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Informação, um excurso crítico-filológico

Information, a critical-philological excursus.

Resumos

Trata-se de uma conversação com a virada pragmático-linguística da informação, de um excurso filosófico através de uma leitura crítica-filológica a respeito do nome informação. A variação prefixal de sentido (in-) é analisada, assim como seus direcionamentos - dar e privar a forma. A forma-ideia platônica é rediscutida a partir do olhar crítico-filológico. Ao final, assinala-se para uma infância da informação indicativa de um possível experienciar desvinculado de mentalismos e tecnicismos que se desdobram multiplamente na sociedade rotulada como informacional.

Informação; Pragmatismo; Crítica-filológica; Infância da informação


This is a conversation with the pragmatic-linguistic turn over information, a philosophical excursus through a critical-philological reading about the name information. The prefixal variation of signification (in-) is analyzed as well as their directions - giving and depriving the form. The platonic idea is rediscussed from critical-philological look. At the end, points to an infancy of information indicative of a possible experience disconnected from mentalism and technicalities that unfold in society multiply labeled as informational.

Information; Pragmatism; Critical-philological; Infancy information


1 A partilha temático-discursiva

Tudo, pois, que rasteja, partilha da terra.

Heráclito, Fragmento 11(1980, p. 51).

Inicialmente, como consta no título do texto, a "crítica-filológica" é um método hermenêutico anunciado e descrito por Agamben (2008)AGAMBEN, G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.no capítulo "Programa para uma revista" em seu livro "Infância e história"; nesses termos interpretativos ( fabulari ex re), buscaremos exemplificar nossa leitura da informação. Alguns esforços vêm sendo feitos na direção de uma reflexão crítica acerca da informação. Boa parte desses estudos debruça-se sobre o fenômeno da informação durante o século XX e XXI e o que convencionalmente se outorgou chamar, a partir de sua característica info-imperativa, de sociedade da informação. Alguns estudos também apontam digressões históricas do conceito, de suas influências e agenciamentos metafísicos, sociais, políticos, epistemológicos para a análise da configuração societal que surge nesses dois últimos séculos. Perante o contexto argumentativo e discursivo partilhado pelo texto, um grupo de pesquisadores é identificado como interlocutores desta leitura: Ronald Day com as "idades da informação", Miguel Rendón Rojas e os "paradigmas bibliotecológicos", Rafael Capurro e a hermenêutica da informação (angelética), Maria Nélida González de Gómez e a "epistemologia política da informação", Regina Marteleto e a "antropologia da informação" e Gustavo Saldanha com a cadeia mimética da informação e suas transgramáticas. Todos esses pesquisadores partilham a perspectiva da virada pragmático-linguística da informação. Diante do reduzido espaço textual e da minúcia de cada reflexão, selecionou-se para contextualização da discussão, Ronald Day, Miguel Rendón Rojas e Rafael Capurro, pois apresentam uma análise panorâmica dos estudos da informação.

Ronald Day (2001)DAY, R. The modern invention of information: discourse, history and power. Southern Illinois: Southern Illinois University Press, 2001.em seu livro The modern invention of informationapresenta a informação enquanto conceito urdido no seio discursivo da modernidade; enquanto ente do pensamento que calcula 01 1 "O pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade. O pensamento que calcula nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita, não é um pensamento que reflete sobre o sentido que reina em tudo o que existe." (HEIDEGGER, 2001, p. 13) , atravessado pelas "gramáticas especulativas" da linguagem científica moderna e pelo atributo de equivalência da economia-política liberal 02 2 " The history of information is a privileged site for understanding the intersection of language and political economy in modernity" (DAY, 2001, p. 2). . Influenciado por Martin Heidegger e Walter Benjamin, filósofos, leitores e críticos veementes da modernidade, Day (2001)DAY, R. The modern invention of information: discourse, history and power. Southern Illinois: Southern Illinois University Press, 2001.procura demarcar a sua discussão da informação na ambiência questionadora heideggeriana da metafísica - informação enquanto ente, e na crítica marxiana desenvolvida por Benjamin - a informação enquanto algo reificado e economicamente valioso diante da efemeridade e imediaticidade de sua constante atualização. Para tal projeto Day divide seu livro em "três idades" da informação, que estariam dissolvidas na "era da informação" ( information age): a primeira, a Documentação Europeia (antes e depois das Guerras), a segunda, a teoria da informação e a cibernética (depois da segunda Guerra) e a terceira, a atual idade "virtual" (DAY, 2001, p. 2). Deste modo, Day circunscreve a história da informação narrada em seu livro a partir do século XX. Diferente de Saldanha (2012)SALDANHA, G. Filosofia da Ciência da Informação: organização dos saberes, linguagem e transgramáticas. 2012. 439 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro, 2012., Day não aborda dentro da "primeira idade da informação" o Paul Otlet em seu projeto simbólico-bibliológico originário circunscrito no século XIX, mas a retórica discursiva dos documentalistas europeus fundada na concepção científico-profissional da técnica.

Em seu clássico artigo Hacia un nuevo paradigma en Bibliotecología, Miguel Rendón Rojas (1996) delimita sua discussão teórica da informação temporalmente no século XX. Com interlocutores distintos de Ronald Day, pontualmente nesse texto 03 3 A perspectiva marxiana está manifesta na primeira nota de rodapé do texto, mas não faz parte do foco do trabalho. A abordagem heideggeriana e o enfoque crítico marxiano aparecem em outros textos do autor, em especial nas Bases teóricas y filosóficas de la bibliotecología. (RENDÓN ROJAS, 2005) , Rendón Rojas descreve três teorias da informação, todas nascidas no espaço-temporal do século XX e ainda em cena no século XXI. São elas: a teoria sintática da informação, a teoria semântica da informação e a teoria pragmática da informação (Rendón Rojas, 1996, p. 19). A teoria sintática da informação é também conhecida como teoria matemática da informação. Desenvolvida por Shannon e Weaver (1975)SHANNON, C. E.; WEAVER, W. A teoria matemática da comunicação. Sao Paulo: DIFEL, 1975., a informação sintática é um conceito quantitativo desvinculado de todo conteúdo semântico, independente de todo significado. A informação sintática compõe o esquema mecanicista da comunicação (Rendón Rojas, 1996, p. 20-22). A teoria semântica da informação foi desenvolvida por Bar-Hillel e Carnap (1953), sendo baseada em lógica proposicional, onde a "quantidade de informação flutua entre 0 e 1 [...] certos teoremas em sua essência convergem com a teoria matemática da informação e com princípios da lógica formal clássica" (Rendón Rojas, 1996, p. 24). Ou seja, tanto a teoria sintática quanto a teoria semântica da informação estão absorvidas pelas questões metafísicas do pensamento que calcula ( esse=percipi). Ainda que se reconheça o ser, pois está se falando de linguagem, a dominação é do ente que subjuga tudo à sua representação. A terceira teoria apresentada nasce com a virada pragmática da informação. Nesta teorização são inseridas perspectivas de análise contextuais ("contexto social-histórico-cultural"), a práxis construtiva do sujeito é reconhecida como forma de ação no mundo e a linguagem, central neste processo da guinada linguística da informação, é o "entre" que conecta os sujeitos aos objetos do mundo informacional (Rendón Rojas, 1996, p. 27). A teoria pragmática da informação oferece um contraponto às teorias técnicas da informação, um re-pensar da informação em sua faticidade histórica, absorvida pelos jogos de linguagens ordinários e mergulhada nas tensões apropriativas entre o privado e o público que circundam a sociedade capitalista. Enfim, a teoria pragmática da informação busca re-humanizar a informação em suas redes de agenciamentos linguísticos.

Rafael Capurro, ao menos em três estudos, regressa à teoria hermenêutica da angelética (Capurro, 2010) para o questionar da informação ( Capurro 1992; 2007; 2008)CAPURRO, R.; HJORLAND, B. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./ abr. 2007.. Especialmente no texto de 1992, What is information science for? A philosophical reflection, Capurro tece críticas aos paradigmas substancialistas da informação: o paradigma da representação, o paradigma fonte-canal-receptor e o paradigma platônico; a informação enquanto substância compartilha do esquecimento do ser, pois deixa de considerar a dimensão pragmática da existência humana. A virada pragmática da informação, defendida por Capurro, reconfigura a Ciência da Informação (CI) através de uma reinterpretação de seu estatuto ontológico e epistemológico. A CI passa a ser pensada enquanto um campo hermenêutico-retórico de raízes greco-latinas ( Capurro, 1992CAPURRO, R. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (Ed.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96.; Saldanha, 2012)SALDANHA, G. Filosofia da Ciência da Informação: organização dos saberes, linguagem e transgramáticas. 2012. 439 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro, 2012.. Capurro resgata o étimo da palavra informação não só no escrito de 1992, mas também em: On the genealogy of information(1996), The Concept of information(2007) e Pasado, presente y futuro de la noción de información(2008). A digressão etimológica coloca em perspectiva o sentido da palavra. Esse agir etimológico está ligado à força de significação que ressoa do étimo ( etymos), em sua dobra: uso e sentido 04 4 "O alemão sinnan, sinnen, pensar o sentido, diz encaminhar na direção que uma causa já tomou por si mesma. [...] significa mais do que simples consciência de alguma coisa. Ainda não pensamos o sentido quando estamos apenas na consciência. Pensar o sentido é muito mais. É a serenidade em face do que é digno de ser questionado. [...] No pensamento do sentido, encaminhamo-nos para um lugar onde se abre, então, o espaço que atravessa e percorre tudo que fazemos ou deixamos de fazer." (HEIDEGGER, 2010, p. 58). .

Portanto, a pretensão de validade desse escrito constrói-se con-textualmente nas sendas da virada pragmático-linguística da informação. Assemelhado em sua tematização histórica aos estudos de Capurro e Saldanha, mas com propósito distinto, essas notas estão direcionadas à reconstrução racional dos estudos clássicos propiciada pela hermenêutica e a pragmática. A descrição de três perspectivas modernas da informação não é em vão, pois é através dessas leituras que nos envolvemos no esforço de ser contemporâneo 05 5 "Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. [...] contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro [...] contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente. [...] quem não se deixa cegar pelas luzes do século. [...] significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós. Ou ainda: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar." (AGAMBEN, 2009, p. 55-76). .

Agregados aos já citados interlocutores da CI emaranham-se nesse encontro filósofos como Martin Heidegger, Ludwig Wittgenstein, Walter Benjamin, Giorgio Agamben. A demarcada diferença do programa desse estudo situa-se na abordagem ontológica e poético-filosófica da in-formação, enquanto "dar a forma" e "privar-se da forma". A informação é lançada na radicalidade do pensamento, posta no limiar in-fantil de ultrapassagem da metafísica, ambiência do "ser-assim" 06 6 "O ser-assim não é contingente: é necessariamente contingente. Também não é necessário: é contingentemente necessário." (AGAMBEN, 1993, p. 86). onde se propõe pensar, aos termos de Rendón Rojas (2005RENDÓN ROJAS, M. A. R. Bases teóricas y filolsóficas de la bibliotecología. 2 ed. México: UNAM, 2005., p. 76), o "ser informacional".

2 A privação copulativa do informar

Alguns escritos eram lidos da direita para a esquerda (hebreu e árabe), outros em colunas, de cima para baixo (chinês e japonês); uns poucos eram lidos em pares de colunas verticais (maia); alguns tinham linhas alternadas lidas em direções opostas, de um lado para o outro - método chamado boustrophedon, "como um boi dá voltas para arar", na Grécia Antiga. Outras ainda serpenteavam pela página, como um jogo de trilha, sendo a direção indicada por linhas ou pontos (asteca).

Alberto Manguel, Uma história da leitura (1997MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997., p. 64).

Alberto Manguel (1997)MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.descreve algumas formas típicas de ler diretamente relacionadas aos modos de escrever. O escopo desse tópico é "desler" o étimo da palavra informação, isto é, fazer uma leitura outra. Informação é uma palavra nascida no latim ( informatio), contudo, como muitas palavras do latim, ela é uma ressonância expressiva de palavras gregas como, idea, eidos, morphé, typos. ( Capurro, 1992; 1996; 2007; 2008)CAPURRO, R. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (Ed.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96.Deste modo, das maneiras de ler descritas por Manguel, o boustrophedoné o que mais nos aproximaria dos gregos. Ler "de um lado para o outro", entre "linhas alternadas" e "em direções opostas", em meio ao caos e o cosmo, como bois na fertilização do chão, quando da suspensão dos lirium(lira: sulco do arado) e o descansar do solo para a próxima semeadura ou no trabalho efetivo do arar. Esse modo de ler lembra o caminho indicado por Heráclito no fragmento 59: "O caminho dos pintores, reto e curvo." 07 7 Retos, pois o sulco do arado são quase sempre retos e lineares, observe, por exemplo, as plantações de laranja como estão geometricamente dispostas diante da retitude da semeadura. Curvos, pois a fertilização do solo é sempre desmedida ( hybris). ( Heráclito, 1980HERÁCLITO. Fragmentos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980., p. 89).

Recolhidos entre a hybris(desmedida) e a diké(acordo/harmonia) da linguagem grega, distantes da semântica moderna ( adequatio), nos dirigimos para o lugar onde se abre o sentido da palavra, do aceno de uma lembrança, do significado indestrutível que o nome designa. Capurro (2008CAPURRO, R. Pasado, presente y futuro de la noción de información. In: ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EXPERTOS EM TEORIAS DE LA INFORMACIÓN: UN ENFOQUE INTERDISCIPLINAR, 1., 2008, León. Anais... León: Proycto: BITrum, 2008., p. 5-6) cita John Austin 08 8 "[Una] palabra nunca - bueno, casi nunca - se libera de su etimología y su formación. A pesar de todos los cambios en las extensiones y añadidos a sus significados y en realidad más bien penetrándolos y gobernándolos, persiste siempre la vieja idea [...]. Retrocediendo en la historia de una palabra, a menudo al latín, volvemos comunmente a imágenes o modelos de cómo las cosas suceden o son hechas." (AUSTIN, 1990 apud CAPURRO, 2008, p. 5-6) , filósofo da linguagem e teórico dos atos de fala, para argumentar sobre a persistência do sentido originário da palavra; no entanto, é na teoria do significado de Wittgenstein que se encontra a validação da nossa procura.

'Tem que ser indestrutível o que os nomes da linguagem designam: pois deve-se poder descrever o estado no qual é destruído tudo o que é destrutível. E nesta descrição haverá palavras; e o que lhes corresponde não pode ser destruído, caso contrário as palavras não teriam significado algum.' Não posso serrar o galho sobre o qual estou sentado.

Com efeito, poder-se-ia objetar de imediato que a descrição mesma tem que excetuar-se da destruição. - Mas o que corresponde às palavras da descrição e, portanto, não pode ser destruído, se ela for verdadeira, é o que dá às palavras o seu significado - sem o que elas não teriam significado algum. - Mas este homem de fato é, em certo sentido, o que corresponde ao seu nome. Mas é destrutível; e seu nome não perde o significado quando o portador é destruído. - O que corresponde ao nome, e sem o que ele não teria significado algum, é, por exemplo, um paradigma que é usado no jogo de linguagem em ligação com o nome. ( Wittgenstein, 2008WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2008., p. 46).

Como aconselhado por Wittgenstein, "não posso serrar o galho sobre o qual estou sentado" 09 9 De modo sintético e em comunhão com a declaração de Wittgenstein, diz Agamben (1993, p. 85): "O ser-assim de cada coisa é [...] incorruptível." . A palavra informação advém do latim informatio, expressando tanto o informo( ar, are, avi, atum) - dar a forma - quanto o informis( e) - privação de forma. Capurro (2007; 2008)CAPURRO, R. Pasado, presente y futuro de la noción de información. In: ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EXPERTOS EM TEORIAS DE LA INFORMACIÓN: UN ENFOQUE INTERDISCIPLINAR, 1., 2008, León. Anais... León: Proycto: BITrum, 2008.anuncia os dois sentidos da palavra, mas opta por rarear o segundo em detrimento do primeiro, legando ao informisapenas a menção: " El prefijo in tiene, en este caso, el sentido de acentuar la acción pudiendo significar también negación como en el caso de informis, es decir 'sin forma'." ( Capurro, 2008CAPURRO, R. Pasado, presente y futuro de la noción de información. In: ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EXPERTOS EM TEORIAS DE LA INFORMACIÓN: UN ENFOQUE INTERDISCIPLINAR, 1., 2008, León. Anais... León: Proycto: BITrum, 2008., p. 6) A opção pelo não presseguimento do sentido do informisfica clara no artigo em colaboração com Hjorland, quando diz, "O prefixo inpode ter o significado de negação como em informisou informitas, mas, em nosso caso, ele fortalece o ato de dar a forma a alguma coisa[...]." ( Capurro; Hjorland, 2007CAPURRO, R.; HJORLAND, B. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./ abr. 2007., p. 156, grifo nosso). A atitude discricionária dos autores deixa uma lacuna no sentido paradigmático da palavra 10 10 A opção escolhida por Capurro, talvez indique seu interesse em: a) não negar o ordinário da linguagem, b) afirmar uma episteme para o conceito, c) aproximar "informar" de "conhecer". O que intentamos é aliar essa perspectiva com a outra margem de significação possível ao étimo informar. .

A palavra informação assinala para uma dupla direção: a privação da forma, que significa palavras como informis (e), informitas, informiter, informabilis,e a doação da forma, como em informo, informas, informare, informavi, informatum, informator. Os dois caminhos indicados pela palavra são gerados pelo prefixo latino in-, pois esse é uma das apropriações do latim para ao menos dois prefixos gregos, en-e a-.

Na linha de argumentação já clássica, informação enquanto dar a forma, o prefixo in-está atuando no âmbito de significação do prefixo grego en-. No solo dialógico da linguística com a CI, Marcos Gonzalez (2011), seguindo a acepção tradicional demarcada pela extensa referenciação de dicionários e dicionaristas, demarca a luta de legitimação entre o vocábulo informaçãoe enformação. Sua condução argumentativa gira em torno do embate morfossemântico no português arcaico entre a instauração do in-ou do en-ao radical forma 11 11 Gonzalez (2011) chega à conclusão de que informar significaria "dar a forma" enquanto o étimo de enformar seria o de "ajustar à fôrma", como uma fôrma de bolo ou de queijo. Aos nossos olhos, pensamos que fôrma e forma caminham para a mesma concepção filosófica: ideia, eidos; especialmente se pensarmos nos usos ordinários da linguagem e no sentido mimético de aparência que guardam essas duas palavras gregas. Sobre usos ordinários que declinaram em vocábulos filosóficos na antiguidade grega, vide a relação entre logos e colheitano livro, Heráclitode Heidegger (1998). , chamando atenção para a primazia do en-,"o étimo 'enformar' é mais antigo do que o de 'informar'. Afinal, o prefixo no latim in-, que exprimia 'em, a, sobre; superposição; aproximação; transformação', é de uma raiz no indo-europeu *en 'no interior; em'." (Gonzalez, 2011, p. 1907). Ou seja, a luta narrada por Gonzalez está demarcada nos limites da concessão da forma - ou da fôrma, e não de sua privação.

A outra vereda de argumentação anunciada por Capurro, mas velada logo em seguida em detrimento da adoção do sentido clássico, é a da informação enquanto privação da forma 12 12 Informis( e): sem forma, informe, feio, tosco; informitas: falta de forma; informiter: sem forma; informabilis: que não recebe forma. . O prefixo privativo grego α?, também conhecido como alfa privativo, marca a experiência de sentido do prefixo latino in-, visto que os prefixos latinos in-, des- 13 13 Evanildo Bechara (2009, p. 369) argumenta que o prefixo in-é literário e erudito, ao contrário de des- que guarda uma conotação popular. , de-correspondem aos prefixos gregos a-e an-( Bechara, 2009BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009., p. 369). Desse modo, a relação privativa que dispõe a palavra in-formationo latim é similar à da palavra grega a-letheia. Sobre o alfa privativo (α?) diz Heidegger (2010HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010., p. 229), "esse é o sentido do alfa (α) que compõe a palavra grega aletheiae que somente recebeu a designação de alfa privativo na gramática elaborada pelo pensamento grego tardio." Contudo, esse alfa privativo, tanto da informatioquanto da aletheia, não assinala para uma negação da abertura do ser; concluir de tal maneira seria precipitar-se sobre o fundamento da metafísica, isto é, seria uma "submissão peculiarmente limitada ao próprio ente" 14 14 Três dimensões da metafísica desdobrada na existência científica do ente: "Aquilo para onde se dirige a referência ao mundo é o próprio ente - e nada mais. Aquilo de onde todo o comportamento recebe sua orientação é o próprio ente - e além dele nada. Aquilo com que a discussão investigadora acontece na irrupção é o próprio ente - e além dele nada." (HEIDEGGER, 1973, p. 234) (Heidegger, 1973, p. 234), uma eliminação das possibilidades de alcance da própria negação, uma expulsão do escuro contemporâneo em face da cegueira provocada pelas luzes do século. Ao contrário, o alfa privativo atribui alguma coisa àquilo que entrou no âmbito da sua negação: uma recusa, uma renúncia, um suspender-se, enfim, um velar-se. A privação aponta para uma escuta, para um "já não... a cada vez", para o é que a cada vez é outro. Emmanuel Carneiro Leão analisando a função do alfa privativo na palavra grega a-mnemonein(αμνημονειν) assinala:

O alfa privativo é a força de resistência de libertação, de desprendimento dentro de um processo de prender e construir. O alfa privativo supõe a união, a afirmação, a construção, o prender e mostra que pertence a todo prender a conservação e a transformação das forças e das tensões de desprender, de desconstruir. É esta experiência de desprender, de desfazer, que Platão usa no texto [O Sofista] articulada com a partícula negativa 'não': 'ele não esqueceu' significa 'ele apreendeu, sendo que este apreender se faz mergulhado na pluralidade de uma experiência [...] ( Leão, 2010LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. Teresópolis: Daimon editora, 2010., p. 216-217).

Perante nosso método interpretativo de leitura ( boustrophedon) e através dos olhos de Barbara Cassin (2005CASSIN, B. O efeito sofístico. São Paulo: ed. 34, 2005., p. 17), não se trata de falar do ente, mas, antes, "tratar do não-ente; é o que não é que está em vias de brotar" 15 15 Tal conclusão projeta luzes sobre alguns conceitos a-se-pensar em outro momento, como o caos - em seu sentido grego () diferente do negro caos, o não-ser e o nada - em específico, a experiência heideggeriana e a agambeniana. Por exemplo, caos () em seu sentido grego, tem o mesmo radical de , um manter-se continuamente abrindo-se, ou seja, nas palavras de Carneiro Leão (2010, p. 37), "O é sobretudo o princípio da possibilidade de tudo." . Com essas composições que ecoam podemos retornar ao prefixo grego alfa (α?) para dizer que o prefixo latino in-é o seu autêntico correspondente em sentido. O alfa assim como o in-possuem a ambiguidade constitutiva da doação e da privação 16 16 Em comunhão a tal ideia o fragmento 16 de Heráclito, apesar de obscuro é esclarecedor: "Como alguém poderia manter-se encoberto face ao que nunca se deita?" (HERÁCLITO, 1980, p. 55) Isto é, como o ser poderia manter-se privado em face do que sempre se doa? , pois o prefixo alfa (α?) no grego não é apenas privativo, mas também copulativo ( symplektikoí, "que entrelaça"). Dirá Carneiro Leão a respeito dessas margens copulativas e privativas do alfa: "A experiência é, então, reduplicada, intensificada pela dificuldade que ela provoca, pelas tensões que ela faz aparecer [...] O alfa copulativo realiza uma união, uma intensificação do verbo por acréscimo, fala de um conjunto." (Leão, 2010, p. 216).

Portanto, o verbo informar em meio aos redemoinhos de sua significação é com-posição poiética 17 17 Com-posição ( Gestell) é um conceito a ser desenvolvido. Contudo, neste primeiro momento, a com-posição é a força de reunião ("agir") que atravessa, no sentido de travessia, a poiésis() do não-ser ao ser. de uma privação copulativa da forma. Cabe agora tratar 18 18 "O filósofo trata uma questão como uma doença". (WITTGENSTEIN, 2008, p. 126) da questão filosófica da forma tendo diante de nós o seu phármakon, privativo e copulativo, que remedia e envenena. Essa é uma tentativa de terapia da linguagem, em especial para essa palavra - forma - tão adoentada pelo dogmatismo metafísico.

3 Forma - idea: doação de ser

Formaou formaesão as palavras utilizadas por Cícero como tradução latina para as palavras gregas do vocabulário de Platão, idea(ιδεα) / eidos(ειδοσ) e do vocabulário de Aristóteles, ousía(ουσια). O pensamento metafísico legou a essas palavras a supremacia do ente, em seu elogio ao esquecimento do ser. Diante desse pensamento enfermo, que não dorme, carregado de falatório e pouca auscultação, a ideiafoi concebida na tradição como uma doutrina ou uma teoria - doutrina ou teoria das ideias. Contudo, essa é uma corrupção do sentido que Platão nos enviou, e esta é a tarefa árdua do pensamento, fazer a terapia da linguagem contida nos manuais 19 19 "A dificuldade está na linguagem. Nossas línguas ocidentais são de maneiras sempre diversas línguas do pensamento metafísico. Fica aberta a questão se a essência das línguas ocidentais é em si puramente metafísica e, por conseguinte, em definitivo caracterizada pela onto-teo-lógica, ou se estas línguas garantem outras possibilidades de dizer e isto significa ao mesmo tempo possibilidades do não-dizer que diz." (HEIDEGGER, 1973, p. 400). .

A ideia não diz nem conceito enquanto conteúdo de significação, nem noção, no sentido de essência de articulação, nem representação, como uma imagem de substituição, nem modelo, no sentido de um paradigma de orientação; é antes, "o nada criativo de tudo isso." ( LEÃO, 2010LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. Teresópolis: Daimon editora, 2010., p. 206). "A ιδεα é doação de ser" (Leão, 2010, p. 205). Carneiro Leão argumenta na direção de um olhar da idea/formaassinalado com a análise da prefixação da palavra informatioe a "dialética" entre doação e privação.

A ιδεα abre espaço para a verdade [ aletheia] e dá lugar à liberdade do nada criativo, το μη ον, o nada de ser e não ser de tudo que, de alguma maneira, está vindo a ser. [...] Reside [a Idea] na possibilidade de ser e não de tudo que é e está sendo, de tudo 'que está vindo a ser e/ou deixando de ser'. Platão nos faz sentir que somos a experiência radical de que toda recepção recebe e todo empenho se empenha na liberdade da IDEA pela verdade da ιδεα de ser e não ser tudo que se tem e/ou não se tem, tudo que se devém e/ou não se devém. A ιδεα é, pois, ουσια, o ser que se vê e se vê na claridade do Eidos de todas as visões 20 20 Sobre o eidosde todas as visões, diz Platão no Fedro(2000, 247c, p. 61) acerca da "região supra-celeste" da verdade. "É nesse lugar que as almas experimentam a alegria suprema, pois as almas a que chamamos imortais, uma vez que atingiram o zênite, são tomadas de um movimento circular e podem contemplar as realidades que se encontram sob a abóbada celeste." (των ιδεων). (Leão, 2010, p. 205-206, grifo do autor).

No vocábulo latino formarepousa a significação de ideae ousía. Abandonada à tormenta fundamental do existir 21 21 "O ser [...] é o existente [...] O existente, abandonado no meio do ser, é perfeitamente exposto." (AGAMBEN, 1993, p. 81). ( einai) sem fundamento 22 22 O fundamento ( grund) do existir é um jogar-se no ser, um salto no abismo, no sem-fundamento ( ab-grund). "Fundamento e Ser ('são') o mesmo, não o igual, o que já indica a diversidade dos nomes 'ser' e 'fundamento'. Ser 'é' essencialmente: fundamento. Assim, o ser nunca pode primeiro ter um fundamento que o fundamente. O fundamento fica, desta maneira, afastado do ser. O fundamento fica ausente do ser. No sentido de uma tal ausência de fundamento do ser, o ser 'é' sem-fundamento ( ab-grund), abismo. Na medida em que o ser enquanto tal é fundamento em si mesmo, permanece ele mesmo sem-fundamento." (HEIDEGGER, 2009, p. 45). , "a ideia, isto é, totalidade das possibilidades" ( Agamben, 1993AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993., p. 53) - ser, não-ser, vir-a-ser - potius: poder não não-ser 23 23 "No princípio da razão, Ratio est cur aliquid existit potius quam nihil(Há uma razão que faz com que algo seja em vez do nada), o essencial não é que algo seja(o ser) nem que algo não seja(o nada), mas que algo seja e nãoo nada. Por isso, ele não pode ser lido como uma oposição entre dois termos: é/não é, mas contém um terceiro termo: o potius(de potis, que pode), o poder não não-ser. (O espantoso não é que algo tenha podido ser, mas que tenha podido não não-ser.)" (AGAMBEN, 1993, p. 85). . A ideaa-presenta-se como,

[...] o ser-tal de cada coisa [...] É como se a forma, a cognoscibilidade, os traços de cada ente se destacassem dele, não como uma outra coisa, mas como uma intentio, um anjo, uma imagem. [...] A existência da ideia é, assim, uma existência paradigmática: o fato de cada coisa se mostrar ao lado de si própria. [...] mostrar-se ao lado é [...] a indeterminação de um limite." 24 24 Paradigma vem do grego paradeigma, "padrão, exemplo, modelo", derivado de paradeiknynai, "mostrar, representar", de modo literal, "mostrar lado a lado", formado por para-, "ao lado", e deiknynai, "mostrar, apresentar". Mediante o "exemplo", para-deigmaé o que se mostra ao lado, como o alemão Bei-spiel, o que joga ao lado, ou seja, a linguagem. "O ser exemplo é o ser puramente linguístico" (AGAMBEN, 1993, p. 16). ( Agamben, 1993AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993., p. 81, grifo nosso).

Giorgio Agamben assim como Carneiro Leão experienciam ( Erfahrung) a "ideia de ιδεα" no abismo ( ab-grund) do existir, e não o contrário. O acontecimento da "ideia de ιδεα" só acomete o humano enquanto ser-no-mundo. Em torno da interpenetração entre privação e doação, presença e ausência da ιδεα no existir, Agamben anuncia que o "ser-tal-qual" onde se experiencia a Ideaé a exposição. Primeiro é preciso esclarecer o "tal-qual" da expressão. "O talnão pressupõe o qual: expõe-o, é o seu ter-lugar. (Só neste sentido é que se pode dizer que a essência jaz - liegt- na existência)", e copulam na relação inversa, "O qualnão supõe o tal: é a sua exposição [...] (Só neste sentido é que se pode dizer que a essência envolve - involvit- a existência.) ( Agamben, 1993AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993., p. 79). E o que seria a exposição, diante da demasiada centralidade para o ser? No vocabulário heideggeriano seria o "ser dos entes" que assinala a ultrapassagem da metafísica através da linguagem; o mesmo é para Agamben (1993AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993., p. 78), "a exposição é a pura relação com a linguagem, com o seu ter-lugar. [...] A existência como exposição é o ser- talde um qual."

O homem é o ser que, confrontando-se com as coisas, e unicamente neste confronto, se abre ao não-coisal. E inversamente: aquele que, sendo aberto ao não-coisal, está, unicamente por isso, irreparavelmente entregue às coisas.

Não-coisalidade (espiritualidade) significa: perder-se nas coisas, perder-se até não poder conceber mais nada senão coisas. E só então, na experiência da irremediável coisalidade do mundo, chocar com um limite, tocá-lo. (Este é o sentido da palavra: exposição.) ( Agamben, 1993AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993., p. 84).

Tendo estabelecido o que foi dito sobre a forma - idea, em um movimento curvo identitário do método de ler ( boustrophedon) retornamos ao étimo da palavra forma. Forma é uma palavra de origem obscura e de difícil precisão. Contudo, seguindo a direção argumentativa do texto assumiremos uma das possibilidades de origem da palavra formaque no latim atende pelo radical * for, isto é, falar.

O próprio verbo * forcaiu em desuso desde a época histórica; não é muito empregado, a não ser na poesia, no sentido de "falar". Mas ele gerou muitos derivados antigos: facundus"eloquente, de palavra fácil", fabula"conversa, peça dialogada, fábula, lenda", e por fim fama"renome", sobretudo no bom sentido, famosus"que tem bom renome" e seu contrário infamis"que não tem bom renome, de mau renome". [...] Essa raiz inexiste totalmente em indo-iraniano. Restringe-se à parte central do domínio indo-europeu: além do latim e do grego, o armênio o comprova em bay"palavra", que se funda em * bati-, correspondendo exatamente ao grego phátis, ban"palavra coisa", e no inciso bay"diz ele". Ela se encontra parcialmente em germânico, inglês antigo bõian"se gabar"; por fim, também parcialmente em eslavo baju, bajati"contar, pronunciar sortilégios", e depois, com uma sufixação mais complexa, baliji"médico, feiticeiro" ( Benveniste, 1995BENVENISTE, E. O vocabulário das instituições indo-europeias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995. v. 2., p. 138).

O radical * forderiva da raiz indo-europeia * bha-(falar). No latim o radical * forfoi também apropriado da raiz indo-europeia * dhe, diretamente ligada com *bha-, por exemplo, com a palavra fas- direito divino. No grego, o direito divino é nomeado pela palavra thémis. Thémisna mitologia grega é uma das esposas de Zeus e deusa da lei sagrada, do direito divino. Thémisé um nome derivado de *dhe. A raiz * dhedá origem a uma pluralidade de significados, todavia o "indestrutível", o "incorruptível" da raiz é "pôr", como esclarece Émile Benveniste (1995BENVENISTE, E. O vocabulário das instituições indo-europeias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995. v. 2., p. 103): "A formação de dhãman[sânscrito] é simétrica à de dharman[estatuto, costume, regra, uso], mas deriva de dhã- 'pôr', indo-europeu * dhe'pôr, colocar, estabelecer', raiz que em latim facioe em grego títhemi.Cabe notar que o sentido de * dhe-é: pôr de maneira criativa, estabelecer na existência, e não simplesmente colocar um objeto no chão." Da raiz * dheé possível que também venha a palavra deus, como na variação do armênio dik(deus) e no radical grego thes-e suas composições, por exemplo, thespésios"maravilhoso" ( Benveniste, 1995BENVENISTE, E. O vocabulário das instituições indo-europeias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995. v. 2., p. 136). Portanto, articulando os significados das raízes * bha-e * dheé possível avançar e dizer que em * for, particularmente na palavra for-maa partir do que já foi dito acerca dela, falar é pôr em existência, ou, dar existência, ou seja, doação de ser. Heidegger (1973, p. 453-470) na conferência "Tempo e Ser", com frequência manifestava que o ser "é" aquilo que se presenta, isto é, ser "é" presenti- ficar. Este -ficarvem do latim facere, facio(* dhe'pôr, colocar, estabelecer', raiz que em latim facio), significa dar, pôr, alcançar. Presenti- ficaré uma doação de ser ( einai) em seu sentido de existir 25 25 Na conferência Tempo e Ser (1973), Heidegger faz algumas excursões sobre o sentido de "dar"; seria preciso uma maior dedicação, em outro momento, a esse texto e ao pensamento do "dar", que comunga sua ação com a forma. .

Por fim e para chegar ao entremeio ( intermezzo) pretendido de uma in-fância do in-formar, usamos do questionar de Benveniste sobre a "fala" e a "palavra" para nos acomodarmos no leito da escuta da relação: "O que significa, aqui, 'falar'? De que maneira se determina essa noção entre todas as outras expressões da 'palavra'?" ( Benveniste, 1995BENVENISTE, E. O vocabulário das instituições indo-europeias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995. v. 2., p. 139). Então, Benveniste diz que existe uma forma latina importante sobre essa relação fala-palavra, o particípio presente infans, isto é, in-fância, a criança em tenra idade que não fala. Para esclarecimento, Benveniste cita Varrão (116-27 a.C.), filósofo latino propagador da filosofia grega e primeiro a fazer referência à informatio(Capurro; Hjorland, 2007; González, 2011). "Fala ( fatur) um homem que, pela primeira vez, emite uma palavra dotada de sentido. É por isso que as crianças, antes que possam fazê-lo, se chamam infantes; mas, quando o fazem, diz-se que eles já falam ( iam fari)" (Varrão, 1990 apud Benveniste, 1995BENVENISTE, E. O vocabulário das instituições indo-europeias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995. v. 2., p. 139).

A infância do informar é o encontro com o mesmo, com a sua própria fala, no limiar da sua experiência, com a privação ( in-formar) da sua fala ( in-fância), espaço do "ser-na-linguagem-do-não-linguístico [...] a existência da linguagem é o simdito ao mundo para que ele esteja suspenso sobre o nada da linguagem" ( Agamben, 1993AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993., p. 85), isto é, a sua infância ( experimentum linguae). Benveniste (1995BENVENISTE, E. O vocabulário das instituições indo-europeias. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1995. v. 2., p. 140) apresenta a palavra grega pheme"palavra oracular" correspondente ao latim * for, como indicação do manifestar de uma palavra divina (miraculosa), "sempre por ser impessoal, por exprimir algo confuso, misterioso, como é misteriosa na boca de uma criança a chegada de suas primeiras palavras."

Aquilo que Wittgenstein, no final do Tractatus, põe como limite 'místico' da linguagem não é uma realidade psíquica situada aquém ou além da linguagem, nas névoas de uma suposta 'experiência mística', mas é a própria origem transcendental da linguagem, é simplesmente infância do homem. O inefável é, na realidade, infância. A experiência é o mystérion que todo homem institui pelo fato de ter uma infância. Este mistério não é um juramento de silêncio e de inefabilidade mística; é, ao contrário, o voto que empenha o homem com a palavra e a verdade. [...] infância, verdade e linguagem limitam-se e constituem-se um ao outro em uma relação original e histórico-transcendental. 26 26 "E agora descreverei a experiência de maravilhar-se com a existência do mundo dizendo: é a experiência de ver o mundo como um milagre. Neste momento sou tentado a dizer que a expressão justa na língua para o milagre da existência do mundo, mesmo não sendo nenhuma proposição na língua, é a existência da própria linguagem." (WITTGENSTEIN, 2013). Heráclito, Fragmento 119: "A morada do homem, o extraordinário." (1980, p. 133). Heráclito, Fragmento 79: "A partir do extraordinário o homem, infantil, como a partir do homem, a criança." (1980, p. 103). (Agamben, 2008, p. 63).

[...] infância e linguagem parecem assim remeter uma à outra em um círculo no qual a infância é a origem da linguagem e a linguagem a origem da infância. [...] a infância coexiste originalmente com a linguagem. ( Agamben, 2008AGAMBEN, G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008., p. 59).

4 A-final

A tarefa desse excurso foi demarcar uma experiência 27 27 Experiência vem do latim experientia, "provir-de, ir-através de", já ser sempre o que não é ainda. A raiz indo-européia é *per, a qual se liga a ideia de travessia e, secundariamente, a da prova. Em grego, de onde provém a inspiração latina, os derivados que demarcam a travessia, a passagem são numerosos: peirô, atravessar; pera, mais-além; peraô, passar através; perainô, ir até o fim; peras, termo, limite. A palavra latina para experiência tem como radical " per" (ex-per-iência): sair de um perímetro, sair da condição do já conhecido, do já vivido, para ampliar vivências. De " per", também vem a palavra periculum: atravessar uma região, durante uma viagem, onde perigos podem nos assaltar. E, para esses perigos, há a palavra que se associa a periculum, que é oportunus- originada de portus, que quer dizer saída. A palavra experiência tem o " ex" de exterior, de estrangeiro, de exílio, de estranho e também o " ex" de existência. A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente " ex-iste" de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. Etimologicamente, para experiência, a palavra que Walter Benjamin usa é Erfahrung. O seu radical é " fahren" que significa viajar. No alto-alemão, " fahr" significa atravessar uma região durante uma viagem, pôr-se em lugares desconhecidos, de " fara", palavra de origem similar à fahr, deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo. Portanto, nestas diversas línguas citadas a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo. , ainda que incipiente, do pensar, portanto, da linguagem, tendo como alvo questionador o informar. Essa travessia que corta a informação no moderno é de um árduo trilhar diante da luminosidade causada pelo incessante efetivar-se dos entes, do pôr-se em obra sem suspensão, da cegueira de um dia que não se encerra ameaçando cardar o fio da noite, do extraordinário, do fabuloso, da abertura da linguagem; na pauta da extinção do narrar está uma morte anunciada: Sherazade e o devir-fabulador da noite ( Benjamin, 1987)BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:. BENJAMIN, W Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 197-221.. Buscando perder-se para no escuro do não-trilhado, da in-fância da in-formação reencontrar-se na mesma floresta contemporânea perante o perigo, porém sob efeito de outros pharmakonse na companhia de outros pharmakos. Conforme dito por Benveniste, apesar de * forter caído em des-uso, foi usada e velada pelos poetas em suas falas; deste modo, em seu limiar e perante a voz de poeta, este excurso assinala para o de-lírio infantil do verbo informar.

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá onde a

criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não funciona

para cor, mas para som.

Então se criança muda a função de um verbo, ele

delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer

nascimentos -

O verbo tem que pegar delírio.

Manoel de Barros, O livro das ignorãças (2010BARROS, M. O livro das ignorãças. In: BARROS, Manoel. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010. p. 297-324., p. 301).

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  • 1
    "O pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade. O pensamento que calcula nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita, não é um pensamento que reflete sobre o sentido que reina em tudo o que existe." (HEIDEGGER, 2001, p. 13)
  • 2
    " The history of information is a privileged site for understanding the intersection of language and political economy in modernity" (DAY, 2001, p. 2).
  • 3
    A perspectiva marxiana está manifesta na primeira nota de rodapé do texto, mas não faz parte do foco do trabalho. A abordagem heideggeriana e o enfoque crítico marxiano aparecem em outros textos do autor, em especial nas Bases teóricas y filosóficas de la bibliotecología. (RENDÓN ROJAS, 2005)
  • 4
    "O alemão sinnan, sinnen, pensar o sentido, diz encaminhar na direção que uma causa já tomou por si mesma. [...] significa mais do que simples consciência de alguma coisa. Ainda não pensamos o sentido quando estamos apenas na consciência. Pensar o sentido é muito mais. É a serenidade em face do que é digno de ser questionado. [...] No pensamento do sentido, encaminhamo-nos para um lugar onde se abre, então, o espaço que atravessa e percorre tudo que fazemos ou deixamos de fazer." (HEIDEGGER, 2010, p. 58).
  • 5
    "Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. [...] contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro [...] contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente. [...] quem não se deixa cegar pelas luzes do século. [...] significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós. Ou ainda: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar." (AGAMBEN, 2009, p. 55-76).
  • 6
    "O ser-assim não é contingente: é necessariamente contingente. Também não é necessário: é contingentemente necessário." (AGAMBEN, 1993, p. 86).
  • 7
    Retos, pois o sulco do arado são quase sempre retos e lineares, observe, por exemplo, as plantações de laranja como estão geometricamente dispostas diante da retitude da semeadura. Curvos, pois a fertilização do solo é sempre desmedida ( hybris).
  • 8
    "[Una] palabra nunca - bueno, casi nunca - se libera de su etimología y su formación. A pesar de todos los cambios en las extensiones y añadidos a sus significados y en realidad más bien penetrándolos y gobernándolos, persiste siempre la vieja idea [...]. Retrocediendo en la historia de una palabra, a menudo al latín, volvemos comunmente a imágenes o modelos de cómo las cosas suceden o son hechas." (AUSTIN, 1990 apud CAPURRO, 2008, p. 5-6)
  • 9
    De modo sintético e em comunhão com a declaração de Wittgenstein, diz Agamben (1993, p. 85): "O ser-assim de cada coisa é [...] incorruptível."
  • 10
    A opção escolhida por Capurro, talvez indique seu interesse em: a) não negar o ordinário da linguagem, b) afirmar uma episteme para o conceito, c) aproximar "informar" de "conhecer". O que intentamos é aliar essa perspectiva com a outra margem de significação possível ao étimo informar.
  • 11
    Gonzalez (2011) chega à conclusão de que informar significaria "dar a forma" enquanto o étimo de enformar seria o de "ajustar à fôrma", como uma fôrma de bolo ou de queijo. Aos nossos olhos, pensamos que fôrma e forma caminham para a mesma concepção filosófica: ideia, eidos; especialmente se pensarmos nos usos ordinários da linguagem e no sentido mimético de aparência que guardam essas duas palavras gregas. Sobre usos ordinários que declinaram em vocábulos filosóficos na antiguidade grega, vide a relação entre logos e colheitano livro, Heráclitode Heidegger (1998).
  • 12
    Informis( e): sem forma, informe, feio, tosco; informitas: falta de forma; informiter: sem forma; informabilis: que não recebe forma.
  • 13
    Evanildo Bechara (2009, p. 369) argumenta que o prefixo in-é literário e erudito, ao contrário de des- que guarda uma conotação popular.
  • 14
    Três dimensões da metafísica desdobrada na existência científica do ente: "Aquilo para onde se dirige a referência ao mundo é o próprio ente - e nada mais. Aquilo de onde todo o comportamento recebe sua orientação é o próprio ente - e além dele nada. Aquilo com que a discussão investigadora acontece na irrupção é o próprio ente - e além dele nada." (HEIDEGGER, 1973, p. 234)
  • 15
    Tal conclusão projeta luzes sobre alguns conceitos a-se-pensar em outro momento, como o caos - em seu sentido grego () diferente do negro caos, o não-ser e o nada - em específico, a experiência heideggeriana e a agambeniana. Por exemplo, caos () em seu sentido grego, tem o mesmo radical de , um manter-se continuamente abrindo-se, ou seja, nas palavras de Carneiro Leão (2010, p. 37), "O é sobretudo o princípio da possibilidade de tudo."
  • 16
    Em comunhão a tal ideia o fragmento 16 de Heráclito, apesar de obscuro é esclarecedor: "Como alguém poderia manter-se encoberto face ao que nunca se deita?" (HERÁCLITO, 1980, p. 55) Isto é, como o ser poderia manter-se privado em face do que sempre se doa?
  • 17
    Com-posição ( Gestell) é um conceito a ser desenvolvido. Contudo, neste primeiro momento, a com-posição é a força de reunião ("agir") que atravessa, no sentido de travessia, a poiésis() do não-ser ao ser.
  • 18
    "O filósofo trata uma questão como uma doença". (WITTGENSTEIN, 2008, p. 126)
  • 19
    "A dificuldade está na linguagem. Nossas línguas ocidentais são de maneiras sempre diversas línguas do pensamento metafísico. Fica aberta a questão se a essência das línguas ocidentais é em si puramente metafísica e, por conseguinte, em definitivo caracterizada pela onto-teo-lógica, ou se estas línguas garantem outras possibilidades de dizer e isto significa ao mesmo tempo possibilidades do não-dizer que diz." (HEIDEGGER, 1973, p. 400).
  • 20
    Sobre o eidosde todas as visões, diz Platão no Fedro(2000, 247c, p. 61) acerca da "região supra-celeste" da verdade. "É nesse lugar que as almas experimentam a alegria suprema, pois as almas a que chamamos imortais, uma vez que atingiram o zênite, são tomadas de um movimento circular e podem contemplar as realidades que se encontram sob a abóbada celeste."
  • 21
    "O ser [...] é o existente [...] O existente, abandonado no meio do ser, é perfeitamente exposto." (AGAMBEN, 1993, p. 81).
  • 22
    O fundamento ( grund) do existir é um jogar-se no ser, um salto no abismo, no sem-fundamento ( ab-grund). "Fundamento e Ser ('são') o mesmo, não o igual, o que já indica a diversidade dos nomes 'ser' e 'fundamento'. Ser 'é' essencialmente: fundamento. Assim, o ser nunca pode primeiro ter um fundamento que o fundamente. O fundamento fica, desta maneira, afastado do ser. O fundamento fica ausente do ser. No sentido de uma tal ausência de fundamento do ser, o ser 'é' sem-fundamento ( ab-grund), abismo. Na medida em que o ser enquanto tal é fundamento em si mesmo, permanece ele mesmo sem-fundamento." (HEIDEGGER, 2009, p. 45).
  • 23
    "No princípio da razão, Ratio est cur aliquid existit potius quam nihil(Há uma razão que faz com que algo seja em vez do nada), o essencial não é que algo seja(o ser) nem que algo não seja(o nada), mas que algo seja e nãoo nada. Por isso, ele não pode ser lido como uma oposição entre dois termos: é/não é, mas contém um terceiro termo: o potius(de potis, que pode), o poder não não-ser. (O espantoso não é que algo tenha podido ser, mas que tenha podido não não-ser.)" (AGAMBEN, 1993, p. 85).
  • 24
    Paradigma vem do grego paradeigma, "padrão, exemplo, modelo", derivado de paradeiknynai, "mostrar, representar", de modo literal, "mostrar lado a lado", formado por para-, "ao lado", e deiknynai, "mostrar, apresentar". Mediante o "exemplo", para-deigmaé o que se mostra ao lado, como o alemão Bei-spiel, o que joga ao lado, ou seja, a linguagem. "O ser exemplo é o ser puramente linguístico" (AGAMBEN, 1993, p. 16).
  • 25
    Na conferência Tempo e Ser (1973), Heidegger faz algumas excursões sobre o sentido de "dar"; seria preciso uma maior dedicação, em outro momento, a esse texto e ao pensamento do "dar", que comunga sua ação com a forma.
  • 26
    "E agora descreverei a experiência de maravilhar-se com a existência do mundo dizendo: é a experiência de ver o mundo como um milagre. Neste momento sou tentado a dizer que a expressão justa na língua para o milagre da existência do mundo, mesmo não sendo nenhuma proposição na língua, é a existência da própria linguagem." (WITTGENSTEIN, 2013). Heráclito, Fragmento 119: "A morada do homem, o extraordinário." (1980, p. 133). Heráclito, Fragmento 79: "A partir do extraordinário o homem, infantil, como a partir do homem, a criança." (1980, p. 103).
  • 27
    Experiência vem do latim experientia, "provir-de, ir-através de", já ser sempre o que não é ainda. A raiz indo-européia é *per, a qual se liga a ideia de travessia e, secundariamente, a da prova. Em grego, de onde provém a inspiração latina, os derivados que demarcam a travessia, a passagem são numerosos: peirô, atravessar; pera, mais-além; peraô, passar através; perainô, ir até o fim; peras, termo, limite. A palavra latina para experiência tem como radical " per" (ex-per-iência): sair de um perímetro, sair da condição do já conhecido, do já vivido, para ampliar vivências. De " per", também vem a palavra periculum: atravessar uma região, durante uma viagem, onde perigos podem nos assaltar. E, para esses perigos, há a palavra que se associa a periculum, que é oportunus- originada de portus, que quer dizer saída. A palavra experiência tem o " ex" de exterior, de estrangeiro, de exílio, de estranho e também o " ex" de existência. A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente " ex-iste" de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. Etimologicamente, para experiência, a palavra que Walter Benjamin usa é Erfahrung. O seu radical é " fahren" que significa viajar. No alto-alemão, " fahr" significa atravessar uma região durante uma viagem, pôr-se em lugares desconhecidos, de " fara", palavra de origem similar à fahr, deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo. Portanto, nestas diversas línguas citadas a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2014
  • Aceito
    26 Fev 2015
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