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Atacar, Anuir ou Defender? Respostas (Políticas) Estratégicas em Escândalos de Corrupção

Resumo

Este estudo objetiva identificar respostas estratégicas nas notas oficiais proferidas pelo rol de agentes políticos citados na “lista de Fachin”. As notas em resposta às acusações de corrupção compõem um corpus de dados secundários, de divulgação midiática, submetido à análise do discurso de fulcro interpretativista. Priorizou-se o olhar institucionalista sobre o contexto político, que considera a complexidade e a pluralidade da esfera institucional, em que cada eleitor é interlocutor do discurso político. Ao mesmo tempo, analisa-se de que forma as construções discursivas são formatadas com o uso de elementos intertextuais, retóricos, ambíguos e semânticos. Como resultado, identificaram-se cinco estratégias distintas de resposta nas notas oficiais, aplicáveis a indivíduos e organizações: (a) o ataque pela expressão de consternação; (b) a empatia pelo apoio às ações anticorrupção; (c) a manipulação ao projetar o ethos político; (d) a manipulação ao revogar legitimidade; e (e) a postura adaptativa ao suscitar ambiguidade – contribuindo para reflexão e avaliação de comportamentos reativos de indivíduos e organizações em situações de crise, escândalos, culpabilidade e corrupção.

respostas estratégicas; linguagem; corrupção; análise do discurso

Abstract

This study aims to identify strategic responses in the official statements issued by the group of political agents mentioned on "Fachin's List". These statements in response to corruption accusations comprise a mediatized corpus of secondary data that was investigated using interpretive discourse analysis. This study uses an institutionalist approach to the political context considering the complexity and plurality of the institutional sphere, in which each voter is an interlocutor of political discourse. This study also included analyses on how the discursive constructions are formed using intertextual, rhetorical, ambiguous and semantic elements. The results outline five distinct strategies in the official notes, which apply both to individuals as well as organizations: (a) attack by expressing consternation; (b) empathy for supporting anti-corruption actions; (c) manipulation by projecting a political ethos ; (d) manipulation by revoking legitimacy; and (e) an adaptive posture in raising ambiguity – contributing to reflection and assessment of reactive behaviors of individuals and organizations in situations of crisis, scandals, guiltiness and corruption.

strategic responses; language; corruption; discourse analysis

Introdução

Os anos de 2016 e 2017 foram marcados por elevada turbulência na cena política brasileira. Em agravo, na tarde do dia 11 de abril de 2017, o mundo político registrou significativo abalo: a divulgação da "lista de Fachin". Trata-se do rol de inquéritos autorizados pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato ( Castro & Ansari, 2017Castro, A., Ansari, S. (2017). Contextual "readiness" for institutional work: A study of the fight against corruption in Brazil. Journal of Management Inquiry, 26(4), 351-365. doi:10.1177/1056492617696887
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) no Supremo Tribunal Federal (STF), com base nas delações premiadas da empreiteira Odebrecht. O documento envolve suspeitas de corrupção por parte de mais de duzentos políticos, entre eles nove ministros, 28 senadores, 42 deputados federais e três ex-presidentes da República.

A expressão "lista de Fachin" é, por si só, impactante, não só em razão de atingir algumas das mais altas cadeiras e postos políticos nacionais, mas pelo nome emblemático, que faz alusão a outras listas famosas da história mundial. Se o emblema nominal é representativo, a divulgação da lista foi capaz de colocar "o mundo político de joelhos" ( Redação, 2017Redação. (2017, Apr. 12). Lista de Fachin: entenda o que vem pela frente. Carta Capital. Retrieved from https://bit.ly/2YU0Tiw
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). Como organizações e agentes políticos são capazes de reagir a um escândalo dessas proporções e apelo? Como se esquivar dessas acusações? A estratégia é recolher-se ou contra-atacar?

Ao passo que a mídia volta seus holofotes a escândalos políticos como esse, tem sido notório o exercício prático de conclamar o chamado "direito de defesa". Consagrado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, o contraditório e a ampla defesa são os instrumentos legais vistos como proteção individual a qualquer pessoa ofendida, permitindo que esta faça uso dos recursos disponíveis para tal proteção. Ciente dessa prerrogativa legal, a mídia se faz atenta a essas manifestações, que podem ser vistas, cientificamente, como respostas comunicacionais à revelação de corrupção ou à ocorrência de crises de imagem e reputação ( Schembera & Scherer, 2017)Schembera, S., Scherer, A. G. (2017). Organizational strategies in the context of legitimacy loss: Radical versus gradual responses to disclosed corruption. Strategic Organization, 15(3), 301-337. doi:10.1177/1476127016685237
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O tema corrupção e seus desdobramentos têm amplo trânsito na mídia, a qual trava articulações de linguagem e criação de sentido ( Medeiros & Silveira, 2017Medeiros, C. R. O., Silveira, R. A. (2017). Organizations kill: A reflection about corporate crimes. Organizações & Sociedade, 24(80), 39-52. ). Essas matérias – corrupção, linguagem, sentido, mídia – permitem diversas combinações de tratamento científico, advogando a vocação do tema em se fazer presente nos estudos acadêmicos (Marani, Brito, Souza, & Brito, 2018), especialmente em campos interdisciplinares. No entanto, permanecem as dificuldades em delimitar o que é um ato corrupto ( Brei, 1996)Brei, Z. A. (1996). Corrupção: dificuldades para definição e para um consenso. Revista de Administração Pública, 30(1), 64-77. Retrieved from https://bit.ly/39lrds1
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, bem como em dimensionar as particularidades da corrupção brasileira, que poderiam ser pertinentes ao estudo da Administração Pública nacional, estendendo-se, em certa medida, também, para o mundo corporativo, diante de relações que se diriam “promíscuas” entre setores públicos e privados de atividade econômica (Faoro, 2008). Assim, uma abordagem mais ampla sobre o tema se faz viável, na medida em que a corrupção não é fenômeno inerente ao brasileiro (Paiva, Garcia, & Alcântara, 2017) – tampouco ao seu caráter ( Filgueiras, 2009)Filgueiras, F. (2009). A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opinião Pública, 15(2), 386-421. doi:10.1590/S0104-62762009000200005 –, mas é uma construção social, com uma gradação moral muito extensa ( Brei, 1996)Brei, Z. A. (1996). Corrupção: dificuldades para definição e para um consenso. Revista de Administração Pública, 30(1), 64-77. Retrieved from https://bit.ly/39lrds1
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Dessa forma, optou-se por enfocar a corrupção não por sua característica nacional, mas pelas particularidades do discurso político, com a qual ela se relaciona e se adere. Do ponto de vista intersubjetivo, a corrupção é vista como uma violação à moral e à ética, pelo uso desvirtuado ( misuse ) de poder ou autoridade ( Klerk, 2017Klerk, J. J. (2017). "The devil made me do it!" An inquiry into the consciousness "devils within" of rationalized corruption. Organization Studies, 26(3), 254-296. doi:10.1177/1056492617692101
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). Em decorrência desses atos, há esforços pessoais e organizacionais pela retomada de "prestígio, estabilidade, legitimidade, suporte social" ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , p. 150, tradução nossa). No campo linguístico e discursivo, as notas de resposta – como o exercício do direito de contraditório – compõem corpus interdisciplinar de análise.

Assim, concede-se centralidade às questões de linguagem, aos mecanismos e às práticas associadas à corrupção ( Boudes & Laroche, 2009Boudes, T., Laroche, H. (2009). Taking off the heat: narrative sensemaking in post-crisis inquiry reports. Organization Studies, 30(4), 377-396. doi:10.1177/0170840608101141
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; Bundy, Pfarrer, Short, & Coombs, 2017; Hirsch & Milner, 2016Hirsch, P. M., Milner, D. (2016). When scandals yield "It's about time!" rather than "We're shocked and surprised!" Journal of Management Inquiry, 25(4), 447-449. doi:10.1177/1056492616651234
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; Slager, 2017)Slager, R. (2017). The discursive construction of corruption risk. Journal of Management Inquiry, 26(4), 366-382. doi:10.1177/1056492616686839 , especialmente às posteriores a escândalos já desvelados, e focalizadas em estratégias de recomposição e influência social. Portanto, optou-se por enfatizar as notas oficiais proferidas após um escândalo de corrupção em particular como resposta estratégica de agentes e organizações acusadas, entendendo ser isto algo que ocorre em nível não apenas individual, mas também organizacional, configurando, desse modo, contribuição nesses (e para esses) âmbitos, a partir da lógica multinível de análise viabilizada pelos estudos organizacionais (Adler, Du Gay, Morgan, & Reed, 2014).

Com apoio da teoria institucional ( Scott, 2014Scott, W. R. (2014). Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. Thousand Oaks: Sage Publications. ), respostas estratégicas são entendidas como o grupo de ações, reações e medidas que visam à "busca de interesses e comportamento organizacional ativo para responder a pressões e expectativas" ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , p. 146, tradução nossa). Um ponto fundamental de convergência entre notas oficiais e respostas estratégicas reside na migração de condição prévia de impotência (ou passividade) dos agentes e organizações para exercício do poder de influência ( Oliver, 1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. . Isso porque as notas oficiais são instrumentos de rebate, aptos a influenciar (ou reinfluenciar) a opinião pública, e visam facilitar a reintegração dos acusados ao ambiente institucional ( Schembera & Scherer, 2017)Schembera, S., Scherer, A. G. (2017). Organizational strategies in the context of legitimacy loss: Radical versus gradual responses to disclosed corruption. Strategic Organization, 15(3), 301-337. doi:10.1177/1476127016685237
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. Ainda, são componentes de uma potencial estratégia retórica, com a finalidade direta de buscar legitimidade ou aceitação ( Suddaby & Greenwood, 2005)Suddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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Sobretudo, as notas podem sustentar tons de desafio e agressividade ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. ) ou, ainda, de empatia e arrependimento ( Freitas & Medeiros, 2018Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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). A mensagem ainda pode carregar um tom afetivo, com inclinação positiva ou negativa aos fatos que deseja rebater ( Coombs & Holladay, 2008)Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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, conferindo características emocionais à temática. Por outro lado, o conteúdo pode estar centrado no uso de vocábulos que conferem aspecto técnico e científico ( Pinto, 2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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, arguindo pela propriedade de causa de quem responde.

Escolher qual(is) dessas características estará(ão) presente(s) em uma nota oficial é apenas um dos desafios para aqueles que as concebem e redigem, pois deve-se: (a) apresentar uma mensagem convincente à audiência ( Coombs & Holladay, 2008Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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); (b) lidar com a pluralidade de leitores, sob uma ótica de múltiplas expectativas institucionais ( Meyer & Höllerer, 2016)Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. ; e (c) compreender o alcance da complexidade de uma situação de crise, mediante cenários onde pesem múltiplas expectativas ( Ocasio & Radoynovska, 2016)Ocasio, W., Radoynovska, N. (2016). Strategy and commitments to institutional logics: Organizational heterogeneity in business models and governance. Strategic Organization, 14(4), 287-309. doi: 10.1177/1476127015625040
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. Tendo em vista as considerações apresentadas nesse prelúdio, este artigo tem como objetivo responder a seguinte questão: como se manifestam as respostas estratégicas de notas oficiais, tendo em vista o uso da linguagem em seu contexto político de corrupção?

Para respondê-la, foi utilizado como material empírico o extenso grupo de notas oficiais emitidas por 101 agentes políticos envolvidos/citados com a/na divulgação da chamada “lista de Fachin”, aplicando-se a análise do discurso nos moldes propostos por Putnam e Fairhurst (2001)Putnam, L. L., Fairhurst, G. T. (2001). Discourse analysis in organizations: Issues and concerns. In F. M. Jablin & L. L. Putnam (Eds.), The new handbook of organizational communication: Advances in theory, research, and methods (pp. 78-136). Thousand Oaks: Sage Publications. e Phillips e Hardy (2002)Phillips, N., Hardy, C. (2002). Discourse analysis: Investigating processes of social construction. Thousand Oaks, CA: Sage University Papers. , enfatizando a intertextualidade. Nesse exercício analítico, almeja-se contribuir para os estudos de respostas estratégicas em âmbito organizacional, pois, embora os sujeitos emissores de tais posicionamentos públicos sejam, em sua maioria, indivíduos, as conclusões aqui alcançadas – enquanto conjunto de respostas discursivas estratégicas de cunho político – são passíveis de extrapolação (controlada) para além do âmbito individual, alcançando analogamente as organizações, na esteira de trabalhos como os de Ailon (2013)Ailon, G. (2013). From superstars to devils: the ethical discourse on managerial figures involved in a corporate scandal. Organization, 22(1), 78-99. doi:10.1177/1350508413501937 e Medimorec e Pennycook (2015)Medimorec, S., Pennycook, G. (2015). The language of denial: Text analysis reveals differences in language use between climate change proponents and skeptics. Climatic Change, 133(4), 597-605. , por exemplo. Levando-se em conta as respostas estratégicas de cunho político analisadas, o estudo contribui para se pensar, avaliar e discutir comportamentos reativos de indivíduos e organizações em situações de crise, escândalos, culpabilidade e corrupção, comprometedoras de sua imagem institucional, reputação e condições operacionais, diante de seus contextos institucionais de referência.

Na mesma medida, contribui-se para os estudos no domínio da teoria institucional tanto para a temática das respostas estratégicas (quer individuais ou organizacionais) quanto para os estudos da linguagem dentro daquela perspectiva teórica. Para o primeiro caso, ainda que vários estudos tenham se inspirado pelas – hoje clássicas – proposições de pesquisa de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. ( Clemens & Douglas, 2005Clemens, B. W., Douglas, T. J. (2005). Understanding strategic responses to institutional pressures. Journal of Business Research, 58(9), 1205-1213. doi:10.1016/j.jbusres.2004.04.002
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; Dhalla & Oliver, 2013Dhalla, R., Oliver, C. (2013). Industry identity in an oligopolistic market and firms' responses to institutional pressures. Organization Studies, 34(12), 1803-1834. doi:10.1177/0170840613483809
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; Machado-da-Silva, 2003Machado-da-Silva, C. L. (2003). Respostas estratégicas da administração e contabilidade ao sistema de avaliação da Capes. Organizações & Sociedade, 10(28), 63-77. doi:10.1590/S1984-92302003000400005
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; Marquis & Raynard, 2015Marquis, C., Raynard, M. (2015). Institutional strategies in emerging markets. The Academy of Management Annals, 9(1), 391-335. ; Vermeulen, Zietsma, Greenwood, & Langley, 2016), poucos se ocuparam de refletir acerca delas sob uma ótica majoritariamente linguística ( Coombs & Holladay, 2005Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2005). An exploratory study of stakeholder emotions: affect and crises. In N. M. Ashkanasy, W. J. Zerbe, C. E. J. Härtel (Eds.), The effect of affect in organizational settings (pp. 263-280). Bingley: Emerald Group Publishing. ; Meyer & Höllerer, 2016)Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. e/ou envolvendo a dimensão política per se . O presente estudo colabora nessas duas direções, inserindo-se dentro dessa literatura.

Caminhos relativamente recentes da teoria institucional sugerem que a centralidade da linguagem enquanto componente edificante da realidade socialmente construída necessita ser cada vez mais escrutinada mediante estudos empíricos (Cornelissen, Durand, Fiss, Lammers, & Vaara, 2015; Phillips & Malhotra, 2017)Phillips, N., Malhotra, N. (2017). Language, cognition and institutions: Studying institutionalization using linguistic methods. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence & R. E. Meyer (Eds.), The SAGE handbook of organizational institutionalism. (pp. 392-417). Newbury Park: Sage Publications. , de modo que se consigam demonstrar, competentemente, processos de (des)(re)institucionalização que constituem organizações e campos organizacionais. Para isso, importa investigar não apenas a linguagem enquanto premissa da construção social da realidade, mas, sobretudo, demonstrar de que forma ela, mediante seu uso prático – comunicacional –, acontece, manifesta-se e produz efeitos e consequências na vida social ( Meyer & Höllerer, 2016Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. ; Meyer et al., 2018Meyer, R. E., Jancsary, D., Höllerer, M. A., Boxenbaum, E. (2018). The role of verbal and visual text in the process of institutionalization. Academy of Management Review, 43(3), 392-418. ; Misangyi, 2016)Misangyi, V. F. (2016). Institutional complexity and the meaning of loose coupling: Connecting institutional sayings and (not) doings. Strategic Organization, 14(4), 407-440. . Este estudo também intenta contribuir nesse sentido, por meio de uma análise que posiciona, centralmente, tais usos da linguagem no processo de (re)produção de respostas estratégicas que, em algum grau a depender dos seus padrões de difusão, parecem ocorrer de maneira quase que institucionalizada no campo da política nacional.

Quadro teórico de referência

O conjugado teórico apresentado nesta seção – e que pauta o estudo – não visa esgotar uma linha teórica específica ou mesmo a inteireza do estado da arte de alguma temática central, mas sim compor, seletivamente, um argumento que permita analisar conteúdos pertinentes a “respostas estratégicas” e “corrupção”/“escândalos” (tanto em nível organizacional quanto em nível individual) a partir, principalmente, de um olhar da teoria institucional, enfatizando a perspectiva linguística e política daqueles conteúdos.

Respostas estratégicas e sua manifestação pela linguagem

Partindo do entendimento de que a conformidade organizacional não é algo invariável e tampouco inevitável para fins de garantia de sobrevivência e longevidade, Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. delineia cinco estratégias possíveis para as organizações em situações de enfrentamento de pressões institucionais. Ao apresentar as respostas estratégicas organizacionais, Oliver destaca a capacidade das organizações (e de atores) de defender interesses e de aparentar compliance a determinadas normas institucionais para obter ganhos em legitimidade e prestígio. A autora mapeia antecedentes institucionais e condições organizacionais que, se combinados, resultam em diferentes posturas organizacionais, que vão da aquiescência até a manipulação das lógicas subjacentes às esferas institucionais. Nesse sentido, quanto maior o potencial de influência da organização ou agente, maior a probabilidade de que ela/ele adote uma postura agressiva, de desafio ou manipulação desses pressupostos, visando moldá-los aos seus interesses.

A primeira das respostas estratégicas analisada por Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. é a de aquiescência ou conformidade , a qual pode implicar mimetismo por parte de uma organização em relação a outras, tomadas como modelos de referência de acordo com demandas percebidas de autoridades regulatórias, normativas ou culturais. Nesta estratégia, a organização é motivada pela busca por angariar maior legitimidade, receio de obter sanções negativas, expectativa de aquisição de recursos adicionais, ou mesmo alguma combinação destes elementos ( Suddaby et al., 2017Suddaby, R., Bitektine, A., Haack, P. (2017). Legitimacy. The Academy of Management Annals, 11(1), 451-478. doi:10.5465/annals.2015.0101
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). O segundo tipo de resposta estratégica, segundo Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , é a de compromisso , que incorpora um conjunto de outras respostas que visam equilibrar, aplacar e mesmo negociar, de maneira articulada com outros stakeholders , o atendimento a demandas institucionais. No caso, esta estratégia é mais provável de acontecer em ambientes que possuem autoridades com papéis por vezes conflitantes, de modo que se espera, por parte da organização que a empreende, competência para equilibrar/equacionar tais expectativas de demandas, para pacificar potenciais conflitos latentes ou incongruências, e também para barganhar elementos e recursos necessários à concretização de tais estratégias.

A terceira modalidade de resposta estratégica possível é a de esquiva , evasão , ou evitação , e envolve esforços para ocultar e/ou proteger determinadas partes da organização da necessidade de se conformar com a exigência institucional em questão. Isso pode ser realizado a partir de ações ou comportamentos que se entendam como dissimulados e de atividades que conciliem ou amorteçam tensões entre o campo e a organização, bem como de evasões ou escapes à necessidade de atendimento à pressão incidente do ambiente (Kern, Laguecir, & Leca, 2018).

A resposta estratégica de desafio corresponde àquela em que organizações não somente resistem às pressões institucionais, mas se impõem publicamente sobre elas, desafiando a cobrança por conformidade, divergindo da imposição de tais requisitos e despistando tais pressões, objetando-as ou mesmo atacando-as. Por último, Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. explica que as organizações também podem responder às pressões institucionais ao realizarem algum tipo de manipulação mediante tentativas intencionais e oportunistas de cooptar, influenciar ou mesmo controlar o ambiente. Isso ocorre por meio da mobilização de capitais de diversos tipos, desde capitais econômicos até capitais simbólicos, passando por questões de detenção de recursos e de informações que auxiliem determinadas organizações a gerenciarem seus custos transacionais em tais operações.

Remetendo ao seminal estudo de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , Coombs e Holladay (2005)Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2005). An exploratory study of stakeholder emotions: affect and crises. In N. M. Ashkanasy, W. J. Zerbe, C. E. J. Härtel (Eds.), The effect of affect in organizational settings (pp. 263-280). Bingley: Emerald Group Publishing. apresentam quatro categorias de respostas estratégicas, peculiares a momentos de crise. São estudadas as conotações afetivas ou técnicas, bem como os tons positivos (de concordância ou otimismo) ou negativos (de negação, de rechaço) presentes em construções discursivas. As categorias de respostas estratégicas são: (a) pedido de desculpas (arrependimento); (b) compensação; (c) empatia; ou (d) informativa. As três primeiras respostas são dotadas de intensa afetividade; já a última tende a rebater, com algum caráter técnico, informações divulgadas que possam afetar a imagem da organização ou ator.

Por sua vez, Sillince, Jarzabkowski e Shaw (2012) classificam diferentes tipos de respostas organizacionais em decorrência dos papéis exercidos pela retórica, em especial quanto ao uso de diferentes formas de ambiguidade. Os autores defendem que a necessidade de persuadir diversos públicos exige que as organizações utilizem uma construção retórica baseada em ambiguidades, permitindo o alinhamento de múltiplos interesses àqueles da organização. Entende-se, assim, que a retórica é útil para a compreensão de como são constituídas as mensagens organizacionais, permitindo estabelecer conexões de significados persuasivos, mesmo com o público ausente ( Sillince et al., 2012Sillince, J., Jarzabkowski, P., Shaw, D. (2012). Shaping strategic action through the rhetorical construction and exploitation of ambiguity. Organization Science, 23(3), 630-650. doi:10.1287/orsc.1110.0670
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). Dessa forma, construções ambíguas tendem a favorecer respostas estratégicas que atendam a diversas audiências, provocando uma construção linguística plural e com múltiplos focos e tons.

Freitas e Medeiros (2018)Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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enxergam as respostas de acusados como táticas de racionalização. Ao empreender uma pesquisa nacional baseada na análise de declarações midiáticas dos acusados, os autores estabelecem relações textuais que demonstram esforços para negação do dano, negação da responsabilidade, negação da vítima, ponderações sociais, apelo para lealdades elevadas e uso da metáfora do equilíbrio. Tais estratégias são vistas como forma de justificar condutas, neutralizar sentimentos negativos e perpetrar esquemas de corrupção ( Freitas & Medeiros, 2018Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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).

Por Schembera e Scherer (2017)Schembera, S., Scherer, A. G. (2017). Organizational strategies in the context of legitimacy loss: Radical versus gradual responses to disclosed corruption. Strategic Organization, 15(3), 301-337. doi:10.1177/1476127016685237
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, o ato de desvelar corrupção ( disclosed corruption ) pode ser lido em visão temporal: o antes da revelação do escândalo, o durante e o depois da crise. Essa lógica sequencia atos de descoberta, explanação, penalização e recuperação numa visão cronológica que se faz útil, na medida em que se percebe que, a seu tempo, as organizações (ou agentes) podem optar por diferentes estratégias, adequadas ao fervilhar ou ao assentar das acusações. Em um primeiro momento, por exemplo, os stakeholders encontram-se mais sedentos de informações sobre o quê ou o porquê da ocorrência de determinados fatos ( Schembera & Scherer, 2017Schembera, S., Scherer, A. G. (2017). Organizational strategies in the context of legitimacy loss: Radical versus gradual responses to disclosed corruption. Strategic Organization, 15(3), 301-337. doi:10.1177/1476127016685237
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). No momento derradeiro, há inclinação para a recuperação de legitimidade, a agenda positiva, a reconquista de espaço.

Portanto, diferentes construções discursivas se relacionam com estratégias organizacionais e pessoais variadas. Assim, uma estratégia altamente agressiva de manipulação tende a salientar o tom negativo das acusações, rechaçando-as ou rebatendo-as por meio de notícias anteriores. Por outro lado, o pedido de desculpas pode não representar uma estratégia de aquiescência, mas sim uma forma de expressar uma "avaliação mais realista dos valores em uma crise comunicacional" ( Coombs & Holladay, 2005Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2005). An exploratory study of stakeholder emotions: affect and crises. In N. M. Ashkanasy, W. J. Zerbe, C. E. J. Härtel (Eds.), The effect of affect in organizational settings (pp. 263-280). Bingley: Emerald Group Publishing. , p. 253, tradução nossa) que gere uma reação de condescendência entre os ouvintes/leitores, encaminhando para a manipulação.

Já a ambiguidade é um elemento que pode deturpar a identificação de uma estratégia organizacional específica, permitindo que diferentes públicos entendam a mensagem conforme lógicas institucionais vigentes. Ao perceber a existência de múltiplas expectativas institucionais ( Meyer & Höllerer, 2016Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. ), a organização poderá fazer uso de construções discursivas dúbias ou incertas e, assim, capazes de suscitar várias interpretações ( Schane, 2002)Schane, S. (2002). Ambiguity and misunderstanding in the law. Thomas Jefferson Law Review, 25(1), 167-193. Retrieved from: https://bit.ly/3aYHVOy
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.

Em síntese: (a) as respostas estratégicas são carregadas de intenções e visam encontrar a mensagem mais convincente aos stakeholders da organização/ator; (b) essas intenções se manifestam pelo tom e pelo apelo subjacente às declarações (sejam elas escritas ou faladas); (c) o tom está relacionado a estratégias mais ou menos agressivas, de acordo com o entendimento de como manter/elevar/recuperar a reputação que é posta em xeque por acusações e/ou momentos de crise; e, por fim, (d) nem sempre é possível aferir, com precisão, qual a estratégia subjacente à determinada mensagem, pois elementos como a ambiguidade (mesmo que deliberada) servem a múltiplos propósitos.

Um olhar institucionalista para o discurso político

A forma de construir notas oficiais como respostas estratégicas pode ser balizada pelas condições de pluralidade e de complexidade da esfera institucional, cujos preceitos de base recorrem a estudos de cunho institucionalista. Clemens e Douglas (2005)Clemens, B. W., Douglas, T. J. (2005). Understanding strategic responses to institutional pressures. Journal of Business Research, 58(9), 1205-1213. doi:10.1016/j.jbusres.2004.04.002
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abordam a pluralidade a partir da visão de constituintes dada por Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. . Para os autores, a variedade de entidades (como Estado, grupos de interesse, organizações, clientes/consumidores e público geral) é determinante para a escolha das estratégias. Já Meyer e Höllerer (2016)Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. salientam a coexistência de diversas lógicas institucionais, indicando que as organizações devem lidar com múltiplos públicos ( audiences ). Quando se tangencia o campo político, a pluralidade se intensifica. O tema encontra correspondência em questões multiníveis – ou de camadas institucionais ( Adler et al., 2014Adler, P., Du Gay, P., Morgan, G., & Reed, M. (2014). Introduction: sociology, social theory, and organization studies, continuing entanglements. In P. Adler, P. Du Gay, G. Morgan & M. Reed (Eds.), The Oxford handbook of sociology, social theory and organization studies: contemporary currents (pp. 1-8.). New York: Oxford University Press. ), mapeando atores, conflitos, interesses e, especialmente, a forma como esses fatores são acomodados nas questões econômicas e políticas ( Stryker, 2002Stryker, R. (2002). A political approach to organizations and institutions (commentary for politics and organization section). Research in the Sociology of Organizations – Social Structure and Organizations Revisited, 19, 169-191. ). Afasta-se de uma visão uníssona de instituições, abrindo espaço para uma coexistência de pressupostos institucionais complementares ou mesmo completamente divergentes.

A complexidade está atrelada à pluralidade, mas as condições não são absolutamente coincidentes. Aqui, a complexidade é vista como um fenômeno decorrente da pluralidade e é socialmente construída, na medida em que atores e organizações se envolvem em determinados campos institucionais ( Ocasio & Radoynovska, 2016Ocasio, W., Radoynovska, N. (2016). Strategy and commitments to institutional logics: Organizational heterogeneity in business models and governance. Strategic Organization, 14(4), 287-309. doi: 10.1177/1476127015625040
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). Ela envolve a dificuldade em se compreender os pressupostos de um campo institucional, permitindo adotar a resposta estratégica mais apropriada, adequada ou ainda vantajosa, conciliando, dessa forma, os diversos jogos de interesses ali presentes. Assim, organizações e atores experimentam a complexidade quando sofrem pressões institucionais incompatíveis ( Vermeulen et al., 2016)Vermeulen, P. A. M., Zietsma, C., Greenwood, R., Langley, A. (2016). Strategic responses to institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 277-286. .

Para Filgueiras (2009)Filgueiras, F. (2009). A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opinião Pública, 15(2), 386-421. doi:10.1590/S0104-62762009000200005 , a visão social sobre escândalos políticos lida exatamente com a pluralidade e com a complexidade dos pressupostos institucionais, abordando a visão de antítese intersubjetiva entre valores morais e prática social. Sendo assim, o discurso político é elaborado com vistas à neutralização dessa antonímia, fortalecendo um aspecto de tolerância nacional ao ato de corrupção ( Filgueiras, 2009Filgueiras, F. (2009). A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opinião Pública, 15(2), 386-421. doi:10.1590/S0104-62762009000200005 ). Portanto, a conjunção e o eventual choque entre pressupostos institucionais arraigados socialmente intensificam o uso de expedientes de neutralização, apaziguando sentimentos negativos e adotando táticas de racionalização de fatos supervenientes ( Freitas & Medeiros, 2018Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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).

O nível de subjetividade dessa construção social é, por sua vez, imensamente relevante, já que o eleitor é potencialmente um interlocutor do discurso político ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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). Em especial, o discurso político é dotado, ainda, de outras três particularidades: a provisoriedade, a anterioridade e a arbitrariedade ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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). O discurso político bem-sucedido é aquele que é capaz de fixar significados de forma provisória ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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). Sendo assim, no momento em que o ouvinte/leitor acessa o discurso, ele sente-se convencido pelas ideias que ali foram expostas. Já que a exposição a discursos políticos é frequente, a provisoriedade se torna volumosa. Discursos políticos se sucedem, atuando na construção de novos significados tanto de forma subsequente quanto substitutiva.

Desse ponto decorre a anterioridade: os discursos políticos estão assentados sob o princípio de que a "verdade" – per se – não existe ( Pinto, 2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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. Cada construção discursiva é o início de uma ideia. Nesse caso, a verdade, por sua vez, nada mais é do que uma construção discursiva; portanto, a anterioridade é o preceito de que não existe verdade prévia ao discurso político. Pouco importam os fatos precedentes: o discurso político está focado no depois, nos significados que ele poderá estabelecer, especialmente em cenários de incerteza ( Pinto, 2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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.

Dessas características, desvela-se a terceira condição, chamada por Pinto (2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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de arbitrariedade. A arbitrariedade se relaciona ao ato de nominar, convenientemente, determinado objeto, estado ou situação. Ou seja, se chamarmos uma cadeira de caneta, caneta então ela será, contanto que todos nós aceitemos essa denominação. Para Pinto (2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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, "o que é importante ficar claro é que o sentido do que é discursivo é completamente arbitrário" (p. 81), e o discurso político visa construir verdades essencialmente arbitrárias. Por outro lado, o discurso político clama por adesão, e a pluralidade e a complexidade dos pressupostos institucionais desafiam o interlocutor político. Trata-se da busca por fazer sentido ao maior número de pessoas e públicos, em um complexo emaranhado de palavras e significados que podem ser articulados na construção discursiva.

A necessidade de convencer pode ser intensificada diante de uma situação de corrupção revelada e de crise de imagem e reputação. Nesse caso, emerge a expectativa institucional de que o acusado se manifeste. Assim, "há uma complexa rede de contextos intertextuais e situacionais que podem influenciar o discurso. Quando partes são acusadas, ou acusam umas às outras, espera-se que elas respondam" ( Bamber & Parry, 2016Bamber, M., Parry, S. (2016). A study of the employment of denial during a complex and unstable crisis involving multiple actors. International Journal of Business Communication, 53(3), 343-366. doi:10.1177/2329488414525454
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, p. 348). Entende-se que a prática da corrupção passa pelo objetivo de atingir o interesse pessoal/organizacional, o que naturalmente implica o distanciamento do interesse de outrem. Com o intento de fugir dessa dicotomia, o agente político lança mão da impessoalidade, principalmente no que se refere à prática do ato de corrupção ( Klerk, 2017)Klerk, J. J. (2017). "The devil made me do it!" An inquiry into the consciousness "devils within" of rationalized corruption. Organization Studies, 26(3), 254-296. doi:10.1177/1056492617692101
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.

Fato é que a acusação, ou a revelação da corrupção, incita à necessidade de manifestação, de proferimento. Essa condição corrobora o elo entre corrupção, reputação e linguagem que perpassa as propriedades do discurso político. Essas propriedades, por sua vez, relacionam-se com a necessidade de clamor e adesão, mas são desafiadas pelas condições institucionais. Assim, torna-se nuclear compreender as possibilidades de combinação entre linguagem e expectativas institucionais, revelando como as respostas estratégicas são capazes de manifestar intenções subliminares.

Com efeito, a partir deste quadro teórico de referência, os temas das respostas estratégicas discursivas em âmbito político, da “corrupção”/“escândalos”, e dos processos institucionais subjacentes podem ser aplicados à análise de discursos individualmente proferidos por sujeitos políticos, em um percurso que retorne às conclusões advindas de tal analítica para questões organizacionais ( Schembera & Scherer, 2017Schembera, S., Scherer, A. G. (2017). Organizational strategies in the context of legitimacy loss: Radical versus gradual responses to disclosed corruption. Strategic Organization, 15(3), 301-337. doi:10.1177/1476127016685237
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; Scott, 2014)Scott, W. R. (2014). Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. Thousand Oaks: Sage Publications. .

Método

Buscou-se angariar material empírico capaz de evidenciar a presença de elementos textuais e intertextuais que caracterizassem as notas oficiais como sendo respostas estratégicas. Ante essa condição, era mister a existência de volume de material e, sobretudo, era interessante a variedade de agentes públicos e organizações envolvidas. Nesse sentido, estudos como os de Ailon (2013)Ailon, G. (2013). From superstars to devils: the ethical discourse on managerial figures involved in a corporate scandal. Organization, 22(1), 78-99. doi:10.1177/1350508413501937 e de Richards, Zellweger e Gond (2017) exemplificam – e embasam em precedente, por assim dizer – a possibilidade de se analisar materiais de fontes secundárias (oriundos da mídia noticiosa ou tendo relatórios públicos como fontes principais) remetentes a escândalos de corrupção, sobretudo de um ponto de vista linguístico.

A “lista de Fachin” proporcionou, pela extensão dos nomes citados, material rico e vasto. A reportagem, veiculada no modal televisivo Jornal Nacional ( Portal G1, 2017Portal G1. (2017, Apr. 11). Veja as respostas dos citados na lista de Fachin, relator da Lava Jato no STF. Jornal Nacional. Retrieved from http://glo.bo/3aJIdro
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), apresentava componentes válidos à pesquisa: as notas oficiais foram faladas e escritas. Os destinatários poderiam ser tanto ouvintes quanto leitores, e aqueles que as proferiram foram denominados como "interlocutores". O corpus empírico foi composto, então, por dados secundários e formou-se do conjunto de 110 manifestações divulgadas na reportagem. Foram expurgadas da análise quatro casos em que os citados informaram que não se manifestariam ou situações em que o agente político (ou o seu representante) não foi encontrado pela mídia que realizou a compilação. A amostra conteve, portanto – já retirados os expurgos –, declarações advindas de organizações políticas (como o Palácio do Planalto e partidos políticos), 8 ministros, 30 senadores, 6 governadores, 38 deputados, 2 prefeitos, 3 ex-presidentes e 19 outros acusados (como filiados a partidos que não ocupam cargos públicos no momento, cônjuges de acusados, entre outros).

As notas foram proferidas pelo próprio interessado, por assessorias de comunicação e imprensa, profissionais de relações públicas ou interinstitucionais, e advogados ou representantes das defesas dos mencionados na listagem. Nesse tocante, chegou-se à saturação das fontes dos dados originais para a análise, uma vez que se abarcou a integralidade das declarações – válidas – do universo coberto pela mídia noticiosa acerca do fato e de seus eventos consequentes.

O tratamento dos dados não exigiu cautelas quanto ao sigilo, já que as notas oficiais são de caráter público. No entanto, para evitar qualquer conotação político-partidária ou mesmo ideológica na escolha dos fragmentos, as tabelas de análise apresentam somente as iniciais do declarante/interlocutor. Além disso, foram propositalmente omitidos trechos em que havia citação por extenso do nome do acusado. A intenção, com isso, foi a de asseverar o controle de possíveis vieses que tornassem a análise unilateral.

A análise dos dados foi realizada com foco nas bases interpretativistas defendidas por Putnam e Fairhurst (2001)Putnam, L. L., Fairhurst, G. T. (2001). Discourse analysis in organizations: Issues and concerns. In F. M. Jablin & L. L. Putnam (Eds.), The new handbook of organizational communication: Advances in theory, research, and methods (pp. 78-136). Thousand Oaks: Sage Publications. e Phillips e Hardy (2002)Phillips, N., Hardy, C. (2002). Discourse analysis: Investigating processes of social construction. Thousand Oaks, CA: Sage University Papers. , para uma análise institucionalista do discurso ( Phillips & Malhotra, 2017Phillips, N., Malhotra, N. (2017). Language, cognition and institutions: Studying institutionalization using linguistic methods. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence & R. E. Meyer (Eds.), The SAGE handbook of organizational institutionalism. (pp. 392-417). Newbury Park: Sage Publications. ). A escolha metodológica guiou-se pelas diretrizes epistemológicas do estudo, no sentido de que o discurso é visto como "uma ação comunicativa que é constitutiva da realidade organizacional e social" ( Heracleous & Hendry, 2000, pHeracleous, L., Hendry, J. (2000). Discourse and the study of organization: toward a structurational perspective. Human Relations, 53(10), 1251-1286. doi:10.1177/a014105
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, p. 1252, tradução nossa). Dessa forma, propõe-se uma relação de edificação entre o discurso e a realidade.

Avançando às questões procedimentais, o estudo se baseou na classificação das notas, permitindo a categorização dos segmentos em análise, com base em Putnam e Fairhurst (2001)Putnam, L. L., Fairhurst, G. T. (2001). Discourse analysis in organizations: Issues and concerns. In F. M. Jablin & L. L. Putnam (Eds.), The new handbook of organizational communication: Advances in theory, research, and methods (pp. 78-136). Thousand Oaks: Sage Publications. . Quando devidamente classificados, os segmentos foram agrupados com base na intertextualidade, tendo em vista a compreensão de que a formação intersubjetiva de sentido não ocorre individualmente pelo texto, mas pela sua capacidade de se conectar a outros, em direção à formação do discurso ( Maguire & Hardy, 2009Maguire, S., Hardy, C. (2009). Discourse and deinstitutionalization: the decline of DDT. Academy of Management Journal, 52(1), 148-178. doi:10.5465/amj.2009.36461993
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).

Estão detalhadas, a seguir, as etapas metodológicas:

  1. Iniciou-se a categorização dos fragmentos, pela composição de tabela que relacionava a nota oficial ao seu interlocutor , adotando-se classificação a priori de Putnam e Fairhurst (2001)Putnam, L. L., Fairhurst, G. T. (2001). Discourse analysis in organizations: Issues and concerns. In F. M. Jablin & L. L. Putnam (Eds.), The new handbook of organizational communication: Advances in theory, research, and methods (pp. 78-136). Thousand Oaks: Sage Publications. . Nesse estágio, implementou-se a codificação;

  2. Utilizou-se a categoria estrutura (escrita, falada) para sondar a necessidade de tratamento diverso às notas faladas ou escritas, dada a sua publicação em diferentes modais de comunicação. Nesse caso, constatou-se que a linguagem utilizada nos textos possuía suficiente afinidade com a estrutura escrita ou falada, permitindo o tratamento equânime para as duas situações;

  3. Seguindo pela condição de texto e intertexto – também adotada em caráter a priori conforme Putnam e Fairhurst (2001)Putnam, L. L., Fairhurst, G. T. (2001). Discourse analysis in organizations: Issues and concerns. In F. M. Jablin & L. L. Putnam (Eds.), The new handbook of organizational communication: Advances in theory, research, and methods (pp. 78-136). Thousand Oaks: Sage Publications. –, fragmentaram-se as notas em trechos com similaridade intertextual temática, compondo treze categorias prévias de análise. Quando o material empírico não permitiu a formação de mais categorias, o trabalho encontrou seu ponto de saturação;

  4. Elaboradas essas treze categorias prévias, realizou-se o aprofundamento nas questões léxicas . Posteriormente, ainda no campo gramatical, ganharam relevância as questões pronominais, adverbiais, de coesão e coerência, bem como a presença de figuras de linguagem, caracterizando a análise sintática;

  5. Tendo em vista os elementos gramaticais e linguísticos em análise, fizeram-se notar práticas discursivas supraindividuais dotadas de conteúdo semântico, que remetem à criação de sentido intersubjetivo e pragmático da formação de discurso ( Maguire & Hardy, 2009Maguire, S., Hardy, C. (2009). Discourse and deinstitutionalization: the decline of DDT. Academy of Management Journal, 52(1), 148-178. doi:10.5465/amj.2009.36461993
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    ), subliminarmente apoiados em conceitos compartilhados como lisura, retidão, arrependimento ou esperança, por exemplo;

  6. Com os resultados obtidos com as etapas anteriores, partiu-se para a composição das categorias finais (achados), de sorte a consolidar a formação do discurso . A análise relacionou os fragmentos aos tons emocionais impressos1( Coombs & Holladay, 2008Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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    ), atrelando-os às respostas estratégicas de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. e alçando o nível pragmático do uso da linguagem: (a) pelos elementos gramaticais como práticas de linguagem manifestas e latentes; (b) pela intertextualidade que suporta nuances intersubjetivas; e (c) pela escolha deliberada de componentes gramaticais que desvelam tons emocionais ou impessoais.

Como resultado, as treze categorias foram convertidas em cinco achados de pesquisa, que estruturam a seção seguinte, sendo analisados ao longo dela. Apresentou-se, ainda, no capítulo de discussão, uma tabela-síntese que correlaciona os achados finais às respostas estratégicas providas pelo aparato teórico.

Analisando o intertexto como resposta estratégica

Afronta e desafio: a expressão de consternação, o posicionamento como alvo de perseguição e o nome como ethos político

A análise das notas oficiais amostradas caracteriza o uso da linguagem para a adoção de respostas estratégicas de desafio – ou defiance ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. ) – por parte dos citados na “lista de Fachin”, priorizando a técnica de ataque ( attack ) às acusações veiculadas na mídia. Três perspectivas oriundas da análise de dados devem ser destacadas: (a) a ampla adjetivação para configurar surpresa, consternação ou descabimento acerca do conteúdo das acusações; (b) o uso do nome como bem ou como ethos político (Burton, 2004 citado por Suddaby & Greenwood, 2005Suddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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); e (c) o rebate às acusações pelo argumento de que ocorre uma perseguição pela mídia noticiosa. Observe-se, inicialmente, com a Tabela 1 , de que forma as perspectivas a e b são evidenciadas pela análise do discurso:

Tabela 1
Construções discursivas sobre o nome como ethos político

São analisadas, primeiramente, as características gramaticais, sintáticas e léxicas dos fragmentos eleitos. No que se refere à construção gramatical, nota-se a existência de um padrão entre os enunciados: a primeira parte constitui-se da manifestação de consternação e surpresa, enquanto a segunda parte esclarece o fato gerador dessa perplexidade, qual seja, a menção da sua pessoa pública no rol de agentes políticos citados na “lista de Fachin”.

Do ponto de vista léxico, há ampla adjetivação do sentimento de surpresa, perplexidade e indignação, por vezes no sentido de desqualificar a “lista”, por vezes acompanhada da noção de hipérbole, de superlativo, pelo uso recorrente de vocábulos como "totalmente", "absoluta" e "grande". Os principais termos que caracterizam essa condição encontram-se demarcados em negrito na Tabela 1 . A construção gramatical e léxica apresentada desvela elementos que se afinam com a estratégia de desafio. O mais importante deles advém do fato de que o interlocutor manifesta o não reconhecimento da legitimidade da acusação ou da fonte. Em análise análoga, Freitas e Medeiros (2018)Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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compreendem que as estratégias de ponderação social se baseiam em revogação de legitimidade; sendo assim, "se a legitimidade de quem denuncia é questionável, o argumento também o seria" (p. 16).

Preponderantemente à veracidade dos fatos, já que "a verdade é uma construção discursiva" ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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, p. 80), o agente político prioriza a aceitação ou a valorização social – social worthiness ( Oliver, 1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. –, abstendo-se de rebater tecnicamente ou de apresentar fatos divergentes à acusação. O interlocutor deposita suas fichas em sua reputação e influência, evocando para si a legitimidade de seu discurso em detrimento daquilo que foi falado.

Prosseguindo no segundo trecho, em que foi utilizado o destaque em negrito para o uso recorrente da expressão "meu nome" ou "seu nome", percebe-se que a expressão é cunhada em sentido conotativo e que se aproxima da ideia de honra e reputação. Isso porque o cunho da expressão "nome" remonta à personalidade política do acusado, tal qual o latim persona 2. Deseja-se, com isso, rememorar ao leitor/ouvinte a honra e a reputação do agente político enquanto estratégia para rebater o peso das acusações. Portanto, ao apelar para o "personagem histórico" ( Suddaby & Greenwood, 2005, pSuddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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, p. 45, tradução nossa), as notas oficiais contrapõem a credibilidade das acusações, valorizando as conquistas e ações recentes daquele que está sendo objeto das ofensas, criando ainda nebulosidade sobre a quem conceder legitimidade: se ao acusador ou ao acusado. Em três outros trechos, transcritos na Tabela 2 , essa condição é elevada ao cenário de retaliação ou perseguição política:

Tabela 2
Construções discursivas sobre retaliação e perseguição política

Observe-se que, nessas enunciações, o ethos é exaltado, declamando uma condição de trial by media , ou seja, de julgamento popular pelas colocações da mídia noticiosa. Tal argumento caminha para a construção de verdades e não se relaciona, portanto, à comprovação de inocência. Desse modo:

Mesmo diante de acusações e de provas legais, em algumas situações, envolvendo até mesmo a condenação dos acusados, esses continuam declarando-se inocentes, afirmando que se baseiam na tese de que há uma perseguição, deixando em segundo plano as acusações que são legalmente fundamentadas. ( Freitas & Medeiros, 2018Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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, p. 16)

Segundo Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , a resposta estratégica de ataque pode ocorrer em resposta à atuação da mídia – entendida tanto como instituição ou "quarto Poder" quanto como ator organizacional ou mesmo campo organizacional profissionalizado – junto à opinião pública, levando os ouvintes/leitores a questionarem qual das organizações ou atores envolvidos gozam de legitimidade suficiente para receberem credibilidade. A análise do discurso, assim, desvela a estratégia de desafio pelos citados. Tal conclusão fundamenta-se: (a) na expressão fortemente adjetivada e superlativa da perplexidade gerada pela citação na lista, evocando para si a legitimidade frente à opinião pública; (b) no uso da expressão "meu nome" como ethos 4político; e (c) na elevação do ethos a uma condição de paridade com a mídia, arguindo pela perseguição midiática.

Empatia e afetividade: o apoio e o reforço das ações anticorrupção

As respostas emitidas demonstram que determinados agentes políticos/organizações optaram por adotar um tom positivo ( Coombs & Holladay, 2008Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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), evitando proferir palavras de confrontação, consternação ou respostas negativas espontâneas ( negative word-of-mouth ) ( Coombs & Holladay, 2008)Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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. Trata-se de uma estratégia que denota empatia para com o leitor/ouvinte, no sentido de reforçar que a expectativa por justiça é compartilhada pelo acusado. Evidencia-se, na sequência, que o tom empático empregado confere certo grau de cientificidade ao discurso. Inicia-se por demonstrar de que forma as respostas carregam esses objetivos, a partir da análise gramatical e léxica das notas oficiais, conforme a Tabela 3:

Tabela 3
Construções discursivas que pregam confiança na justiça e nas ações anticorrupção

Em relação aos grupos verbais, evidencia-se, em negrito, o conjunto de verbos que ratificam a mensagem positiva, a saber: de que a justiça não falhará. Guarda alto grau de sinonímia o uso dos termos: reafirmar, reforçar, apoiar, acreditar. Quanto ao léxico, o uso da palavra "confiança" e suas derivações é recorrente, conforme os destaques em negrito na Tabela 3 .

Segue-se, então, às mensagens escamoteadas, especialmente a apresentação dessa lógica subliminar: aquele (a figura pública) que não tem medo confia na justiça e nas instituições nacionais. Há espaço, inclusive, para proferir discursos mais inflamados, como "nada devemos, nada tememos" ou "tem que investigar sim. Tem que investigar até o fim". Repare-se que as construções discursivas selecionadas são rimadas, fluídas, simétricas. Esse tipo de construção é favorável à fixação de significados, mesmo que provisórios ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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). O êxito do tom empático reside na intenção de informar ao leitor/ouvinte a seguinte mensagem: “porque não tememos, apoiamos a investigação. Estamos do mesmo lado”.

Destaca-se, em particular, o vocábulo "investigação" e suas derivações, e a forma como sua citação tende a conferir tecnicidade e mesmo cientificidade ao discurso. Coombs e Holladay (2008)Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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citam uma forma de resposta em que se usam primordialmente informações, concedendo caráter técnico e científico à enunciação ( information only ). Ainda que o aspecto científico não se apresente de maneira pura, reside latente a ideia de que a investigação trará os fatos, "a verdade". Essa percepção encontra correspondência nos objetivos centrais midiáticos em que se valoriza o ato de investigar, pois, "na busca da verdade, está muito próximo do discurso científico, isto é, da investigação" ( Pinto, 2006, pPinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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, p. 86).

A estratégia de delegar a "verdade" à justiça e à investigação permite criar um significado provisório: algo como "então, veremos!". Essa lacuna de significados e sua inerente provisoriedade visam atender à pluralidade das expectativas institucionais em contextos políticos e enfatizada em circunstâncias críticas ( Meyer & Höllerer, 2016Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. ), pois, ao invés de propor o choque de legitimidade, o agente político ou a organização optam por corroborar a faceta positiva da justiça, demonstrando aderência ao conteúdo da lista. Para Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , a pluralidade é um elemento nuclear para a estratégia de compromisso ( compromise ), pela qual se intenta "balancear as expectativas de múltiplos constituintes" (p. 152, tradução nossa). Nela, o tom afetivo pode se manifestar por táticas de pacificação visando obter estabilidade – ainda que provisória – ao fervor gerado por uma acusação.

O protagonismo e a centralidade do “personagem político”: o apelo à trajetória e à reputação ilibada

Importante retomar agora a questão do ethos ( Suddaby & Greenwood, 2005Suddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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) e o clamor pelo personagem histórico, pela figura pública do agente político mencionado na “lista”. O ethos agora ganha posição de protagonismo e torna-se o cerne das ideias expostas. Assim, o homem público é evocado centralmente nas enunciações eleitas, conforme demonstrado na Tabela 4:

Tabela 4
Construções discursivas sobre o homem público e a trajetória política

Os trechos selecionados guardam intertextualidade léxica, mas, sobretudo, convergências de sentidos. A mensagem subjacente impõe ao leitor/ouvinte a seguinte reflexão: será que a mera citação em uma lista de acusações macula toda a vida pública desse agente político? Há, portanto, a contraposição da ideia da trajetória política, do homem público, da honra e do ethos ao conteúdo da “lista de Fachin”. O estudo de base para essa análise foi estruturado por Suddaby e Greenwood (2005)Suddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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, no qual os segmentos foram submetidos à análise retórica e as codificações feitas no sentido de demonstrar a proeminência de determinado elemento persuasivo no fragmento apresentado. A lógica de proeminência do elemento ethos é também utilizada para esse ponto de análise, resguardadas as diferenças metodológicas entre a análise da retórica e a análise do discurso aqui empregada. Mesmo assim, ao realizar a análise do discurso, não é prudente afastar o uso estratégico da retórica – da linguagem persuasiva utilizada para posicionamento de confronto, reforço ou manutenção dos pressupostos institucionais –, especialmente em períodos de mudança ( Suddaby & Greenwood, 2005Suddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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).

No corpus analisado, é manifesto o uso recorrente do termo "trajetória" ou "vida pública", ressaltado pelo pronome de posse "minha", em uma construção pleonástica. Outros destaques da construção gramatical são a ênfase dada por advérbios de modo como "categoricamente" e a hipérbole pelo uso de termos extremados como "nunca", "nenhum" e "ninguém". Ressalta-se, ainda, outra forma de exacerbação do ethos pelas formações em que se transmite a ideia de que a trajetória política "fala por si só", ou seja, o apelo ao personagem histórico é elevado a tal ponto que não se faz necessário responder às acusações. Nesse caso, opera-se uma forma de impessoalizar superficialmente o discurso político ( Pinto, 2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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, havendo a transferência do sujeito em primeira pessoa para a terceira, representada pela "trajetória política".

Em suma, retomar a trajetória do sujeito caracteriza-se como sendo uma estratégia arrojada, que visa manipular os pressupostos institucionais, pela possibilidade de “moldar valores e critérios” avaliativos ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , p. 152, tradução nossa). Nisso, ainda que se afaste o tom negativo de confronto, há uma demonstração de apelo emocional que entende a reputação como o mais valioso recurso durante o período de crise ( Coombs & Holladay, 2008Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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). Similarmente, afirmam Suddaby e Greenwood (2005)Suddaby, R., Greenwood, R. (2005). Rhetorical strategies of legitimacy. Administrative Science Quarterly, 50(1), 35-67. doi:10.2189/asqu.2005.50.1.35
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, “a retórica pode ser usada para expor e manipular lógicas institucionais subordinadas e dominantes e criar ímpeto para mudança institucional” (p. 36, tradução nossa).

A não conformidade: a negação e o uso do argumento de desconhecimento do contido na acusação

Nesta seção, destaca-se o uso da linguagem da negação ( denial ) em suas características léxicas e sintáticas. Para a averiguação semântica, na Tabela 5 destacam-se as nuances do ato de negar, por fim, em amarração teórica, para a exposição dos elementos textuais e intertextuais que demonstram o tom da resposta estratégica escolhida.

Tabela 5
Construções discursivas de negação e desconhecimento do contido na acusação

Dá-se início pela análise dos grifos e pela compreensão de três ideias principais presentes nos trechos selecionados para a Tabela 5 , bem como pelos elementos de linguagem que são capazes de evidenciá-las. Em negrito, encontram-se destacados trechos ou palavras que remetem à ideia de mentira, falsidade ou mesmo ficção. Nesse caso, há um esforço discursivo para a construção de uma nova verdade (ainda que provisória, note-se) de que há algum tipo de complô ou estratagema visando macular a imagem do agente público envolvido.

A primeira ideia subentendida pelos excertos é a de que a figura do delator5assume o papel de vilão, contrapondo-se a uma eventual vilania que possa ter sido imposta pela “lista de Fachin” aos nela citados. O delator é a figura que assume o papel de proferidor de injustiças e inverdades. Remonta-se, com isso, a um enredo de contraponto entre "o bem" e "o mal", que permite entender a situação como uma "narrativa" (vide fragmento da primeira linha da Tabela 5 ) ou como uma "obra de ficção" (vide fragmento da última linha).

A segunda ideia subjacente às notas selecionadas para análise é a de negação, por meio do uso de verbos e advérbios que confrontam radicalmente o conteúdo da acusação. São vocábulos de posição firme e incisiva, como "negar", "rechaçar", "afirmar", seguidos de advérbios que reforçam essa condição, tais quais "categoricamente" ou "peremptoriamente". Nesse caso, adota-se uma postura de oposição direta e diametral à citação, transmitindo a noção de negação veemente e indubitável. Essa oposição, no entanto, oferta aos stakeholders uma interpretação binária, que carrega o risco implícito à negação ( Bamber & Parry, 2016)Bamber, M., Parry, S. (2016). A study of the employment of denial during a complex and unstable crisis involving multiple actors. International Journal of Business Communication, 53(3), 343-366. doi:10.1177/2329488414525454
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. Isso porque a negação é uma forma de polarizar a resposta, acabando por simplificar a estratégia escolhida. Assim, caso o leitor/ouvinte não acredite na negação, naturalmente irá se encaminhar pela afirmação, no sentido de que passa a existir apenas o "culpado" ou o "inocente". Para fortalecer a negação – em detrimento à afirmação da culpa –, os agentes políticos lançam mão de outras duas propriedades do discurso: a arbitrariedade e a agressividade.

Observe-se, primeiramente, o uso dos termos "ilegalidade", "irregularidade", "ilícitos", cunhados de maneira ampla, já que se conjugam a termos que lhes proporcionam sentido irrestrito, como "qualquer", "nenhum" ou "nunca". Com isso, formam-se sentenças de acentuação da negativa, como "nunca cometi práticas ilícitas", "não cometi nenhuma irregularidade", dentre outras. Assim, ao lidar com a arbitrariedade, o agente político tenta afastar limitações e controvérsias sobre o que se quer dizer por "ilegalidade" nos atos nos quais ele se vê, alegadamente, envolvido; portanto, qualquer que seja a noção de ilegalidade, o interlocutor não a cometeu. Como os termos "irregularidade" ou "ilegalidade" podem ter sido anteriormente aplicados de forma arbitrária, a generalização serve para fechar lacunas de interpretação.

Bamber e Parry (2016)Bamber, M., Parry, S. (2016). A study of the employment of denial during a complex and unstable crisis involving multiple actors. International Journal of Business Communication, 53(3), 343-366. doi:10.1177/2329488414525454
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assumem que a negação pode adotar contornos mais ou menos agressivos. O uso de agressividade pode ser visto pela ótica do componente emocional ( Coombs & Holladay, 2008Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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). Assim, as enunciações podem expressar a manifestação (evidente ou subentendida) de raiva ( anger ), que visa suscitar no leitor/ouvinte a mesma indignação experimentada pelo agente público que se encontra em tal imbróglio político e jurídico. A linguagem de negação pode oscilar entre o tom mais cauteloso e mais agressivo, em que o último se faz conivente com a ideia de attack ( Oliver, 1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. . No estudo de Medimorec e Pennycook (2015)Medimorec, S., Pennycook, G. (2015). The language of denial: Text analysis reveals differences in language use between climate change proponents and skeptics. Climatic Change, 133(4), 597-605. , a negação tem como estratégia a acusação de outrem, uma vez que, ao tratarem de questões ambientais, as organizações acusadas alternam o foco das acusações, ao chamarem os cientistas ambientais de "alarmistas", alertando para a existência de outro "vilão". Esse outro vilão, por sua vez, pode ser entendido como o próprio sistema, ou como organizações que atuam de forma coercitiva ou indutora da malversação dos recursos, levando ao que Freitas e Medeiros (2018)Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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consideram negação da responsabilidade.

A negação se baseia em estratégias que indicam a perda da neutralidade da linguagem (Medicmorec & Pennycook, 2015). Coombs e Holladay (2008)Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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ensinam que a neutralidade se perde ao utilizar-se o tom emocional, gerando distanciamento do uso técnico e científico. Desse modo, o intuito das enunciações não está centrado na "propagação de evidências", mas no "descrédito à perspectiva oposta" (Medicmorec & Pennycook, 2015, p. 7).

Em arremate, evidencia-se que as propriedades presentes nas enunciações e os argumentos utilizados pelas organizações/agentes tendem a provocar no leitor/ouvinte o sombreamento da verdade, tornando a acusação opaca e frágil, ante a falta de transparência de sua divulgação e sua potencial incapacidade de construir verdade. Em conjunto, esses atributos pretendem ampliar a adesão à negação, tentando controlar os riscos e os efeitos contraproducentes dessa estratégia ( Bamber & Parry, 2016Bamber, M., Parry, S. (2016). A study of the employment of denial during a complex and unstable crisis involving multiple actors. International Journal of Business Communication, 53(3), 343-366. doi:10.1177/2329488414525454
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).

Em razão do tom agressivo, a negação está mais próxima do elemento de attack , muito se aproximando da ideia de manipulação proposta por Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. . A negação, vista pela ótica da análise do discurso, não carrega somente o ato puro de negar (o intuito de distanciar-se, desvencilhar-se ou dissociar-se de um ato, fato ou evento), mas volta o foco a um fato gerador mentiroso, calunioso, promovido por um ator não merecedor de crédito. Há, dessa feita, um esforço deliberado para "moldar valores e critérios" ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , p. 152, tradução nossa), avocando a legitimidade da classe política.

O benefício da dúvida: a ambiguidade presente no enunciado "a verdade aparecerá"

No argumento teórico deste estudo, os conceitos de “ambiguidade” e de “pluralidade” foram brevemente articulados no sentido de compreender de que forma as construções discursivas dúbias ou ambíguas ampliam a gama de atendimento a expectativas institucionais ( Meyer & Höllerer, 2016Meyer, R. E., Höllerer, M. (2016). A. Laying a smoke screen: Ambiguity and neutralization as strategic responses to intra-institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 373-406. ). Nesse ponto, a margem de ambiguidade presente em construções do tipo "a verdade aparecerá" abre ao leitor/ouvinte a prerrogativa nominada "benefício da dúvida". Observem-se os seguintes trechos indicados na Tabela 6 .

Tabela 6
Construções discursivas sobre o restabelecimento da verdade

Para a compreensão do formato utilizado para as construções discursivas, salientem-se três ideias presentes nas transcrições acima, a saber: (a) a confiança na Justiça; (b) o reestabelecimento e a prevalência da verdade; e (c) o enfoque no desfecho, na conclusão. Tomando por base Pinto (2006)Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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, compreende-se que a verdade, no discurso político, advém da fixação provisória de significados. Sendo assim, as enunciações citadas utilizam, em favor delas, o lapso de tempo entre a presente representado pela declaração e a conclusão do inquérito. Por conseguinte, não há o temor da eventual divergência entre o desfecho (veredito condenatório) e o teor das enunciações (alegação de inocência), pois a verdade é volátil, vista tão somente como um estado de provisoriedade. A ambiguidade, por sua vez, também se relaciona com a provisoriedade. Em geral, a presença desse elemento discursivo (ou retórico) está associada à "falta de clareza" ou à "incerteza sobre a aplicação de um termo" ( Schane, 2002Schane, S. (2002). Ambiguity and misunderstanding in the law. Thomas Jefferson Law Review, 25(1), 167-193. Retrieved from: https://bit.ly/3aYHVOy
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, p. 1); mas a extensão da ambiguidade é, sobretudo, um atributo da linguagem utilizada, e perpassa questões (a) léxicas, (b) gramaticais (sintáticas) e (c) semânticas.

Ainda que os três tipos de ambiguidade (“a”, “b” e “c”) possam apresentar-se conjuntamente, é central o entendimento da ambiguidade semântica. No campo semântico, impera a ideia das múltiplas definições ou, ainda, das múltiplas interpretações a que estão sujeitas determinadas palavras, frases, textos ou falas ( Schane, 2002Schane, S. (2002). Ambiguity and misunderstanding in the law. Thomas Jefferson Law Review, 25(1), 167-193. Retrieved from: https://bit.ly/3aYHVOy
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). Sobretudo, a ambiguidade semântica é particularmente sutil e pode não estar visível em uma leitura menos atenta, podendo exigir, para seu diagnóstico, a leitura de outros textos ou a vivência de determinadas situações. Esse quadro de ambiguidade semântica encoberta, então, é denominado de “ambiguidade latente” ( Schane, 2002Schane, S. (2002). Ambiguity and misunderstanding in the law. Thomas Jefferson Law Review, 25(1), 167-193. Retrieved from: https://bit.ly/3aYHVOy
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).

Como o contexto é mutável e as verdades são provisórias ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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), a ambiguidade latente se beneficia dessas condições. Sillince et al. (2012)Sillince, J., Jarzabkowski, P., Shaw, D. (2012). Shaping strategic action through the rhetorical construction and exploitation of ambiguity. Organization Science, 23(3), 630-650. doi:10.1287/orsc.1110.0670
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concentram-se em entender de que forma a ambiguidade se faz estratégica, pelo prisma da retórica e pela consideração da intenção estratégica (o dito “fator deliberação”). Por isso, os autores discorrem sobre a ambiguidade adaptativa, que faz uso dessa temporalidade.

A "ambiguidade adaptativa habilita o interlocutor a adotar temporariamente valores comuns com o público, com o propósito de tomar uma ação específica enquanto reverte (os pressupostos) em favor de seus interesses e valores" ( Sillince et al., 2012Sillince, J., Jarzabkowski, P., Shaw, D. (2012). Shaping strategic action through the rhetorical construction and exploitation of ambiguity. Organization Science, 23(3), 630-650. doi:10.1287/orsc.1110.0670
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, p. 647, tradução nossa). A ideia de que a "verdade aparecerá" não nos diz exatamente quais fatos virão à tona, de modo que é nesse ponto que surge a latência. Tomando apenas a interpretação semântica (no caso, o estágio hermenêutico compreensivo, posterior ao estágio de desdobramento interpretativo das condições semânticas), o leitor/ouvinte é induzido a pensar que o enlace final será favorável ao agente político acusado, diante da combinação de sentidos estabelecida com o pressuposto de "confiança na justiça".

De maneira subjacente, apresenta-se o argumento de que o acusado pode abster-se de qualquer manifestação nesse momento, pois o tempo será encarregado de responder pelos fatos, e a História, futuramente, o inocentará em registro retrospectivo. Assim, deposita-se sobre o desfecho o peso de esclarecer os fatos, permitindo ora a neutralidade, ora a omissão provisória do citado. A estratégia de ambiguidade adaptativa é especialmente favorável ao entendimento de diversas expectativas institucionais e indica uma postura de evasão ( avoidance ) momentânea do tema, visando escapar pela distorção do foco temporal de atenção, pela mudança interina de objetivos ou de atividades ( Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. ). O que se destaca, então, é a tentativa de suscitar, simultaneamente, grande número e amplitude de interpretações, já que o benefício da dúvida faz o tempo correr a favor do acusado.

As respostas estratégicas de cunho político

Enfocando condições institucionais, propriedades de linguagem e particularidades do discurso proeminentes no universo político, relaciona-se o conteúdo das notas oficiais com o caráter das respostas estratégicas, tendo em vista o uso da linguagem em seu contexto político . No que se refere às condições institucionais, as estratégias orbitam em torno da complexidade e da pluralidade das expectativas institucionais e dos desafios enfrentados pelas organizações. Assim, é desafiador angariar ou manter a legitimidade e a aceitação em campos institucionais marcados por diferentes lógicas e expectativas, por vezes, complementares e/ou controversas ( Vermeulen et al., 2016Vermeulen, P. A. M., Zietsma, C., Greenwood, R., Langley, A. (2016). Strategic responses to institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 277-286. ). Exponencialmente, a gama de stakeholders no discurso político se amplia, já que cada eleitor é, por sua vez, um novo interlocutor ( Pinto, 2006Pinto, C. R. J. (2006). Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói, (24), 78-109. doi:10.17058/barbaroi.v0i0.821
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). Por esse atributo, o discurso político carrega suas particularidades, entre elas a arbitrariedade, a provisoriedade e a anterioridade.

Especialmente quando o discurso político é proferido em razão da revelação de corrupção ( Klerk, 2017Klerk, J. J. (2017). "The devil made me do it!" An inquiry into the consciousness "devils within" of rationalized corruption. Organization Studies, 26(3), 254-296. doi:10.1177/1056492617692101
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), ou em momentos de crise de reputação, artimanhas como a impessoalização do ato de corrupção ou a negação se fazem mais presentes. Isso porque o ato de corrupção, em um recorte de suas inúmeras definições, pode ser visto como o favorecimento direto do interesse do corrupto ( Klerk, 2017Klerk, J. J. (2017). "The devil made me do it!" An inquiry into the consciousness "devils within" of rationalized corruption. Organization Studies, 26(3), 254-296. doi:10.1177/1056492617692101
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). E, se esse interesse é privilegiado, outros interesses são preteridos. Como evitar que aqueles que têm os interesses maculados se dissociem de determinado discurso?

Tendo por referência a obra de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , na qual as respostas estratégicas são entendidas de acordo com fatores preditivos e institucionais e seus respectivos desdobramentos, apresenta-se uma tabela-resumo que busca conjugar os pontos de análise. As colunas da Tabela 7 apresentam os argumentos teóricos, as evidências de linguagem e os pressupostos institucionais priorizados, enquanto as linhas evidenciam, individualmente, cada um dos cinco achados de pesquisa.

Tabela 7
Respostas estratégicas de cunho político

Em Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. , é possível depreender cinco tipos de respostas estratégicas organizacionais. No âmbito individual investigado – que sustenta condições de repercutir para análises de organizações em situações de crises, escândalos ou circunstâncias tensionadas em virtude de corrupção –, também foram cinco as respostas estratégicas de cunho político encontradas em meio a manifestações discursivas oficiais/oficiosas, a saber: desafio ( defiance ), compromisso ( compromise ), evasão ( avoidance ) e manipulação ( manipulation ), contendo esta última duas modalidades, devido à variação de propósito/finalidade identificada. Ao aplicarmos o modelo original de respostas estratégicas de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. aos discursos políticos (mapeando e, assim, concebendo as estratégias apresentadas), sistematizamos, por meio da Tabela 7 , possibilidades analíticas para o estudo de comportamentos da emissão de respostas estratégicas de/em organizações, ao passo que tais atores também lidam com a mobilização/conciliação de interesses políticos e mercadológicos (angariando ou mantendo recursos), ao enfrentarem eventos críticos.

Conclusões

Este estudo lançou um olhar institucionalista sobre o discurso político, explorando o caráter estratégico das respostas proferidas pelos atores políticos citados na chamada “lista de Fachin”. O enfoque perpassou as nuances da linguagem, em seus aspectos retóricos, discursivos, ambíguos e intertextuais, que expressam intenções comunicativas entre agentes e organizações do mundo político e sua vasta gama de interlocutores.

O recorte da teoria institucional adotado procurou dialogar com estudos discursivos e linguísticos, de modo que uma das principais contribuições ofertadas é sintetizar conexões entre seus principais elementos metodológicos e teóricos, no sentido de desvelar intenções de conformidade, confronto, ataque ou aquiescência manifestadas ou latentes nas notas oficiais. Essa análise tem a parcimônia de considerar particularidades do mundo político (como a arbitrariedade, a provisoriedade e a complexidade), bem como o cuidado de se embasar em elementos intertextuais, léxicos, semânticos, e em construções discursivas ambíguas e retóricas.

Para fundamentar a categorização das notas oficiais, procedeu-se à análise sobre os papéis da retórica e da ambiguidade ( Sillince et al., 2012Sillince, J., Jarzabkowski, P., Shaw, D. (2012). Shaping strategic action through the rhetorical construction and exploitation of ambiguity. Organization Science, 23(3), 630-650. doi:10.1287/orsc.1110.0670
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), as conotações afetivas ou técnicas e os tons negativos ou positivos das declarações ( Coombs & Holladay, 2008Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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), as táticas de racionalização das respostas ( Freitas & Medeiros, 2018)Freitas, L. R., Jr. & Medeiros, C. R. O. (2018). Estratégias de racionalização da corrupção nas organizações: uma análise das declarações de acusados em casos de corrupção no Brasil. Revista de Ciências da Administração, 20(50), 8-23. doi:10.5007/2175-8077.2018v20n50p8
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e o aspecto temporal ( Schembera & Scherer, 2017)Schembera, S., Scherer, A. G. (2017). Organizational strategies in the context of legitimacy loss: Radical versus gradual responses to disclosed corruption. Strategic Organization, 15(3), 301-337. doi:10.1177/1476127016685237
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. Desse modo, este trabalho contribui para composição de repertório teórico-conceitual convergente ao modelo analítico de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. – segundo a releitura aqui empreendida, que é ampliada pelos elementos de Coombs e Holladay (2008)Coombs, W. T., Holladay, S. J. (2008). Comparing apology to equivalent crisis response strategies: clarifying apology's role and value in crisis communication. Public Relations Review, 34(3), 252-257. doi:10.1016/j.pubrev.2008.04.001
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–, ao relacionar as respostas estratégicas do texto de 1991 a respostas discursivas, e inserir, naquelas, elementos categóricos, de modo a buscar as características de pronunciamentos em circunstâncias de escândalos de corrupção e de crises políticas decorrentes, até então não claramente considerados nas estratégias de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. . Assim, a aplicação do modelo de Oliver (1991)Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. feita sobre um objeto empírico pouco usual – como o abordado neste estudo – contribui de maneira original para se pensar e avaliar comportamentos reativos não só de indivíduos, mas também de organizações, quando estas se veem em circunstâncias de escândalos e crises comprometedoras de sua imagem institucional, reputação e condições operacionais frente a stakeholders diversos (Palmer, Smith-Crowe, & Greenwood, 2016).

Com efeito, a escolha deliberada das palavras, a similitude das declarações, o uso do tempo verbal e do sujeito em primeira ou terceira pessoa, as adjetivações, as hipérboles ou as negativações são elementos teórico-conceituais que agregam ao referencial teórico o olhar sobre o uso pragmático da linguagem e a possibilidade de agrupar declarações, demonstrados sinteticamente pelos elementos de linguagem característicos apresentados na Tabela 7 . Entende-se que tais resoluções derivam da intenção majoritária de preservar/garantir a boa imagem e reputação dos que delas se utilizam – tendo em vista a necessidade de comunicar-se com stakeholders diversos, os quais guardam diferentes expectativas em relação a esses pronunciamentos em situações de crise, escândalo, culpa e corrupção. Sendo assim, o contexto institucional também é alcançado, a partir das propriedades relevantes do discurso político.

Há reconhecidas limitações no estudo. Não foram exploradas com densidade as particularidades discursivas quando vistas como aderentes ao cenário nacional de corrupção. Tampouco foi possível aprofundar nossa análise sobre a repercussão de escândalos recentes, ao utilizarmos um conceito amplo de corrupção, que flerta com sua intersubjetividade e com o significado do discurso político. Porém, as particularidades da corrupção no Brasil carecem de maior circulação nos periódicos brasileiros ( Marani et al., 2018Marani, S. C. Z., Brito, M. J., Souza, G. C., Brito, V. G. P. (2018). Os sentidos da pesquisa sobre corrupção. Revista de Administração Pública, 52(4), 712-730. ), e sua ligação com as respostas em notas oficiais e declarações midiáticas dos acusados e da imprensa demonstra uma lacuna científica a ser abordada.

Não foram tratadas correlações entre os cargos políticos ocupados e o tipo de resposta estratégica, de forma que não faz qualquer sentido apregoarmos que ministros acusados rebatem com mais ênfase do que deputados arrolados na “lista de Fachin”, por exemplo. Priorizou-se uma visão da classe política como um todo, de forma apartidária e sem inferências sobre o jogo de poder, de influência ou de posição ocupada pelos declarantes, pois foi do nosso interesse centralizar a análise nos usos linguísticos dos fatos discursivos reunidos, agrupando os interlocutores pela sua similaridade de fala, e não por sua orientação partidária, como se viu. Ainda assim, restou sinalizada essa possibilidade, ao codificar os agentes citados unicamente como seu cargo político exercido à época da emissão da nota, permitindo novos trabalhos sequenciais que relacionem o cargo às estratégias de resposta. Dado o vasto material empírico produzido e noticiado em decorrência do momento político em que se sucedeu a divulgação de escândalos de corrupção, descortinam-se outras análises institucionais a serem feitas, destacando-se a capacidade do discurso de construir a realidade versus a complexidade do elemento institucional em questão em suas lógicas plurais subjacentes, por exemplo.

Também é possível aprofundar discussões envolvendo a efetiva carga distintiva entre vocabulários sustentados por representantes políticos de diversos espectros ideológicos, haja vista que nossa análise deixa claro que, de modo quase que suprapartidário, a classe política abordada apela para os mesmos recursos retóricos quando em circunstâncias críticas como as do recorte do estudo, o que sugere – de forma contraintuitiva a ideias como as de "propriedade" ou "territorialidade" de uso da linguagem – haver elementos transversais e inerentes ao discurso político. Ainda, ao se adotar uma visão de intertextualidade nas respostas, é possível ampliar a análise para compreender a força de pressões isomórficas sobre o discurso político como um todo, especialmente acerca do teor e linguagem das declarações, ante a observação empírica de que raramente se ouve políticos dizerem quais promessas de campanha são efetivamente exequíveis, quais trocas de favores ocorreram nos bastidores de cargos públicos e quais recursos/alianças são necessários para que um candidato seja realmente eleito. Por essa linha, é possível esmiuçar o que concede legitimidade a um discurso político e, por conseguinte, a um agente político – seja ele indivíduo(s) ou organização(ões).

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  • Vermeulen, P. A. M., Zietsma, C., Greenwood, R., Langley, A. (2016). Strategic responses to institutional complexity. Strategic Organization, 14(4), 277-286.

Notas

  • 1
    . Cabe destacar que as notas não foram diretamente enunciadas pelo agente político ou organização, mas sim por jornalistas da mídia noticiosa em que foram veiculadas (no caso de sua apresentação falada). Da mesma forma, foram apresentadas na forma de citação na reportagem publicada pelo Portal G1 (2017)Portal G1. (2017, Apr. 11). Veja as respostas dos citados na lista de Fachin, relator da Lava Jato no STF. Jornal Nacional. Retrieved from http://glo.bo/3aJIdro
    http://glo.bo/3aJIdro...
    . Recuperado de http://glo.bo/2PGJmZJ
  • 2
    . A palavra persona , em latim, significa máscara (no sentido de “personagem”).
  • 3
    . Lawfare significa o uso da lei como arma de guerra. Denota o abuso das leis e sistemas judiciais para fins militares ou políticos. Apresenta tom negativo, de mau uso legal para intimidação e frustração, visando destruir os inimigos, levantar clamor público, manipular opiniões. Cf. lawfareproject.org. Recuperado de https://bit.ly/2PU9JeX
  • 4
    . Vide seção "O protagonismo e a centralidade do 'personagem político': o apelo à trajetória e à reputação ilibada" deste trabalho.
  • 5
    . A delação encontrou aplicabilidade prática por ocasião da Lei 9.613/1998, de combate à lavagem de dinheiro, apesar de já prevista por outras leis do aparato legal brasileiro. O delator, ou seja, aquele que faz a delação, abre mão de seu direito de silêncio, compromete-se com a verdade e com a apresentação de provas, em troca de benefícios como a redução de pena. Recuperado de https://bit.ly/3by5ldS
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento
    Os autores não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2018
  • Aceito
    06 Fev 2020
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