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ENTRE ZELAR E CUIDAR: SENTIDOS SOBRE SAÚDE-DOENÇA EM DIRIGENTES DA UMBANDA1 1 Esse artigo foi desenvolvido com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida ao primeiro autor.

ENTRE CELAR Y CUIDAR: SIGNIFICADOS SOBRE SALUD-ENFERMEDAD EN LOS LÍDERES DE UMBANDA

RESUMO

Por meio da antropologia da saúde, podemos compreender o terreiro de umbanda como parte de um sistema popular de cuidado. Este estudo teve por objetivo investigar as concepções de saúde e doença produzidas por zeladores de terreiro de umbanda. Participaram dez zeladores de terreiro da cidade de Uberaba (MG/Brasil), sendo três mulheres e sete homens, com idades entre 40 e 76 anos. O tempo médio de atuação como dirigente foi de 18,4 anos, variando de cinco a 43 anos. Os terreiros chefiados por esses participantes atendem entre 15 e 280 pessoas por dia de funcionamento. Pela análise das entrevistas, destaca-se que o cuidado em saúde oferecido pelos zeladores ultrapassa os limites rituais, nas cerimônias públicas, sendo prestado de modo contínuo nos terreiros. As posturas assumidas pelos entrevistados envolvem ações de escuta, acolhimento e proximidade física no momento da urgência. Pelas narrativas, pode-se concluir que o zelar, no sentido de gerenciar o espaço do terreiro, espiritual e materialmente, não pode ser dissociado do cuidar, significando os zeladores como importantes agentes populares de saúde.

Palavras-chave:
Cura pela fé; etnopsicologia; antropologia da saúde

RESUMEN

A través de la antropología de la salud podemos entender el terreiro de umbanda como parte de un sistema de atención popular. Este estudio tuvo como objetivo investigar las concepciones de salud y enfermedad producidas por los cuidadores del terreiro de umbanda. Participaron diez cuidadores de terreiro de la ciudad de Uberaba (MG/Brasil), tres mujeres y siete hombres, con edades comprendidas entre 40 y 76 años. El tiempo promedio como gerente fue de 18.4 años, que van de cinco a 43 años. Los terreiros encabezados por estos participantes atienden entre 15 y 280 personas por día de operación. Del análisis de las entrevistas, se destaca que la atención médica ofrecida por los cuidadores va más allá de los límites rituales, en ceremonias públicas, que se brindan continuamente en los terreiros. Las actitudes asumidas por los entrevistados implican escuchar, acoger y proximidad física en el momento de urgencia. A través de las narrativas, se puede concluir que el cuidado, en el sentido de administrar el espacio del terreiro, espiritual y materialmente, no se puede disociar del cuidado, lo que significa que los cuidadores son importantes agentes de salud populares.

Palabras clave:
Fe curativa; etnopsicología; antropología de la salud

ABSTRACT

Through health anthropology we can understand the umbanda terreiro (specific place for the religious ritual) as part of a popular system of care. This study aimed to investigate the conceptions of health and illness produced by saint keepers of umbanda terreiro. Ten leaders of the terreiros in the city of Uberaba (MG/Brazil) participated, being three women and seven men, between 40 and 76 years old. The average time of performance as a manager was 18.4 years, ranging from 5 to 43 years. The terreiros led by these participants attend between 15 and 280 people working day. The health care offered by saint keepers exceeds ritual limits in public ceremonies and is provided on a continuous basis in the terreiros. The postures assumed by the interviewees involve actions of listening, welcoming and physical proximity at the moment of urgency. From the narratives, it can be concluded that care, in the sense of managing the space of the terreiro, both spiritually and materially, can not be dissociated from caring, meaning saint keepers as important popular health.

Keywords:
Healing by faith; etnopsychology; health anthropology

Introdução

Embora as relações entre Psicologia, religiosidade e espiritualidade sejam anteriores à própria condição científica desse campo, destaca-se o crescente interesse em pesquisas que exploram tanto o modo como a religiosidade/espiritualidade (R/E) pode interferir positivamente nos desfechos em saúde quanto negativamente. A literatura científica tem evidenciado, portanto, as associações entre R/E e os processos de saúde, doença e de enfrentamento diante de adversidades (Braam & Koenig, 2019Braam, A. W., & Koenig, H. G. (2019). Religion, spirituality and depression in prospective studies: A systematic review. Journal of Affective Disorders, 257, 428-438. https://doi.org/10.1016/j.jad.2019.06.063
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; Trevino & Pargament, 2017Trevino, K. M., & Pargament, K. I. (2017). Medicine, spirituality, religion, and psychology.Spirituality and Religion Within the Culture of Medicine: From Evidence to Practice, 233. https://doi.org/10.1093/med/9780190272432.003.0015
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).

O presente estudo se debruça sobre as relações entre R/E e saúde, tendo como norte o cenário da umbanda e como fonte primária de informações os zeladores de santo, popularmente conhecidos como pais e mães de santo, chefes de instituições que oferecem cuidados em saúde por meio de consultas mediúnicas e participações em cerimônias públicas conhecidas como giras. Em relação às terminologias doravante adotadas, neste estudo referimo-nos aos chefes dos terreiros por ‘zeladores’ ou ‘dirigentes’, termos esses empregados pelos próprios participantes, pressupondo que ninguém pode ser ‘pai’ ou ‘mãe’ de santo, mas zelar e cuidar do santo. Assim, zeladores e dirigentes compõem conceitos nativos. Essa explicitação é necessária, haja vista que o modo como essas categorias são representadas nos estudos científicos pode divergir da maneira como a empregaremos no presente estudo. Para tanto, é fundamental problematizar a presença desses interlocutores nos estudos acadêmicos, como discutiremos a seguir.

Para se tornar um zelador de santo na umbanda, diferentemente do candomblé, não há necessidade do rito de feitura de santo. A feitura de santo no candomblé é um processo que envolve uma série de obrigações, como o recolhimento e a realização de rituais de limpeza do corpo e do espírito por meio de orientações específicas reveladas no jogo de búzios ou oráculo de Ifá (Camargo, Scorsolini-Comin, & Santos, 2018Camargo, A. F. G., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2018). A feitura do santo: percursos desenvolvimentais de médiuns em iniciação no candomblé. Psicologia & Sociedade, 30, e189741. http://dx.doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30189741
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; Goldman, 2017Goldman, M. (2017). The ontology of possession in Bahian candomblé. Working Papers Series, 23, 1-6.). Na umbanda não existe um consenso sobre como deve se dar esse processo de preparação para ocupar tal posição, o que permite a construção de diferentes rituais a depender do terreiro que se analisa.

Em termos dos processos formativos, há que se considerar que a tradição oral nas religiões de matrizes africanas é um elemento fundamental, ainda que contemporaneamente haja estudos, livros e cursos sobre a umbanda, por exemplo. Muito do conhecimento é adquirido por meio da prática e do contato direto com os guias (Brant Carvalho & Bairrão, 2019Brant Carvalho, J. B., & Bairrão, J. F. M. H. (2019). Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca. Psicologia USP, 30, e180093. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
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), o que contribui para explicar a diversidade que existe nos terreiros de umbanda não apenas em termos de organização, mas de rituais e, consequentemente, de processos de formação ou de desenvolvimento espiritual. No contexto da umbanda, aventa-se que nesses processos não existam apenas orientações do que fazer, de como proceder e organizar um terreiro, mas também circulem noções sobre adoecimento, saúde e cura.

Frente aos estudos que destacam a necessidade de se investigar as relações entre processos de saúde e doença e a dimensão da R/E (Helman, 2009Helman, C. (2009). Cultura, saúde & doença (5a ed.). Porto Alegre, SP: Artmed.; Lages, Silva, & Ribeiro, 2019Lages, S. R. C., Silva, A. M., & Ribeiro, M. F. F. (2019). A participação das comunidades tradicionais de terreiro no campo da saúde: as pesquisas em psicologia social. Revista de Ciências Humanas, 53, e42714. http://doi.org/10.5007/2178-4582.2019.e42714
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; Laplantine, 1986Laplantine, F. (1986). Antropologia da doença. São Paulo, SP: Martins Fontes.; Rabelo, 1994Rabelo, M. C. M. (1994). Religião, ritual e cura. (Cap. 3, p. 47-56). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.; Trevino & Pargament, 2017Trevino, K. M., & Pargament, K. I. (2017). Medicine, spirituality, religion, and psychology.Spirituality and Religion Within the Culture of Medicine: From Evidence to Practice, 233. https://doi.org/10.1093/med/9780190272432.003.0015
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), apresenta-se a possibilidade de compreender tais associações junto a zeladores e dirigentes da umbanda. Há trabalhos fundantes sobre o tema, a começar por Nina Rodrigues e Arthur Ramos, na primeira metade do século XX, com seus clássicos sobre saúde e doença em tradições religiosas. No entanto, esses estudos se posicionam em uma perspectiva etnocêntrica e racista, ao atribuir interpretações psicológicas aos cultos de matriz africana e produzir compreensões que patologizavam as expressões dos adeptos nesses rituais (Ramos, 1940Ramos, A. (1940). O negro brasileiro. São Paulo, SP: Companhia Editora Nacional.; Rodrigues, 2010Rodrigues, R. N. (2010). Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. Original publicado em 1932.). Essas críticas têm cada vez mais se ampliado no contexto acadêmico e com os movimentos sociais, permitindo a revisão dessas proposições. Em proposta dissonante às supracitadas, é possível mencionar os trabalhos de Montero (1985Montero, P. (1985). Da doença à desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.) sobre saúde e doença na umbanda, o de Aubrée (2006Aubrée, M. (2006). Brésil: santé mentale et sphère magico-religieuse. Tiers-Monde, 47(187), 547-556.), também a respeito da saúde mental na esfera mágico-religiosa brasileira e, ainda, no campo da etnopsicologia, o de Lemos e Bairrão (2013Lemos, D. T. A., & Bairrão, J. F. M. H. (2013). Doença e morte na umbanda branca: a Legião Branca Mestre Jesus. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 13, 677-703.) sobre significações de doença e morte em terreiro de umbanda, estudos esses que visam a valorizar a alteridade.

A hipótese aqui defendida é a de que as noções sobre saúde, doença e cura no contexto religioso da umbanda podem estar envolvidas diretamente no modo como ocorrem os atendimentos ao público quando este apresenta queixas de adoecimento, bem como do itinerário percorrido pelo adepto em função das orientações prescritas em atendimentos mediúnicos. No cenário brasileiro, há que se considerar que a maioria dos estudos sobre a umbanda trabalha com os médiuns incorporados (Brant Carvalho & Bairrão, 2019Brant Carvalho, J. B., & Bairrão, J. F. M. H. (2019). Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca. Psicologia USP, 30, e180093. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
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; Macedo, 2015Macedo, A. C. (2015). Encruzilhadas da interpretação na umbanda (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.), havendo ainda pouco espaço para a compreensão dos médiuns e seus modos de vida, visões sobre a religião e inserção em uma rede de cuidado em saúde (Rabelo, 1994Rabelo, M. C. M. (1994). Religião, ritual e cura. (Cap. 3, p. 47-56). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.; Scorsolini-Comin & Campos, 2017Scorsolini-Comin, F., & Campos, M. T. A. (2017). Narrativas desenvolvimentais de médiuns da umbanda à luz do modelo bioecológico. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 17(1), 364-385.).

Diante do exposto, pode-se considerar que cabe aos zeladores de santo a função de orientar e guiar os médiuns nas incorporações e atendimentos que farão, assim como seu processo de desenvolvimento espiritual no terreiro. Dentro da tradição oral e da forma como são passados os ensinamentos da umbanda, consideramos importante compreender a visão desses dirigentes de terreiro, uma vez que irão desenvolver ou ‘formar’ os médiuns dentro de suas casas que, após o desenvolvimento espiritual, irão atender diversas demandas dos consulentes que chegam ao terreiro para as consultas.

As demandas destacadas no presente estudo referem-se, sobretudo, às de saúde, que encontram na umbanda um contexto de acolhimento (Brant Carvalho & Bairrão, 2019Brant Carvalho, J. B., & Bairrão, J. F. M. H. (2019). Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca. Psicologia USP, 30, e180093. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
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; Macedo, 2015Macedo, A. C. (2015). Encruzilhadas da interpretação na umbanda (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.; Scalon, Scorsolini-Comin, & Macedo, 2020Scalon, E. F., Scorsolini-Comin, F., & Macedo, A. C. (2020). A compreensão dos processos de saúde-doença em médiuns de incorporação da umbanda. Subjetividades, 20(2), e10003. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e10003
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; Scorsolini-Comin & Campos, 2017). A doença é um fenômeno que pode ser compreendido como um processo que se constrói frente às vivências do indivíduo e do meio social onde está inserido, criando significações por meio do seu contato com espaços onde o adoecer/cuidar está presente como, por exemplo, a família, os serviços formais de saúde e a comunidade. Esses espaços criam formas de perceber o adoecimento e o cuidado para além do individual. Quando o adoecido transita por dispositivos de saúde, passa a questionar os limites do cuidado formal e o cultural. Nesse sentido, podemos compreender a umbanda como uma rede cultural de cuidado no processo saúde-doença, que também proporciona elementos para a compreensão e significação do que é sentido pelo indivíduo (Montero, 1985Montero, P. (1985). Da doença à desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.; Silva & Scorsolini-Comin, 2020Silva, L. M. F., & Scorsolini-Comin, F. (2020). Na sala de espera do terreiro: uma investigação com adeptos da umbanda com queixas de adoecimento. Saúde e Sociedade, 29(1), e190378. https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190378
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).

Por meio da antropologia da saúde (Helman, 2009Helman, C. (2009). Cultura, saúde & doença (5a ed.). Porto Alegre, SP: Artmed.; Laplantine, 1986Laplantine, F. (1986). Antropologia da doença. São Paulo, SP: Martins Fontes.; Silva, 2019Silva, A. C. (2019). Antropologia e saúde: entre o político e a produção do conhecimento. Cadernos de Saúde Pública, 35(2), e00201118. https://doi.org/10.1590/0102-311X00201118
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), buscamos compreender as relações e a importância do terreiro para a comunidade levando em consideração a umbanda como rede cultural de cuidado, assim como a sua história e importância no contexto brasileiro (Brant Carvalho & Bairrão, 2019Brant Carvalho, J. B., & Bairrão, J. F. M. H. (2019). Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca. Psicologia USP, 30, e180093. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
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). Frente ao panorama exposto, o objetivo deste estudo foi investigar as concepções de saúde e doença produzidas por zeladores de terreiro de umbanda.

Método

Tipo de estudo e considerações éticas

Trata-se de um estudo exploratório, qualitativo e de corte transversal, apoiado no referencial teórico da etnopsicologia. Para garantir a validade do estudo qualitativo, foram observados os itens de verificação presentes no protocolo COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (CAAE 82403718.9.0000.5154).

Participantes

Participaram deste estudo dez zeladores de terreiro, sendo três mulheres e sete homens, com idades entre 40 e 76 anos. O tempo médio de atuação como dirigente foi de 18,4 anos, variando de cinco a 43 anos. Todos os dirigentes trabalham com a umbanda, mas um deles atua com a Umbanda Omolokô (culto de origem nagô) e outra com a Umbanda Omolokô e o Candomblé. Quatro zeladores possuem ensino fundamental, outros quatro, ensino médio e dois concluíram o ensino superior. O número de pessoas atendidas em seus terreiros, por gira, é de 100 consulentes, em média, variando de 15 a 280.

Esses zeladores são médiuns de incorporação e atuam em terreiros de umbanda localizados na cidade de Uberaba (MG/Brasil), considerada um polo religioso tanto por ter abrigado o médium espírita Chico Xavier, reconhecido internacionalmente, quanto por reunir em seu território diversos centros espíritas/kardecistas e terreiros de umbanda e de candomblé. A cidade de Uberaba se localiza na região do Triângulo Mineiro, onde pode ser encontrada uma considerável quantidade de terreiros, observando-se a diversidade de estruturas do espaço religioso, da organização do culto e das práticas religiosas (Camargo et al., 2018Camargo, A. F. G., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2018). A feitura do santo: percursos desenvolvimentais de médiuns em iniciação no candomblé. Psicologia & Sociedade, 30, e189741. http://dx.doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30189741
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). A seleção dos centros e dos dirigentes se baseou em critérios como abertura da comunidade à pesquisa, permissão do(a) zelador e consentimento com a coleta, existência de atendimentos mediúnicos abertos à população, com consultas com médiuns incorporados.

Instrumento

Foi aplicado um roteiro de entrevista semiestruturado composto por perguntas disparadoras sobre a história de vida do zelador, questões sobre o desenvolvimento mediúnico e atuação como zelador, bem como percepções sobre o adoecimento mental, sobretudo considerando as relações entre R/E e saúde. Como roteiro semiestruturado, foram construídos tópicos que deveriam ser abordados durante a entrevista, de modo que a quantidade de perguntas variou a cada entrevista.

Procedimento

No recrutamento dos participantes, foram realizadas visitas a terreiros que já eram do conhecimento dos pesquisadores e que foram investigados em estudos anteriores do grupo, seguindo os pressupostos da observação participante. O pesquisador responsável pela coleta frequentou essas comunidades em dias de atendimento público, celebrações e festas, realizando observações participantes registradas em diário de campo. Durante as visitas foi observada a forma como se dão os atendimentos dos médiuns, palestras, interação entre os membros e a comunidade. Foi feito um diário de campo para caracterizar os terreiros em termos da quantidade de participantes, entidades incorporadas, quantidade de médiuns incorporados, número de pessoas atendidas e caracterização do ambiente e da população atendida. Essas anotações não foram alvo de análise no presente estudo, sendo empregadas exclusivamente para orientar a coleta de dados.

Nessas visitas, os zeladores foram convidados a participar do estudo e foram agendadas as entrevistas, todas ocorridas no terreiro ou na casa dos participantes. Após anuência, houve a aplicação do roteiro de entrevista de modo individual. As entrevistas foram audiogravadas e transcritas na íntegra e literalmente, compondo o corpus analítico. As entrevistas duraram, em média, 40 minutos. Esse corpus foi analisado segundo os procedimentos de análise temático-reflexiva (Braun & Clarke, 2019Braun, V., & Clarke, V. (2019). Reflecting on reflexive thematic analysis. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health, 11(4), 589-597. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
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), que envolvem a familiarização com o tema, a geração de códigos, procura por temas, revisão dos temas e produção do relatório. Essa análise produziu quatro temas: (1) trajetórias desenvolvimentais dos zeladores; (2) para além dos passes: cuidado integral e humanizado; (3) autocuidado e implicação do sujeito no tratamento; (4) a umbanda como promotora de amadurecimento emocional. A interpretação ocorreu por meio do diálogo entre a literatura da antropologia da saúde e dos estudos etnopsicológicos brasileiros sobre a umbanda.

Resultados e Discussão

Tema 1 - Trajetórias desenvolvimentais dos zeladores

O primeiro aspecto a ser assinalado refere-se às trajetórias desenvolvimentais de constituição desses zeladores. A experiência de tornar-se um dirigente na umbanda e trabalhar diretamente com a R/E é compreendida como um evento desenvolvimental significativo, tanto representando uma mudança no ciclo de vida quanto disparando diversas outras transformações diante desse posicionamento assumido não apenas perante às entidades e à religião, mas em termos institucionais e da comunidade de referência (Scorsolini-Comin & Campos, 2017Scorsolini-Comin, F., & Campos, M. T. A. (2017). Narrativas desenvolvimentais de médiuns da umbanda à luz do modelo bioecológico. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 17(1), 364-385.).

Destaca-se a nomenclatura dos participantes como zeladores de santo, conforme anunciado na Introdução. Durante a coleta de dados, os voluntários empregaram esse termo e não pai ou mãe de santo, como popularmente são conhecidos, “[...] porque ninguém é pai de santo, não existe pai de santo, existe zelador, a gente zela, a gente zela pelo santo como a gente zela por um filho, como a gente zela por uma pessoa, a gente é zelador” (Zelador 6). Por convenção social, também se chama o chefe de terreiro de umbanda por pai ou mãe de santo e os entrevistados relataram não gostar de tal designação. Segundo eles, o termo zelador é mais adequado no cenário umbandista, destacando a preferência por esse termo também com a justificativa de suas funções dentro do terreiro e diante da comunidade, associadas ao cuidado. Assim, podemos compreender a importância dessa categoria nativa na construção dos percursos desenvolvimentais desses participantes.

Além disso, foi relatado por alguns zeladores que é necessário ter ‘missão de terreiro’, que seria uma missão dada pela espiritualidade, uma permissão para se abrir um terreiro, o que seria endossada pelos guias (espíritos da umbanda). Essa indicação seria fundamental para abertura de uma casa, como relata uma zeladora sobre médiuns de seu terreiro que fizeram um curso de formação em Teologia de Umbanda: “[...] se eles não tiverem a missão espiritual, não adianta eles abrir nenhuma casa, aí terá dificuldades” (Zeladora 8).

Não basta o médium ter conhecimentos ou formação para se tornar um zelador, é necessário ser indicado ou legitimado nessa posição, o que se daria, segundo ela, por meio do contato com a R/E. Essa missão mostra-se importante na construção identitária do zelador, que passa a seguir um caminho traçado e orientado pela R/E e pela ancestralidade, assim como narrado em estudos sobre o candomblé (Camargo et al., 2018Camargo, A. F. G., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2018). A feitura do santo: percursos desenvolvimentais de médiuns em iniciação no candomblé. Psicologia & Sociedade, 30, e189741. http://dx.doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30189741
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; Goldman, 2017Goldman, M. (2017). The ontology of possession in Bahian candomblé. Working Papers Series, 23, 1-6.).

Tema 2 - Para além dos passes: cuidado integral e humanizado

São recorrentes nos relatos dos participantes da pesquisa situações e acontecimentos que envolvem os atendimentos com os médiuns incorporados e diálogos dos próprios dirigentes com os consulentes que procuram o terreiro. Orientações ocorrem tanto por parte dos guias, por meio do transe de possessão, assim como pelos zeladores do terreiro sem estarem incorporados, quando procurados pela comunidade. Em alguns terreiros, essas orientações e aconselhamentos acontecem também fora dos horários comuns das giras durante a semana, quando alguém da comunidade busca o zelador em sua residência a fim de obter ajuda para um caso urgente, como exposto por um dirigente:

Eu não tenho uma vida social, não, lógico que eu tenho, mas, tipo assim, tô aqui, vem pra almoçar, bate no portão ‘ah, minha mãe tá passando mal’, como que você não vai lá fazer uma caridade? Uma caridade, ela não é só no barracão, já atendi gente de diversas formas, é, gente se cortando, gente brigando na rua, já busquei gente sentado na calçada (Zelador 6).

Nessa perspectiva, o ‘ser zelador’ na umbanda transcende o significado de ocupar um cargo de dirigente de um terreiro, mas é como se essa posição passasse a compor sua essência, transmutando-se em missão, constituinte de sua própria condição de sujeito. Boyer (1999Boyer, V. (1999). O pajé e o caboclo: de homem a entidade. Mana, 5(1), 29-56.) referiu-se à noção de ‘dom’ nas narrativas sobre os processos iniciáticos de adeptos umbandistas no norte do Brasil. Tal discussão sugere que não se pode estar nessa posição somente no contexto ritual ou no espaço físico do terreiro, mas a assunção desse lugar simbólico perpassa toda a sua existência.

Os zeladores são procurados em diversos momentos para orientações, incorporados ou não. E, para além dos passes dados pelas entidades, os dirigentes consideram que as orientações e o acolhimento podem fazer grande diferença para aquela pessoa que foi em busca de ajuda. Consideram que a atenção dada àquela pessoa é fundamental para seu processo de melhora, assim como os banhos de ervas, defumações e passes que ela recebe, como colocado por essa dirigente: “[...] às vezes a pessoa precisa é dum abraço, às vezes não precisa nem dum passe, ela precisa dum abraço, às vezes tem pessoas que precisam serem ouvidas, só escutar” (Zeladora 10). Sentido semelhante foi narrado por outro participante: “[...] às vezes, as pessoas precisam de alguém pra conversar, precisam de um simples abraço, né. Eu tenho pessoas que hoje frequentam aqui a nossa casa, porque quando elas chegam elas ganham um abraço” (Zelador 6).

Com esses excertos, pode-se compreender que o cuidado em saúde ofertado pelo terreiro, aqui corporificado na atuação dos zeladores, envolve não apenas uma escuta por meio das entidades incorporadas (Brant Carvalho & Bairrão, 2019Brant Carvalho, J. B., & Bairrão, J. F. M. H. (2019). Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca. Psicologia USP, 30, e180093. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
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; Macedo, 2015Macedo, A. C. (2015). Encruzilhadas da interpretação na umbanda (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.), mas uma escuta do zelador, daquele que também cuida e que representa essa instituição. O cuidado ofertado no momento da urgência também emerge como uma característica segundo os relatos, transformando o espaço do terreiro um locus de acolhimento, não apenas religioso-espiritual, mas de apoio social, amparo, afetividade e proximidade. Essas percepções também asseguram ao zelador uma posição de referência, haja vista que ele é o principal ator que recebe essas demandas, podendo oferecer diferentes encaminhamentos. Aspectos semelhantes foram pontuados no estudo de Scorsolini-Comin e Campos (2017Scorsolini-Comin, F., & Campos, M. T. A. (2017). Narrativas desenvolvimentais de médiuns da umbanda à luz do modelo bioecológico. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 17(1), 364-385.), associando o terreiro e seu zelador como um equipamento de acolhimento em saúde mental em comunidades onde esse apoio é referendado e legitimado socialmente.

Tais apontamentos convergem para a noção de integralidade em saúde, considerando os sujeitos como totalidades (Longuiniere, Yarid, & Silva, 2018Longuiniere, A. C. F., Yarid, S. D., & Silva, E. C. S. (2018). Influência da religiosidade/espiritualidade do profissional de saúde no cuidado ao paciente crítico. Revista Cuidarte, 9(1), 1961-1972. https://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v9i1.413
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). Esse atendimento integral em saúde extrapola a estrutura organizacional hierarquizada e regionalizada da assistência, no caso a do terreiro como sistema popular de saúde, com atendimentos em datas e horários específicos. Essa atenção atravessa o modo como se promove qualidade no modo de cuidar tanto do indivíduo quanto de sua coletividade, havendo compromisso com o contínuo aprendizado. O terreiro de umbanda como um equipamento popular de saúde, apesar de ter um horário fixo de funcionamento, como os serviços formais de saúde, é procurado pelas pessoas a todo o momento, inclusive fora do horário destinado aos adeptos, nas giras públicas. Assim, caracteriza-se o terreiro como um espaço de busca constante por orientações e tratamento. Em outras palavras, aproximando-nos da literatura em saúde, o terreiro funciona como espaço de cuidado integral.

Nesse sentido, os zeladores devem desenvolver no cotidiano habilidades de cuidado e acolhimento, pois podem ser abordados a qualquer momento por consulentes em busca de ajuda, como relatado pelos dirigentes. Os pedidos de ajuda versam sobre diversas problemáticas, como questões de adoecimento físico e emocional, busca por orientação espiritual, auxílio na resolução de conflitos interpessoais, de problemas com renda e emprego, entre outros, como também referido em outros estudos (Macedo, 2015Macedo, A. C. (2015). Encruzilhadas da interpretação na umbanda (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.; Montero, 1985Montero, P. (1985). Da doença à desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.; Silva & Scorsolini-Comin, 2020Silva, L. M. F., & Scorsolini-Comin, F. (2020). Na sala de espera do terreiro: uma investigação com adeptos da umbanda com queixas de adoecimento. Saúde e Sociedade, 29(1), e190378. https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190378
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). Aqui também se assinala que esses atendimentos são de ordem diversa, envolvendo tanto o diálogo como, em alguns casos, a proximidade física, como exemplificado nas falas anteriores.

Seis dos dez zeladores entrevistados possuem atividades laborais externas ao terreiro. Apenas quatro não têm trabalho formal fora do terreiro, o que não implica não terem outros compromissos fora da religião. Precisam estar preparados a todo o momento para acolher as pessoas que os procuram e, muitas vezes, eles mesmos marcam visita à casa da pessoa, ou pedem que esta vá ao terreiro em um dia específico, fora da gira. Esses encaminhamentos são realizados nos casos em que há demanda que não consiga ser atendida nos espaços e tempos formais das sessões públicas, as giras. Não foram referidos por esses participantes quaisquer encaminhamentos a serviços formais de saúde.

Os zeladores de terreiro fornecem uma forma de cuidado contínua, de ajuda e acolhimento para aquelas pessoas que estão passando por momentos difíceis, seja de saúde ou outra questão pessoal. O tratamento realizado no terreiro passa por um olhar humanizado e não mecanizado, ou seja, não é dado apenas o passe ou indicação de alguns banhos e a pessoa é liberada, mas existe uma rede de cuidado e a possibilidade de ouvir aquela pessoa, suas angústias e anseios e, somente a posteriori, ser passado algum tipo de banho ou ritual.

No terreiro, é necessário desenvolver, inicialmente, um diálogo em saúde que parte do consulente para a entidade, ou para o zelador que está ali. Esse diálogo se inicia por meio de uma queixa de saúde trazida por aquela pessoa que está em busca de ajuda. Nesse contexto, existem muitos olhares que se entrelaçam e passam a compor um dizer sobre o adoecimento: há o consulente que procura saídas e respostas e compreende de uma forma particular aquilo que ele mesmo sente; há a díade espírito-médium com suas histórias que se interpenetram e compõem uma escuta específica sobre o caso; e, por fim, há uma comunidade que o recebe, interpreta e significa esse adoecer.

Ao investigar as concepções do zelador de santo sobre esses processos (saúde e doença), o pesquisador está, de certa forma (ou indiretamente), acessando essas várias camadas de enunciados, já que todas as demandas sempre chegam a ele, sendo, portanto, o representante desse grupo que se conecta por meio da espiritualidade em comum. Esse diálogo em saúde é essencial para uma compreensão inicial do que aquela pessoa está sentindo e como esse estranhamento está sendo traduzido em palavras e sintomas, o que é relativo à sua forma de compreender os processos de saúde e adoecimento (Scalon et al., 2020Scalon, E. F., Scorsolini-Comin, F., & Macedo, A. C. (2020). A compreensão dos processos de saúde-doença em médiuns de incorporação da umbanda. Subjetividades, 20(2), e10003. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e10003
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; Silva & Scorsolini-Comin, 2020Silva, L. M. F., & Scorsolini-Comin, F. (2020). Na sala de espera do terreiro: uma investigação com adeptos da umbanda com queixas de adoecimento. Saúde e Sociedade, 29(1), e190378. https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190378
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).

Esse contato inicial e essa visão de saúde guardam aproximações com os procedimentos de triagem hospitalar, dentro de um modelo biomédico, em que são relatados os sintomas e, posteriormente, o médico os interpreta e passa uma medicação ou prescrição de tratamento (Montero, 1985Montero, P. (1985). Da doença à desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.; Silva & Scorsolini-Comin, 2020Silva, L. M. F., & Scorsolini-Comin, F. (2020). Na sala de espera do terreiro: uma investigação com adeptos da umbanda com queixas de adoecimento. Saúde e Sociedade, 29(1), e190378. https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190378
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). Outro paralelo é o do profissional enquanto aquele que detém um conhecimento específico ao qual o consulente recorre por detectar uma determinada necessidade. O zelador, no caso do terreiro, ocuparia também essa posição de mais-saber, podendo orientar, prescrever e, consequentemente, acolher.

Mas, diferentemente, no caso do terreiro, o diálogo é conduzido para além desse modelo de queixa/sintoma e medicação. A troca entre o guia e o consulente perpassa diversos setores da vida daquela pessoa, podendo abordar questões emocionais, pessoais e cotidianas que podem estar influenciando naquele estado em que se encontra.

Porque a pessoa, muitas das vezes, ela vem, ela vem em busca de uma cura [...]. A pessoa, quando ela tá doente, ela necessita de carinho, então, no terreiro ela vai receber tudo aquilo que ela necessita, porque, primeiramente, não adianta se a pessoa tomou o remédio se ela não recebeu um carinho, né, então, aqui ela vai receber, porque o primeiro remédio quando a pessoa tá doente é um abraço, é um carinho (Zelador 7).

Novamente, a noção de acolhimento emerge por meio da proximidade física, do carinho, do abraço. Essas ações podem ser consideradas humanizadoras nesse processo de cuidar. Também podemos compreender que a umbanda possui um olhar holístico (Helman, 2009Helman, C. (2009). Cultura, saúde & doença (5a ed.). Porto Alegre, SP: Artmed.) do ser humano e não apenas da doença, daquilo que lhe causa mal. A pessoa é vista em sua totalidade, procurando suprir suas necessidades físicas, emocionais e espirituais, saindo do modelo biomédico que foca apenas na doença, sua fisiopatologia e um tratamento especializado e que, muitas vezes, fragmenta o sujeito em partes que nem sempre se interligam no processo de cuidar.

As orientações e aconselhamentos dados dentro do terreiro passam por diferentes tópicos acerca de hábitos da pessoa, sobre relações sociais e familiares, trabalho, entre outras, características do setor popular de saúde (Helman, 2009Helman, C. (2009). Cultura, saúde & doença (5a ed.). Porto Alegre, SP: Artmed.). As falas feitas dentro do terreiro, seja por uma entidade ou pelo zelador desincorporado, têm um significado para a pessoa que está procurando ajuda, por ser um local sagrado e legitimado pelo consulente. A reverberação e significação de tais palavras vão para além do terreiro e perpassam o âmbito do sagrado. Para as pessoas que buscam o terreiro, o que é dito nesse espaço sagrado pode ser mais significativo. O contato direto com a entidade, por meio do médium em transe de possessão, permite um diálogo com o próprio sagrado, com a própria espiritualidade, legitimando as orientações e aconselhamentos recebidos.

Para além do espaço religioso e do contato íntimo com a espiritualidade, os guias são representações arquetípicas do povo brasileiro, o que gera maior identificação do consulente com a entidade ali incorporada (Brant Carvalho & Bairrão, 2019Brant Carvalho, J. B., & Bairrão, J. F. M. H. (2019). Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca. Psicologia USP, 30, e180093. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e180093
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; Scorsolini-Comin & Campos, 2017Scorsolini-Comin, F., & Campos, M. T. A. (2017). Narrativas desenvolvimentais de médiuns da umbanda à luz do modelo bioecológico. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 17(1), 364-385.). A fala é simples e os guias agem com humildade. Essa identificação com a entidade gera no indivíduo, ao mesmo tempo, respeito pela espiritualidade e também horizontalidade, pois se reconhece na fala daquele preto-velho ou do marinheiro que lhe dá orientações, por exemplo. Em última instância, o acolhimento por uma entidade originária do imaginário popular brasileiro promove a sensação de que suas mazelas, angústias e dores (físicas ou emocionais) são humanamente possíveis, reais e espelhadas em personagens familiares que refletem a si mesmo e a sua ancestralidade (Macedo, 2015Macedo, A. C. (2015). Encruzilhadas da interpretação na umbanda (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.).

O terreiro, além de uma função de saúde, como sistema popular (folk), tem uma função importante cultural e socialmente, remetendo o povo brasileiro à sua ancestralidade e origem, bem como oferecendo signos de identificação com a espiritualidade. Esse aspecto é contraposto por outras religiões que possuem guias que representam povos de outras regiões, europeus e de função social importante como médicos, retornando a noção de verticalidade na religião, de hierarquia. Essa horizontalidade proporciona maior inclusão de camadas populares, que podem ocupar um espaço de cuidado/cuidadores, não sendo meros receptores dentro desta religião (Lemos & Bairrão, 2013Lemos, D. T. A., & Bairrão, J. F. M. H. (2013). Doença e morte na umbanda branca: a Legião Branca Mestre Jesus. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 13, 677-703.).

Tema 3 - Autocuidado e implicação do sujeito no tratamento

Nos aconselhamentos e orientações realizados aos consulentes, os dirigentes também falam sobre o autocuidado e a percepção de si como fundamentais para a saúde e, ao mesmo tempo, o adoecimento como ausência dessa percepção de si, a falta de cuidado, como percebemos nessa definição de saúde e doença: “A saúde é você estar bem consigo mesmo, você estar bem com seu corpo, certo, mental e fisicamente. Doença, aí já é você não gostar do seu corpo, não estar bem com seu corpo, nem mental, nem fisicamente” (Zelador 5).

Essa narrativa revela a consideração da saúde como um processo de equilíbrio e o adoecimento como interveniente nesse processo, gerando o desequilíbrio, reafirmando a noção holística do cuidado prestado no terreiro e fazendo referência à própria noção de saúde-doença veiculada na umbanda (Rabelo, 1994Rabelo, M. C. M. (1994). Religião, ritual e cura. (Cap. 3, p. 47-56). Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.). Percebem-se, ainda, diversos fatores sociais como adoecedores para as pessoas, como o excesso de trabalho, a falta de tempo e o ritmo de vida cotidiano. Esses fatores, segundo os zeladores, culminariam na falta de cuidado de si, como exposto neste trecho:

O nosso mundo hoje tá fazendo todo mundo ficar doente, tudo, tudo, tudo, [...] Cê pega uma pessoa dos '90, vivia até 90 ano, cê pega agora, no máximo 65, entendeu? [...] a nossa própria alimentação, o nosso próprio desgaste, o nosso próprio egoísmo, o nosso próprio falta de amor próprio e outro mais grave de tudo, falta de fé (Zelador 6).

Embora essa fala contrarie as estatísticas biomédicas produzidas acerca da longevidade e da ampliação da expectativa de vida nos últimos anos, reflexo de diversos avanços científicos, credita ao adoecimento elementos como egoísmo, falta de fé e de amor próprio. Esses elementos estariam centralizados no sujeito e promoveriam o adoecimento. O sujeito é apresentado como uma instância importante no processo de enfrentamento de um quadro de adoecimento, podendo protagonizar, inclusive, o processo de cura. As entidades ajudariam o sujeito na realização de uma denominada ‘reforma íntima’, guiando a pessoa para que possa olhar para dentro de si e reconhecer seus comportamentos que, muitas vezes, geram adoecimento e são limitantes, como trazido por este zelador:

Autoajuda, autoconhecimento, se aceitar. Se a pessoa não quiser aceitar um tratamento, ela nunca vai ser curada, é a mesma coisa de um dependente. [...] a autoajuda em primeiro lugar de tudo, eu tenho que aceitar que eu tô doente, eu tenho que aceitar que eu tô enfermo e eu vou procurar ajuda com alguém, uma pessoa mais capacitada pra me ajudar (Zelador 6).

Dentro do exposto neste trecho, existem outras falas que corroboram o fato da aceitação do tratamento pelas pessoas que buscam o terreiro. Portanto, não se trata somente de ter fé na cura e compreendê-la como possível através da espiritualidade; para além disso, remete-se, aqui, à implicação do sujeito nesse processo de adoecer e restabelecer-se; permitir-se ser afetado (Favret-Saada, 2005Favret-Saada, J. (2005). Ser afetado (P. Siqueira, trad.). Cadernos de Campo, (13), 155-161.) pelo fenômeno religioso; corresponder aos chamados, prescrições e interpretações do outro, assumindo posições e papéis nos quais é situado ao longo desse processo; abrir-se para que os operadores daquele sistema simbólico ancorem sentidos em si mesmo. Para Bairrão (2005Bairrão, J. F. M. H. (2005). Escuta participante como procedimento de pesquisa do sagrado enunciante. Estudos de Psicologia(Natal ), 10(3), 441-446., p. 445), “[...] o fenômeno só pode mostrar-se da maneira como acontece, revela-se dialogicamente, executando os atos que são a sua natureza”.

Quando os zeladores foram questionados acerca dos casos mal-sucedidos atendidos no terreiro, foram recuperadas situações de pessoas que não aceitavam o que os guias diziam, não continuaram o tratamento previsto ou não fizeram os procedimentos e ritos pedidos pelas entidades. A implicação do sujeito no tratamento é muito importante, pois “[...] nem tudo depende de nós, nem tudo depende dos guias, nem tudo depende, aqui você vai receber orientação[...] ela não compreendeu que ela tinha, é, que fazer a parte dela” (Zelador 8).

Os zeladores exploram um conceito semelhante ao de adesão ao tratamento. Em que pesem os fatores que podem estar associados à maior ou menor adesão a um tratamento formal em saúde, no contexto narrado pelos zeladores, a adesão dependeria do próprio sujeito e do modo como ele se dispõe a cuidar de si. Outro fator diz respeito ao reconhecimento do terreiro como espaço de cuidado e das entidades como fontes de conhecimentos que podem ser empregados na busca pela saúde e pela cura. É necessário que o indivíduo passe pelo processo de legitimação do vivido no que tange à doença como uma experiência, não só individual, mas também social e cultural. Ao introjetar as falas que ocorrem dentro do terreiro, o consulente legitima aquela orientação, que passa a valer como a de um profissional de saúde, pois no seu processo de significação ela compreende que aquelas pessoas são aptas a dar tais orientações (Silva & Scorsolini-Comin, 2020Silva, L. M. F., & Scorsolini-Comin, F. (2020). Na sala de espera do terreiro: uma investigação com adeptos da umbanda com queixas de adoecimento. Saúde e Sociedade, 29(1), e190378. https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190378
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).

Nesse momento, ela passa a compreender aquele espaço não apenas como religioso, mas com uma importância no âmbito da saúde (Silva, 2007Silva, J. M. (2007). Religiões e saúde: a experiência da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde. Saúde e Sociedade, 16(2), 171-177.). Os procedimentos de saúde na umbanda vão além dos banhos e rituais que são passados pelos guias, a forma de se tratar o consulente e o acolhimento que ele recebe desde a entrada e contato com os membros do terreiro são de extrema importância para os zeladores entrevistados, assim como todo aconselhamento que recebe dos guias ou do corpo de trabalho do terreiro.

Tema 4 - A umbanda como promotora de amadurecimento emocional

Por meio dos discursos dos dirigentes, verifica-se que a umbanda proporciona crescimento interno e individual para cada membro, tendo como base o amor e a caridade. Caridade esta feita por meio da espiritualidade, sem cobrança de honorários e de forma horizontal com a comunidade (Lemos & Bairrão, 2013Lemos, D. T. A., & Bairrão, J. F. M. H. (2013). Doença e morte na umbanda branca: a Legião Branca Mestre Jesus. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 13, 677-703.). Ao pautarem seus trabalhos no amor e na caridade, esses zeladores passam a vivenciar tais ideais e a levá-los para a própria vida, além do terreiro, assim como transmitem esses aspectos para os médiuns de suas comunidades e os adeptos que as frequentam, como apresentado por um dirigente: “[...] a umbanda é um caminho de luz, de amor, de paz e é uma doutrina que ela tem a elevar o ser humano, certo, uma religião de caridade” (Zelador 5).

Existe a troca entre o médium e o guia que ele incorpora, um aprendendo com o outro. Dessa forma, haveria um processo de amadurecimento e de crescimento interno, como relata este dirigente:

A mediunidade, pra mim, particularmente, um aprendizado, eu aprender com, com guias e mentores que já estiveram aqui nessa Terra, estiveram nesse mundo, sofreram e hoje tá aqui pra ensinar a gente e ser igual eu sempre faço nas minhas orações, nos tornar uma pessoa melhor, um pai melhor, um filho melhor e carregar a bandeira, lutar, sabe, porque a espiritualidade não vem atrás da gente, Deus não te dá o dom pra você prejudicar o outro e, sim, ao contrário, pra você ajudar. Então, a mediunidade é isso, então, é um autocontrole, uma autodisciplina, entendeu, é, você provar pra outra pessoa que há capacidade, há possibilidade de ter uma vida melhor, um mundo melhor, isso, pra mim, é a mediunidade (Zelador 6).

Essa mutualidade remete-se à estrutura descrita por Godoy e Bairrão (2018Godoy, D. B. O. A., & Bairrão, J. F. M. H. (2018). Voz e alteridade: um contraponto entre psicanálise e psicologias dialógicas. Revista da SPAGESP, 19, 62-75.). O ‘dentro’ e ‘fora’ não existe quando falamos dessas posições rituais, médium e espírito, curado e curandeiro. Esse aspecto pode ser compreendido pelo fato de que ambos os posicionamentos, tanto o de médium como o de entidade, são passíveis de crescimento e aprendizado, algo que ocorreria de modo conjunto. A maturidade emocional no que tange aos médiuns também passa pelo fato de terem/expressarem a mediunidade, pois a consideram um dom divino ou uma missão que lhes foi dada para promoverem a caridade.

Também transmitem a ideia de simplicidade e de cuidado com o outro, como exposto neste trecho: “Umbanda é humildade, é você fazer o bem, cuidar do próximo” (Zelador 6), o que nos remete a um dos pressupostos da religião, que é a de justamente prestar atendimentos, geralmente gratuitos, a quem mais necessita. A humildade, narrada nesse trecho, tem por base a não verticalidade, aproximando o consulente do sagrado e aquele que cuida de quem é cuidado.

Essa proximidade também pode ser interpretada quando analisamos a relação entre o médium e a entidade por ele incorporada, pois o que é dito durante o transe de possessão pela entidade que está sendo incorporada pode ser introjetado não apenas pela pessoa que está à frente do guia (consulente), mas também pelo próprio médium. Assim, a entidade estaria aconselhando, ao mesmo tempo, o consulente que buscou por ajuda e o ‘cavalo’ onde está montado (termo usado pelas entidades para se dirigir ao médium em que está incorporado, considerado pejorativo por muitos adeptos). Para Lemos e Bairrão (2013Lemos, D. T. A., & Bairrão, J. F. M. H. (2013). Doença e morte na umbanda branca: a Legião Branca Mestre Jesus. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 13, 677-703.), na umbanda, não há cisão entre quem cura e quem é curado.

Como discutido anteriormente, os aconselhamentos podem ser vistos como terapêuticos para os consulentes, o que pode ser ampliado para os médiuns que recebem orientações durante a incorporação e por meio do contato direto com o zelador. Em outras palavras, a cura está se dando a todo o momento: quando eles estão estudando, trocando com pares, recebendo orientação dos zeladores, nos passes e aconselhamentos. Os médiuns curam nos passes e são curados. Os zeladores curam nos aconselhamentos e são curados. Os adeptos curam-se enquanto estudam e se aprimoram para curar o outro. Quando recebem o pesquisador, compartilham informações, conhecimentos, saberes. Com isso, estão cuidando, zelando, curando. E estão sendo cuidados, curados, de certa forma.

Podemos considerar, então, a evolução dentro do terreiro passando por três vias distintas, sendo elas: a dos consulentes que buscam o terreiro por aconselhamentos, dos médiuns que orientam e são orientados pelos guias e das próprias entidades que estão em evolução, como referido neste trecho: “[...] pela orientação deles (dos guias) eu acho que eles vai só evoluindo, né, cada vez, quanto mais bem eles fazem mais evolução eles têm, né” (Zelador 1). Assim, a umbanda pode ser interpretada como uma instituição promotora de amadurecimento não apenas para quem busca ajuda, mas também para quem cuida. Os zeladores, paralelamente, posicionam-se como em constante amadurecimento emocional, o que pode se dar não apenas por meio do trabalho gerencial e das orientações recebidas pela espiritualidade, mas pela posição que ocupam, oferecendo escuta, acolhimento e afetividade nesses equipamentos, reafirmando a promoção de um cuidado integral.

Frente aos temas produzidos neste estudo, pode-se considerar que o modelo de saúde que encontramos na umbanda e que foi narrado pelos zeladores é descrito por Laplantine (1986Laplantine, F. (1986). Antropologia da doença. São Paulo, SP: Martins Fontes., p. 60) como relacional ou funcional, em que existe “[...] um pensamento decididamente voltado para a história [...]” daquele que busca por orientação ou por uma cura. O adoecimento é visto como um desarranjo, por excesso ou falta de algo como, por exemplo, o excesso ou falta de fé, na espiritualidade ou em si mesmo, como trabalhado no segundo eixo temático. O autocuidado e o crescimento interno também podem ser associados ao modelo relacional, trabalhando excessos e faltas. Por fim, a metáfora descrita por Godoy e Bairrão (2018Godoy, D. B. O. A., & Bairrão, J. F. M. H. (2018). Voz e alteridade: um contraponto entre psicanálise e psicologias dialógicas. Revista da SPAGESP, 19, 62-75.) referente à estrutura moebiana pode ser empregada no sentido de que quem zela também cuida e, assim, não podemos compreender as narrativas desses zeladores de modo dissociado de suas ações de acolhimento.

Considerações finais

Por meio do diálogo entre antropologia da saúde e etnopsicologia, podemos destacar que os entrevistados, ao empregarem a categoria nativa de ‘zeladores’, subvertem um status exclusivo ou prioritário de mais-saber associado às funções gerenciais em religiões hierarquizadas, como as de matrizes africanas, aproximando-se de quem busca ajuda, em uma postura de acolhimento e de afetividade. Tais posturas reafirmam que o terreiro de umbanda possui um compromisso com a promoção de um cuidado humanizado. Esses achados fortalecem a consideração da umbanda como um sistema popular de saúde, com papel importante nas comunidades onde se faz presente.

Como limitações do estudo, destacamos a dificuldade de uniformizar as atribuições associadas aos zeladores na umbanda. Em que pese a comparação com outras religiões nas quais essas funções encontram-se mais sistematizadas, como no candomblé, essa multiplicidade faz coro às características da própria umbanda. Pelos relatos, o modo como se acolhe e se produz saúde parece preocupar seus dirigentes para além das questões institucionais ou que possam contribuir para a composição de um repertório de conhecimentos sobre a umbanda. Assim, reafirmam o compromisso com o que nomeiam como caridade e aqui, por vezes, interpretamos como cuidado em saúde.

Um movimento analítico ainda necessário é problematizar, nesses discursos, a ênfase conferida à dimensão individual, representado pela busca do autocuidado e do autoconhecimento, o que parece se aproximar das tradições espíritas kardecistas tão presentes no município onde o estudo foi realizado. Aventa-se que esses princípios sumarizados na denominada ‘reforma íntima’ possam ser partilhados na comunidade mais ampla, atravessando os discursos desses zeladores. Assim, esse peso concedido ao individual não seria característico da umbanda de modo geral, mas, possivelmente, da umbanda praticada nesse município ou nessas comunidades. Essa consideração deve ser melhor investigada em estudos vindouros.

Como contribuição do presente estudo, destaca-se a audiência dos zeladores de terreiro como importantes agentes de saúde em suas comunidades, não apenas acolhendo e triando demandas, mas também produzindo orientações em saúde. No que tange especificamente ao adoecimento psíquico, podem envolver diretrizes fundamentais em saúde mental, como o autocuidado, a percepção de si, a existência de um equipamento de referência e a possibilidade de ser atendido sem julgamentos morais e de realidade, também no momento da urgência, em um sistema que, ao invés de fragmentar, como muitas vezes observamos nos sistemas formais, integra, amplia e ressignifica.

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  • 1
    Esse artigo foi desenvolvido com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida ao primeiro autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2020
  • Aceito
    19 Fev 2022
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