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AGELESS: UMA EXPERIÊNCIA EMERGENTE DE (ANTI)ENVELHECIMENTO

Introdução

No último levantamento demográfico mundial, realizado United Nations [UN], publicado no ano de 2015, pudemos observar que a média da expectativa de vida dos seres humanos já ultrapassava os 82 anos em países como Hong Kong, Japão, Itália e Suíça (World Population Prospects, 2015World Population Prospects (2015). The 2015 Revision. Key findings & advance tables. New York: NY. Unidet Nations. Recuperado de:https://esa.un.org/unpd/wpp/publications/files/key_findings_wpp_2015.pdf
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). O mesmo levantamento ainda projeta que a expectativa de vida nos referidos países chegará a 87 anos nas próximas três décadas. Além de uma expectativa de vida alta, nota-se, na atualidade, o aumento significante do número de pessoas com idade acima de 100 anos espalhados por todo o mundo (Baccarelli et al., 2016Baccarelli, A. A., Hales, N., Burnett, R. T., Jerrett, M., Mix, C., Dockery, D. W., & Pope III, C. A. (2016). Particulate air pollution, exceptional aging, and rates of centenarians: a nationwide analysis of the united states, 1980-2010. Environmental Health Perspective, 124(11), 1744-1750. DOI: http://dx.doi.org/10.1289/EHP197
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). Crescem os estudos que buscam desvelar as caraterísticas do DNA e MRNA dos centenários e, quiçá, descobrirem o segredo da vida eterna (Baccarelli et al., 2016Baccarelli, A. A., Hales, N., Burnett, R. T., Jerrett, M., Mix, C., Dockery, D. W., & Pope III, C. A. (2016). Particulate air pollution, exceptional aging, and rates of centenarians: a nationwide analysis of the united states, 1980-2010. Environmental Health Perspective, 124(11), 1744-1750. DOI: http://dx.doi.org/10.1289/EHP197
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; He et al., 2016He, Y. H., Chen, X. Q., Yan, D. J., Xiao, F. H., Lin, R., Liao, X. P., & Jiang, J. J. (2016). Familial longevity study reveals a significant association of mitochondrial DNA copy number between centenarians and their offspring. Neurobiology of Aging, 47(1), 211-218.). Nesta conjuntura, as pessoas, o estado e o mercado se preparam, cada vez mais, para uma experiência de vida longa.

Contudo, alguns indivíduos pretendem passar pelos anos sem necessariamente envelhecer. Ao contrário de abrir novas oportunidades para a velhice, a expectativa de vida cada vez maior tem revitalizado alguns anseios humanos muito antigos, como burlar, reverter, ocultar e transcender o envelhecimento. Por exemplo, os mitos e lendas do rejuvenescimento são bastante comuns na história de diversas culturas, já há muitos séculos, ou milênios. “O destino de Cartaphilus” na Islândia, a ‘fórmula da renovação da vida’ do deus hindu Indra, a ‘ambrosia’ dos deuses gregos, a ‘água da vida’ na Europa medieval e a ‘fonte da juventude’ presente em culturas do oriente e ocidente, são estórias que abordam um profundo desejo humano de buscar a juventude, tal como apontava Hopkins (1905Hopkins, E. W. (1905). The fountain of youth. Journal of American Oriental Society, 26(1), 1-67. DOI: https://doi.org/10.2307/592875
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).

A pesquisadora e escritora francesa Simone de Beauvoir (1970-1990), em seu clássico ensaio A Velhice, lembra da importância assumida pelo mito da ‘fonte da juventude’ nas artes e na cultura no período do Renascimento. A imagem do corpo envelhecido deixou de ser apenas ‘desagradável’ e passou a ser considerada ‘repugnante’. Dos poemas de Erasmo de Roterdã, às pinturas de Quentin Matsys, o corpo envelhecido foi atacado, humilhado e desvalorizado, com especial ênfase ao corpo das mulheres, considerado pela cultura misógina daquele período como simples objeto de satisfação dos desejos dos homens.

As imagens negativas do envelhecimento, construídas historicamente, foram revisadas somente a partir dos anos de 1970, com a invenção do que conhecemos, atualmente, por ‘terceira idade’. As políticas públicas, principalmente na Europa, passaram a focar os aposentados e pensionistas, a fim de inseri-los em atividades educacionais, culturais e esportivas, afastando-os do isolamento doméstico e da rotina monótona (Doll, 2014Doll, J. Educação e envelhecimento: desafios no mundo contemporâneo (2014). In A. Anica, A., Fragoso, C. Ribeiro, & C. Sousa (Orgs.), Envelhecimento ativo e educação. Faro, PT: Universidade do Algarve.). Com o suporte teórico e político da gerontologia e da geriatria, a terceira idade iria se concretizar como um padrão de envelhecimento global, pautado, principalmente, em um estilo de vida ativo, saudável e, principalmente, consumista (Dalmoro & Vittorazzi, 2016Dalmoro, M., & Vittorazzi, K. (2016). Trajetórias de consumo: o sujeito-sonsumidor de serviços bancários na terceira idade. Revista de Administração Contemporânea, 20(3), 328-346. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2016140059
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).

Conforme Haddad (1986Haddad, E.G. M. (1986). A ideologia da velhice. São Paulo, SP: Cortez.), a terceira idade é mais uma ideologia que engendra esforços da geriatria, da gerontologia, do mercado e do estado, que um simples estilo de vida adotado, espontaneamente, por pessoas mais velhas. A referida autora considera a terceira idade como uma invenção, criada por interesses político-econômicos, alheia à vontade do sujeito que envelhece. Durante décadas esse estilo de vida foi condecorado como o ‘modelo de sucesso’, sobrepujando outros estilos clássicos de velhice representada por idosos resistentes, dependentes, isolados, inativos, com hábitos insalubres e repletos de vícios como fumar e não praticar atividades físicas.

Para a denominada terceira idade, a longevidade alcançada pela atenção à saúde e aos hábitos saudáveis é prioridade (Veras, 2002Veras, R. P. (2002). Terceira idade: gestão contemporânea em saúde. Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumara.). A jovialidade também lhes interessa como uma experiência interna, ou ‘espiritual’, tal como expresso no jargão ‘espírito jovem’, utilizado amplamente pela literatura especializada e pelo senso comum para qualificar a terceira idade (Silva, 2009Silva, L. R. F. (2009). Autonomia, imperativo à atividade e “máscara da idade”: perrogativas do envelhecimento contemporâneo?. Revista Psicologia & Sociedade, 21(1), 128-134.).

Mais recentemente, a pós-modernidade iria assistir a aparição de um novo personagem na história do envelhecimento humano, denominado ‘ageless’. Trata-se da insurgência de uma experiência de (anti)evelhecimento que consiste em intervenções sobre o corpo, em busca da juventude (Featherstone & Hepwoth, 1991Featherstone, M., & Hepworth, M. (1991). The mask of ageing and the post-modern life course (p. 389-404). In M. Featherstone, & B. S. Hepworth (Orgs.), The body: social process and cultural theory. London, UK: Sage.). Ao mesmo tempo, representa a negação da velhice em seus aspectos estéticos, cronológicos, afetivos, simbólicos e comportamentais. O presente trabalho analisou, brevemente, as características, a história, as práticas e os saberes que engendram essa nova ideologia.

A insurgência ageless

A emergência do estilo de vida denominado ‘ageless’, ou máscara da idade foi, inicialmente, constatato por estudiosos que procuravam respostas sobre o ‘ageismo’, ou discriminação por idade contra idosos (Featherstone & Hepwoth, 1991Featherstone, M., & Hepworth, M. (1991). The mask of ageing and the post-modern life course (p. 389-404). In M. Featherstone, & B. S. Hepworth (Orgs.), The body: social process and cultural theory. London, UK: Sage.). Na época, o ageismo era um fenômeno preocupante na América do Norte e Europa ocidental. Woodward (1988Woodward, K. (1988). Youthfulness as a masquerade. Discourse, 11(1), 119-142.) observou, no final da década de 1980, que havia grande aumento do número de idosos nos Estados Unidos. A nova demografia americana teria elevado a idealização da juventude e a proliferação de técnicas de disciplina e intervenção sobre o corpo, como adoção de dietas, produtos cosméticos ‘anti-age’ e cirurgias. Era o surgimento de uma geração de pessoas idosas que se recusavam a serem rotuladas como ‘velhas’, ou mesmo, como ‘terceira idade’ e buscavam a jovialidade por meio de procedimentos ‘antienvelhecimento’ diversos.

Nos primeiros trabalhos sobre os ageless, foram encontradas pessoas que conservavam um ‘espírito jovem’ e que não se identificavam com sua aparência de velhos, ou seja, que não produziam efeitos notáveis de jovialidade no corpo, sendo denominadas ageless self (Kaufman, 1994Kaufman, S. R. (1994). The ageless self: sources of meaning in late life. Madison, WI: University of Wisconsin Press.). Posteriormente surgia o ageless body, aquelas pessoas que ultrapassaram o conflito entre corpo envelhecido e o espírito jovem, conseguindo produzir efeitos visíveis de jovialidade na superfície do corpo, contando com suporte técnico da ciência e do mercado (Kass, 2003Kass, L. R. (2003). Ageless bodies, happy souls: biotechnology and the pursuit of Perfection. The New Atlantis, 1(1), 9-28.). Mais recentemente, em uma pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro (considerada a capital da estética e dos modismos no Brasil) constatou-se que, além da aparência e do espírito jovem, a demanda ageless passa por um ciclo de relacionamentos afetivo-sexuais com pessoas jovens, assim como pela internalização dos seus valores e trejeitos (Pereira & Penalva, 2014Pereira, C. S., & Penalva, G. A. (2014). Nem todas querem ser Madonna: representações sociais da mulher carioca, de 50 anos ou mais. Estudos Feministas, 22(1) 173-193. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2014000100010&script=sci_abstract&tlng=pt
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).

Na ideologia ageless, o foco é a exterioridade e a estética. A prioridade é a jovialidade a qualquer custo (Gergen & Gergen, 2000Gergen, K. J., & Gergen, M. M. (2000). The new aging: self-construction and social values (p. 281-306). In K. W. Shaie, & J. Hendricks (Orgs.), The evolution of aging self: the social impact on the aging process. New York, NY: Springer Publishing.). A preocupação com a saúde é secundária, pois preexiste uma crença de que a longevidade, ou mesmo a eternidade, faça parte do ciclo natural da vida. Entre a experiência da terceira idade e a do ageless é possível observar o deslocamento que parte da interioridade, para a superficialidade. Partindo de um olhar psicanalítico é possível enxergar que o deslocamento que o ageless faz em direção à superfície não o aproxima dos objetos do mundo externo: esse movimento seria, dialeticamente, um retorno narcísico, um desinvestimento nos objetos do mundo externo e uma interiorização radical (Rosa, 2015Rosa, C. (2015). Envelhecer em tempos de juventude: corpo, imagem e temporalidade (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.).

Uma característica do mundo contemporâneo, ou, como apontada por Bauman (2007-2008), pós-moderno - e assimilada pelo ageless - é a transformação do corpo em objeto de consumo. Há a necessidade incessante de gastar (ou fazer investimentos) com o próprio corpo, agregando nele valores de uma mercadoria vendável, como qualquer outra. Diante da realidade descrita, compreende-se que o estilo ageless é o produto de tendências pós-modernas clássicas como a superficialidade, o imediatismo, o hedonismo, a fusão e a vaporização (Bauman, 2000-2001Bauman, Z. (2000-2001). Modernidade líquida (P. Dentzien, Trad.). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.).

Assim como a terceira idade o estilo ageless vem tomando proporções globais, chegando até a países de culturas mais tradicionais, como China e Coreia do Sul. Por meio de forte apelo simbólico exercido pela mídia - impulsionado pela grande indústria da moda e dos cosméticos -, vende-se a ideia de que expor os sinais do envelhecimento é um grande sinal de fracasso e/ou vulnerabilidade (Santos, 2015Santos, J. (2015, setembro). Novos sinais do tempo na publicidade: sinais de um novo tempo das dinâmicas sociais. In Anais do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 38.). A linguagem complexa que envolve símbolos semióticos, neologismos e artistas famosos de idade avançada, mas com aparência jovem, levam à falsa ideia de que qualquer pessoa comum pode controlar o tempo e o envelhecimento, apenas por meio do ‘consumo correto’ (Teixeira, 2015Teixeira, J. (2015). Mecanismos linguísticos em publicidade: a construção dos conceitos de perfeição e de eternidade (p. 175-199). In M. A. Marques, & X. M. S. Rei (Orgs.), Novas perspectivas linguísticas no espaço galego-português. Braga, PT: Universidade do Minho.).

Os procedimentos e discursos médicos antienvelhecimento

O discurso médico, interessado em ampliar seu mercado consumidor, impulsiona a propagação desse novo estilo de (anti)envelhecimento. A notória capacidade da medicina moderna em produzir discursos e práticas com efeitos de verdade - cuja aceitação social ampla exerce forte influência sobre o receptor das mensagens, - torna-se grande aliado na difusão da ideologia do ageless. Conforme Foucault (1976-2010Foucault, M. (1976-2010). Crise da medicina ou crise da antimedicina (H. Conde, Trad.), Revista Verve, 18, 167-194.), o saber médico coloca a espécie humana em um campo de probabilidades e riscos, cuja magnitude não se pode medir com precisão, mas que certamente produz efeitos verdadeiros aceitos e acatados sem maiores questionamentos. Outro ponto destacado por Foucault é que o corpo humano passou de objeto de experimento da medicina, até o século XIX, para objeto econômico de intervenção médica no século XX. Paradoxalmente, mesmo com o aumento do consumo dos serviços médicos, não houve aumento nos níveis de saúde da população. Partindo de uma análise histórica, o autor afirma que

O nível de consumo médico e o nível de saúde não estão em relação direta, o que revela um paradoxo econômico: o de um crescimento de consumo não acompanhado de qualquer fenômeno positivo do lado da saúde, da morbidade e da mortalidade (Foucault, 1976-2010Foucault, M. (1976-2010). Crise da medicina ou crise da antimedicina (H. Conde, Trad.), Revista Verve, 18, 167-194., p. 189).

O consumo médico passou a fazer parte do processo de envelhecimento ainda no início do século XX, quando foi criada a geriatria (Groisman, 2002Groisman, D. (2002). A velhice, entre o normal e o patológico. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 9(1), 61-78. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59702002000100004
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). Como explica Groisman (2002)Groisman, D. (2002). A velhice, entre o normal e o patológico. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 9(1), 61-78. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59702002000100004
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, trata-se de uma especialidade médica distinta de qualquer outra, na medida que espraiou as possibilidades de intervenção sobre a raça humana, para além do binômio saúde-doença. Para a geriatria, o envelhecimento saudável depende dos cuidados tomados por todo o curso da vida. As estratégias de gestão do ageless, entretanto, não são reguladas pelos saberes da geriatria, ou mesmo da gerontologia, como acontece no caso da gestão da terceira idade e outros estilos de envelhecer não rotulados. Pelo contrário: a geriatria e gerontologia perdem espaço e disputam saberes e práticas com as novas vertentes científicas de gestão do envelhecimento como, por exemplo, a ‘medicina antienvelhecimento’. Atualmente, o referido saber médico é composto por especialidades como a nutrologia, medicina ortomolecular, dermatologia e endocrinologia, assim como pela biotecnologia.

A aliança entre a medicina antienvelhecimento e estudos avançados da biologia ganha força na medida em que as pesquisas desvendam os segredos do DNA e do metabolismo mitocondrial. Isso porque uma das teses mais aceitas pela ciência é de que o envelhecimento humano decorre do enfraquecimento das mitocôndrias que, por sua vez, levaria ao declínio do organismo como um todo e principal porta de entrada das doenças crônicas relacionadas à velhice (Bratic & Larsson, 2013Bratic, A. & Larsson, N. G. (2013). The role of mitochondria in aging. The Journal of Clinical Investigation, 123(3), 951-957. DOI: http://dx.doi.org/10.1172/JCI64125
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).

No encalço da manutenção (ou resgate) das funções celulares e da jovialidade, existe um grande aliciamento para a adoção de um estilo de vida que inclui rotina de exercícios físicos e dietas aditivadas por vitaminas, minerais, aminoácidos e antioxidantes, um verdadeiro ‘elixir da vida’ que arregimenta cada vez mais e mais adeptos.

Porém, a simples rotina de exercícios e dieta complexa não é capaz de reverter, ou paralisar os processos de envelhecer. Outro ponto bastante comum na medicina antienvelhecimento é que, ao longo dos anos, os níveis de hormônios diminuem no corpo humano. Assim, criou-se uma segunda via de intervenção baseada nas terapias hormonais, como a ‘reposição’ (com o uso de hormônios sintéticos) e a ‘modulação’ (com o uso de hormônios ‘bioidênticos’). Os dois procedimentos produzem efeitos rápidos e visíveis de rejuvenescimento; mesmo assim causam opiniões divergentes entre os médicos, pesquisadores e especialistas da área.

O médico norte-americana Jeffry Life, conhecido internacionalmente por ser defensor e adepto da reposição hormonal antienvelhecimento com Hormônio de Crescimento (GH) e testosterona, é personalidade mediática e performática, da área. Em suas aparições exibe com orgulho seus músculos rompantes e sua aparência jovial, mesmo no auge dos seus 79 anos. A receita de juventude e vigor composta por exercícios físicos, dieta e injeções de hormônios foi publicada por Life em 2011 e rapidamente se tornou best seller nos Estados Unidos - onde a medicina antienvelhecimento é legalizada em alguns estados e, portanto, possui muitos entusiastas e adeptos. Segundo o médico (Life, 2011Life, J. (2011). Life plan: how any man can achieve lasting health, great sex, and a stronger, learner body. New York, NY: Atria Books.), além de mudanças aparentes no corpo, os procedimentos antienvelhecimento que ele mesmo faz uso poderiam ainda evitar doenças que vão do estresse a diversos tipos de câncer.

No Brasil, a medicina antienvelhecimento e as práticas de reposição e modulação hormonal (com tal finalidade) são expressamente proibidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM, 2012Conselho Federal de Medicina [CFM]. (2012). Resolução n. 1999, de 19 de outubro de 2012. A falta de evidências científicas de benefícios e os riscos e malefícios que trazem à saúde não permitem o uso de terapias hormonais com o objetivo de retardar, modular ou prevenir o processo de envelhecimento. Recuperado de http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1999_2012.pdf
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), por meio da Resolução 1999/2012. Mesmo assim, contrariando as diretrizes do CFM, existe a Associação Brasileira de Medicina Antienvelhecimento que oferece, periodicamente, curso de pós-graduação lato sensu para médicos diplomados, incentivando e proliferando a prática no país.

O principal argumento do CFM pela ilegalidade da medicina antienvelhecimento é que são escassos os estudos da área, que comprovem sua eficácia. Também que, mesmo as poucas publicações existentes na área resultaram de pesquisas com amostras pequenas, publicadas em periódicos com pouco (ou nenhum) impacto científico. O CFM ainda se baseia em estudos que condenam os métodos antienvelhecimento, por serem mais robustos e confiáveis. Por exemplo, um estudo com duração de nove anos, realizado com 3.635 idosos, na Austrália, revelou que a elevação dos níveis de testosteronas livre no sangue de idosos leva a maior incidência de câncer de próstata e do pulmão (Hyde et al., 2012Hyde, Z., Flicker, L., McCaul, K. A., Almeida, O. P., Hankey, G. J., Chubb, S. P., & Yeap, B. B. (2012). Associations between testosterone levels and incident prostate, lung, and colorectal cancer. A population-based study. Cancer Epidemiology Biomarkers & Prevention, 21(8), 1319-1329. DOI: https://doi.org/10.1158/1055-9965.EPI-12-0129
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).

A medicina estética, uma forte aliada da medicina antienvelhecimento, é outra especialidade médica condenada pelo CFM, entretanto, a realização de vários procedimentos estéticos antienvelhecimento, incluindo cirurgias, é autorizada para outras especialidades médicas.

Procedimentos sem fins terapêuticos e que buscam, exclusivamente o rejuvenescimento, não apenas são regulados pelo CRM, como geram disputas entre médicos e outras categorias e conselhos profissionais por espaço no mercado, dada a enorme demanda nos últimos anos. A contenda pelo direito de realizar procedimentos estéticos invasivos como aplicação de botox e preenchimento facial com ácido hialurônico - travado com odontólogos e biomédicos - teria sido vencida pela medicina em 2013, com a promulgação da Lei Federal conhecida como “Ato Médico” (Lei nº 12.842, 2013Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013 (2013, 10 de julho). Dispõe sobre o exercíco da Medicina. Brasília, DF. Recuperado dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12842.htm
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), que restringia a realização de tais procedimentos somente aos médicos. Entretanto, em 28 de outubro de 2016, a decisão do Tribunal Regional Federal da 1a região resolveu acatar a Resolução nº 241 de 29 de maio de 2014 do Conselho Federal de Biomedicina (CFBM, 2014Conselho Federal de Biomedicina [CFBM]. (2014). Resolução nº 241, de 29 de agosto de 2014. Dispõe sobre atos do profissional biomédico com habilitação em biomedicina estética e regulamenta a prescrição por este profissional para fins estéticos. Recuperado de http://crbm1.gov.br/novosite/wp-content/uploads/2013/12/RESOLUCAOCFBM-n-241-2014.pdf
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) e autorizar a realização dos referidos procedimentos estéticos. No mesmo sentido, passou a vigorar a Resolução 176 de 6 de setembro de 2016, do Conselho Federal de Odontologia (CFO, 2016Conselho Federal de Odontologia [CFO]. (2016). Resolução nº 176, de 06 de setembro de 2016. Revoga as Resoluções CFO-112/2011, 145/2014 e 146/2014, referentes à utilização da toxina botulínica e preenchedores faciais, e aprova outra em substituição. Recuperado dehttps://sistemas.cfo.org.br/visualizar/atos/RESOLU%C3%87%C3% 83O/SEC/2016/176
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) que permite realização dos mesmos procedimentos pelos cirurgiões-dentistas.

Existem ainda outros procedimentos, usualmente realizados por dermatologistas e cirurgiões plásticos como o lazer de CO2, o peeling, o fio de sustentação facial e diversas cirurgias faciais, como o lifting, estão se tornando cada vez mais comuns entre idosos, mas principalmente entre os adultos preocupados com o antienvelhecimento.

Portanto, há grande contradição entre o discurso do CFM (2012) que proíbe práticas relacionadas à medicina antienvelhecimento, por adotarem intervenções medicamentosas contra um processo considerado natural e as práticas médicas endossadas pelo próprio CFM e pelo governo federal, que envolvem cirurgias faciais com anestesia geral e outros procedimentos com o uso de produtos químicos que têm como único e exclusivo intuito a busca pelo rejuvenescimento.

Considerações finais

Mesmo com a crescente onda do ageless (ou ideologia do antienvelhecimento) a visão da terceira idade ainda é, de longe, o modelo vigente e predominante de envelhecimento com o maior número de adeptos no Brasil. Porém, algumas questões emergentes levam a crer que esse modelo está prestes a entrar em declínio no país, que pode levar, inclusive, à sua extinção. Nem tanto pelo avanço do estilo e da ideologia ageless, que ainda é novidade no país e não seria acessível a toda população, por suas exigências econômicas de ‘consumo de alto custo’. A ameaça para as próximas gerações de terceira idade vem, sobretudo, respaldada pelas reformas liberais atualmente em andamento no Brasil e em outros países, que ameaçam políticas públicas e direitos essenciais para a continuidade do estilo de vida da terceira idade (como tempo livre, aposentadoria, lazer e investimentos públicos em políticas do idoso), principalmente nas áreas de atenção psicossocial e saúde (Bastos, Biancareli, & Deos, 2016Bastos, P. P. Z., Biancareli, A. M., & Deos, S. S. (2016). Controle de capitais e reformas liberais: uma comparação internacional. Economia e Sociedade, 15(3), 545-576. Recuperado de http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/article/view/8642904
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).

Por outro lado, a ideologia liberal e seus jargões como ‘faça você mesmo’ e ‘você é responsável pelo seu futuro’ incentiva individualismos próprios da cultura ageless, o que pode atrair maior número de adeptos e praticantes, mesmo com os altos custos exigidos para tal. Zhavoronkov (2013Zhavoronkov, A. (2013). The ageless generation: how advances in biomedicine will transform the global economy. New York, NY: Palgrave Macmillan.) já disse certa vez que as ciências do antienvelhecimento irão transformar não apenas os ageless em pessoas cada vez mais jovens, mas também irão promover grande mudança na economia, possibilitando até aos centenários readquirirem condições físicas para continuarem trabalhando e, assim, será o fim dos dispendiosos sistemas de aposentadorias. Essa parece ser uma promessa não tão distante.

Apesar de algumas divergências e disputas internas, a medicina se interessa muito pela clientela ageless. Por um lado, o discurso médico assume uma postura crítica em relação à medicina antienvelhecimento. Por outro, incentiva e realiza lucros com esse estilo de vida, por meio das práticas e procedimentos estéticos oficialmente homologados pelo CFM e pelo governo.

Referências

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  • Bastos, P. P. Z., Biancareli, A. M., & Deos, S. S. (2016). Controle de capitais e reformas liberais: uma comparação internacional. Economia e Sociedade, 15(3), 545-576. Recuperado de http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/article/view/8642904
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2017
  • Aceito
    12 Jul 2017
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