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(De)colonialidade na trajetória de uma professora negra de alemão: construindo e analisando a biografia de Laís Manhães Naka

(De)coloniality in the trajectory of a black German teacher: structuring and analyzing the biography of Laís Manhães Naka

Resumo

Neste trabalho, relata-se a experiência de construção e análise da trajetória de uma professora negra - Laís Manhães Naka, baseada no entendimento de pesquisas (com) narrativas docentes enquanto modalidade de estudo-atuação decolonial no ensino de língua alemã. Portanto, o objetivo principal foi produzir e depois refletir sobre a biografia de uma trabalhadora da educação com percurso pessoal e profissional marcado pela língua alemã (e seu ensino), mas também pelas mazelas da colonialidade. Junto definimos o segundo objetivo que é apresentar e discutir outros modos de pensar o ensino de alemão que sejam menos panorâmicos, universalistas e generalizantes, tal como tem se apontado em estudos decoloniais nacionais e internacionais. Para atingir esse objetivo, elaborou-se uma instrumentação que articulou pesquisa bibliográfica, documental e principalmente, exploratória, inserindo elementos interpretativos e analíticos da área de pesquisa narrativa, colocando-a em diálogo com pesquisas que discutem decolonialidade. Os principais resultados consistiram na reconstrução (complexa) da trajetória de uma professora de alemão até então desconhecida na área de germanística, bem como na inclusão de pesquisas (com) narrativas que abrem caminhos para a articulação de diferentes temas e possibilidades de ensino, as quais poderão representar uma estratégia importante para o aprofundamento de abordagens e modos de trabalho decolonial.

Palavras-chave:
ensino de alemão; biografia docente; pesquisa narrativa

Abstract

This paper reports the experience of constructing and analyzing the trajectory of a black teacher - Laís Manhães Naka, based on the understanding of research (with) teaching narratives as a decolonial study-performance modality in German language teaching. Therefore, the main objective was to produce, and then reflect on, the biography of an education worker with a personal and professional journey marked by the German language (and its teaching), but also by the ills of coloniality. In addition, we defined a second objective: to present and discuss other ways of thinking about teaching German that are to a lesser degree panoramic, universalist and generalizing, as has been pointed out in national and international decolonial studies. To achieve this objective, instruments were developed that articulated bibliographical, documentary and, mainly, exploratory research, inserting interpretative and analytical elements from the area of narrative research and placing it in dialogue with research that discusses decoloniality. The main results consisted of the (complex) reconstruction of the trajectory of a previously unknown German teacher in the area of German Studies, and the inclusion of research (with) narratives that open up paths for the articulation of different themes and teaching possibilities, which, in turn, could represent an important strategy for deepening decolonial approaches and working modes.

Key-words:
German teaching; teacher biography; narrative research

1 Introdução

Este artigo é uma síntese de investigações em andamento sobre a história de uma professora cuja trajetória pessoal e profissional foi marcada pelo idioma alemão, com o intuito de entender melhor de que maneira é possível depreender didáticas de ensino de línguas a partir de pesquisas que envolvem construção e análise de narrativas docentes, mais conhecidas como (auto)biografias. A escolha desta trabalhadora da educação foi definida ao se constatar a baixa produção de estudos científicos que levassem em conta trajetórias de pessoas que trabalham com alemão, identificando uma lacuna no campo de estudos que envolvem esta língua, algo apontado também recentemente em Schmidt, Souza e Teno (2023SCHMIDT, Cristiane; TENO, Neide Araújo Castilho; SOUZA, Antônio Carlos Santana (orgs.). O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência. 1. ed. São Paulo: Mentes Abertas, 2023.).

A decisão de utilizarmos a narrativa desta profissional se deu pela nossa hipótese de pesquisa pela qual queríamos promover uma encruzilhada linguística para averiguar se ela nos permitiria trazer não só a experiência de uma mulher negra na docência de língua estrangeira, como também suas subjetividades no ensino-aprendizagem de língua alemã. Chegamos a essa proposta para repensar, e possivelmente melhorar, nossa prática em sala de aula, em que histórias pessoais nos pareciam como uma possibilidade de atuação decolonial no processo de ensino-aprendizagem de línguas.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é produzir, e depois refletir, sobre a trajetória pessoal e profissional de uma educadora cuja vida foi profundamente influenciada pela língua alemã e seu ensino, bem como pelas complexidades do passado e presente colonial brasileiro. Em adição, estipulamos um segundo objetivo que foi oferecer alternativas de pensar o ensino de alemão que se afastem de abordagens panorâmicas, universalistas e generalizantes, conforme destacado em estudos decoloniais nacionais e internacionais a serem citados nas linhas abaixo. Para alcançar esse propósito, desenvolvemos uma abordagem metodológica que envolveu pesquisa bibliográfica, documental e, sobretudo, exploratória. Essa metodologia incorporou elementos interpretativos e analíticos do campo de pesquisa narrativa, estabelecendo um diálogo com investigações que discutem a temática da decolonialidade, ponto aprofundado nas duas próximas seções.

Levando em consideração esses aspectos fundantes do artigo, partimos para a divisão do texto da seguinte maneira: após essa introdução, seguimos com a contextualização conceitual e biográfica inicial na qual evidenciamos as motivações, justificativas, questionamentos e objetivos; a qual nos leva ao arcabouço teórico-metodológico, importante para a análise posterior, feita em base à construção da biografia da nossa protagonista; terminando com as considerações finais nas quais relatamos os principais resultados deste trabalho e as diversas reflexões que obtivemos durante a pesquisa e, também, análise da narrativa da/sobre a Laís Manhães Naka.

2 Contextualização conceitual e biográfica inicial: tempo-espaço e Laís

Nesta seção, apresentaremos os conceitos fundantes deste artigo e da pesquisa como um todo, incluindo na segunda parte informações biográficas sobre Laís Manhães Naka, a professora protagonista deste texto, para que possamos apresentar as motivações, justificativas, objetivos e questionamentos que nos induziram a produzir um arcabouço teórico-metodológico que será apresentado em seguida. Por se tratar de uma temática que necessariamente trabalha com memória, história e esquecimento, visto que esta educadora é desconhecida na área de germanística, bem como na da educação em geral, a noção de tempo nos pareceu essencial como um início. A orientação temporal a que nos referimos e adotamos neste texto é baseada nas pesquisas sobre o tempo espiralar trazidas por Santana (2019SANTANA, Tiganá. Tradução, interações e cosmologias africanas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 39, nº esp., 65-77, 2019.) e Martins (2003MARTINS, Leda. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. Letras, n. 26, 63-81, 2003.), em que a forma espiralar que caracteriza o tempo influencia o fluxo de nossas identidades, comentado em trabalhos como o de Sampaio (2022SAMPAIO, I. H.; Matos, D. ; LANDULFO, C. . Identidades em fluxo. In: MATOS, Doris Cristina Vicente da Silva; SOUSA, Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de. (Org.). Suleando conceitos e linguagens: decolonialidades e epistemologias outras. 1ed. Campinas: Pontes Editores , 2022, v. 1, 201-206.). Entendemos tempo aqui “como uma historicidade espiralizada bantu, em que o centro originário se encontra sempre à vista, mas não se regressa carnalmente a ele” (SANTANA 2019SANTANA, Tiganá. Tradução, interações e cosmologias africanas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 39, nº esp., 65-77, 2019.: 75).

Para contextualizar mais ainda este texto, cabe dizer que a escolha de principais conceitos para a realizar a pesquisa que nos levou a produção deste artigo enveredou no território das pesquisas sobre narrativas e, igualmente, de pesquisas biográficas nas quais notamos uma abertura para este trabalho de cruzamento teórico-metodológico. Nos últimos anos, pesquisas sobre narrativas e narrativas biográficas na área das linguagens têm se intensificado no Brasil, principalmente na Linguística Aplicada, como verificamos em trabalhos como os de Ferreira (2011FERREIRA, Aparecida de Jesus; FERREIRA, Susana Aparecida. Raça/Etnia, Gênero e suas Implicações na Construção das Identidades Sociais em sala de Aula de Línguas. RevLet - Revista Virtual de Letras, v. 3, n. 2, 114-129, 2011.; 2015), Cadilhe (2020CADILHE, Alexandre José. Narrativas e reflexão epistêmica. In: GOMES JUNIOR, Ronaldo Corrêa (org). Pesquisa narrativa: histórias sobre ensinar e aprender línguas. São Paulo: Pimenta Cultural, 2020, 110-135.), dentre outros. Porém, notamos a existência de uma lacuna na área de germanística que engloba estudos referentes à língua e literatura alemã. O que tem se identificado foram pesquisas sobre processo de aprendizagem/aquisição de falantes destas línguas (UPHOFF 2007UPHOFF, Dörthe. As línguas do outro: reflexões sobre um caso de bilinguismo. Fragmentos, v. 33, 229-243, 2007. ), algumas envolvendo professoras e professores (ARENDT 2005ARENDT, Isabel Cristina. Representações de germanidade, escola e professor no Allgemeine Lehrerzeitung für Rio Grande do Sul. Tese (Doutorado em História) - UNISINOS, São Leopoldo, 2005.; RITZKAT 2000RITZKAT, Marly Gonçalves Bicalho. Preceptoras alemãs no Brasil. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, 95-134. ), porém sem se buscar um foco explícito sobre suas narrativas, sendo único exemplo disso a obra de Schmidt, Souza e Teno (2023SCHMIDT, Cristiane; TENO, Neide Araújo Castilho; SOUZA, Antônio Carlos Santana (orgs.). O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a formação na docência. 1. ed. São Paulo: Mentes Abertas, 2023.) que organizaram um livro sobre memoriais autobiográficos. Nesse contexto, não foi possível encontrar muitas (auto)biografias de professoras de alemão3 3 As que foram localizadas eram da área de pedagogia/educação e voltadas para as professoras (i)migrantes germânicas que lecionaram no Brasil em algum momento da sua história. Exemplo notável disso é a Ina Von Binzer, sobre a qual comentaremos abaixo e sobre quem valeria a pena fazer uma futura pesquisa para investigar o modo como sua narrativa docente foi recebida no Brasil, inclusive em termos da colonialidade da sua presença e atuação. , especialmente negras, que pudessem oferecer uma visão mais particular, específica da realidade de alguém que se ocupa com o ensino de língua alemã, especialmente aquelas contadas em primeira pessoa.

Assim sendo, a percepção que se manteve foi de predominância de grandes temas que envolvem o coletivo de pessoas (UPHOFF 2013UPHOFF, Dörthe. A área de alemão como língua estrangeira: desenvolvimento histórico e perspectivas atuais. Pandaemonium Germanicum., v. 16, n. 22, 219-241, 2013. ; COUTO 2012COUTO, Letícia Coroa do. Sobrevoo pela História do Ensino de Alemão-LE no Brasil. Helb, História do Ensino de Línguas no Brasil, v. 6, n. 6, jan. 2012.). Nessas pesquisas procurava-se criar uma história de ensino cuja principal preocupação não era oferecer informações mais específicas e/ou personalizadas sobre o modo como foram criadas, mantidas e recriadas didáticas docentes, especialmente aquelas que permitissem uma discussão mais aprofundada do que trabalhar com alemão pode causar na vida de pessoas, e ainda mais, dentro de uma perspectiva decolonial. Quando há menção a pessoas específicas e seus percursos pessoais e de trabalho (DREHER 2014DREHER, Martin Norberto. Wilhelm Rotermund: seu tempo, suas obras. São Leopoldo: Oikos, 2014. sobre Wilhelm Rotermund), normalmente a questão didática/educacional vem sendo refletida de maneira tangencial, até porque o principal tema não é a biografia de uma professora ou de um professor e suas experiências, e sim um conjunto amplo de uma atuação que pode, em algum momento, envolver aspectos específicos desta natureza.

Dessa maneira, o nosso segundo objetivo foi tentar apontar para novas possibilidades de olhar para o ensino da língua alemã (e sua história) que não fosse panorâmica, geral e impessoal, mas que permitisse que o enfoque fosse nas pessoas cujas trajetórias e experiências poderiam auxiliar na construção de uma nova consciência do que significa lecionar este idioma. Partimos da ideia de que é possível, e necessário, aprender, observando o modo como diferentes indivíduos lidaram com a presença de língua e cultura alemã em suas vidas; como fizeram para acioná-lo em favor do seu crescimento pessoal e profissional e como alguns ainda se propuseram a promover mudanças sociais, enquanto outros não fizeram maiores envolvimentos nesse sentido. Nesse bojo começamos a identificar abordagens que vemos serem apontadas enquanto decoloniais em pesquisas como a de Jorge e Souza (2022JORGE, A.; SOUZA, A. C. S. de. A Língua Alemã numa Comunidade Indígena Terena como emancipação linguística. Revista Interdisciplinar Sulear , [S. l.], v. 15, 12-25, 2023. Disponível em: Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/sulear/article/view/7263 (02/01/2024).
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), voltada para a reflexão do ensino de alemão enquanto língua adicional em territórios indígenas e a de Oliveira (2018OLIVEIRA, J. F. May Ayim e a tradução de poesia afrodiaspórica de língua alemã. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianopólis, 2018.) e Esteves (2022ESTEVES, C. R. Farbe Bekennen: História, Narrativas e Memória Social do Movimento Afroalemão. Revista Interdisciplinar Sulear, v. 15, n. 6, 26-39, 2023. Disponível em: Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/sulear/article/view/7269 (02/01/2024).
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) que se voltam para a discussão sobre o lugar das mulheres no movimento afroalemão e suas intersecções com gênero, raça, narrativas, sexualidade e identidade. Aqui inevitavelmente teremos que tocar no assunto de (de)colonialidade, uma vez que ela representa uma das bases epistemológicas da atuação da autora e do autor deste artigo.

São muitas as visões sobre o que seria a decolonialidade, bem como onde, por quem e quando teria sido criada/descrita, sendo (re)conhecida enquanto resultado de esforços do Grupo Modernidade/Colonialidade que representa uma rede de intelectuais sul-americanos que convergiram em torno dessa perspectiva, sobre a qual autores como Puh (2020PUH, M.. Políticas linguísticas, decolonialidade e material didático no Brasil. In: Isis Ribeiro Berger; Rosângela Redel. (Org.). Políticas de gestão do multilinguismo: práticas e debates. São Paulo: Pontes Editores, 2020, v. 1, 207-237.), Grilli (2020GRILLI, Marina. Por uma educação linguística Translíngue e Decolonial: questões para o ensino de alemão. Revista Iniciação & Formação Docente. v. 7 n. 4, 905-930, 2020.) e Roschel Nunes (2023ROSCHEL NUNES, E.C. A criatividade local na decolonialidade: entrelaçamentos e ações possíveis em meio acadêmico Letras/Alemão. Revista Interdisciplinar Sulear , [S. l.], v. 15, n.6, 57-72, 2023. Disponível em: Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/sulear/article/view/7273 (02/02/2024).
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) apresentam mais informações em português. Neste texto tomamos Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016) para delinear a decolonialidade como uma abordagem crítica que visa desmantelar as estruturas de poder coloniais e suas influências persistentes na sociedade contemporânea, sobretudo na realidade de territórios centro e sul-americanos, asiáticos e africanos que sofreram ocupações colonizatórias em suas histórias recentes. Por meio dessa perspectiva desafiam-se as narrativas eurocêntricas dominantes, visando a justiça social e a igualdade como princípios fundamentais no ensino de línguas, transcendendo o estruturalismo e o funcionalismo linguístico. Nesse contexto, é crucial considerar as relações étnico-raciais como um ponto de abordagem para entender as dinâmicas sociais, políticas e econômicas relacionadas à identidade étnica e racial das pessoas. Dentro de uma perspectiva decolonial, essas relações são examinadas criticamente para desafiar estereótipos, preconceitos e discriminações.

A discussão sobre o lugar da (de)colonialidade na área de germanística, apesar de ser relativamente recente e ainda pouco debatida, já conta com algumas pesquisas que permitem uma discussão inicial sobre a relação entre essa temática e a área de germanística como um todo. Trabalhos de Puh (2020PUH, M.. Políticas linguísticas, decolonialidade e material didático no Brasil. In: Isis Ribeiro Berger; Rosângela Redel. (Org.). Políticas de gestão do multilinguismo: práticas e debates. São Paulo: Pontes Editores, 2020, v. 1, 207-237.), Puh e Sampaio (2020PUH, M.; SAMPAIO, I. H.. Da teoria para a prática: propostas formativas interculturais e decoloniais para quem ensina(rá) línguas no Brasil. In: Cristina Figueiredo [et. al.]. (Org.). Línguas em Movimento: Estudos em Linguagem e Movimento. Salvador: EDUFBA, 2020, v. 2, 107-125.), Grilli (2020GRILLI, Marina. Por uma educação linguística Translíngue e Decolonial: questões para o ensino de alemão. Revista Iniciação & Formação Docente. v. 7 n. 4, 905-930, 2020.), Aquino e Ferreira (2022AQUINO, Marceli; FERREIRA, Mergenfel Vaz. Ensino de alemão com foco decolonial: uma discussão sobre propostas didáticas para o projeto Zeitgeist. DOMÍNIOS DE LINGU@GEM, v. 17, 1-33, 2022.), Uphoff e Arantes (2023UPHOFF, Dörthe.; ARANTES, Poliana Coeli Costa. Mudando os termos da conversa: questões decoloniais na produção de materiais didáticos para o Ensino de Alemão. Revista Interdisciplinar Sulear , v. 15, 40-56, 2023. Disponível em: Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/sulear/article/view/6594 (02/01/2024).
https://revista.uemg.br/index.php/sulear...
) e Roschel Nunes (2023ROSCHEL NUNES, E.C. A criatividade local na decolonialidade: entrelaçamentos e ações possíveis em meio acadêmico Letras/Alemão. Revista Interdisciplinar Sulear , [S. l.], v. 15, n.6, 57-72, 2023. Disponível em: Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/sulear/article/view/7273 (02/02/2024).
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) realizam discussões bem diversas sobre como a área de ensino de língua alemã foi profundamente influenciada por processos e atitudes coloniais que afetaram a formação inicial e continuada de professoras(es), a produção de material didático, metodologias e abordagens de ensino, bem como a (falta de) presença da língua alemã no ensino público, entre outros elementos. Além disso, destaca-se a escassa presença de profissionais dessa área em regiões desprovidas de comunidades germânicas ou empresas brasileiras robustas. A isso, somamos o já mencionado desconhecimento da história de indivíduos ou coletivos que desafiam essa lógica (neo)colonial, que se manifesta na negação e/ou esquecimento da presença de corpos não-brancos racializados. Isso ocorre dentro de uma lógica de branquitude que, no caso do alemão, assume formas de espaços de colonialidade germânica, conforme descrito por autoras(es) como Weiduschadt, Souza e Beiersdorf (2013WEIDUSCHADT, Patrícia; SOUZA, Marcos Teixeira; BEIERSDORF, Cássia Raquel. Afro-pomeranos: Entre a Pomerânia Lembrada e a África Esquecida. Identidade!, v. 18, n. 2, 249-263, 2013. ).

Essas produções, notáveis em termos de singularidade temporal e espacial, instigam a reflexão sobre as potenciais modificações e transformações que a existência e atuação de indivíduos e grupos marginalizados podem suscitar em um contexto mais amplo, dentro de suas comunidades e sociedades. Acreditamos que uma análise cuidadosa, fundamentada em elementos (auto)biográficos, pode proporcionar uma maior abertura para as alterações necessárias promovidas por e para as pessoas e coletivos influenciados pelo mundo germânico. Isso resultaria na construção conjunta de um entendimento derivado de experiências únicas, ao mesmo tempo passíveis de estabelecer paralelos e enfrentamentos.

Contudo, não se trata apenas de valorizar as contribuições de figuras destacadas, pois buscamos também explorar como esse tipo de pesquisa pode contribuir para a definição de políticas de memória, alinhando-se com a abordagem de Santos (2003SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória Coletiva e Teoria Social. São Paulo: Annablume, 2003.). Tais políticas são essenciais em uma perspectiva decolonial, visando divulgar e manter em destaque diversos profissionais da área de alemão. Esse enfoque permitiria a construção de uma compreensão mais local e singular do que ocorre no território brasileiro.

É assim que podemos definir a história de vida de Laís Manhães Naka, uma docente com peculiaridades pessoais que apresentaremos em seguida e que nos fizeram escolhê-la como possibilidade de aprendermos com o que ela tem a ensinar pela sua trajetória que procuramos transformar em uma espécie de biografia, a partir da realização deste estudo exploratório, descritivo e, por fim, analítico.

Laís Manhães Naka representa uma trajetória de vida notavelmente distinta daquela comumente observada no coletivo de professores de alemão no Brasil. Nascida em 1933 em Minas Gerais, em uma família de profissionais da saúde (seu pai era médico e sua mãe enfermeira), Laís era uma mulher negra que cresceu em Barretos, interior paulista, e passou períodos na Alemanha ao longo da vida, concentrando sua atuação principalmente em São Paulo e, nos últimos anos, em Salvador.

É relevante notar que Laís viveu na segunda metade do século 20 e nos primeiros anos do século atual, testemunhando as profundas transformações tanto no Brasil quanto na Alemanha, incluindo mudanças de regimes políticos, separações e unificações, e as complexidades das relações bilaterais. Sua formação como professora teve início em Barretos, onde trabalhou por 3 anos, seguido por uma fase em Fernandópolis, dedicando mais 10 anos ao ensino para filhos de trabalhadores rurais, com um forte envolvimento comunitário que ela posteriormente retomaria em Salvador. Em 1960, Laís iniciou sua formação superior em língua alemã na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em São José do Rio Preto. Entre 1965 e 1967, recebeu uma bolsa para estudar em Munique, Alemanha. Concluiu sua formação em 1970 e, no mesmo ano, realizou um estágio adicional na Alemanha antes de retornar ao Brasil e seguir a carreira de professora de alemão.

É evidente na biografia de Manhães Naka que sua trajetória foi marcada por viagens e estadias temporárias no exterior, sendo que sua presença na Alemanha se deu predominantemente para fins acadêmicos, em contraste com a ideia comum de migrações motivadas por razões econômicas. Sua escolha pela formação acadêmica desafia estereótipos associados a trabalho precário, indicando uma abordagem distinta em relação às questões de classe, raça e gênero, como sugerem autores como Carnicer e Fürstenau (2019).

Aqui ressaltamos que a importância da professora, natural do Brasil, não se deve exclusivamente à sua origem e condição pessoal ou familiar. Sua trajetória de vida foi marcada por diversas realizações e produções, muitas das quais são desconhecidas pelos públicos alemão e brasileiro, especialmente no contexto do ensino da língua alemã e de abordagens pedagógicas diferenciadas, como é o caso da pedagogia Waldorf. Após trabalhar no Instituto Goethe e na Faculdade de Letras de Taubaté a partir de 1976, Laís direcionou seu foco para a escola Waldorf Rudolf Steiner em São Paulo, onde permaneceu até seu falecimento. Posteriormente, a partir dos anos 2000, ela se envolveu no projeto Salva Dor, implementando a mesma pedagogia de forma mais contextualizada na comunidade de São Lázaro, na capital baiana. Mesmo após sua morte, o projeto perdura, mas a validação de seu trabalho nesse local e o reconhecimento por ter sido a conteudista e apresentadora do primeiro telecurso de alemão, intitulado "Guten Tag", na TV Cultura em 1970, não receberam a devida atenção e notoriedade, semelhante a outras educadoras, como a mencionada Ina Von Binzer4 4 Ina Von Binzer nasceu na Alemanha dez anos antes da unificação do país, tendo a experiência de uma mulher branca de classe média que viveu intensamente a segunda metade do século 19 quando este país estava se consolidando como nação, o que não foi diferente do que ela observou estando no Brasil entre os anos 1881 e 1884, na última década do império. Como consta na tradução da sua obra (VON BINZER 1980), morou e recebeu formação em múltiplos locais do território germânico devido à condição da família (viagens do pai, que era administrador florestal), algo que se repete no Brasil, onde passa por diversos locais de trabalho, fazendo com que as suas cartas enviadas a uma amiga apresentem impressões da cidade e do campo. Não era a primeira mulher de origem germânica a passar por essa experiência e escrever sobre ela (para mais sobre educadoras estrangeiras ver LEITE 2000 e sobre as chamadas preceptoras alemãs RITZKAT 2000), porém é uma das únicas em que encontramos dados referentes não somente a aspectos educativos ou sociais, mas também didáticos sobre o modo como se comportava enquanto professora (de línguas). .

Essa foi uma das principais razões que motivaram a escolha desta destacada educadora na área de ensino de alemão e na pedagogia Waldorf (entre outras). Isso se deve ao fato de não haver produções pessoais diretamente atribuídas a ela disponíveis para o público em geral, e as informações biográficas sobre ela são escassas, sendo notável o memorial póstumo elaborado por sua família intitulado "Memorial Laís Vasthi Manhães Naka". Diante desse cenário, empreendemos um trabalho de pesquisa exploratória, buscando dados em diversas fontes e sendo compelidos a conceber estratégias para a construção da narrativa de sua trajetória pessoal e profissional. A intenção é que esse esforço possa, no futuro, contribuir para enriquecer e aprimorar o método biográfico, tanto nas pesquisas narrativas conduzidas por professoras(es) quanto em estudos narrativos empreendidos por pesquisadoras(es) de diversas áreas.

A partir das leituras e das informações adquiridas sobre Laís, observamos seu envolvimento em uma abordagem de trabalho voltada para uma educação linguística mais alinhada ao contexto cultural local. Compreender o percurso pessoal dela implica entender suas vivências e o impacto delas em sua identidade profissional. Isso nos possibilita desenvolver estratégias em conjunto com nossas(os) colegas na luta antirracista, especialmente no contexto do ensino de línguas estrangeiras, tendo o alemão como foco (FERREIRA, 2015FERREIRA, Aparecida de Jesus. Narrativas Autobiográficas de professoras/es de línguas na universidade: Letramento Racial crítico e teoria racial crítica. In: FERREIRA, Aparecida de Jesus (org.) Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos da Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015, 127-161.). Portanto, este texto trata do que podemos compreender a partir da trajetória de Laís enquanto professora de alemão.

Por outro lado, incluímos, neste último ponto, uma reflexão adicional e questionamento acerca da escolha de focalizar a biografia individual de Laís, considerando que ela estava inserida em grupos ou coletivos mais amplos. Surge a indagação: por que optar por biografias individuais? Esse questionamento se apresentou de maneira intensa no caso de Laís, uma vez que ela provinha de uma geração na qual praticamente todos os membros de sua família atuavam na área da educação, incluindo Belquice, uma irmã que também era professora de alemão. Laís menciona sua irmã em uma declaração pública durante um evento da escola Waldorf Rudolf Steiner em São Paulo (NAKA 2018NAKA, Laís Vasthi Manhães. Fala na Formatura das turmas de 1994 da Escola Rudolf Steiner de São Paulo. (28’40”). In: Canal Paulo Risi. 22 de jan. de 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SfJjT0t43Zo (08/02/2023)
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), constituindo-se como o único momento em que tivemos acesso ao material produzido por nossa protagonista. Dito isso, acabamos trabalhando com os seguintes questionamentos: Que histórias contamos como educadoras(es) e professoras(es) de línguas? Seria cientificamente coerente excluir pessoas do processo como um todo ao produzir uma biografia específica? E qual seria a abordagem para realizar isso, mesmo que isso implique deixar de fora outros possíveis protagonistas?

Seguindo as motivações, justificativas e questionamentos, na próxima seção exploramos aspectos teórico-metodológicos que compõem um arcabouço necessário para compor, descrever, organizar e analisar a trajetória de vida, ou seja, biografia desta professora, seguindo os objetivos expostos até agora com vistas a responder os nossos dois principais questionamentos: Como nossas pesquisas podem contar histórias de possibilidades e esperança daqueles que fazem parte das nossas comunidades e sociedades?

3 Arcabouço teórico-metodológico: caminhos até Laís

Iniciamos esta seção percorrendo as possibilidades oferecidas por uma pesquisa com características específicas apresentadas até o momento. Concebemos a própria natureza da pesquisa, conforme sustentado por Demo (2000), como a elaboração de uma instrumentação teórico-metodológica essencial para a construção de conhecimento (obviamente não só biográfico). Essa instrumentação é crucial quando buscamos desenvolver uma compreensão crítica dos princípios científicos que orientam um processo investigativo, destacando o percurso realizado e abrindo caminho para outras ramificações, as quais vamos delineando ao longo do texto.

No contexto deste estudo, optamos pela abordagem qualitativa, pois almejamos construir significados, percepções, sentidos e subjetividades, conforme sugerido por Lima (2001). Esses elementos estão intrinsecamente ligados à história de vida da protagonista, buscando uma compreensão, interpretação e análise dos dados provenientes de uma coleta de narrativas presentes em diversos suportes materiais. A complexidade de trazer à luz essas narrativas e discorrer sobre os aspectos didáticos que permeiam a trajetória pessoal e profissional da protagonista nos motivou a explorar abordagens teórico-metodológicas que orientam a construção do nosso percurso.

Portanto, optamos por seguir a proposta de Gil (1999GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.), que categoriza as possibilidades de pesquisa com base em objetivos científicos e procedimentos técnicos. Buscamos nos familiarizar com a trajetória de Laís, aproximando-nos de sua história de vida e identificando e conectando diversas narrativas e materiais nos quais foi possível encontrar informações relevantes - característica de pesquisa exploratórias. Além do caráter exploratório, também consideramos as potencialidades da pesquisa descritiva e explicativa. Mesmo que de maneira ainda não completamente satisfatória, se considerarmos toda a trajetória de Laís, empenhamo-nos em descrever os dados que produzimos e proporcionar uma explicação consecutiva, fazendo uso dos conceitos que serão apresentados posteriormente.

Os métodos técnicos que nos despertaram interesse derivam de abordagens de pesquisa documental, uma vez que buscamos informações em fontes primárias, como cartas, memorial, documentários, reportagens e sítios eletrônicos, diante da ausência de fontes bio- ou bibliográficas (acadêmicas). De certa forma, caracterizamos nossa pesquisa como experimental, pois buscamos desenvolver abordagens inovadoras para integrar em uma área específica - o ensino de alemão no Brasil, que faz parte da germanística. Este domínio, até o momento, carece de estudos (auto)biográficos significativos, conforme já mencionado.

Para fundamentar melhor o nosso trabalho analítico, encontramos em Cellard (2012CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2012, 295-316.) cinco dimensões que nos ajudaram a organizar e refletir sobre material reunido: a) observação do contexto ao qual está imerso o documento; b) o autor ou os autores que o produziram; c) a autenticidade e a confiabilidade do texto produzido; d) sua natureza e seus conceitos e lógica interna.

Para aprofundar a compreensão da materialidade que estamos desenvolvendo, decidimos explorar o que a pesquisa científica tem abordado sobre narrativas (biográficas). Nesse contexto, identificamos dois tipos de pesquisas de particular interesse: aquelas referidas como "pesquisas com narrativas" e outras denominadas "pesquisas narrativas". A relevância da primeira reside no fato de que nela lidamos com histórias como dados, concentrando-nos mais diretamente em narrativas previamente produzidas, utilizando instrumentos analíticos que não são empregados diretamente em sua criação. Na segunda, a ênfase recai sobre a temporalidade que envolve experiências passadas e possíveis futuras, abordando aspectos pessoais (sentimentos, esperanças, desejos, reações), sociais (ambiente, forças e fatores subjacentes) e espaciais (contexto) nos quais a pesquisa é realizada, conforme destacado por Gomes Junior (2020GOMES JUNIOR, Ronaldo Corrêa (org). Pesquisa narrativa: histórias sobre ensinar e aprender línguas. São Paulo: Pimenta Cultural , 2020. ).

Nesse cenário, a pesquisa em si é a narrativa que se constrói para relatar histórias, analisando dados e apresentando resultados. Isso nos pareceu interessante, pois é exatamente o que estamos fazendo neste estudo, por duas razões. Primeiramente, compreendemos que toda produção acadêmica também é uma expressão do eu (mesmo que não seja explicitamente indicado), criando uma narrativa (de certa forma padronizada pelo contexto científico) que conduz ao que desejamos comunicar. Em segundo lugar, a maneira como construímos a narrativa sobre Laís Manhães Naka e como ela será apresentada neste trabalho constitui uma pesquisa narrativa específica produzida pelas motivações mencionadas anteriormente.

O trabalho com narrativas como um conceito articulador da instrumentação que construímos até agora se torna central para este trabalho, justamente porque as entendemos como um dispositivo epistêmico que permite uma reflexão profissional para a área de ensino de alemão, ainda mais porque é uma abordagem pouco desenvolvida no Brasil, como afirma Cadilhe (2020CADILHE, Alexandre José. Narrativas e reflexão epistêmica. In: GOMES JUNIOR, Ronaldo Corrêa (org). Pesquisa narrativa: histórias sobre ensinar e aprender línguas. São Paulo: Pimenta Cultural, 2020, 110-135.). O mesmo autor centra-se mais no aspecto formativo ao comentar que o uso de narrativas não é inédito no campo de formação de professores, porque os cursos de licenciaturas hoje estariam trabalhando com a produção de memoriais e relatórios, mas o que notamos, realizando uma pesquisa inicial de narrativas existentes sobre como é ensinar a língua alemã, encontramos poucas informações, cabendo uma inclusão futura de trabalho narrativo com docentes já formados, como parte de formação continuada e como tema de pesquisa dentro da área de estudos que envolve a língua alemã.

Adicionalmente, a opção por trabalhar com narratividade foi tomada ao percebermos que ofereceria condições para reunir dados e informações distintas em um discurso coerente, no qual podemos provocar e instigar a mobilização de saberes, experiências e posicionamentos para introduzir novos temas ou ressignificar os antigos. Esse posicionamento metodológico encontra respaldo em Cadilhe (2020CADILHE, Alexandre José. Narrativas e reflexão epistêmica. In: GOMES JUNIOR, Ronaldo Corrêa (org). Pesquisa narrativa: histórias sobre ensinar e aprender línguas. São Paulo: Pimenta Cultural, 2020, 110-135.). Neste ponto, destacamos a contribuição que esse arcabouço teórico-metodológico pode oferecer à construção de uma política de memória, conforme explorado por Santos (2003SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória Coletiva e Teoria Social. São Paulo: Annablume, 2003.). Essa abordagem pode ser mais consistente em colocar e manter em evidência as micro-histórias de pessoas envolvidas, promovendo um diálogo entre elas e as narrativas mais institucionalizadas sobre como se efetiva o ensino de línguas.

Consideramos que as histórias de vida de profissionais da educação ainda são subestimadas e subutilizadas como elementos fundamentais para a história do ensino de alemão, bem como uma estratégia dentro de uma atuação decolonial que não se satisfaz com os ditos universalismos e imparcialidades. Isso demanda diferenciação de estratégias institucionais e comunitárias que atuem contra práticas hegemônicas coloniais que levam ao esquecimento das trajetórias humanas (especialmente aquele de grupos minorizados em função de raça, gênero, classe, território, língua, sexualidade etc.) e o que elas nos ensinam sobre o ensino. Para fortalecer essa argumentação aproximamos Franco (2022FRANCO, Maria Amélia Santoro. Por uma didática decolonial: epistemologia e contradições. Educação e Pesquisa [online], v. 48, 1-22, 2022.: 19) que advoga a realização de um giro decolonial que traria

uma luta pedagógica de resistência por meio da pedagogia crítica, insistindo em espaços para a emergência de cada sujeito nas práticas pedagógicas, evitando sua subjugação na torrente da homogeneização e padronização de modelos e formas de ensinar e pensar; a busca de práticas pedagógicas que atuem a favor do esclarecimento, da criatividade e da convivência entre sujeitos; práticas problematizadoras que induzam à pesquisa e à investigação do cotidiano, incentivando os processos de pensamento, autonomia intelectual e de reflexão coletiva. (FRANCO 2022FRANCO, Maria Amélia Santoro. Por uma didática decolonial: epistemologia e contradições. Educação e Pesquisa [online], v. 48, 1-22, 2022.: 19)

Citando a autora, destacamos a diversidade de oportunidades para reformular a perspectiva sobre o ensino de línguas e considerar diferentes maneiras de sua realização, com implicações significativas tanto para a pesquisa quanto para a formação docente. Essa proposta se torna ainda mais intrigante ao ponderarmos o contexto racial e social ocupado por Laís e a história do ensino de língua alemã no Brasil. Ela foi profundamente influenciada pelos processos e atividades de colonização, vinculados ao projeto colonialista que visava ao embranquecimento. Isso não apenas em relação à população brasileira, com a chegada maciça de europeus, principalmente dos territórios atuais e históricos da Alemanha, mas também em termos de modos de crescimento, desenvolvimento individual, integração em coletividades e, em última instância, de ensino-aprendizagem tanto dentro quanto fora do ambiente escolar.

Neste momento, revisitamos a discussão sobre pesquisa narrativa e estudos (auto)biográficos, conforme abordado por Ferreira (2015FERREIRA, Aparecida de Jesus. Narrativas Autobiográficas de professoras/es de línguas na universidade: Letramento Racial crítico e teoria racial crítica. In: FERREIRA, Aparecida de Jesus (org.) Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos da Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015, 127-161.; 2011) em sua produção acadêmica sobre pesquisa narrativa, ressaltando que essa abordagem é intrinsecamente autobiográfica. Assim, a própria narrativa autobiográfica do autor e da autora deste texto, atuantes na área de ensino de alemão, emerge não apenas como uma autorreflexão, mas também como uma contribuição para que outras professoras(es) e alunas(os) reflitam sobre uma mudança de perspectiva em relação ao ensino de alemão, considerando as questões de raça, gênero, classe, território e faixa etária.

Conforme apontado por Ferreira (2015FERREIRA, Aparecida de Jesus. Narrativas Autobiográficas de professoras/es de línguas na universidade: Letramento Racial crítico e teoria racial crítica. In: FERREIRA, Aparecida de Jesus (org.) Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos da Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015, 127-161.), narrativas, autobiografias, contação de histórias e, em especial, a contação de histórias não-hegemônicas (counterstories), constituem elementos fundamentais da Teoria Racial Crítica. Essas ferramentas são empregadas para abordar questões de raça e racismo, sendo, portanto, essenciais no campo educacional, especialmente para aqueles dedicados ao ensino da língua em uso.

São essas questões, problemáticas e oportunidades que serão exploradas na próxima seção, aproveitando as possibilidades de realizar uma pesquisa descritiva e explicativa, mas sobretudo exploratória. Essa abordagem pode indicar futuros caminhos de aprofundamento sobre o tema, utilizando procedimentos técnicos que se concentram em uma pesquisa documental e bibliográfica, porém focando na exploração experimental de algumas possibilidades de análise. Essa análise, por sua vez, envolve o ato de tecer uma narrativa que integra a própria pesquisa e dialoga com outras narrativas levantadas. Com essa abordagem, não se esgotam as possibilidades interpretativas e analíticas das biografias de professoras de alemão em geral. O propósito é indicar caminhos a serem futuramente explorados, reavaliados ou ampliados por pesquisadoras(es), visando uma compreensão mais abrangente do trabalho com biografias e, mais especificamente, da atuação na área do ensino de alemão que se diz decolonial.

4 Biografia docente em análise: Laís por diferentes narrativas

Antes de avançarmos para a análise de parte da trajetória de vida de Laís Manhães Naka, torna-se essencial apresentar os elementos e modos que foram gradualmente incorporados no processo de sua biografização. Acreditamos que proporcionar uma maior transparência sobre como se constrói uma pesquisa (com) narrativa possibilitará um trabalho mais aberto e coerente com as categorias que foram sendo definidas ao longo de sua abordagem.

A pesquisa sobre Laís nos conduziu a uma busca por narrativas, predominantemente relatos de terceiros, dado que não encontramos nenhuma produção diretamente atribuída a ela. Embora tenha sido o primeiro elemento que nos proporcionou contato com a história de Laís, não conseguimos obter acesso ao programa "Guten Tag", um telecurso de ensino de alemão para o qual a protagonista concebeu conteúdos linguísticos e culturais específicos. Laís também atuou como apresentadora5 5 Mesmo que não tenha sido escalada para isso inicialmente, pois a intenção era contratar uma ex-miss e atriz brasileira, de ascendência germânica. neste curso, cujo diretor foi Gregório Bacic. Este último foi nosso primeiro interlocutor, informando-nos sobre a existência de Laís e de seu produto. O programa está arquivado na TV Cultura, que disponibiliza a gravação mediante pagamento de custos e autorização da família e do Instituto Goethe. Embora tenhamos solicitado e recebido cooperação dessas partes, as políticas institucionais de memória, apesar de convencionais, revelaram-se obstáculos para o acesso às fontes, mesmo que não impossíveis. O material seria fundamental para uma compreensão mais direta da didática empregada pela professora brasileira em suas aulas, bem como do impacto do suporte - um programa televisivo - no ensino de uma língua. A ausência de sucesso nesse acesso estimulou-nos a buscar informações em outros locais.

Diante desse obstáculo, persistimos na busca até encontrarmos a produção de seu sobrinho, Roberto Manhães Reis, que co-dirigiu, com Viola Scheuerer, o documentário "Nipo Brasil: o jeito japonês de ser brasileiro" em 2005NIPO BRASIL - o jeito japonês de ser brasileiro. Direção: Roberto Manhães Reis e Viola Scheuerer. Alemanha/Brasil: Digibeta. 92 min. 2005. Disponível em: Disponível em: https://www.virofilm.ch/portugu%C3%AAs/filmes/nipo-brasil/ (02/01/2024).
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. Este documentário relata a história da comunidade japonesa em São Paulo, com destaque para os Naka, a família de Joaquim Naka, esposo de Laís. No filme, Laís compartilha sua experiência, narrando como se relacionava com a família do marido. Esse relato em primeira pessoa revela, por exemplo, as estratégias didáticas empregadas por sua sogra para ensiná-la a preparar comida japonesa. Outra produção audiovisual de Roberto, o vídeo promocional "Salva Dor" (REIS & SCHEUERER 2014ASSOCIAÇÃO Educacional Salva Dor. Direção: Roberto Manhães Reis & Viola Scheuerer. Alemanha/Brasil: Imagefilm. 17min. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.virofilm.ch/portugu%C3%Aas/reportagens/ong-projeto-salva-dor/ (02/01/2024).
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), apresenta o projeto social homônimo, uma ONG em Salvador iniciada por sua filha, Fabiana. No vídeo, mais detalhes sobre Laís são revelados, destacando-se a formação de duas profissionais da educação que atuam na ONG e foram orientadas por Laís. Além disso, um vídeo registra a Formatura das turmas de 1994 da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, no qual Laís faz uma fala sobre sua irmã Belquice.

Quanto aos textos escritos, o Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”, elaborado por sua família após seu falecimento em 2010, é o documento principal. Este memorial contém diversos relatos de pessoas cujas vidas foram impactadas por Laís, além de uma breve biografia que apresenta as principais informações sobre sua vida pessoal e profissional. Outra produção escrita consiste em um ensaio elaborado por uma licencianda em alemão durante a disciplina Metodologia de Ensino de Alemão 1, ministrada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 2021. Neste ensaio, a futura professora de alemão compartilha sua experiência como aluna de Laís na escola Waldorf, abordando algumas cenas e situações marcantes. Por fim, há uma carta in memoriam datada de 2010, redigida por Delcina Hermelina dos Santos Azevedo e destinada à Sociedade Antroposófica no Brasil. Delcina participou desse coletivo devido à adoção da pedagogia Waldorf em sua prática. Nesse contexto, tentamos encontrar mais informações sobre menções a Laís nos registros de pessoas notáveis no site da sociedade, porém não obtivemos êxito.

Continuaremos esta seção explorando elementos relacionados à profissionalização docente, extraídos da trajetória de Laís. Percebemos que sua história profissional abrange momentos cruciais para a nossa análise. Conforme registrado no seu memorial póstumo (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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), Laís deu início aos estudos da língua alemã na Faculdade de Ciências e Letras em São José do Rio Preto, onde, “sob a orientação do Professor Buggenhagen, foi estimulada a desenvolver especialização em língua alemã, em Munique, Alemanha, apoiada por bolsa do Instituto Goethe, no período de 1965 a 1967” (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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: 3). Destaca-se aqui a influência de um professor que a incentivou a se especializar em alemão, recebendo uma bolsa do prestigioso Instituto Goethe na Alemanha. Além disso, em 1970, obteve apoio do consulado alemão para realizar um estágio em Munique, onde permaneceu por um ano. Após essa experiência, regressou ao Brasil e iniciou sua carreira docente em ambientes universitários e escolares. Antes de se dedicar ao ensino em instituições escolares, Laís teve a oportunidade de conceber e realizar o programa Guten Tag em 1970. Esse projeto representa uma oportunidade singular de trabalhar com materiais de ensino à distância, algo incomum para a época.

A partir de 1976, ocorre uma mudança significativa na perspectiva profissional de Laís, pois ela passa a atuar na escola Waldorf Rudolf Steiner em São Paulo, permanecendo nesse ambiente até sua aposentadoria. Sua influência vai além do impacto positivo na formação de seus alunos, revelando-se também de forma disruptiva nas práticas didáticas dessa escola, originalmente concebida para o público europeu sob a classificação de humanista/universal. Essa matriz europeia diverge das práticas tradicionais da escola, como evidenciado no ensaio de uma aluna do curso de Metodologia de Ensino de Alemão, que relata:

Há uns três dias, olhando os textos para leitura complementar da matéria, me deparei com: “Memorial Laís Manhães”. No mesmo instante, muitas lembranças adormecidas vieram à minha mente. Primeiro, claro, me lembrei dela, do seu sorriso largo, da sua força. Sempre com os óculos pendurados por uma corrente, que era colocado de lado quando recebíamos o seu abraço. Ela não era uma mulher suave, muitos tinham medo dela, eu tinha muita admiração. (ENSAIO 2021ENSAIO. Trabalho de avaliação submetido a Metodologia do Ensino de Alemão 1. São Paulo: USP, 2021.: 1)

Neste trecho, observamos que Laís se destacou pela sua postura e abordagem com os alunos. Essa presença marcante será contrastada posteriormente com o relato de outra professora, fornecendo um contraponto significativo:

Minha nova professora, diferente da dona Laís, era uma senhora alemã, já com alguma idade, que não parecia estar muito certa de suas funções e também não se esforçava muito para acalmar uma classe que já achava que sabia o suficiente, posto que falavam alemão em casa. Foi um banho de água fria! Aguentei durante um semestre, me escondendo das perguntas, não querendo falar perante tanta “sabedoria inata” dos meus colegas e consegui voltar para o “grupo fraco”, mas a dona Laís já não era mais professora. Vários professores passaram pela escola. Lembro de outra que era realmente boa e me fez lembrar da minha vontade de progredir, mas parece que aquela liberdade do falar sofreu graves consequências. (ENSAIO 2021ENSAIO. Trabalho de avaliação submetido a Metodologia do Ensino de Alemão 1. São Paulo: USP, 2021.: 2-3)

A partir deste trecho, é possível refletir sobre a abordagem didática e a relação de Laís com seus alunos, considerando a experiência da aluna com outra professora. Esta comparação destaca a singularidade da nossa protagonista como educadora. Quando se menciona uma turma que já se considerava proficiente por falar alemão em casa, e a outra professora encontrava dificuldades em lidar com eles, ao contrário de Laís, percebemos que ela conseguia manejar de forma diferenciada contextos multinível, nos quais havia alunos falantes nativos e não nativos. Isso evidencia sua habilidade em promover uma abordagem inclusiva, independente da suposta vantagem linguística que alguns alunos poderiam ter devido ao ambiente familiar que oferecia melhores condições para atender as expectativas/demandas da escola, representando para nós uma desigualdade estrutural linguística, o que entendemos como um dos aspectos coloniais no ensino de alemão no Brasil.

Apontamos para a noção de tempo espiralar (SAMPAIO 2022SAMPAIO, I. H.; Matos, D. ; LANDULFO, C. . Identidades em fluxo. In: MATOS, Doris Cristina Vicente da Silva; SOUSA, Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de. (Org.). Suleando conceitos e linguagens: decolonialidades e epistemologias outras. 1ed. Campinas: Pontes Editores , 2022, v. 1, 201-206.; SANTANA 2019SANTANA, Tiganá. Tradução, interações e cosmologias africanas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 39, nº esp., 65-77, 2019.), na qual as histórias retornam de uma forma diferente, proporcionando reflexões sobre o presente e os caminhos futuros. A história de Laís chega à universidade ao ser explicitada na disciplina de MELA e é retomada na narrativa de vida de uma aluna dessa disciplina. Simultaneamente, podemos estender essa ideia para refletir sobre a questão linguística e a relação entre aprendizagem e aquisição, ou seja, língua estrangeira e língua materna/de herança em termos educacionais e didáticos. Observamos uma transição pedagógica que ocorreu não apenas devido ao conhecimento da língua e ao acesso à educação e cultura alemãs, mas também pela inserção na escola de pedagogia waldorfiana. A biografia no início do Memorial dedicado a Laís destaca que, “assim, naturalmente, Bitu passou a adotar os preceitos da Antroposofia, como sentido de vida própria, educação das crianças e formação da família” (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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: 3). Entretanto, questionamos a suposta naturalidade dessa adoção de uma proposta educativa e didática como essa no Brasil, já que nem sempre ela foi integralmente partidária de seus preceitos, conforme relatado por um colega/amigo Ralf:

Na verdade não lembro como foi nosso primeiro contato. Sei que foi pouco depois de minha mudança para São Paulo em novembro de 1991, e em conexão com o convite que lancei no meio antroposófico para conversarmos em profundidade sobre a problemática de alguns discursos contraditórios que convivem nesse meio quanto a questões raciais. O convite foi bem mal compreendido, porém me valeu a amizade de dona Laís, que, para melhorar, em termos de São Paulo era quase vizinha. (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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: 29)

Neste ponto, podemos também relacionar a discussão racial (sobre racismo ou branquitude) que impacta essa pedagogia, uma vez que ela está inserida em propostas educativas e didáticas de escolas vinculadas às comunidades germânicas de imigração, hoje predominantemente colégios de elite no Brasil. Esse contexto é particularmente evidente na escola em que Laís trabalhou, pois ela era “já muitos anos professora de alemão numa escola frequentada majoritariamente por filhos de alemães, e entre colegas professores quase todos alemães ou descendentes" (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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: 29), conforme relatado por Ralf. Além de possivelmente enfrentar algum tipo de racialização explícita ou implícita, ou mesmo racismo, seu colega (provavelmente após ter contato com Laís) sugere a possibilidade de ela ter percebido as limitações da pedagogia waldorfiana no contexto brasileiro.

O interlocutor Ralf oferece mais detalhes baseados em sua percepção sobre como Laís enfrentava as mazelas dessa abordagem de ensino e como ela se esforçava para se (re)inventar, influenciando assim sua própria trajetória de vida:

Sei que as conversas da época chegaram a fazê-la tomar certa distância, por algum tempo, das atividades antroposóficas de que participava, como que reavaliando a relação. Algum tempo depois soube que estava fazendo algo que só posso entender como a forma que encontrou de trabalhar em conjunto as diferentes correntes culturais que confluíam em seu destino pessoal: trabalhando com crianças carentes em Salvador, levando para isso recursos adquiridos em sua experiência como professora Waldorf: o Projeto Salvador. (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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: 30)

Esse fragmento destaca como a vida pessoal gradualmente se entrelaçou com a profissional, e as culturas (de ensino) brasileiras e germânicas, em uma tensão epistemológica, foram confrontadas e tratadas em outro projeto previamente discutido. Este momento representa a última fase de seu desenvolvimento profissional, envolvendo trabalho voluntário no projeto Salva Dor durante os anos 2000, conforme detalhado na biografia no início do Memorial:

Com esforço e conhecimentos adquiridos da Antroposofia, concebeu e implantou o Projeto Salva Dor, suportado por rede de apoio de instituições da Antroposofia, do Brasil e da Alemanha, em reconhecimento ao forte caráter empreendedor da Bitu. O resultado do projeto refletiu-se na aquisição do terreno, construção do prédio da escola, recrutamento, organização e capacitação dos educadores na pedagogia Waldorf, onde deixou uma comunidade de moradores do morro integrada ao Projeto, com atividades de apoio educacional às crianças e inserção social dos familiares. (NAKA 2010NAKA, Família. Memorial “Laís Vasthi Manhães Naka”. 2010. Disponível em: Disponível em: https://dokumen.tips/documents/memorial-dona-lais.html (02/01/2024).
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: 5)

Neste contexto, muitos dos elementos do seu trabalho docente surgem ser um resultado tangível de suas convicções pessoais e profissionais. Destaca-se nessa narrativa o "caráter empreendedor", além da habilidade de negociação para a formação de uma rede de apoio. São atividades e atitudes que transcendem uma abordagem didática restrita ao ambiente da sala de aula, levando-nos a refletir sobre como é possível superar as limitações impostas por abordagens (neo)coloniais no contexto brasileiro. Informações mais detalhadas sobre esses desdobramentos são apresentadas na vídeo-reportagem “Salva Dor” de 2014, na qual sua filha Fabiana menciona:

Ela já veio para cá com setenta e tantos anos e tinha um pique muito grande de trabalho, mas a gente sabia que as professoras, que o projeto tinha que se tornar autossuficiente, elas teriam que conseguir carregar sozinho. E isso foi um trabalho muito importante que minha mãe fez com as professoras de colocar elas lá na frente. Eu me lembro que nas festas ela falava: não, hoje você que vai apresentar, que vai falar, conduzir. Quem vai escrever o projeto vai ser tal pessoa, e assim ela foi dando, digamos assim, ela foi ajudando para que elas conseguissem trabalhar sozinhas. (REIS & SCHEUERER 2014ASSOCIAÇÃO Educacional Salva Dor. Direção: Roberto Manhães Reis & Viola Scheuerer. Alemanha/Brasil: Imagefilm. 17min. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.virofilm.ch/portugu%C3%Aas/reportagens/ong-projeto-salva-dor/ (02/01/2024).
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: 10’15’’ - 10’50’’)

Neste segmento da entrevista de Fabiana, podemos acompanhar a última fase formativa da carreira de Laís, envolvendo um trabalho que, mais uma vez, teve dimensões educacionais, pessoais e profissionais amplas. Este não se limitou apenas à formação sobre como ensinar ou educar em sala de aula, mas abrangeu também habilidades necessárias para conduzir um projeto social, exigindo um tipo diferente de atuação voltado para o aprender-ensinar em sentido organizacional, entre outras necessidades. Em um momento subsequente, um depoimento de uma das professoras que naquele momento atuavam no projeto aborda o processo de transição didática promovido por Laís com as futuras protagonistas do legado que ela deixaria, tanto em relação ao projeto quanto à sua formação:

Difícil tá porque, a gente tinha a dona Laís que ela, o centro aqui, mas é uma coisa que não esqueço nunca, uma vez quando a gente fazia a nossa reunião onde a gente, dia de sexta, que toda sexta tinha reunião. E ela ensinava para gente tudo, tudo era ensinado por ela, então é uma coisa que ela dizia assim, eu nunca me esqueço dessa palavra, nem eu e nem a minha colega aqui. Ela sempre dizia: agora sim, agora acertei, agora sei que essas meninas não vão deixar esse projeto descer. E isso para mim ficou, porque eu, além de ser professora do maternal, ainda tenho a questão, ainda tenho a responsabilidade com o bazar...a gente tem que tocar para frente esse bazar, porque ela deixou essa missão para a gente e a gente não vai poder deixar essa missão cair. (REIS & SCHEUERER 2014ASSOCIAÇÃO Educacional Salva Dor. Direção: Roberto Manhães Reis & Viola Scheuerer. Alemanha/Brasil: Imagefilm. 17min. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.virofilm.ch/portugu%C3%Aas/reportagens/ong-projeto-salva-dor/ (02/01/2024).
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: 11’00’’ - 11’59’’)

Laís também incentivou a autonomia e autossuficiência das futuras protagonistas do projeto, destacando esses aspectos como pontos positivos para atrair investidores da Alemanha, para os quais o vídeo estava sendo produzido. Isso é significativo para nós, pois evidencia a preocupação dela com a sustentabilidade de um projeto que inicialmente não contava com apoio institucional do Estado brasileiro. Além disso, revela como Laís conseguiu acumular capital social e cultural, juntamente com habilidades de argumentação e negociação, para manter um projeto com financiamento proveniente da Alemanha, contando também com o suporte de familiares que possuíam conhecimentos em produção audiovisual. Esse cenário reflete uma realidade vivenciada por muitas professoras, que, ao longo de suas carreiras, buscam apoios ou ter suas trajetórias registradas para posteridade.

É intrigante observar que, mesmo após um percurso extenso e rico em atividades e atuações, uma mulher que alcançou um certo status e sucesso profissional não recebeu a devida atenção na geração de memória em relação ao seu trabalho e legado, tanto como educadora da vertente antroposófica quanto como professora de alemão. Essa constatação foi evidenciada ao analisarmos o site da Sociedade Antroposófica no Brasil, onde encontramos uma seção intitulada "Biografias de pessoas de destaque na antroposofia no Brasil". Na introdução desta seção, consta o seguinte: “Esta seção contém biografias de antropósofos que se destacaram não só no movimento antroposófico no Brasil, mas cujas contribuições também tiveram um real impacto no país”. A trajetória de Laís atende a ambos os requisitos, pois, como destacamos em vários momentos, estudos mais aprofundados podem evidenciar ainda mais como sua contribuição se deu pela renovação do movimento antroposófico no Brasil e pelo impacto na sociedade brasileira em diversos locais que mencionamos. Laís recebeu um reconhecimento mais expressivo apenas após seu falecimento, quando foi publicado o mencionado "In memoriam" de Delcina Hermelina dos Santos Azevedo na revista da Sociedade Antroposófica no Brasil em 2010AZEVEDO, Delcina Hermelina dos Santos. In memoriam - Lais Manhães. São Paulo: Sociedade Antroposófica no Brasil, 2010. . A relação entre antroposofia e ensino de alemão fica mais evidente nesse texto quando a autora menciona que: “Em 1976, Bitu entrou para a Escola Waldorf Rudolf Steiner de corpo e alma, como tudo que ela abraçava na vida. Não só passou a ser professora de alemão como aprendeu antroposofia para a vida...” (p. 1), o que indica a possibilidade de agregar à atividade de docência em alemão outros conhecimentos capazes de transformar os rumos da carreira, uma temática pouco discutida em formações docentes e pesquisas sobre o ensino desta língua.

O único momento em que conseguimos observar diretamente uma fala de Laís, mesmo que, novamente, não fosse sobre ela mesma, ocorreu durante a formatura das turmas de 1994 da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo. Laís foi convidada para discursar para a turma, representando sua irmã Belquice, que era a paraninfa, mas que veio a falecer antes do encerramento do ano letivo. Nesse momento, surgem questões de identidade (e não só) que, ao nosso ver, possuem também um aspecto formativo antirracista e decolonial implícito:

Metade deste grupo teve como participante ativo de suas vidas uma mulher negra. Todos conheceram outros negros nesta jornada, o fato é normal, embora incomum aqui no Brasil. Por quê? Perguntem, indaguem, a resposta pode ser um indício de que as pessoas não estão fadadas por causa de suas características raciais, a desempenhar papéis marcados na sociedade e nem da religião, e nem pela escolaridade ou pela posição social, mas isso ocorre. Por quê? Perguntem, indaguem, aceita-se hoje a teoria de que o sentimento imposto ao amor não é o ódio, mas é a indiferença. Eu posso dizer a vocês, o seguinte: Não sejam indiferentes. Tomem posições, ajam e com amor! Boa sorte, parabéns, obrigada! (REIS & SCHEUERER 2014ASSOCIAÇÃO Educacional Salva Dor. Direção: Roberto Manhães Reis & Viola Scheuerer. Alemanha/Brasil: Imagefilm. 17min. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.virofilm.ch/portugu%C3%Aas/reportagens/ong-projeto-salva-dor/ (02/01/2024).
https://www.virofilm.ch/portugu%C3%Aas/r...
: 34’54” - 35'40'')

Muito do significado das palavras de Laís está incorporado no rico contexto sócio-histórico que sustenta aquele momento específico da vida dela e da irmã Belquice naquela escola. Mesmo representando Belquice durante o discurso na formatura, Laís aproveita a oportunidade para destacar que ambas, ela e a irmã, estavam naquele espaço como mulheres negras. No seu discurso, ela faz um apelo de consciência às formandas e formandos, provocando para que não sejam indiferentes à questão racial. Embora Laís e Belquice não tenham recebido, em sua formação acadêmica, um Letramento Racial Crítico, percebe-se na fala de Laís uma afirmação de sua identidade social, que também possui uma dimensão racial, ao posicionar-se sobre o lugar dela e de Belquice naquele ambiente escolar. Ferreira (2011FERREIRA, Aparecida de Jesus; FERREIRA, Susana Aparecida. Raça/Etnia, Gênero e suas Implicações na Construção das Identidades Sociais em sala de Aula de Línguas. RevLet - Revista Virtual de Letras, v. 3, n. 2, 114-129, 2011.) conceitua identidades sociais como aquelas que se constroem a partir da perspectiva da sociedade sobre o indivíduo. Quando essa perspectiva é estereotipada, resulta em estigmatização nos espaços institucionais e nas relações sociais. Portanto, a marcação feita por Laís em seu discurso é significativa para as alunas e alunos, pois compreender as questões de identidade em um ambiente de ensino de língua estrangeira contribui para definir que tipo de sujeito está se expressando nessa língua. Seja no discurso oral ou escrito, ambos presentes naquela língua, essas expressões podem ter um impacto determinante para a aluna e o aluno, enquanto sujeitos atuantes naquele idioma. Diante disso, Laís instiga as alunas e os alunos daquela turma a não serem indiferentes às diferenças que constituem cada indivíduo, uma estratégia decolonial importante na luta contra o universalismo e objetivismo na educação, produzidos no contexto colonial brasileiro.

Por fim, é relevante mencionar que no material consultado foram identificados diversos elementos intertextuais, com narrativas que incorporam vozes de outras pessoas. Essa característica é considerada constitutiva de qualquer história de vida humana. No "In memoriam", encontramos o lema de Laís: "Não posso esperar que algo mude, especialmente lá fora na vida social, se eu não me puser em movimento." Esse lema, na verdade, pertencia a Rudolf Steiner, ao qual foi acrescentado outro de natureza religiosa: "Tu que reinas acima das alturas, fazei-nos dignos de receber com devoção tudo aquilo que a terra nos dá." Não é possível confirmar se essas expressões eram utilizadas pela própria professora, mas foram apresentadas em sequência com o provável propósito de transmitir ao leitor parte do ideário de Laís. Essa estratégia se revela como uma abordagem válida e significativa para manter viva a memória de uma pessoa dentro do contexto coletivo e institucional relacionado ao ensino de alemão e à antroposofia. Incorporar elementos da narrativa pessoal e profissional, citados e destacados nas narrativas de outras pessoas, contribui para evitar o esquecimento e preservar a importância de Laís nesses contextos.

5 Considerações finais: O que a procura por Laís nos deu

Neste trabalho, relatamos a construção da trajetória de vida de uma professora de alemão negra que nos possibilitou traçar reflexões sobre ensino de alemão no Brasil dentro da temática decolonial. Nosso principal objetivo foi, justamente, produzir, e depois refletir sobre um estudo biográfico centrado na construção da biografia de Laís Manhães Naka. Esse movimento duplo envolveu a criação de uma proposta para pesquisa documental, fundamentada na abordagem de pesquisa (com) narrativa, e a sugestão de futuras investigações experimentais e exploratórias, buscando outras narrativas de professoras e professores de alemão que não fossem generalistas, panorâmicas e universalistas, como preconizam abordagens decoloniais.

Nesta seção conclusiva, apresentamos nossas considerações finais, buscando estimular discussões futuras e, idealmente, inspirar estudos e pesquisas subsequentes. A complexidade da trajetória pessoal e profissional de Laís tornou-se evidente ao ressaltarmos seu percurso de profissionalização e desenvolvimento como educadora. Identificamos diversos momentos nos quais Laís passou por mudanças significativas em sua trajetória, provocadas também pelo seu modo de se inserir e atuar no mundo. Diante desse contexto, as pesquisas (com) narrativas emergiram como uma abordagem interessante para compreensão de uma história de vida que pode ajudar tornar mais abrangente e diversificada a história do ensino de alemão no Brasil. Além disso, enxergamos oportunidades para redefinir as possibilidades de relação entre esse tipo de pesquisa e a área de germanística, aprofundando a exploração de temas como (de)colonialidade, (anti)racismo e branquitude, mesmo considerando que sua presença e menção muitas vezes são indiretas e implícitas, sujeitas a ambiguidades.

Por isso, em segundo lugar, temos que comentar o modo como Laís procurava ativamente modificar o seu modo de estar e atuar no mundo, e com isso, as suas perspectivas profissionais, mudando-se de instituições e lugares para outros nos quais a sua atuação e trajetória ganhava/fazia outro sentido. Chamamos isso de deslocamento educacional - um processo que nos parece bastante comum e que é pouco explorado em estudos sobre biografias, menos ainda se pensarmos que abordagens decoloniais propõem também algum tipo de giro/movimento. Esta professora viu o seu caminho ser interpelado por diversos aspectos identitários (de gênero, raça, classe, língua, cultura), os quais fomos destacando e analisando em narrativas que foram produzidas por e principalmente, sobre ela. Estudar, portanto, as narrativas não prescritas (ditas institucionais, oficiais, científicas) pelas quais queremos aprender algo sobre como ensinar ou aprender ou mesmo ser no mundo, envolve uma articulação de diferentes materialidades, e em especial, interlocutores com ou contras os quais construímos as nossas trajetórias. O trabalho de fazer essa conexão e interpretação/análise se mostra como uma atividade interessante para que seja compreendida a amplitude de atuação que a docência envolve epistemológica, organizacional e ideologicamente.

Mais um tema que delineamos, mesmo que de maneira mais pontual, foram as políticas de memória institucionais e comunitárias para as quais definimos maior e menor intencionalidade e efeito, pois, no caso de Laís, elas dependiam em grande medida da sua família ou das pessoas de suas comunidades (da escola, da ONG etc.), tendo um efeito limitado para que a memória ativa se expandisse para além do seu círculo mais imediato. O mais interessante foi a diversidade de materiais e narrativas que foram necessários contemplar para que pudéssemos fazer uma abordagem inicial, isto é, uma biografização da sua história de vida.

Sendo assim, acreditamos que a pesquisa nos permitiu obter alguns resultados interessantes, tais como: socializar uma (re)construção de uma narrativa (ainda) não existente; produzir instrumentação analítica e interpretativa no intuito de tentar expandir as possibilidades de interlocução de diferentes trajetórias pessoais e profissionais e oferecendo uma discussão sobre alguns dos temas mais latentes na história de uma professora escolhida para este estudo. Estes temas são: formação (anti)racista, (de)colonialidade e identidade docente, os quais ainda não foram suficientemente abordados não só na área do ensino de alemão, mas na educação como um todo. Portanto, este texto é um convite para ampliarmos estas discussões e propormos estratégias para viabilizarmos a introdução das temáticas aqui discutidas no ensino-aprendizagem de língua alemã.

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  • 3
    As que foram localizadas eram da área de pedagogia/educação e voltadas para as professoras (i)migrantes germânicas que lecionaram no Brasil em algum momento da sua história. Exemplo notável disso é a Ina Von Binzer, sobre a qual comentaremos abaixo e sobre quem valeria a pena fazer uma futura pesquisa para investigar o modo como sua narrativa docente foi recebida no Brasil, inclusive em termos da colonialidade da sua presença e atuação.
  • 4
    Ina Von Binzer nasceu na Alemanha dez anos antes da unificação do país, tendo a experiência de uma mulher branca de classe média que viveu intensamente a segunda metade do século 19 quando este país estava se consolidando como nação, o que não foi diferente do que ela observou estando no Brasil entre os anos 1881 e 1884, na última década do império. Como consta na tradução da sua obra (VON BINZER 1980), morou e recebeu formação em múltiplos locais do território germânico devido à condição da família (viagens do pai, que era administrador florestal), algo que se repete no Brasil, onde passa por diversos locais de trabalho, fazendo com que as suas cartas enviadas a uma amiga apresentem impressões da cidade e do campo. Não era a primeira mulher de origem germânica a passar por essa experiência e escrever sobre ela (para mais sobre educadoras estrangeiras ver LEITE 2000LEITE, Míriam Lifchitz Moreira. Mulheres viajantes do século XIX. Cadernos Pagu, Campinas/UNICAMP, v. 15, n.15, 129-143, 2000. e sobre as chamadas preceptoras alemãs RITZKAT 2000RITZKAT, Marly Gonçalves Bicalho. Preceptoras alemãs no Brasil. In: LOPES, Eliana Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, 95-134. ), porém é uma das únicas em que encontramos dados referentes não somente a aspectos educativos ou sociais, mas também didáticos sobre o modo como se comportava enquanto professora (de línguas).
  • 5
    Mesmo que não tenha sido escalada para isso inicialmente, pois a intenção era contratar uma ex-miss e atriz brasileira, de ascendência germânica.
Editora: Erica Schlude Wels

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2024
  • Aceito
    20 Fev 2024
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