudos sobre capital social, tentamos lançar primeiras interrogações acerca da importância deste conceito para compreender as estruturas de poder local e para analisar o desenvolvimento local em sua complexidade. Trabalhamos com a hipótese de que o potencial analítico da categoria « capital social » tem duas colunas principais de sustentação: por um la90, o conceito tem dimensões concomitantemente explicativa e avaliativa, porquanto, por melo da definição de capital social, busca-se compreender e analisar o desenvolvimento local e, ao mesmo tempo, valorar e avaliar realidade social (por intermédio, por exemplo, de metodologias de avaliação de projetos, de novos índices para medir o desenvolvimento local, de políticas públicas de reforço do capital social ou de intervenções sociais por associações e ONGs); por outro, tenta articular a dinâmica dos processos (valores, normas de confiança e participação) com a lógica dos resultados econômicos (desenvolvimento econômico).

PINTADAS: DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA Á CONTESTAÇÃO POLÍTICA

O Município de Pintadas, situado a cerca de 250 km a oeste de Salvador, na região do semi-árido baiano, com 100% de seu território incluído no chamado Polígono das Secas, é classificado pelo PNUD como tendo baixo índice de desenvolvimento humano. Dados do IBGE de 2000 indicam que a população é de 11.166 habitantes, dos quais 63% vivem na zona rural (a média de ruralidade do estado da Bahia é de 37,6%). A concentração fundiária e a prática da pecuária extensiva (atividade poupadora de mão-de-obra) são marcas essenciais do mundo rural em Pintadas; cerca de 80% dos produtores rurais possuem 15% das terras; os pequenos produtores cultivam alimentos de subsistência como milho, feijão e mandioca, altamente susceptíveis à seca. Deste quadro socio-econômico resulta a migração sazonal para o Sudeste brasileiro: a cada ano, cerca de três mil trabalha dores, majoritariamente homens, partem, sobretudo, para São Paulo a fim de trabalhar nas usinas de álcool). Devido à falta de oportunidades de trabalho e renda e à precariedade das condições de sobrevivência, 50% das famílias foram classificadas como indigentes em 1989 (FREITAS, 1999FREITAS, Mirian Tereza. (1999), Pintadas: Gestão Social em um Modelo Democrático-Participativo. Salvador, Trabalho da Disciplina Política Gestão Social do NPGA/EAUFBA, mimeo.).

Diante desse contexto, o movimento social de Pintadas, de caráter popular e organizado com base nas necessidades dos produtores rurais, inicia seu pro cesso de mobilização já na década de 1960, sob a liderança da Igreja Católica. O mutirão, denominado em Pintadas como "boi roubado" e "baleia", já se constitui, então, em instrumento de resistência coletiva. A participação de setores mais progressistas da Igreja Católica desde os anos 1970, com a instalação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), influencia fortemente a organização social local. As CEBs incentivam a formação do Conselho Pastoral das Comunidades e do Conselho Pastoral de Jovens. A presença da Pastoral da Terra, a partir da década de 1980, fortalece as práticas· solidárias entre os trabalhadores rurais, transformando o mutirão em uma atividade de cunho laboral e a serviço da população pintadense.

A fundamentação filosófica, humanista e religiosa desse movimento parte da teologia da libertação. Quando, em 1984, chegam ao município três religiosas - dentre as quais, a atual prefeita Neusa Cadore (do Partido dos Trabalhadores, PT) -, formam-se grupos de encontro e discussão sobre a realidade local e as necessidades dos trabalhadores rurais. Em 1985, Pintadas transforma-se em município, desvinculando-se do Município vizinho de Ipirá - o que outorgará ao movimento social maior envergadura política local.

A cooperação com agentes da cooperação internacional é outro elemento mobilizador do desenvolvimento local em Pintadas. O Projeto TAP! - Projeto de Tecnologia Apropriada em Pequena Irrigação - é lançado em 1988, a partir de parceria com o governo francês, visando, sobretudo, à melhoria da gestão dos recursos hídricos.2 2 Vide, por exemplo, BAZIN, Frédéric. Projeto Pintadas: do apoio à agricultura familiar ao desenvolvimento territorial. [online] Disponível em: http://www.pronaf.gov.br/Encontro/textos/Pintadas%2003%2006.doc. Dois anos depois, uma agência holandesa cria vínculos com a cidade para a formação de monitores locais, a fim de suprir a ausência de mão-de-obra escolarizada. Atualmente, as ONGs internacionais mais presentes em Pintadas são a DISOP (ONG belga: micro-finança), Peuples Solidaires (França, que presta apoio, essencialmente, em matéria de recursos hídricos), II Canale (Itália: projetos na área de formação) e o DED (Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social: enviando cooperantes para o monitoramento de atividades sócio-produtivas).

Figura 1
Rede Pintadas

O Movimento de Pintadas ganha uma força ainda maior com a constituição da chamada Rede Pintadas (funcional desde 2000 e institucionalizada sob a forma jurídica de associação, desde julho de 2003), representada na figura acima. A maior parte das decisões estratégicas para o desenvolvimento de Pintadas são discutidas no âmbito da Rede, com a participação de representantes das entidades-membro. Prática inovadora no plano local, o Primeiro Congresso Popular é organizado em junho de 2002 com o apoio da Prefeitura, pautando-se por significativa participação popular: por exemplo, com a reunião de todos os membros da Rede, a apresentação de experiências e propostas de políticas públicas, a organização de grandes assembléias populares, bem como a eleição e designação de delegados para o Congresso (chegando a um total 250 delegados presentes). Professores universitários e técnicos voluntários, enquanto elementos externos ao conjunto de cidadãos de Pintadas, também participam dessa iniciativa.3 3 O mundo rural brasileiro conhece, desde meados dos anos 1990, proliferação significativa de conselhos municipais de desenvolvimento rural, montagem de centenas de secretarias municipais de agricultura, pressão social sobre os recursos dos fundos constitucionais e sobre a própria política agrícola, a experiência de construção de assentamentos e esforços na formação das organizações rurais (ABRAMOVAY, 2000).

A eleição da missionária Neusa Cadore (originária de Santa Catarina, no sul do Brasil), em 1996, pode ser considerada como elemento político igualmente central na história das experiências de gestão participativa em Pintadas. Em 2000, a reeleição foi inevitável, já que o movimento popular iniciado de maneira tão pecu liar acabou por despertar na população local um desejo de melhorias comuns e de transformação mais profunda das estruturas políticas locais.

No entanto, a dificuldade orçamentária do Município é considerável: é um dos 20 municípios baianos com menor arrecadação tributária. Pintadas defronta se, além disso, com o problema do acesso à terra (e conseqüente modernização das estruturas agrárias e da agricultura), da disponibilidade de água potável e do isolamento em relação ao mercado (acesso rodoviário difícil e distância dos eixos de circulação da região do semi-árido). Ademais, com a eleição de uma candidata do PT ao governo local, Pintadas não mais constitui prioridade do governo estadual (Salvador) para investimentos em infraestruturas sócio-econômicas. Por exemplo, coincidência ou não, algumas semanas após a eleição de Neusa Cadore, a única agência bancária do Município (do BANES) é fechada no ano de 1997, o que ocasionou, entre outros fatores, o estabelecimento da cooperativa de crédito local, a SICOOB, indicada na Figura 1.

Dessa descrição breve de alguns resultados preliminares do estudo de caso sobre Pintadas resultam vários questionamentos sobre a definição de capital social, bem como suas relações com o desenvolvimento local (que, neste artigo, estão desenvolvidos sumariamente).4 4 Estamos, atualmente, aplicando questionários para coletar dados qualitativos acerca dos valores, práticas sociais, acesso à informação, grau de associativismo, relações com o poder público da população pintadense. Em primeiro lugar, quanto aos valores e às normas sociais constitutivo do capital social, Pintadas convida-nos a levar em conta a estreita relação entre fé cristã e transformação social. As noções de cidadania e compromisso cívico passam quase, sistematicamente, pela relação com a Igreja. Vários interlocutores em entrevistas realizadas afirmam que a Igreja Católica é a parceira principal da disseminação das práticas de transformação social em Pintadas. Por intermédio dos valores relacionados com a solidariedade e a cooperação, a chamada ala progressista da Igreja Católica estimula a construção do sentido do comunitário e do coletivo: são ilustrações dessa prática os projetos sócio-econômicos implicando a utilização e a gestão de equipamentos comunitários e o trabalho coletivo da Associação Padre Ricardo. O projeto econômico comunitário é, assim, visto como um meio para organizar os pequenos produtores, oferecendo-lhes possibilidades de ampliar sua participação na sociedade maior, tentando estimular-lhes o senso crítico e a consciência sobre a liberdade, a responsabilidade e os direitos dos cidadãos. Da mesma forma, a ação coletiva é justificada em função de seus benefícios econômicos: os folhetos de publicidade da cooperativa de crédito SICOOB,5 5 A regra fundamental do SICOOB é investir 70% dos fundos da cooperativa localmente. A SICOOB tem um ativo de 4,5 milhões de reais. Desde o Início de seu funcionamento, a cooperativa teve 600 mil reais de sobras que foram distribuídas entre os cooperados. A discussão com as bases é muito importante: em média, 1200 cooperados participam das assembléias e debates. Em 2001, foram organizados cursos de formação para 315 cooperados. A taxa de inadimplência para o Projeto de Caprinos, por exemplo, é de 0,8% e do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF) é de 3%. Cerca de 50% dos cooperados vivem em Pintadas (o SICOOB já abrange outros municípios vizinhos). A relação de proximidade (a relação humana) é considerada pelo diretor do SICOOB, Senhor Walcy, elemento fundamental para o êxito da cooperativa. fundado ,em 1997, lembram aos agricultores que, graças à responsabilidade coletiva, podem constituir fundos de aval e contrair empréstimos com que, individualmente, não poderiam contar (ou teriam de pagar taxas de juros mais elevadas praticadas por bancos sem agências em Pintadas).

Em segundo lugar, a identidade coletiva é estreitamente relacionada com o movimento social de Pintadas. O compromisso com a res publica tem origem, entre outros fatores, na luta histórica pela sobrevivência e no combate contra as desigualdades no acesso à terra e à água. Pode-se dizer que a contestação é um elemento-chave para entender a consciência coletiva e a liderança pintadenses. Ponto fundamental, os valores e os compromissos da contestação encontram-se aliados a práticas. A própria Rede Pintadas (que apresenta, ainda, mecanismos e instrumentos de funcionamento bastante incipientes) busca influenciar a coordenação de estratégias de cooperação. A Rede Pintadas não é, ainda, uma rede substantivamente operacional, nem tampouco uma rede funcional que interligue seus membros de modo sistemático, mas os limites da operacionalidade funcional (que podem tornar-se obstáculo em seu desenvolvimento futuro) são compensados por dois elementos que integram o conjunto das expressões do capital social de Pintadas: um elemento ·cultural, marcado pela mobilização que une os diferentes pontos da rede, e um elemento político, marcado pela forma como o poder é distribuído e administrado no seu seio. Acreditamos que a conclusão deste estudo de caso em Pintadas deve permitir-nos ilustrar que o desenvolvimento local é, fundamentalmente, um problema de poder, de cultura e de política; deve possibilitar-nos, ainda, caracterizar o capital social pelo viés político da contestação.6 6 Uma das pistas que estamos explorando diz respeito às chamadas teorias da ruptura na análise da ação coletiva. Vide, por exemplo, USEEM, Bert. (1998), Breakdown Theories of Collective Action Annual Review of Sociology, Palo Alto, volume 24, pp. 215-238.

CONTEXTUALIZANDO OS ESTUDOS SOBRE CAPITAL SOCIAL

Teoria e prática do desenvolvimento nos anos 1990

A partir dos anos 1990, o conhecimento sobre o desenvolvimento e a prática de projetos de desenvolvimento local passam por profunda transformação: o universalismo do desenvolvimento é seriamente questionado; é desafiada a imposição a realidades tão diversas (mormente nos países menos desenvolvidos) de normas e técnicas uniformes e universalizantes definidas, sobretudo, nas grandes capitais dos países ocidentais; fracassam os esforços teóricos de legitimar o desenvolvimento econômico independentemente de suas dimensões sociais e culturais. O relatório mundial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 1990 é um marco importante nesse momento histórico: o índice de desenvolvi mento humano (IDH), apesar de suas reconhecidas dificuldades metodológicas, passa a relativizar o PNB/habitante enquanto medida universal do desenvolvimento e tem forte significado simbólico. As desigualdades sociais e econômicas ocupam, definitivamente, o centro das atenções das correntes dominantes da teoria do desenvolvimento e do discurso da cooperação internacional: no ano 2000, o relatório mundial do PNUD sobre o desenvolvimento humano salienta que a distância que separa a renda individual média dos habitantes mais pobres e dos mais ricos do planeta, que era de 1:30 em 1960, passa a 1:60 em 1990, e a 1:74 em 1999.

Concomitantemente à tentativa de renovação da cooperação internacional por algumas agências e a aceitação quase unânime dos temas sociais e institucionais no chamado mainstream da economia, o desenvolvimento é igualmente criticado em seus fundamentos, em suas práticas freqüentemente contraditórias e em seus mitos fundadores. Em primeiro lugar, como salienta Gilbert Rist em obra que marcou época ao tratar do desenvolvimento enquanto "crença ocidental", critica-se o evolucionismo social que é inerente aos projetos de desenvolvimento: os países sub-desenvolvidos devem atingir o patamar dos países desenvolvidos, visto que haveria etapas a cumprir de forma contínua e cumulativa. Em segundo lugar, ataca-se o individualismo e o economicismo do desenvolvimento. Em terceiro lugar, combate-se o normativismo e o instrumentalismo dos escritos sobre desenvolvi mento. Ou seja, passa-se a recusar a idéia de que, em matéria de desenvolvimento, seja possível antecipar de modo determinista os passos futuros a serem seguidos pelas economias do Sul e, ademais, definir as ferramentas para atingir determinados objetivos de maneira universal e independente de contextos e lógicas locais (RIST, 1996RIST, Gilbert. (1996), Le développement, histoire d'une croyance occidentale. Paris: Presses de Sciences Po, 426 p.).

Afinal de contas, seria o desenvolvimento a simples extensão planetária do sistema de mercado em detrimento de valores relacionados à solidariedade, da ética, da responsabilidade intergeracional, de culturas e histórias tão distintas em diferentes regiões do mundo? Apesar do discurso bem construído em manuais e relatórios, poder-se-ia dizer que o desenvolvimento é sinônimo de intervenção, de imposição ou de assistência humanitária? Seria possível tornar a retórica, a ciência e a prática internacionais em torno do desenvolvimento mais coerentes entre si? A dificuldade de responder rigorosamente a tais questões, trazidas ao debate internacional por intelectuais, movimentos sociais, acadêmicos, pela mídia e por ONGs nacionais e internacionais, leva muitos pensadores a proclamar o fim do desenvolvimento e a pensar no chamado pós-desenvolvimento. Em 2002, por exemplo, organizou-se na UNESCO um colóquio internacional sobre a necessidade da descontrução do desenvolvimento, termo e prática estreitamente associa dos à colonização, à ocidentalização do mundo, à globalização econômico-financeira e à uniformização planetária: autores e intelectuais como Wolfgang Sachs, Serge Latouche, Ivan Illich e Arundathy Roy sustentam que é fundamental requalificar e analisar criticamente os processos de transformação social compreendidos sob a etiqueta do desenvolvimento ou simplesmente aboli-lo de forma radical enquanto categoria. Ainda que não expliquem como substituir o conceito e a prática do desenvolvimento, sobretudo nos contextos em que as desigualdades e as carências são ainda muito flagrantes, esses grupos contestatários denunciam com veemência as práticas incoerentes do desenvolvimento e seus resulta dos nefastos sobre as culturas locais: o Forum Social Mundial, em suas diferentes edições a partir de janeiro de 2001, pode ser considerado como um dos espaços privilegiados de encontro dessas expressões da contestação.7 7 Para uma descrição detalhada do Colóquio, vide www.unesco.org/most/unmakedev.htm

O reconhecimento dos erros cometidos, as distorções causadas e, sobretudo, a permanência das desigualdades estão no bojo da crise que conhece o desenvolvimento nos anos 1990, marcada pela crítica acirrada e, ao mesmo tempo, pela tentativa de renovação. Não se deve esquecer que, neste mesmo período, o Estado é denunciado por sua inépcia, falta de transparência, ineficiência e corrupção. Associam-se, em alguns casos, as propostas de transformação qualitativa do desenvolvimento à crise do Estado, o que propicia conclusões por vezes apressadas acerca das origens de ambas as crises: para alguns, o problema seria a definição de modelos de desenvolvimento promovido pelo Estado. Este não seria grande o suficiente para tratar de problemas globais, nem tão pequeno 'assim para estar próximo do cidadão e acompanhar de perto as relações que, gradualmente, complexificam o desenvolvimento local.

Surgem, nesse contexto, novos temas na agenda oficial da cooperação multilateral: temas como a descentralização, a governança local, a participação, a emergência da sociedade civil e, mais recentemente, o capital social integram o envelope de novos projetos do sistema de cooperação para o desenvolvimento. Ainda que tenham naturezas distintas, todos esses novos temas têm relação direta com aspectos institucionais, políticos, culturais e sociais do desenvolvimento. Todos tendem a pôr em evidência a diversidade e a particularidade dos contextos locais. Todos reconhecem a evidência de que cada contexto tem a sua necessidade própria e demanda, assim, respostas particulares e diferentes em termos de políticas públicas e projetos de desenvolvimento local.

Tais temas e projetos da agenda internacional renovada, ao reconhecerem os limites do desenvolvimento outrora denunciados por autores como Ignacy Sachs ou Amartya Sen, tendem a pôr em relevo o local como escala de análise e de intervenção em detrimento do nacional. Tendem a desarticular a escala local de sua correspondente nacional. Em detrimento do nível mesoeconômico e mesopolítico, passam a articular o local e o global diretamente. O desenvolvimento local é considerado, nesse contexto, como a panacéia das crises do desenvolvi mento (nacional) e do Estado-nação, panacéia para a qual não haveria limites ou constrangimentos.

Conceber o desenvolvimento local a partir desse prisma comporta riscos evidentes. O primeiro deles é o risco do localismo, que aprisiona atores, processos e dinâmicas de modo exclusivo ao seu local, a sua geografia mais próxima, sem fazer as necessárias conexões com outras escalas de poder. O segundo risco é pensar ser possível o desenvolvimento local autônomo e independente de estratégias de desenvolvimento nacional e internacional, ou seja, conceber estratégias locais de desenvolvimento econômico como se estas não tivessem relação de interdependência, por exemplo, com políticas nacionais de ciência e tecnologia, ou negociações mundiais sobre a liberalização do comércio. Um terceiro risco é a atomização do desenvolvimento local, com o corolário da fragmentação de iniciativas não necessariamente coerentes entre si.

Há, no entanto, outras formas - mais complexas - de conceber o desenvolvi mento local. A análise do local do desenvolvimento pode ganhar força com a expansão da globalização econômica, porquanto o desenvolvimento local seria o contraponto do contexto e da diversidade frente ao temor da uniformização de meios e conteúdos. O local pode ser emancipatório, tornar-se fonte de novas uto pias e apresentar potencial transformador. Para fazer-se o desenvolvimento, Amartya Sen lembra-nos que é fundamental ampliar a capacidade de realização das atividades livremente escolhidas e valorizadas por cada sujeito do desenvolvimento; por tanto, o desenvolvimento não é conseqüência automática do crescimento econômico (SEN, 2000SEN, Amartya. (2000). Un nouveau modele économique, développement, justice, liberté. Paris: Editions Odile Jacob, 356 p.). O desenvolvimento local, pensado enquanto projeto de transformação social, responde a esses critérios enunciados por Amartya Sen.

Assim, o desenvolvimento local pode tornar-se ferramenta de análise mais dinâmica quando posto em relação com as lógicas de desigualdade, ou seja, quando associado à hipótese de que as dinâmicas geradoras de desigualdade e exclusão não podem ser desconstruídas exclusivamente pelo alto (SILVEIRA, 2001SILVEIRA, Caio Márcio; DA COSTA REIS, Liliane (orgs.). (2001), Desenvolvimento Local, Dinâmicas e Estratégias. Rede DLIS/RITS, 164 p., p. 31). Por isso, pensar o desenvolvimento local implica extravasar o local limitado por espaços geográficos e pensar sua identificação a partir da desconstrução da falsa antinomia entre o micro e o macro. O local constitui-se em território (levando a que alguns pensem mais em termos de desenvolvimento territorial) e conduz-nos a analisar a endogenia (o desenvolvimento local torna efetivas e dinamiza potencialidades locais próprias) e a particularidade (fatores locais) do contexto em que se situa. O local é, nesse sentido, construído social e territorialmente; é delimitado pela permanência de um campo estável de interação entre atores sociais, econômicos e políticos.

É com este olhar sobre o desenvolvimento local e desde a perspectiva da análise política que passamos a analisar o capital social. O tema não é novo, mas é·retomado com vigor pelas agências de desenvolvimento em meados dos anos 1990 e aparece com alta freqüência em títulos de artigos em periódicos e livros, sobretudo a partir de 1999 (SABEI, 2002, p. 139). Privilegiando as dimensões cultural e política do desenvolvimento local, a idéia de capital social interessa-nos, neste artigo, principalmente em função da oportunidade que parece ensejar para a análise complexa dos fatores sócio-políticos e institucionais do desenvolvimento.

BREVE ANÁLISE DE ALGUNS ESTUDOS SOBRE O CAPITAL SOCIAL

As discussões acerca da atribuição da autoria do termo "capital social" parecem-nos estéreis e sem interesse acadêmico. Registramos simplesmente que Lyda Hanifan define o capital social, já em 1916, como o conjunto dos elementos tangíveis que mais contam na vida quotidiana das pessoas, tais como a boa vontade, a camaradagem, a simpatia, as relações sociais entre indivíduos e a família; Hanifan parte da idéia de que as redes sociais podem ter valor econômico.8 8 HANIFAN, Lyda Johnson. (1916), The rural school community center. ln Annals of the American Academy of Political and Social Science, nº.67, pp. 130-138. Mais adiante, Jane Jacobs, Glenn Loury, Pierre Bourdieu e Ekkehart Schlicht utilizam o termo e teorizam sobre a noção de capital social (MEDA, 2002MEDA, Dominique. (2002), "Le capital social: un point de vue critique". L'Economie Politique, Paris, n. 14, abril, pp. 36-45.). Segundo Robert Putnam, a urbanista Jane Jacobs9 9 JACOBS, Jane. (1961), The Death and Life of Great American Cities. New York, Random House, p. 138. teria sido a primeira analista social a utilizar, em 1961, o termo "capital social" com o seu significado atual (PUTNAM, 1995PUTNAM, Robert. (1995), « Bowling alone: America’s declining social capital ». Journal of Democracy, janeiro, v. 6, n. 1, pp. 65-78.).

As análises feitas nos Estados Unidos são pioneiras na tentativa de com preensão das relações entre a riqueza da sociedade civil e o processo de construção da democracia. Desde os conhecidos estudos de Alexis de Tocqueville no século XIX (dentre os quais destaca-se A Democracia na América), a maioria das análises sobre a própria sociedade norte-americana salientam o impacto do compro misso cívico das entidades da sociedade. civil (associações, clubes, sindicatos) na construção da democracia liberal. Da combinação entre compromisso cívico, comunidade e liberdades individuais resultaria o capital social, base da democracia liberal norte-americana. Destarte, o desinteresse pelo sistema de democracia representativa poderia ser explicado, entre outros fatores, pela diminuição do grau de participação dos cidadãos norte-americanos no mundo associativo, nos clubes de lazer e nas associações religiosas.

No Velho Continente, o desenvolvimento político e a história das relações entre Estado e sociedade resultam na menor quantidade de estudos e em uma acepção de capital social mais relacionada com os benefícios individuais e de classe oriundos de relações pessoais e Valores socialmente compartilhados. Pierre Bourdieu, um dos grandes estudiosos do tema na França, lembra que este seria um dos tipos de recursos de que dispõem os indivíduos e os grupos sociais, os outros sendo o capital econômico, simbólico, histórico e cultural. O capital social é, para Bourdieu, o conjunto de relações e redes de ajuda mútua que podem ser mobilizadas efetiva mente para beneficiar o indivíduo ou sua classe social. O capital social é propriedade do indivíduo e de um grupo; é concomitantemente estoque e base de um pro cesso de acumulação que permite a pessoas, inicialmente bem dotadas e situadas, de terem mais êxito na competição social. A idéia de capital social remete aos recursos resultantes da participação em redes de relações mais ou menos institucionalizadas. Entretanto, o capital social é considerado uma quase-propriedade do indivíduo, visto que propicia, acima de tudo, benefícios de ordem privada e individual (BOURDIEU, 1980BOURDIEU, Pierre. (1980), "Le capital social: notes provisoires". Actes de la recherche en sciences sociales, v. 31, pp. 2-3.). Na França, o capital social dos indivíduos poderia, nesse sentido, permitir-lhes o acesso à informação, profissões, favores, benefícios institucionais, independentemente da norma republicana de igualdade entre os cidadãos. Bourdieu desenvolve o conceito de capital social em termos de estratégia de classe; o capital social tem, para ele, o caráter de instrumento (da mesma forma que o capital econômico ou o capital cultural) que utilizam atores racionais com vistas a manter ou reforçar seu estatuto e seu poder na sociedade.

Os estudos sobre capital social tentam, como se pode observar no Quadro 1, a seguir, reunir categorias de análise oriundas da economia e de outras ciências sociais (sobretudo a ciência política, a sociologia e a antropologia): estoque, recursos, cumulatividade, redes sociais, confiança mútua, convivência, compromisso cívico, entre outras. Putnam, por exemplo, salienta que, em uma comunidade ou uma sociedade abençoada por estoques significativos de capital social, redes sociais de compromisso cívico incitam a prática geral da reciprocidade e facilitam o surgimento da confiança mútua (PUTNAM, 1995PUTNAM, Robert. (1995), « Bowling alone: America’s declining social capital ». Journal of Democracy, janeiro, v. 6, n. 1, pp. 65-78., p. 67). Ademais, no campo particular da ciência política, resultam os estudos sobre capital social da revalorização das análises acerca da cultura política. Ao reconhecer a relevância da cultura política na consolidação democrática, consideram que os arranjos constitucionais e institucionais não são tão autônomos em relação aos padrões culturais da comunidade ou da nação. A democracia é, assim, reconsiderada como processo que ultrapassa a legitimidade pela legalidade. (expressão de Max Weber). A manutenção e o fortalecimento da democracia passam não-somente pelas estruturas da institucionalidade, mas também pela existência de cidadãos informados e atentos ao que ocorre na política. A democracia substantiva pressupõe a combinação de democracia representativa e participativa, sendo, assim, mais ampla que uma democracia de procedimentos. A novidade dos estudos políticos sobre capital social está no fato de tentarem integrar valores individuais à política e conceber o cidadão na qualidade de sujeito participante. Os grandes paradigmas que lhes ser vem de fundamento são a democracia participativa (Putnam), a democracia deliberativa (Habermas) e a democracia radical (Chantal Mouffe). Ademais, as análises do processo de integração do cidadão à democracia participativa e da relevância do capital social na política são, de regra, feitas indutivamente por meio de estudos de caso e de estudos empíricos (BAQUERO, 2002BAQUERO, Marcello. (2002), « Democracia, cultura e comportamento político: uma análise da situação brasileira ». In: PERISSINOTTO, Renato; FUKS, Mario (orgs.), Democracia, Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Curitiba: Fundação Araucária, pp. 105-138.).

Quadro 1
Síntese de Algumas Definições de Capital Social

No campo da economia e, mais particularmente, da economia do desenvolvi mento, praticamente todas as pesquisas mais recentes reconhecem a relevância, em diferentes graus, de fatores institucionais e sociais no desenvolvimento econômico (MONASTÉRIO, 2000MONASTÉRIO, Leonardo Monteiro. (2000), Capital social e crescimento econômico: mecanismos. Trabalho apresentado no VI Encontro Regional de Economia BNB/ ANPEC, Fortaleza, Revista Econômica do Nordeste, v. 31, n. especial, pp. 866-880. Disponível na Internet via http://www.leonardomonasterio.hpq.iq.com.br/index.htm
http://www.leonardomonasterio.hpq.iq.com...
). Passada a influência pujante das análises de Gary Becker (para quem o capital social seria toda interação social de efeito contínuo, diferente de comportamentos individuais atomizados e realizada fora do merca do - ou seja, uma externalidade que corrige imperfeições do mercado), muitos economistas rendem-se à obviedade da heteronomia do mercado capitalista na produção de desenvolvimento econômico e social: o mercado não geraria, exclusivamente e por si próprio, desenvolvimento, qualidade de vida, respeito dos direitos humanos. Isto já pode ser considerado como um avanço relativo.

Grosso modo, os estudos econômicos podem ser classificados em quatro categorias, a saber:

  1. Estudos quantitativos: a quantidade de associações·sem fins lucrativos teria impacto sobre o capital social e o desenvolvimento econômico. São exemplos os estudos feitos a partir da Pesquisa Mundial sobre Valores por Ingelhart, as pesquisas de Narayan sobre capital social e pobreza na Tanzânia (as regiões em que a pobreza era menor também tinham níveis de capital social - medidos pela participação dos indivíduos em atividades associativas e pela confiança que poderiam ter em instituições e em outro indivíduo - mais elevado), bem como os estudos de Temple em alguns país s da Africa sub-sahariana ressaltando que a combinação de fatores de densidade de redes sociais em que a diversidade étnica, a mobilidade social e a extensão dos serviços telefônicos elevam os índices de crescimento econômico nacional.

  2. Estudos comparativos: além dos clássicos estudos de Putnam sobre o norte e o sul da Itália (1993) e os Estados Unidos (1995, 1998), Portes (1995) estuda comunidades com grupos coreanos e mexicanos nos EUA e conclui que os primeiros têm estrutura social mais articulada, o que influencia o grau de desenvolvimento de suas comunidades: os .coreanos prestam ajuda aos imigrantes recém-chegados, concede-lhes crédito e seguro para abrir negócios, presta auxílio na educação das crianças, facilita o acesso a aulas de inglês.

  3. Estudos qualitativos: Andersen (Estados Unidos, 1995) estudou o papel das «cabeças velhas», os anciãos de comunidades afro-americanas, sendo considerados como fontes de capital social (sabedoria e conselhos aos jovens). Na série de estudos qualitativos, merece destaque o trabalho realizado por David Robinson, na Nova Zelândia. Salienta três aspectos-chave do capital social, a saber: cidadãos com conhecimento e dinamismo para a ação pública (cidadãos-atores); uma rede de associações e organizações sem fins lucrativos e de caráter voluntário (agências); fóruns de deliberação pública (oportunidade). Os cidadãos-atores consubstanciam a cidadania ativa, as agências são as operadoras e as mediadoras, ao passo que a oportunidade corresponde ao espaço público de discussão, negociação e deliberação. No Brasil, Marcello Baquero analisa a confiança depositada pelos cidadãos nos sistemas de construção partidário e nos processos eleitorais, além de promover rede de estudos sobre cultura política no Rio Grande do Sul.

  4. Estudos com caráter avaliativo: analisam formas pelas quais o conceito de capital social pode ser usado para ajudar a organizar atividades e processos, sobretudo no campo do desenvolvimento local. Autores como Caio Mareio Silveira e Augusto de Franco buscam demonstrar a necessidade de incentivar o capital social por mecanismos de gestão participativa e comunitária. Augusto de Franco, por exemplo, define o capital social como o conjunto dos recursos associados à existência de redes de conexão entre pessoas e grupos que promovem a parceria - por exemplo, o reconhecimento mútuo, a confiança, a reciprocidade, a solidariedade e a cooperação - e o empoderamento - ou seja, a democratização do poder que se efetiva com o aumento da possibilidade e da capacidade das populações influírem nas decisões públicas (DE FRANCO, 2001DE FRANCO, Augusto. (2001), "O conceito de capital social e a procura de um índice sistêmico de desenvolvimento local integrado e sustentável". In: SILVEIRA, Caio Márcio; DA COSTA REIS, Liliane (orgs.). Desenvolvimento Local, Dinâmicas e Estratégias. Rede DLIS/RITS, pp. 153-162., p. 153). O capital social pode, assim, ser medido a partir da porcentagem de pessoas que participam de organizações da sociedade civil, conselhos de políticas públicas e fóruns de desenvolvimento.

Esta revisão breve de alguns escritos sobre capital social permite-nos emitir cinco comentários de natureza preliminar:

Em primeiro lugar, fica evidente que não há consenso quanto ao conceito propriamente dito de capital social. A. sua definição segue sendo um terreno de disputas, sobretudo porque se tenta, concomitantemente, compatibilizar a lógica processual das relações sociais com o campo das políticas públicas de desenvolvi mento: capital social é fonte de recursos; é conjunto de normas, instituições e organizações; é forma de reconceptualização do papel que normas e valores desempenham na vida econômica (MOLYNEUX, 2002MOLYNEUX, Maxine. (2002), "Gender and the silences of social capital: Lessons from Latin America". In: Development and Change, 33 (2), pp. 167-188.). Além disso, freqüentemente, as definições de capital social são tautológicas e circulares: o capital social pode ser entendido dentro de uma relação de causa e efeito, os fatores a ele associados tendo, assim, efeitos econômicos e sociais; estes, por sua vez, influenciam a criação de capital social (e isso de forma interdependente). Por um lado, a celeuma conceituai que daí resulta pode servir a diferentes agendas e interesses, sem prestar grandes serviços à compreensão crítica da realidade. Por outro, da fluidez polissêmica do conceito pode surgir a oportunidade de reabrir o debate sobre velhos temas associados às tensões entre o capital e social, entre individual e coletivo, na compreensão das d1rmensoes soc1a1s do desenvolvimento: um dos perigos, como lembra Ben Fine, é justamente a redução da teoria social à teoria do capital social (FINE, 2001FINE, Ben. (2001), Social capital versus social theory, political economy and social science at the turn of the millenium. Londres: Routledge, 293 p., pp. 175 e ss).

Em segundo lugar, independentemente das disputas acima mencionadas, parece haver consenso entre os autores quanto à importância do contexto na definição das variáveis e fatores do capital social: reconhece-se que o capital social não pode ser isolado de seu contexto e construído artificialmente. A força eventual da noção de capital social está no fato de que se origina e, concomitantemente, tem impacto em uma série de comportamentos humanos e atividades sociais devidamente contextualizados. O capital social está fundado em relações sociais. David Robinson, como está indicado no Quadro 1, define o capital social enquanto um conjunto de recursos a que um indivíduo ou um grupo tem acesso em função do fato de pertencer a uma rede de intercâmbio e relações mutuamente proveitosas (ROBINSON, 2002ROBINSON, David (org.). (2002), Building social capital. Wellington (Nova Zelândia): Institute of Policy Studies, Victoria University of Wellington, 85 p., p. 3). Aspectos desta estrutura social, tais como relações, normas e confiança social, podem ajudar a desenvolver a coordenação de atividades e a cooperação em torno de projetos de benefício comum. Recursos aqui referem-se a fatores, tais como estatuto, atenção, conheci mento, bem como oportunidades para participar e comunicar; não se referem simplesmente a conexões que dão acesso a recursos físicos e a informação. O capital social refere-se, então, à capacidade e à habilidade dos cidadãos de conectar-se (no inglês, connectedness). Redes de relações propiciam o fluxo e o intercâmbio de informações; criam espaços nos quais a comunicação pode ter lugar, o que é uma função-chave para sistemas sociais ricos em capital social, uma vez que abrem acesso à informação e permitem que opiniões e conhecimentos sejam compartilhados. O sentimento de pertencer ao grupo (identidade de grupo) é fundamental na definição do capital social; passamos, assim, de uma identidade baseada no conheci mento (Cogito ergo sum) a outra fundada no sentimento de pertencimento (Cognatos ergo sum). No entanto, reconhecer a importância do contexto não implica adotar visão etnocêntrica do capital social, nos moldes do conceito desenvolvimentista de cultura cívica desenvolvido por Gabriel Almond e Sidney Verba.10 10 Vide ALMOND, G.; VERBA, S. (orgs.). (1980), The Civic Culture Revisited. Boston: Little Brown.

Em terceiro lugar, o capital social é uma categoria de capital bastante particular. O termo « capital » refere-se em geral a uma riqueza, um fundo, um estoque (de terras, de bens móveis ou imóveis, de instrumentos) que servem à produção e dos quais rendas podem ser auferidas. O capital físico da teoria econômica é um esto que de bens, ao passo que o capital humano é um estoque de competências, qualidades e aptidões. O capital social seria, assim, um estoque de relações e valores; seria coletivo (para muitos autores) porque compartilhado pelo conjunto da sociedade; seu aumento dependeria do aprofundamento destas relações, de sua multiplicação, intensidade, reatualização e criação de redes de relações.

Ao reconhecer esta particularidade do capital social, poderíamos perguntar nos se é possível concebê-lo na perspectiva do bem comum ou do bem coletivo, se é possível abandonar a idéia de agregar preferências individuais e deixar, assim, de considerar o capital social enquanto resultante da densidade de redes sociais formadas pelos membros de uma dada sociedade. Ou seja, por que não desenvolver uma perspectiva patrimonial do capital social, o que implicaria considerá-lo enquanto estado global de uma sociedade? Por que não pensá-lo em termos de quanto uma dada sociedade pode propiciar a seus integrantes, o grau de liberdade dos seus membros, o estado das desigualdades, o estoque global de educação, das produções culturais e artísticas, o capital ecológico? Dominique Meda, ao levantar tais questionamentos, desafia-nos a ultrapassar a definição de capital social enquanto qualidade das redes sociais e das relações entre os indivíduos, considerando a sociedade, a nação, o país como um todo, um coletivo que também possui um bem próprio: o capital social corresponderia, assim, ao que Meda chama de « esta do social da nação » (état social de la nation). A sociedade disporia, segundo Meda, de um certo número de bens e recursos, de uma certa quantidade de capitais, cuja progressão, melhora, acumulação e qualidade (ou, n sentido contrário, cuja redução e degradação) também podem ser medidas (MEDA, 2002MEDA, Dominique. (2002), "Le capital social: un point de vue critique". L'Economie Politique, Paris, n. 14, abril, pp. 36-45.).

Outro aspecto da particularidade do capital social diz respeito à cumulatividade. Seu uso tende a fazer aumentar seu estoque por meio de ações que incentivam sua criação, e reprodução (redes, comunicação, apoio e cooperação). Diminui, porém, na medida em que florescem atitudes e comportamentos relacionados com a intolerância, a discriminação e o desrespeito pelos direitos da pessoa humana, bem como restrições à liberdade de expressão e organização política, a diminuição dos espaços públicos de deliberação democrática e a falta de reconhecimento dos direitos de grupos minoritários ou excluídos.

Em quarto lugar, o capital social pode ser entendido enquanto propriedade de uma sociedade (civicness, para Molyneux), propriedade de uma comunidade ou um recurso operacionalizado por indivíduos a fim de maximizar suas capacidades e atingir seus objetivos. Será propriedade da sociedade como um todo porque, além de ·ser um fator central na equação do desenvolvimento e fundamental para a vida econômica, seu valor social ultrapassa sua utilidade econômica. Ele implica ampliar a perspectiva a-aspectos não-econômicos da vida social, tais como o capital de confiança e convivialidade, de capacidade coletiva de viver e agir juntos de maneira eficaz.

Em quinto lugar, a relevância do conceito de capital social pode ser afetada pela idéia de conectá-lo necessária e exclusivamente com um efeito positivo. Muitos responsáveis políticos interessam-se em fórmulas mágicas de « criação e reforço do capital social ». A nossa preocupação epistemológica vai mais no sentido de descobri-lo, desenvolver esta película que o envolve e que o impede de liberar-se e desenvolver-se. Isso significa que ao invés de perguntar-nos « Como podemos construir o capital social em nossas sociedades? », interrogamo-nos a partir de « Como podem as pessoas pertencentes a dada comunidade (re)ativar e utilizar o seu capital social? ».

O INTERESSE DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

É bem verdade que, no campo do desenvolvimento local, o capital social e uma das formas de sua operacionalização - a participação - não são novidades nos países em desenvolvimento e, mais particularmente, na América Latina. Já a partir dos anos 1960, a Igreja Católica (com os Movimentos e as Comunidades Eclesiais de Base) e alguns movimentos de esquerda iniciam a prática de métodos participativos na América Latina. O mesmo ocorre em algumas experiências municipais de gestão participativa, sobretudo no Brasil. O que parece ser novo, no entanto, é a importância que tais práticas adquirem na agenda internacional de desenvolvimento. O capital social e a participação deixam de ser temas marginais no campo do desenvolvimento e, ao mesmo tempo, não mais interessam somente às ciências sociais, que tradicionalmente analisaram fenômenos sociais locais desde a perspectiva dos grupos sociais e dos indivíduos (sobretudo a sociologia, a antropologia e a psicologia).

Não são poucas as Instituições internacionais que desenvolvem programas sobre o capital social. Tais programas tendem a chamar, sobretudo, a atenção para as condições institucionais do desenvolvimento. Entre as organizações, conforme ilustra o Quadro 2, abaixo, destacam-se a FAO (Food and Agriculture Organisation), o Banco Mundial, a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) e a OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento). Este interesse pode ser analisado, pelo menos, sob quatro prismas.

Quadro 2
Organizações Internacionais e Capital Social

Em primeiro lugar, as organizações internacionais reconheceram a crise da economia neoclássica na tentativa de explicação do desenvolvimento e seus motores.11 11 Baseada na teoria da escolha racional (segundo a qual os homens agem enquanto maximizadores da utilidade individual com base em informações transparentes e acessíveis a todos), a economia neoclássica sempre defendera o imperativo de moldar o mundo de acordo com um ideal imaginado de mercados perfeitos e universais. A economia neoclássica desenvolvera-se a partir de dois desafios básicos postos aos seus detratores: Por que as imperfeições do mercado seriam tão importantes? Por que a intervenção do Estado melhoraria a situação haja vista a qualidade dos serviços prestados pelo Estado? Estas questões sempre nortearam o trabalho de muitas organizações internacionais. Os limites da abordagem neoclássica já haviam sido analisados e denunciados dentro e fora da disciplina econômica, por exemplo, no que diz respeito a imperfeições e assimetrias em termos de informações acessíveis no mercado (Joseph Stiglitz), ao papel das instituições no desenvolvimento econômico (Albert Hirschman, Douglas North), à existência de elementos de ordem objetiva e subjetiva que explicam o comportamento dos indivíduos (Luckman e Garfinkel, que lembram o papel das representações, esquemas mentais, saberes e crenças na definição dos interesses dos indivíduos), ou ainda à noção de habitus, como categoria que questiona as condições estruturais - determinismos econômicos e culturais - à luz das ações possíveis dos indivíduos (Bourdieu). É claro que uns autores, mais que outros, terão influência decisiva na agenda das organizações internacionais.

Em segundo lugar, as organizações internacionais beneficiam-se do fato de que as ciências sociais se revoltam definitivamente contra a colonização e o império da disciplina econômica no campo do desenvolvimento: o formalismo matemático e a inventividade estatística são atualmente postos à prova pelas ciências sociais. o individualismo metodológico e a maximização utilitarista são igualmente questionados. É curioso perceber que as principais contribuições produzidas pe las organizações internacionais sobre capital social não prevêem da economia, mas das ciências sociais - as quais sempre têm, porém, a economia como alter ego, seja no método, seja na defesa da hipótese de que fatores não-econômicos produzem crescimento e reduzem desigualdades.

Em terceiro lugar, do ponto de vista político e ideológico, da crise do neoliberalismo e do Consenso de Washington, surge a "redescoberta" pelas instituições financeiras internacionais do papel do Estado e da dimensão social do desenvolvimento (o Banco Mundial mais do que o FMI). No "novo" Post-Washington Consensus, a dimensão social teria mais relevância no desenvolvimento e o Esta do teria sua função de regulação mais universalmente reconhecida. Na opinião de alguns, a mudança seria mais no âmbito do discurso e das declarações do que das práticas efetivas; ela afetaria muito mais o nível da direção das organizações do que seu quadro de funcionários, que absorveriam tais tentativas de mudança menos rapidamente. De qualquer modo, é importante analisar o quanto a integração do capital social e seus temas correlatos (participação, descentralização, governança local) na estratégia comunicacional das organizações internacionais impacta na transformação qualitativa de seus programas e métodos de trabalho (por exemplo, na definição de prioridades de financiamento ou nos métodos de avaliação e gestão de projetos).

Em quarto lugar, o interesse das organizações internacionais pelo capital social reflete também o relativo êxito, junto aos governos dos países em desenvolvimento, dos programas de construção de indicadores não-econômicos do desenvolvimento (por exemplo, o IDH do PNUD): o reconhecimento da relevância do capital social para o desenvolvimento é seguido da necessidade de medi-lo quantitativa e qualitativamente. Como lembra relatório publicado pela OCDE ao cabo de uma conferência organizada em 2002 sobre indicadores de capital social, o desafio metodológico é gigantesco, tanto na tentativa de medir propriedades de conceitos instáveis e variáveis, para não dizer ambíguos e polissêmicos, tais como comunidade, confiança, rede, organização, quanto na consideração da multidimensionalidade e da variabilidade contextual do capital social. A competição das organizações por indicadores de capital social é acirrada igualmente em função de tendências à redução de orçamentos e da necessidade crescente de justificação e avaliação de todo dólar investido na cooperação internacional.

É bem verdade que as organizações internacionais trabalham com o tema do capital social sob sua perspectiva eminentemente instrumental: como o capital social pode permitir entender que determinadas comunidades apresentam melhores índices de desenvolvimento que outras? Além disso, em alguns casos (sobretudo no caso do Banco Mundial e da OCDE), há interesse em saber de que modo o capital social pode permitir a redução das imperfeições do mercado. No entanto, não está claro como o capital social poderia ter um bom e um mau lado (visão maniqueísta) para o mercado, como o capital social poderia estar a serviço do mercado ou contra ele: por exemplo, se os comerciantes ou agentes públicos de uma dada etnia favorecem o comércio ou a interação com indivíduos desta mesma e única etnia, essa interação ajuda o mercado porque produz crescimento e, então, é uma boa fonte de capital social? Ou ela poderia ser qualificada como nepotismo? O trabalho das organizações internacionais ainda não responde a esta interrogação, o que a nosso ver está associado com as ambigüidades ensejadas pelas causalidades, demasiado confortáveis e imediatas, estabelecidas entre capital social e desenvolvimento local.

CONCLUSÃO

No âmbito do projeto de pesquisa que estamos desenvolvendo, temos o objetivo de buscar significados e expressões sócio-políticas e econômicas de uma definição crítica e analítica do capital social, fundamentados em práticas de desenvolvimento local na Bahia. Na definição preliminar com a qual trabalhamos, concebemos o capital social como o somatório de recursos inscritos nos modos de organização cultural e política da vida social de uma população. O capital social é um bem coletivo que garante o respeito de normas de confiança mútua e de compro misso cívico; ele depende diretamente das associações horizontais entre pessoas (redes associativas, redes sociais), das redes verticais entre pessoas e organizações (indo além das mesmas classes sociais, das pessoas da mesma religião, dos membros do mesmo grupo étnico), do ambiente social e político em que se situa a estrutura social (o respeito das liberdades civis e políticas, o ambiente jurídico legal, o compromisso público, o reconhecimento apropriado do papel e da posição do outro nas deliberações e negociações, a permissão que as pessoas se dão ou não em ter o direito ou o dever de participar de processos coletivos, bem como as normas dos compromissos assumidos entre o privado e o público) e, finalmente, do processo de construção e legitimação do conhecimento social (a transformação de informações atomizadas ou práticas referentes a apenas alguns grupos em conhecimento socialmente compartilhado e aceito).

Ao concebermos o capital social dessa forma, devemos precisar que a tensão entre o « capital » e o «social» é evidentemente complexa e dialética. O «social» refere-se à associação, ou seja, o capital pertence a uma coletividade ou a uma comunidade; ele e compartilhado e não pertence a indivíduos (social de «sócio», parceiro). O capital social não se gasta com o uso; ao contrário, o uso do capital social o faz crescer. Nesse sentido, a noção de capital social indica que os recursos são compartilhados no âmbito de um grupo e sociedade, mais além dos níveis do indivíduo e da família. Isso não implica que todos aqueles, compartilhando determinado recurso de capital social, se relacionem enquanto amigos ou membros de uma grande família; significa, no entanto, que o capital social existe e cresce a partir de relações de confiança e cooperação e não de relações baseadas no antagonismo. Além disso, capital social é « capital » porque, para utilizar a linguagem dos economistas, ele se acumula, ele pode produzir benefícios, ele tem estoques e uma série de valores. O capital social refere-se a recursos que são acumulados e que podem ser utilizados e mantidos para uso futuro. Não se trata, porém, de um bem ou serviço de troca, quantificável independentemente dos contextos e das práticas de desenvolvimento local.

REFERÊNCIAS

  • ABRAMOVAY, Ricardo. (2000), "O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento territorial". Economia Aplicada, v. 4, n. 2, abril/junho.
  • ATRIA, Raúl. (2003), Capital social: concepto, dimensiones y estrategias para su desarrollo. In: ATRIA, Raúl et al Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe : en busca de un nuevo paradigma. CEPAL, Michigan State University, pp. 581-590.
  • BAQUERO, Marcello. (2002), « Democracia, cultura e comportamento político: uma análise da situação brasileira ». In: PERISSINOTTO, Renato; FUKS, Mario (orgs.), Democracia, Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Curitiba: Fundação Araucária, pp. 105-138.
  • BARTOLI, Henri. (1999), Repenser le développement, en finir avec la pauvreté. Paris : UNESCO/MOST/Economica, 205 p.
  • BOURDIEU, Pierre. (1980), "Le capital social: notes provisoires". Actes de la recherche en sciences sociales, v. 31, pp. 2-3.
  • COLEMAN, James. (1990), Foundations of social theory. Cambridge, Massachusetz: Harvard University Press.
  • DURSTON, John. (2003), Capital social: parte del problema, parte de la solución, su papel en la persistencia y en la superación de la pobreza en América Latina y el Caribe. In: ATRIA, Raúl et al Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe : en busca de un nuevo paradigma . CEPAL, Michigan State University, pp. 147-202.
  • DE FRANCO, Augusto. (2001), "O conceito de capital social e a procura de um índice sistêmico de desenvolvimento local integrado e sustentável". In: SILVEIRA, Caio Márcio; DA COSTA REIS, Liliane (orgs.). Desenvolvimento Local, Dinâmicas e Estratégias. Rede DLIS/RITS, pp. 153-162.
  • FINE, Ben. (2001), Social capital versus social theory, political economy and social science at the turn of the millenium. Londres: Routledge, 293 p.
  • FISCHER, Fernando; NASCIMENTO, Antônio. (2002), Projeto Rede Pintadas. Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, mimeo.
  • FREITAS, Mirian Tereza. (1999), Pintadas: Gestão Social em um Modelo Democrático-Participativo. Salvador, Trabalho da Disciplina Política Gestão Social do NPGA/EAUFBA, mimeo.
  • GRANOVETTER, Mark. (1973), The strength of weak ties. In: American Journal of Sociology, v. 78, n.6, pp. 1360-1380.
  • GRANOVETTER, Mark. (1984), Economic action and social structure: The Problem of Embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 2, pp. 481- 510.
  • HERMET, Guy. (2001), Capital social et développement. UNESCO/Paris: Colóquio "Lutte centre la pauvreté urbaine: quells politiques?", dezembro, mimeo.
  • JOHNSON, C. (1996), Institutions, social capital and the pursuit of sustainable livelihoods. Working Paper, Institute of Development Studies, Sussex University.
  • LEMANN, Nicholas. (1996), "Kicking in Groups". The Atlantic Monthly, abril, v.277, n. 4, pp. 22-26.
  • MARTINHO, Cássio. (2001), "Algumas palavras sobre rede". In: SILVEIRA, Caio Márcio; DA COSTA REIS, Liliane (orgs.). Desenvolvimento Local, Dinâmicas e Estratégias. Rede DLIS/RITS, pp. 24-30.
  • MEDA, Dominique. (2002), "Le capital social: un point de vue critique". L'Economie Politique, Paris, n. 14, abril, pp. 36-45.
  • MOLYNEUX, Maxine. (2002), "Gender and the silences of social capital: Lessons from Latin America". In: Development and Change, 33 (2), pp. 167-188.
  • MONASTÉRIO, Leonardo Monteiro. (2000), Capital social e crescimento econômico: mecanismos. Trabalho apresentado no VI Encontro Regional de Economia BNB/ ANPEC, Fortaleza, Revista Econômica do Nordeste, v. 31, n. especial, pp. 866-880. Disponível na Internet via http://www.leonardomonasterio.hpq.iq.com.br/index.htm
    » http://www.leonardomonasterio.hpq.iq.com.br/index.htm
  • MOURA, Maria Suzana et al. (2001), Gestão do desenvolvimento local, tempos e ritmos de construção: o que sinalizam as práticas. Salvador: Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, mimeo.
  • PERROUX, François. (1961), L'Economie au XXe siècle. Paris : Presses Universitaires de France.
  • PUTNAM, Robert. (1995), « Bowling alone: America’s declining social capital ». Journal of Democracy, janeiro, v. 6, n. 1, pp. 65-78.
  • RATTNER, Henrique. (2002), Prioridade: construir o capital social. Disponível em: http://www.abdl.orq.br/rattner
    » http://www.abdl.orq.br/rattner
  • RIST, Gilbert. (1996), Le développement, histoire d'une croyance occidentale. Paris: Presses de Sciences Po, 426 p.
  • ROBINSON, David (org.). (2002), Building social capital. Wellington (Nova Zelândia): Institute of Policy Studies, Victoria University of Wellington, 85 p.
  • SACHS, Ignacy. (1993), L'Ecodéveloppement, stratégies de transition vers le XXIe siècle. Paris: Syros, 120p.
  • SEN, Amartya. (2000). Un nouveau modele économique, développement, justice, liberté. Paris: Editions Odile Jacob, 356 p.
  • SILVEIRA, Caio Márcio; DA COSTA REIS, Liliane (orgs.). (2001), Desenvolvimento Local, Dinâmicas e Estratégias. Rede DLIS/RITS, 164 p.
  • SIRVEN, Nicolas. (2001), Capital social et développement : quelques éléments d'analyse. Bordeaux: Université Montesquieu-Bordeaux IV, Centre d'Economie du Développement, Documento de discussão nº 57.
  • WOOLCOCK, Michael. (1998), "Social capital and economic development: toward a theoretical synthesis and policy framework". In Theory and Society, 27 (2), pp. 151-208.
  • 1
    Projeto de pesquisa «Capital social, participação política e desenvolvimento local: atores da sociedade civil e políticas de desenvolvimento local na Bahia» (2002-2005), financiado pela FAPESB e desenvolvido na Escola de Administração da UFBA (NPGA/NEPOL/PDGS/CIAGS). Agradecimentos aos bolsistas Diana Santos, Sheila Cunha e Tiago Guedes.
  • 2
    Vide, por exemplo, BAZIN, Frédéric. Projeto Pintadas: do apoio à agricultura familiar ao desenvolvimento territorial. [online] Disponível em: http://www.pronaf.gov.br/Encontro/textos/Pintadas%2003%2006.doc.
  • 3
    O mundo rural brasileiro conhece, desde meados dos anos 1990, proliferação significativa de conselhos municipais de desenvolvimento rural, montagem de centenas de secretarias municipais de agricultura, pressão social sobre os recursos dos fundos constitucionais e sobre a própria política agrícola, a experiência de construção de assentamentos e esforços na formação das organizações rurais (ABRAMOVAY, 2000ABRAMOVAY, Ricardo. (2000), "O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento territorial". Economia Aplicada, v. 4, n. 2, abril/junho.).
  • 4
    Estamos, atualmente, aplicando questionários para coletar dados qualitativos acerca dos valores, práticas sociais, acesso à informação, grau de associativismo, relações com o poder público da população pintadense.
  • 5
    A regra fundamental do SICOOB é investir 70% dos fundos da cooperativa localmente. A SICOOB tem um ativo de 4,5 milhões de reais. Desde o Início de seu funcionamento, a cooperativa teve 600 mil reais de sobras que foram distribuídas entre os cooperados. A discussão com as bases é muito importante: em média, 1200 cooperados participam das assembléias e debates. Em 2001, foram organizados cursos de formação para 315 cooperados. A taxa de inadimplência para o Projeto de Caprinos, por exemplo, é de 0,8% e do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF) é de 3%. Cerca de 50% dos cooperados vivem em Pintadas (o SICOOB já abrange outros municípios vizinhos). A relação de proximidade (a relação humana) é considerada pelo diretor do SICOOB, Senhor Walcy, elemento fundamental para o êxito da cooperativa.
  • 6
    Uma das pistas que estamos explorando diz respeito às chamadas teorias da ruptura na análise da ação coletiva. Vide, por exemplo, USEEM, Bert. (1998), Breakdown Theories of Collective Action Annual Review of Sociology, Palo Alto, volume 24, pp. 215-238.
  • 7
    Para uma descrição detalhada do Colóquio, vide www.unesco.org/most/unmakedev.htm
  • 8
    HANIFAN, Lyda Johnson. (1916), The rural school community center. ln Annals of the American Academy of Political and Social Science, nº.67, pp. 130-138.
  • 9
    JACOBS, Jane. (1961), The Death and Life of Great American Cities. New York, Random House, p. 138.
  • 10
    Vide ALMOND, G.; VERBA, S. (orgs.). (1980), The Civic Culture Revisited. Boston: Little Brown.
  • 11
    Baseada na teoria da escolha racional (segundo a qual os homens agem enquanto maximizadores da utilidade individual com base em informações transparentes e acessíveis a todos), a economia neoclássica sempre defendera o imperativo de moldar o mundo de acordo com um ideal imaginado de mercados perfeitos e universais. A economia neoclássica desenvolvera-se a partir de dois desafios básicos postos aos seus detratores: Por que as imperfeições do mercado seriam tão importantes? Por que a intervenção do Estado melhoraria a situação haja vista a qualidade dos serviços prestados pelo Estado? Estas questões sempre nortearam o trabalho de muitas organizações internacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2004
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br