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Tawada Yoko além da exofonia

Tawada Yoko beyond exophony

Resumo

O trabalho parte do pressuposto segundo o qual há uma paralaxe, dentro da fortuna crítica tawadiana selecionada, em alguns termos específicos, como a exofonia e a desconstrução. Relendo, dentro dos próprios argumentos selecionados, certa ideia de origem para ambos, parte-se de nomes da teoria pós-colonial, como Homi K. Bhabha e Gayatri C. Spivak, assim como da desconstrução em Jacques Derrida, para reinterpretar tal conceito e entender, dessa forma, como os termos aplicados têm como consequência a manutenção, não a superação, da diferença cultural. Nesse cenário, apresentam-se alguns trechos de Tawada Yōko, em ambas as línguas nas quais a autora escreve, para sugerirmos outros caminhos interpretativos que continuam mantendo os termos da fortuna crítica, mas tendo em mente aquilo a ser construído como aporético ao longo da argumentação.

Palavras-chave:
Tawada Yōko; pós-colonialismo; desconstrução; exofonia

Abstract

The paper is based on the assumption that there is a parallax, within a selected Tawadian critical tradition, with regard to some terms, such as exophony and deconstruction. Rereading, within those selected arguments, a certain concept of origin for both, the paper relies on names from post-colonial theory, such as Homi K. Bhabha and Gayatri C. Spivak, as well as from deconstruction, such as Jacques Derrida, to reinterpret this concept and to understand, in this format, how such applied terms rely on the consequence of maintaining, and not overcoming, cultural difference. In this scenario, the paper presents some excerpts from Tawada Yōko, in both languages in which the author writes, to suggest other interpretative paths that continue to maintain the terms from the critical tradition, but keeping in mind that which will be constructed as aporetic throughout the argument.

Key-words:
Tawada Yōko; postcolonialism; deconstruction; exophony

1 Desconstrução não é destruição

Gostaria de ensaiar, em tom de introdução e, de certa forma, já apontando as perspectivas a possivelmente serem tensionadas e utilizadas neste texto, que a própria vontade de escrever em torno da exofonia tawadiana nasce como resposta à interessantíssima, e instigante, proposta formulada pelo dossiê da Pandaemonium, destacando a seguinte passagem:2 2 Gostaria de agradecer os pareceres anônimos, em esquema duplo-cego, pelos comentários e pelas perguntas que, todavia, continuo na dúvida se consegui, da melhor forma possível, incorporar ao texto, assim como também pelo acolhimento da Pandaemonium. De certa maneira, as perguntas e os questionamentos se, ainda não totalmente respondidos, seguirão comigo em pesquisas futuras.

A fim de relacionar novas vozes identitárias e demandas, o presente número pretende acolher quaisquer pesquisas de viés problematizador e propositivo. Serão muito bem-vindas produções que abordem aspectos como ensino crítico, antirracista e feminista, orientados por perspectivas decoloniais, étnico-raciais e de gênero, além de novos olhares que tragam tensões entre-culturas ou até mesmo “transculturais”.

Creio ser possível encontrar, mediante algumas problemáticas de pesquisa em torno das obras de Tawada Yōko, muitas respostas às próprias proposições, provocações e chamadas para revisitações dos paradigmas de ensino e pesquisa, quando estamos falando de literatura, da instituição em si, assim como de certezas que vão, ao longo do tempo, cristalizando-se e, enquanto permitem movimentos de acumulação de diálogos e formação de futuros (ou seja, da continuidade do campo), excluem também outras formas possíveis de se olhar para os mesmos objetos, por serem tensionadas, a partir de dicotomias, algo que possivelmente estaria nem mesmo sendo visto, a partir da formação do campo em si.

O que tento dizer com isso, de certa forma, é também a necessidade, a partir da própria chamada, de ver na riqueza da obra de Tawada Yōko, japonesa radicada na Alemanha, por vontade própria, há mais de vinte anos, possibilidades epistêmicas, ontológicas e de alteridade que, todavia, ainda não se encontram desenvolvidas plenamente na academia e no ensino, mesmo quando nos deparamos com objetos literários que poderiam instigar certas cristalizações discursivas a não assumirem tal característica. Dialogarei, nesse texto, com alguns dos pressupostos recentes postulados em pesquisas em torno da autora, sem buscar dinamitá-los, como se neles só existissem erros, mas sim perceber, juntamente do que entendo ser um funcionamento da desconstrução (DERRIDA 2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. Campinas: Perspectiva, 2013.), certos deslizamentos argumentativos que fazem com que zonas cinzentas sejam tomadas como pontos dicotômicos e certeiros, resolvendo, a partir da argumentação crítica, contaminações entre polos opostos que só podem ser separados com algo aquém e além da própria questão estabelecida pelas análises.

O ponto principal deste movimento inicial será um olhar, de certa forma, um pouco mais atento, aos pontos levantados por certa fortuna em torno da exofonia, conceito até mesmo explorado pela própria autora como forma de definição de sua obra (TAWADA 2016TAWADA, Yōko. エクソフォニー. 母語の外へ出る旅. Tóquio: Iwanami Shoten, 2016.). Em uma perspectiva que tensiona o dentro e o fora, o nativo e o alienígena, a produção de Tawada chama a atenção por se encontrar como produto de todas essas significações que são anteriores a ela. Afinal, as nações por onde a autora já passou não surgiram no seu ano de nascimento, as questões de amor à língua como nacionalismo prescindem de sua existência e vida no Japão e na Alemanha e, todavia, são também tensionadas a partir da construção de novas possibilidades de criação literária, quando vemos alguém escrever tanto em japonês, quanto em alemão, sendo reconhecida como autora nessas línguas e instaurando, portanto, uma questão - onde, afinal, "encaixar" a autora?

É necessária tal questão? Seria tal ponto de problemática algo existente fora da ciência da Literatura? O que significa retornar à categoria surgida a partir desse problema, ou seja, o que significa retomar as discussões da exofonia como um problema dessa crítica literária que precisa lidar com uma autora não nativa escrevendo em outra língua e sendo laureada por sua produção? Como, por fim, a própria aparente solução encontrada cria, na verdade, outro problema? E o que seria, exatamente, tal problema em torno das soluções encontradas a partir da crítica exofônica de/a partir de Tawada Yōko? Seguiremos por esses caminhos para tentar entender o que fazer, e de qual outro modo tentar entender-fazer e entender a produção da autora - mesmo se isso significar, de certa maneira, tensionar e problematizar até mesmo o que aparece como formulação laudatória inquestionável: a opinião e a formulação crítico-teórica de Tawada em torno de tal conceito (TAWADA 2016TAWADA, Yōko. エクソフォニー. 母語の外へ出る旅. Tóquio: Iwanami Shoten, 2016.).

Entendida como base estruturante e chave argumentativa tawadiana de sua literatura e seu posicionamento crítico sobre o próprio fazer literário, a exofonia pode ser entendida enquanto fenômeno no qual alguém, metaforicamente, habita uma língua outra sem ser a sua, materna; como destaca Yamade (2020YAMADE, Yuko. The Role of Translation in Yoko Tawada’s Exophonic and Intercultural Writings. 明治大学国際日本学部, 103-116, 2020.: 104):

“Exophony” is one of the concepts developed after the upsurge of postcolonialism. In the 1990s, quite a few concepts appeared to explain the various conditions of postcolonialism. Among them, “Exophony” was a concept focusing on the relationship between the mother tongue and migration.3 3 Em tradução nossa: “'Exofonia' é um dos conceitos desenvolvidos após o surgimento do pós-colonialismo. Na década de 1990, surgiram alguns conceitos para explicar as diversas condições do pós-colonialismo. Entre eles, 'Exofonia' era um conceito centrado na relação entre a língua materna e a migração.” A todos os títulos e textos que tiverem sido traduzidos por outras pessoas, deixarei evidente nas marcações das referências tais nomes; quando, todavia, realizar alguma mudança em traduções alheias, será também fornecido o original consultado na língua de partida.

Desde o próprio título da obra tawadiana que abre portas para se ler os textos da autora dessa maneira (Exofonia: uma viagem para fora da língua materna (TAWADA 2016TAWADA, Yōko. エクソフォニー. 母語の外へ出る旅. Tóquio: Iwanami Shoten, 2016.), tradução livre do título), os limites entre o fora e o dentro, o nativo e o alienígena, podem ser ferramentas propulsoras de diversas formas de se olhar não só a produção da autora, mas o poder e a forma fincada em certo imaginário que deixa de ver a própria consequência do surgimento da exofonia como parte de um plano de fundo maior, cujos prolegômenos exigem um retorno ao nativo, ao alienígena, ao dentro e ao fora, para percebemos que, de certa forma, continuamos nesse paradigma. Além disso, se, ao tentarmos elaborar uma outra leitura dessa aplicação, poderíamos pensar, por fim, se continuaria sendo de fácil justaposição a obra tawadiana ao conceito de exofonia, ou se as justificativas trariam outros tantos problemas a precisarem de matização.

Se, de certa maneira, “Tawada entende o uso das línguas estrangeiras como meio tanto de interação diária como de criação artística, de modo que apenas é possível escrever fora da língua materna, em constante e inevitável produção literária exofônica” (NEUMANN; DAUDT 2019NEUMANN, Gerson R.; DAUDT, Mariana I. “Eu Sou Uma Língua”: a exofonia na literatura de Yoko Tawada. Cadernos do IL, n. 58, 46-59, 2019.: 53) e que

como outros escritores com histórico de migração, contribui para o desenvolvimento de uma literatura com características multiculturais e repleta de reflexões sobre conceitos como espaço, língua e pertencimento, temáticas intimamente relacionadas com os estudos de língua e literatura (NEUMANN; DAUDT 2019NEUMANN, Gerson R.; DAUDT, Mariana I. “Eu Sou Uma Língua”: a exofonia na literatura de Yoko Tawada. Cadernos do IL, n. 58, 46-59, 2019.: 58).

Uma espécie de prática desconstrutora tawadiana a partir da exofonia parece ser mantida como laudada pela crítica (ou até mesmo descrita e interpretada como tal e garantida como permanência), na qual “Tawada’s deconstruction highlights her predilection for wordplay, irony, and humor, among other techniques, which ensure a constant going in and out of a linguistic area that cannot but recall the very act of translation” (ROUSSEL 2020ROUSSEL, Flora. Nomadic Subjectivities: Reflections on Exophonic Strategies in Yoko Tawada’s Schwager in Bordeaux. Humanities Bulletin, v. 3, n. 1, 161-178, 2020.: 164).4 4 Em tradução nossa: “A desconstrução tawadiana evidencia uma predileção pelo jogo de palavras, pela ironia e pelo humor, entre outras técnicas, a garantirem entrada e saída constantes de uma área linguística que não pode deixar de recordar o próprio ato de tradução”.

Isso, no entanto, pode causar um estranhamento a partir das próprias perguntas que Roussel deixa para seu texto e, de certa forma, responde de outra maneira a parecer negar a abertura que professa. As perguntas são: “Hence, if languages cannot contain an identity, how does an author exist and what do they* permit by creating something quite concrete in this vagueness? What position can they* take while detaching themselves* from language?” (ROUSSEL 2020ROUSSEL, Flora. Nomadic Subjectivities: Reflections on Exophonic Strategies in Yoko Tawada’s Schwager in Bordeaux. Humanities Bulletin, v. 3, n. 1, 161-178, 2020.: 164).5 5 Em tradução nossa: “Logo, se as línguas não podem conter uma identidade, como é possível existir um autor e o que é permitido pela categoria ao se criar algo bastante concreto nesta imprecisão? Que posição eles* podem assumir enquanto se distanciam da linguagem?” O uso de linguagem neutra no texto de Roussel (they*) foi adaptado aqui como nas traduções recentes de Spivak (2022): tachando a marcação masculina como universalizada e neutra. Sendo que, nas respostas, é possível ver:

[n]ot quite an opposition, but rather a continuity in Tawada’s practice of exophony, this ambivalence should be considered as a means to illustrate the constant translation with which characters deal. [...] Control, as synonymous with conventions, does not exist (anymore). Rematerialization responds to deconstruction, the aim of which is to reconstruct language weirdly, strangely. (ROUSSEL 2020ROUSSEL, Flora. Nomadic Subjectivities: Reflections on Exophonic Strategies in Yoko Tawada’s Schwager in Bordeaux. Humanities Bulletin, v. 3, n. 1, 161-178, 2020.: 170)6 6 Em tradução nossa: “[n]ão exatamente uma oposição, mas uma continuidade na prática da exofonia tawadiana, esta ambivalência deve ser considerada como um meio de ilustrar a tradução constante com a qual os personagens lidam. [...] Controle, como sinônimo de convenção, não existe mais. A rematerialização responde à desconstrução, cujo objetivo é reconstruir a linguagem de maneira estranha, esquisita”. A dicotomia criada entre desconstrução e reconstrução, como se ali existisse um antônimo, é o que buscaremos questionar aqui, enquanto seguimos no raciocínio da fortuna escolhida para diálogo.

Seguindo a estranheza causada pelos termos, podemos notar que se estabelece de antemão um caminho pelo qual, todavia, ainda não se sabe, antes da crítica, onde se deveria chegar, cujo pressuposto, ao tentar ser provado, desemboca em uma certeza da natureza da desconstrução. Como se, em uma espécie de reconstrução transparente do que vem a poder ser a consciência crítica de Tawada Yōko, vê-se que: “a partir da desconstrução dos textos, é possível reinterpretar e ressignificar os elementos fundamentais do conhecimento [...]” e que “ela também não tem a capacidade de representar uma nação e, assim, oferecer-se como lar a alguém” (DAUDT; CUNHA; BUSS 2018DAUDT, Mariana I.; CUNHA, A. dos S.; BUSS, M. C. Exofonia do hóspede: poemas de Tawada Yôko. Remate de Males, v. 38, n. 2, 791-826, 2018.: 799), inferindo que a “escrita de Tawada desconstrói expectativas com relação aos paradigmas culturais tradicionais e leva o leitor a reconfigurar imagens e palavras por meio de processos contínuos de sugestões e transformações.” (DAUDT; CUNHA; BUSS 2018DAUDT, Mariana I.; CUNHA, A. dos S.; BUSS, M. C. Exofonia do hóspede: poemas de Tawada Yôko. Remate de Males, v. 38, n. 2, 791-826, 2018.: 805). Assim, o que se parece oferecer como laudo de certeza é, ao mesmo tempo, uma espécie de antinomia entre desconstrução e reconstrução, como se, ao lidarmos com um texto a, de uma forma ou de outra, simbolizar a migração e o encontro com a diferença cultural, fosse possível ler como certo uma espécie de movimento antitético a, no fim, desembocar em um lugar misto, fluído, sem hostilidade ao diferente, pressupondo ali o fim da diferença cultural. Seguiremos tentando testar a hipótese, de modo a demonstrar o contrário.

Tais perspectivas parecem se valer de um prolegômeno "dentro/fora", "descrição/prescrição", significantes em antinomia, como aqui: “[d]iferente da etnologia, que busca entender uma cultura/etnia a partir de suas características, a etnologia fictícia de Tawada busca a não compreensão, a criação de um outsider, onde o olhar japonês ou estrangeiro é uma estratégia ficcional” (ABREU 2017ABREU, Lúcia C. de. Sonatas em neve: traduzindo a escrita exofônica de Yôko Tawada. Dissertação (Mestrado em Letras)- Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.: 47),7 7 Há de se perguntar, também, se há etnologia sem ficção, sem ficcionalização da realidade ali observada por alguém que seja um outsider, na literatura ou no outro campo do conhecimento. Esse que, inclusive, aparentemente, entra em uma composição dicotômica com a literatura, como se ela fosse a institucionalização da mentira, da dúvida da natureza do real, e a etnologia, mero instrumento de tradução, via alguém que não é visto como um outsider da realidade ali observada. desembocando, por exemplo, em um sentido no qual

Wright,8 8 O texto citado pelos autores é Wright, Chantal. “Exophony and literary translation: What it means for the translator when a writer adopts a new language”. Target 22.1 (2010): 22-39. que afirma ter sido influenciada pela “analytique négative” de Berman e também pelos relatos de Ashcroft, Griffiths e Tiffin sobre as estratégias de apropriação encontradas em textos pós-coloniais, para criar suas premissas a respeito da tradução de textos exofônicos escritos em língua alemã, afirma que seus apontamentos são meramente descritivos, buscando oferecer reflexões que possam ser úteis para o trabalho de outros tradutores. (SANTOS; NEUMANN 2021SANTOS, Marina de O.; NEUMANN, Gerson R. Traduzindo o sotaque de Tawada. Cadernos de Tradução, v. 41, n. 3, 112-131, 2021. : 122)

Essas sequências citadas parecem sugerir um movimento que depende, de certa forma, de um laudo obtido pela crítica em algo a já estar “disponível” no original:9 9 Defende-se, no entanto, que tal movimento não está presente no original, a menos que se lembre do feito até então: estamos lendo textos críticos, analíticos, ou seja, há um movimento a se naturalizar a partir da pressuposição da criação de um argumento a ser provado quando se toma algo como "natural", "prescrito" (i.e., a impossibilidade, quiçá, do dissenso), sendo necessário, talvez, o movimento reiterante de nos relembrarmos de que é nesta esfera (a crítica) que estamos. descrição, olhar do outsider e estranhamento parecem ser etapas descritas a depender de um eixo conclusivo que permita, a partir dessa movimentação argumentativa, chegar em um ponto no qual se elogie a superação da diferença cultural a partir do próprio estranhamento primeiro, como se o diferente, aquele a chegar na casa nova, a metrópole cosmopolita colonial, não chegasse ali a partir de um próprio movimento que depende da, e é caracterizado pela, história da colonização, apagada na sugestão de o ali observado ser uma mera "descrição" (i.e., sugestão sem crítica/teoria), dos fatos. Se, em um primeiro momento, essa interação entre diferentes projetos críticos pode parecer um exercício livre-associativo, gostaria, a partir de agora, de tentar reforçar os aspectos comuns de certa cristalização do que passa a ser a passagem da ideia “originária” da exofonia para o que se torna o projeto enquanto crítica, até certo ponto, consolidada a partir da diferença cultural entre a colônia e o colonizado, em exercícios de subalternização que transportam para uma espécie de palimpsesto da história da diferença na Europa a recepção do conceito em obras tawadianas.10 10 Reforço, também, a intenção de testarmos os limites da aplicabilidade sem levarmos em consideração, de certa forma, que Tawada não é uma migrante pós-colonial, sendo necessário balizar as pontes de contato entre sua obra e a maneira com a qual a fortuna crítica, rapidamente, salta da "origem" da exofonia e passa a utilizar o conceito para pensar a obra tawadiana.

O movimento que busco apresentar aqui, da entrada de Yamade (2020YAMADE, Yuko. The Role of Translation in Yoko Tawada’s Exophonic and Intercultural Writings. 明治大学国際日本学部, 103-116, 2020.) até a reflexão adaptada de Wright (2010WRIGHT, Chantal. Exophony and literary translation: what it means for the translator when a writer adopts a new language. Target, v. 22, n. 1, 22-39, 2010.), é uma espécie de naturalização do movimento da história como sintetização de tensões a partir da diferença, com a entrada do relato possível de sujeitos subalternizados com o fim da colonização que, quando adaptados a contextos de países colonizadores, parece reforçar a possibilidade da própria subsunção do que gera o conceito de antemão: a colonização em si, a diferença entre o fora e o dentro, o nativo e o alienígena e, a partir da exofonia entendida em termos que não os “originais”, vista como uma sugestão de superação a partir do próprio abandono da diferença que, no entanto, gera mais diferença e apagamento das questões a serem possivelmente colocadas em contraposição.

Tento, a seguir, repensar certa diferença a não ser questionada, quando aplicamos a ideia da exofonia fora de seu contexto, ou seja, quando enxergamos certa paralaxe na possibilidade de permanecermos pensando o subalterno pós-colonial/exofônico e o que creio ser outro caso, o de Tawada Yōko. Insistir na diferença é tentar entender, assim, qual é o giro realizado na aplicação da exofonia na produção tawadiana sem que se leve em consideração o fato de não estarmos falando de um processo pós-colonial e se, assim, há diferença entre a subalternidade pós-colonial e a exofônica, ainda que o segundo derive do primeiro, como em Yamade (2020YAMADE, Yuko. The Role of Translation in Yoko Tawada’s Exophonic and Intercultural Writings. 明治大学国際日本学部, 103-116, 2020.). Gostaria de retornar, então, à teoria pós-colonial para, posteriormente, pensarmos o subalterno exofônico e sua relação com a obra de Tawada, assim como as consequências do apagamento a partir da paralaxe analítica ao considerarmos, sem restrição, a aplicação do conceito.

Colocados não em contraposição, mas em um espaço de indeterminação e, ao mesmo tempo, determinação mútua, é a partir da noção de hibridização e terceiro espaço que Homi K. Bhabha busca entender as relações profundas do evento, e do efeito, da colonização em O local da cultura (2013). Diferentemente de uma ideia na qual o subalternizado colonial é uma espécie de tabula rasa a ser determinado pela violência do exercício da colonização, aceitando tudo aquilo a vir de fora como uma via de mão única, é pela desestabilização dessa certeza construída pelos olhos de quem domina que Bhabha tenta reelaborar a escrita da nação, da tradução e da agência pelas interpretações psicanalíticas, por exemplo, de Franz Fanon na construção da psique em situações de dominação e subalternização pela colonização.

Olhar para a produção de espaços, psiques, línguas e nações como um resultado de uma determinação mútua entre colonizador e colonizado não desestabiliza somente a ideia de um subalterno vazio de significação e agência política pré-colonização, mas também coloca em suspeição a própria ideia segundo a qual o colonizador é o mesmo antes, durante e depois de tal evento. Assim, revisitando argumentos, documentos e momentos nos quais se observa certo embate entre os dois polos, Bhabha caminha para a elaboração de uma teoria que chega, por fim, a sugerir a desestabilização do conhecimento elaborado pelo colonizador para que se reconheça, por exemplo, que esse aparato de dominação, a buscar manter o colonizado na situação de subalternização, também depende de uma interpretação que infere, no polo da criação identitária do colonizador, desejos, por exemplo, de serem entendidos como a quem não é necessário sugerir questionamentos, ou colocar em questão tudo aquilo a ser sempre descrito como natural, óbvio, construído pela passagem do tempo como o movimento esperado de uma civilização “superior”.

Assim, ao sugerir que importa questionar não só o que vem a partir do encontro com a diferença, como posterior ao evento da colonização, ou mesmo após a libertação/tempo pós-colonial, observamos, em determinado momento, quando o autor se dedica a tentar tensionar a possibilidade de imaginar uma homogeneidade prévia a qualquer questionamento “recente”, que:

temporalidades feministas e pós-coloniais nos forçam a repensar a relação entre o tempo do significado e o signo da história no interior destas linguagens, políticas ou literárias, que designam o povo “como um”. Elas nos desafiam a pensar a questão da comunidade e da comunidade sem o momento de transcendência: como compreender tais formas de contradição social? (BHABHA 2013BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila; Eliana L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013. : 249; destaques próprios)

Pensar tal contexto, tendo em mente o cenário no qual se localiza a movimentação aqui feita em torno da fortuna tawadiana, tenta considerar se é possível, de certa forma, deixar de questionar o que está sendo essencializado durante a construção da narrativa da superação da diferença, em um exercício elogioso da literatura como a instituição na qual tudo se dissolveria ou transformaria, a quem ali se encontra, em uma espécie de um-sem-um, uma comunidade além da própria ideia do que é ser um povo, uma nação, com sua diferença (e como se chegou até lá). Mais adiante:

[n]a metáfora da comunidade nacional como “muitos-como-um”, o um é agora não apenas a tendência de totalizar o social em um tempo homogêneo e vazio, mas também a repetição daquele sinal de subtração na origem, o menos-que-um que intervém com uma temporalidade metonímica, iterativa. (Bhabha 2013BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila; Eliana L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013. : 251; destaques próprios)

Termino com mais uma citação do autor, antes de amarrarmos tais ideias, segundo a qual

[é] através da sintaxe do esquecer - ou do ser obrigado a esquecer - que a identificação problemática de um povo nacional se torna visível. O sujeito nacional é produzido naquele lugar onde o plebiscito diário - o número unitário - circula na grande narrativa da vontade. Entretanto, a equivalência entre vontade e plebiscito, a identidade da parte e do todo, passado e presente, é atravessada pela “obrigação de esquecer”, ou esquecer para lembrar. (BHABHA 2013BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila; Eliana L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013. : 259)

A diferença cultural, assim, é também uma sucessão de mecanismos distributivos de práticas designatórias de “uma forma de contradição ou antagonismo social que tem que ser negociado em vez de ser negado” (BHABHA 2013BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila; Eliana L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013. : 261; grifos nossos). Ao reforçarem, muitas vezes partindo de certo cenário nas obras tawadianas nos quais a diferença linguística está imposta e é parte da reflexão da própria construção do texto, que algo aquém e além da diferença parece ser superado (i.e., negado), a partir de seus próprios limites tensionados, utilizando-se do conceito da exofonia como parte da justificativa desse próprio movimento de superação, o que fica de fora, aquém do palimpsesto da historiografia, é a acomodação de um conceito específico, a língua materna sendo deixada de lado (i.e., a negociação de que fala Bhabha), a partir do contexto da migração, como imposição de um cenário pós-colonial, para um certo tipo de migração que não depende da condição de migrantes de ex-colônias para outras partes do mundo (como é a de Tawada).

A questão aqui não é, de fato, uma tentativa de barrar a possibilidade de pensarmos a aplicabilidade do conceito exofônico às obras tawadianas. Ao contrário, a possibilidade latente até mesmo de vermos as palavras da própria autora com certa empolgação em se sentir, de alguma maneira, entendida por aquilo que ali se vê (TAWADA 2016TAWADA, Yōko. エクソフォニー. 母語の外へ出る旅. Tóquio: Iwanami Shoten, 2016.), abre portas possíveis para que trabalhemos não na superação da diferença, mas sim com ela, a partir dela, dentro dela, dado que o paradigma a moldar tal conceito, em si, não desaparece: as nações, as línguas, os diferentes preconceitos e dificuldades, para o migrante, continuam existindo. O que parece ser revelado, assim, é que a diferença, a partir do momento no qual age como tal, produz mais diferença, mesmo quando se sugere uma tentativa de superação por algo ainda não existente, mas já anunciado ali enquanto materialidade (o texto literário, assim como o crítico, produzido).

Sugerir, portanto, que há diferença na migração, por exemplo, de Tawada para a Alemanha, assim como o próprio aprendizado da língua e a produção, com posterior laureamento, quando comparados com migrantes de ex-colônias alemãs, ou de outros países europeus, que encontram em tal lugar algum tipo de acolhimento, aprendendo a língua e ali produzindo suas obras, não significa qualquer possibilidade de mascaramento ou menosprezo pela produção da primeira em detrimento do segundo, ou qualquer campeonato e malabarismo de dor. O sugerido, no entanto, é que, ao observarmos, como já citado, a existência de certa forma elogiosa de superação da diferença na obra tawadiana, o que não se nota é o próprio surgimento da diferença como anterior à categorização, por exemplo, da nação como uma só, da língua materna cujos falantes simbolizariam um tipo monolítico de informante nativo.11 11 Para críticas à formulação e invenção do informante nativo como condição da colonização e manutenção da diferença pós-colonial, ver Spivak (2022).

Tal mecanismo de pensamento, para voltarmos a algo anterior à exofonia como ponto de partida, torna necessário o raciocínio no qual, de certa maneira, o elogio da ideia derivada da exofonia esconde algo gerador da própria possibilidade de se estar pensando as consequências do falar/habitar uma língua a não ser considerada "sua". Digo de outra maneira: não é a chegada do migrante pós-colonial o fenômeno a fazer com que, a partir dali, seja possível questionar tudo a ser feito após a chegada do hóspede, questionando as regras de inclusão ou exclusão impostas pelo hospedeiro. A ideia segundo a qual a nação, de certa forma, passa a ser revista a partir de tal fenômeno exofônico, chegando mesmo à conclusão possível na qual as produções depois de tal encontro com a diferença deixam de ter qualquer espécie de morada fixa/dêitica, parece implicar na ideia de que, antes da chegada do migrante, antes do informante não-nativo, tudo aquilo possível era somente uma única forma de entendimento nacional, nativo, de dentro, sem que se considerasse, por exemplo, que o de dentro só é assim exposto e definido porque há, também, ao mesmo tempo, alguém a permanecer de fora, foracluído (BHABHA 2013BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila; Eliana L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013. ; DERRIDA 2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. Campinas: Perspectiva, 2013.; SPIVAK 2022SPIVAK, Gayatri C. Crítica da razão pós-colonial: por uma história do presente fugidio. Tradução de Lucas Carpinelli. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2022. ). De outra forma, só parece ser possível transportar um conceito possuidor de localidade (i.e., a exofonia como consequência da colonização), para um contexto de migração como também exofônico (o caso de Tawada), caso se parta da própria sintaxe do esquecimento e do apagamento como mencionados por Bhabha: o cálculo, no entanto, continua dependendo da chance de que, nesse movimento, o palimpsesto ali formado exclua exatamente aquele a se definir pela utilização da língua estrangeira como violência epistêmica, i.e., o subalterno colonial/exofônico.

Dado, então, que a língua e o entendimento de certo pensamento ocidental, sistema no qual a Alemanha está incluída, passa pelo mecanismo organizacional como manutenção da diferença, dentro da metafísica da presença (DERRIDA 2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. Campinas: Perspectiva, 2013.), a exofonia não seria um capítulo disruptivo dessa história, a ainda ser continuadamente escrita, que quebrasse os paradigmas sustentadores de suas próprias molduras (o dentro e o fora, o nativo e o alienígena, a nação, etc.), dado que esses seguem se baseando em mecanismos históricos também fundados pela produção da diferença, mesmo se isso significar produzir seu próprio esquecimento, como já dito em Bhabha e, por exemplo, reforçando através de Derrida:

A escrita, meio mnemotécnico, suprimindo a boa memória, a memória espontânea, significa o esquecimento. É bem precisamente isso que dizia Platão em Fedro, comparando a escrita à fala como a hypomnesis à mneme, o auxiliar lembrete à memória viva. Esquecimento porque mediação e saída fora de si do logos. Sem a escritura, este permaneceria em si. A escritura é a dissimulação da presença natural, primeira e imediata do sentido à alma no logos. Sua violência sobrevém à alma como inconsciência. Assim, desconstruir essa tradição não consistirá em invertê-la, em inocentar a escritura. Antes, em mostrar por que a violência da escritura não sobrevém a uma linguagem inocente. Há uma violência originária da escritura porque a linguagem é primeiramente, num sentido que se desvelará progressivamente, escrita. A "usurpação" começou desde sempre. O sentido do bom direito aparece num efeito mitológico de retorno. (DERRIDA 2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. Campinas: Perspectiva, 2013.: 45; grifos nossos)

A desconstrução aqui entra em cena por ser constantemente citada na fortuna escolhida, mesmo se entendida, talvez, como algo aquém do próprio projeto como estabelecido, por exemplo, por Derrida na Gramatologia e adiante. E se é de insistência argumentativa pensar a partir de Derrida e de seus escritos, para tentarmos entender o que acontece após o momento no qual se insere a desconstrução na argumentação, mesmo sem a citação de algo "derridiano", não é meramente por teimosia, mas sim pela possibilidade de vermos o uso da palavra já em certa paralaxe teórica, cujas consequências são, talvez, a própria base da confusão instalada como algo maior.

Nas citações, "desconstrução" parece ser algo muito próximo de um projeto de destruição, desmantelamento de certezas a estarem atreladas a um momento anterior de crítica, pensamento e postura intelectual, para posterior ilustração e reconstrução de algo outro. Ou seja, que a desconstrução tawadiana já venha sendo estabelecida, desse modo, como práxis, parece insistir em uma tentativa de projeto crítico a vincular um termo já também mais uma vez em paralaxe e palimpsesto, tal qual a exofonia. Voltar à "origem", assim, não é talvez irrelevante, ainda que para a desconstrução em si tal conceito seja, minimamente, problemático.

No entanto, se aqui já se movimenta alguma seleção da obra derridiana, a já passar dos mais de setenta títulos publicados em francês e traduzidos, em pouca dimensão, para o português, é também para se possibilitar a chance de olhar esse movimento de translado dos conceitos e abandono de sua materialidade como algo já previsto no movimento descrito pelos próprios conceitos abordados (a desconstrução, a exofonia), sendo tal ponto de chegada mais uma dobra dentro dos rastros da metafísica da presença ocidental. E isso, ainda que talvez não seja muito tarde na argumentação, não é revelatório da obra tawadiana em si, mas sim de como certos pontos se operam dentro da crítica literária, sendo legitimados por essa instância, passando a se reproduzir sem fomentação de dissenso.

Assim, de certa forma, se a exofonia tawadiana passa a ser entendida como uma prática desconstrutora e desestabilizadora de lugares, instituições e pertencimento, o notável é, através da paralaxe e entendimento de que a desconstrução em si é uma prática destrutora, o que surge como correlato já como uma sugestão de reconstrução via crítica, a ser sempre vista e laudada por si mesma, de algo que se mantém no mesmo paradigma. Nação, língua, pertencimento e hospitalidade continuam sendo vistas dentro do próprio paradigma que, em determinado momento, teriam sido retiradas ou desestabilizadas, para serem realocadas em outro, sendo dependente e derivado do mesmo problema apontado por aquilo que parecia destruir. Dessa forma, o contato com o diferente parece pressupor, na argumentação, que a mesma pode ser subsumida pela realocação da entrada do outro, nesse mundo já existente, sem que o mesmo de fato seja questionado em seus pressupostos anteriores.

Essa espécie de sequestro da discussão do prolegômeno é o que faz, em uma perspectiva de literatura comparada, o primeiro polo da comparação ser entendido como o detentor da possibilidade de se manter o mesmo, ainda que se defenda a não estabilidade do mesmo após a "destruição" do paradigma. A proposta de tradução, por exemplo, de Wright (2010WRIGHT, Chantal. Exophony and literary translation: what it means for the translator when a writer adopts a new language. Target, v. 22, n. 1, 22-39, 2010.) para sua sugestão como meramente descritiva já impele à própria caracterização do campo como tal (ateórico, prático), assim como as consequências de tal discurso permaneceriam, de certa forma, não questionáveis: a interrupção do que se observa como manuseio, torção teórica, vendo no intelectual a ali estar sugerindo algo como descritivo uma parceria muito próxima a certo ritmo natural da vida, como se a natureza, também, não houvesse sido criada a partir de um outro binômio, a civilização, a cultura (DERRIDA 2014DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Tradução de Maria B. M. N. da Silva, Pedro L. Lopes e Pérola de Carvalho. Campinas: Perspectiva , 2014.).

Ao sugerir que há conhecimento descritivo, imagina-se a própria proposição do observado, ou seja, o fenômeno ali entendido como literatura, tradução e existência exofônicas, como uma espécie de próximo passo do desmantelamento das fronteiras nacionais, algo posterior, por exemplo, a qualquer outro exemplo de cosmopolitismo enraizado na ideia de nação. Sucessão, desmantelamento pelo encontro com a diferença, no entanto, continuam traduzindo certa história do mundo como a história do mesmo, vendo, na Europa, a tradução de certo apagamento da violência colonial, por exemplo, como o crescimento de uma civilização a seguir se aperfeiçoando, em detrimento da responsabilização por aquilo a ser deixado do lado de fora do arquivo (DERRIDA 1991DERRIDA, Jacques. Mitologia branca. Margens da Filosofia. Tradução de Joaquim T. Costa e Antônio M. Magalhães. Campinas: Papirus, 1991. ), além, também, da equalização entre qualquer migração derivada da colonização e outras possíveis, a partir do momento no qual as fronteiras do mundo parecem dissolvidas, em uma espécie de superação da diferença, que, no entanto, como se reitera aqui, parecem mais libertas a depender de onde e quem é, de fato, o migrante.12 12 Nesse sentido, mais uma vez, parece ser reiterado e reforçado o movimento da violência como apagamento nos cenários em que o aprendizado da língua estrangeira, nesse caso, o alemão, se dá como imposição de fora, pela colonização versus o aprendizado para migração e morada na casa alheia, como parece ser o caso de Tawada. E que, ainda, como veremos, nos textos da autora se mostre a manutenção da diferença, não o apagamento, o aparentemente possível a partir disso não é a equalização de Tawada à exofonia do subalterno, mas sim uma espécie de "outra coisa", a depender da maneira como a mesma é lida e vista pelo "informante nativo" da metrópole. Chegaremos neste ponto.

Assim, ao se chegar em um certo estado no qual a própria criação da diferença cultural é entendida como artificial, em uma espécie de etnografia do outsider, que estaria sendo somente "descrita", parece ser pressuposta a existência de, seja no presente, no passado, ou no futuro, um mundo a não ser descrito pela diferença, exatamente em um cenário no qual o sistema de pensamento é definido pela diferença. E que a escolha, de certa maneira, para exemplificação de uma espécie de superação da diferença pelo jogo confuso da tradução, assim como a consequente artificialidade da ideia de língua nativa, se dê pela entrada do informante exofônico de uma parte do mundo a já ser considerada quase algo além do próprio Outro, ou seja, uma espécie de Mesmo quase transformado em fantoche/token modelo da conexão Ásia-Europa (SPIVAK 2008SPIVAK, Gayatri C. Other Asias. Nova Jersey: Wiley-Blackwell, 2008. ), subsume o aprendizado de uma língua outra, i.e., o alemão, em condições nas quais tal fato se dá como violência epistêmica (DERRIDA 2017DERRIDA, Jacques. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Tradução de Fernanda Bernardo. Belo Horizonte: Chão da Feira, 2017.). Impede-se assim, também, o contraponto a possibilitar o próprio questionamento de ideias como etnografia não-artificial, descrição não propositiva e superação da diferença.

Para outras leituras possíveis, no entanto, dessa própria ideia, partamos para alguns exemplos literários de Tawada Yōko, em alemão e japonês, já também em perspectiva comparada, a tentar desembocar em uma outra leitura de potencialidade para a própria exofonia em literatura comparada.

2 Trens que nunca se atrasam, casas que se habitam

Alguns trechos de Polícia da língua e poliglotas jogadores (2021) podem começar a engrossar certo caldo argumentativo no qual a diferença, assim como a manutenção dela, após o encontro com o informante não-nativo, aparece exposta, como em "Às margens do Spree":

No caminho entre os trens de longa distância e os trens urbanos, um policial aproximou-se de mim e perguntou se eu levava minha carteira no bolso lateral da mochila. Ele prosseguiu com o trabalho de esclarecimento a turistas ingênuos que são vítimas fáceis de batedores de carteira. "Eu não sou turista, também não tenho carteira no meu bolso! Deixe-me em paz!" Policiais sempre têm boas intenções, isso me deixa impaciente. "Eu não sou uma turista, eu sou uma…" Porém eu não sabia como completar a frase. Quem tem passaporte americano é americano, mas quem tem passaporte europeu não é necessariamente europeu. Uma pessoa que nasce europeia ou outra coisa. Não se torna europeu depois de nascido em outro lugar. Por isso, nunca dei entrada em um pedido de passaporte europeu. O que faço, então, com o policial que quer me proteger de ser roubada? "Eu não sou turista, eu moro aqui. Como se chamam as pessoas que moram na Europa?", perguntei. "Eu não sei. Imigrantes?" ele retrucou confuso. (TAWADA 2021TAWADA, Yōko. Polícia da língua e poliglotas jogadores. Tradução de Gerson R. Neumann; Cláudia F. Pavan e Marianna I. Daudt. Porto Alegre: Class, 2021.: 13)

A sensação de estarrecimento de quem narra o conto começa ao se pressupor, como o policial faz, que há certo conhecimento inerente (quiçá, natural?) a ser introjetado na ciência do nativo e precisar, necessariamente, de intromissão externa para quem quer que seja lido como excluído dessa mesma lógica. O pertencimento, de certa forma, parece residir na própria imaginação social estereotipada de que, se estamos na Alemanha, existiriam, de fato, alemães-alemães (nativos) e turistas/imigrantes (uma maçaroca indefinida de outros).

O problema, no entanto, já começa exatamente nessa segregação binária; portanto, compliquemos a situação. Imaginar a separação direta entre nativos e turistas/imigrantes pode gerar como correlata a chance de ver a própria Alemanha como também determinante de alemães-não-alemães (não nativos) e alemães-não-tão-alemães, ou, em paráfrase, nativos que, por toda e qualquer razão, possam não ter qualquer semblante parecido com o um do qual Bhabha já alertava para o cálculo da representação nacional.

Dessa forma, e talvez somente dessa, realmente não seria surpreendente imaginar que a Alemanha seria, de fato, um país de imigrantes; fora isso, acompanhar o próprio raciocínio no qual quem é europeu parece ser de nenhum lugar, ao mesmo tempo, só parece corroborar com o raciocínio de que, nessas terras, só existiriam imigrantes. Assim, se a terra na qual a Alemanha está inserida só possui (i)migrantes, como é possível determinar quem é o nativo? Ademais, como é possível indicar superação da natividade se, mais uma vez, não há nativo? É realmente possível sugerir que a "desconstrução tawadiana" destrói e reconstrói uma artificialidade a partir de uma perspectiva outsider se o que observamos é a não possibilidade de uma determinação do que é o fora e o dentro por quem, em teoria, representa a própria segregação, i.e., a força que aplica a lei?

Poucas linhas abaixo, outra cena de estranhamento acontece:

O S-Bahn com destino a Friedrichstraße chegou pontualmente. "Aqui, os trens sempre chegam pontualmente", disse um senhor que estava perto de mim. Certamente ele pensava que eu pertencia a outro NÓS, em que nenhum trem chegava pontualmente. Uma mulher com cabelos curtos e ruivos, que estava na nossa frente, virou-se e disse: "Isso não é verdade. Nossos trens sempre se atrasam!". As portas se abriram. "Onde?", perguntei. "Onde eles chegam pontualmente e onde se atrasam?" Não houve resposta. As portas se fecharam automaticamente. (TAWADA 2021TAWADA, Yōko. Polícia da língua e poliglotas jogadores. Tradução de Gerson R. Neumann; Cláudia F. Pavan e Marianna I. Daudt. Porto Alegre: Class, 2021.: 13)

As suspeições em torno de certa chance de seguir sendo entendida enquanto não-nativa, ou ao menos um signo que não encontra seu lugar de pertencimento em algo a ser chamado de "Ocidente/Europa" termina em uma comparação a partir de algo que pode ser também ligado ao "menos-que-um" de Bhabha:

O ábaco não tem zero. Coloca-se uma pedra para cima quando se quer escrever a quantidade um. Coloca-se outra pedra para cima, quando se quer adicionar um a isso. No cinco, é necessário adicionar uma pedra a mais de cima para baixo. Para descrever a quantidade dez, deve-se deslocar uma fila à direita. Onde fica afinal o zero? Há pedras em todos os lugares. Quando não estão acima, estão abaixo. Não há pedra que signifique zero. Uma pedra nunca é menos do que uma pedra. Mas zero é menos que um? O zero engole a pergunta sobre se algo é menos ou mais. (TAWADA 2021TAWADA, Yōko. Polícia da língua e poliglotas jogadores. Tradução de Gerson R. Neumann; Cláudia F. Pavan e Marianna I. Daudt. Porto Alegre: Class, 2021.: 19)

A discussão dos dois trechos acima passa pela marcação da presença e da diferença, não em uma confabulação pelo vazio da abstração a indicar uma artificialidade posterior a qualquer tipo de encontro. A separação é anterior à presença, mas se faz marcada como já diferenciada e já agente quando a diferença se mostra exposta nas fraturas sociais demarcadas; penso, por exemplo, nestas palavras de Spivak para diferenciar, inclusive, a possibilidade do retorno da pós-colonialidade ao apagamento de certa exofonia europeia quando entendida fora do contexto pós-colonial:

Subalternidade é uma posição sem identidade. É, de certa forma, tal qual a compreensão estrita de classe. Classe não é uma origem cultural, ainda que exista a cultura da classe trabalhadora, mas sim um sentido de coletividade econômica, de relações sociais de formação como base de ação. Gênero não é diferença sexual vivida, mas um sentido da negociação social coletiva de diferenças sexuais como base da ação. Raça supõe racismo. A subalternidade ocorre onde as linhas sociais de mobilidade, estando em outro lugar, não permitem a formação de uma base de ação reconhecível. Os primeiros subalternistas analisaram exemplos nos quais a subalternidade foi levada à crise e uma base para a militância foi formada. Mesmo então a historiografia colonial e nacionalista não reconheceram-na como tal. O subalternizado poderia falar, então? Poderia ter sua insurgência reconhecida pelos historiadores oficiais? Mesmo quando, a rigor, eles romperam os limites da subalternidade? Este último ponto é importante. Nem os grupos celebrados pelos primeiros subalternistas, nem Bhubaneswari Bhaduri,13 13 Bhubaneswari Bhaduri é quem tem a história de seu suicídio recontada por Spivak, em Pode o Subalterno Falar?, a partir do testemunho cedido por sua mãe. na medida em que romperam seus laços de resistência, estavam na posição de subalternidade. Ninguém pode dizer “sou um subalterno” em qualquer língua. E os estudos subalternos não se reduzirão ao relato histórico dos detalhes da prática de grupos privados de direitos e continuarão a ser um estudo do subalterno, no sentido no qual o termo agora é útil. Subalternidade ocorre onde as linhas sociais de mobilidade, estando em outro lugar, não permitem a formação de uma base de ação reconhecível. Tanto Gramsci quanto Guha insinuam isso, é claro. Mas cheguei a isso através de Marx. (SPIVAK 2012SPIVAK, Gayatri C. An Aesthetic Education in the Era of Globalization. Nova Iorque: Harvard University Press, 2012. : 431; tradução nossa)

Aqui, não estamos nas linhas da subalternidade. Logo, estamos em algum outro contexto que também depreende certa possibilidade de agência dentro do cosmopolitismo contemporâneo, continuamente visto como algo dentro das marcas da diferença, segundo as quais, mesmo nas cenas narradas pela obra tawadiana, algo acontece e não demarca a invisibilização dessa narradora que, claramente, está fora do circuito do reconhecimento do nativo alemão, mesmo demonstrando tanto ter ciência da língua, ao conversar com a força da lei, assim como se impressionar com certa demonstração estranha de hospitalidade e fornecimento de informações, ainda que errôneas, parecendo supor, ali também, que nem a todos poderíamos estender tais mãos benevolentes dispostas às explicações para turistas desavisados e pessoas que poderiam se impressionar com a pontualidade dos trens. Se há trens que não chegam no horário marcado, tampouco poderíamos supor que todos os migrantes são bem tratados: e que, se há, nessa marcação, diferença baseada na segregação da diferença, a ausência do registro é também o registro da subalternidade exofônica.14 14 Nesse sentido, interpretar a subalternidade exofônica como derivada da pós-colonial pode, de certa maneira, exigir da composição dos termos uma revisitação do que é a subalternidade em si. Se tomadas como ponto de partida as palavras de Spivak, seria estranha, ou ao menos necessariamente produtora de estranhamento, prever em Tawada uma espécie de subalternidade exofônica e/ou pós-colonial, dado que sua relação com a Alemanha não é derivada do evento da colonização. A ideia mesma da exofonia, portanto, parece complicar o argumento no qual tal situação se escreve nas linhas da subalternidade, dado que a mesma pressupõe o lado oposto da agência, i.e., a ausência da fala como instrumento de ação política coletiva. Tawada, mais uma vez, para ser entendida como subalterna e/ou subalterna exofônica, na fortuna crítica, precisa de saltos argumentativos a determinarem os conceitos utilizados a partir de uma quase-citação deslocada que, nesse movimento de reescrever a partir de outro contexto a determinação do que é subalternidade e/ou exofonia, além do pensamento no qual também reside a consequência da junção dos dois, impede a união dos termos em si, exigindo, talvez, uma realocação do papel e/ou caracterização de Tawada como uma espécie de migrante outra, que se encaixaria em algum outro cenário derivado da (re)delimitação das fronteiras para acolhimento do migrante, ainda quando consideramos a migração de seu cenário de partida, um país industrializado cuja relação com o Ocidente passa por diversas ressignificações, a serem pensadas e desenvolvidas com mais profundidade alhures.

Gostaria de sugerir, por fim, algumas considerações de Tawada em torno de seu próprio sotaque, para pensarmos algumas contradições de por onde caminham as conclusões em torno da natureza possível da exofonia. Vai dizer a autora: "ainda que me digam que meu alemão é incrivelmente tranquilo de ser ouvido, ele ainda assim não é comum [...]" e "[n]o entanto, na modernidade, são muitas as pessoas, como espaços, nas quais convivem muitas línguas, em um fenômeno de mútua transformação intensa [...]" para chegar à conclusão de que "a busca enfática desses resultados em nosso próprio sotaque pode começar a ter efeitos positivos na criação literária" (TAWADA 2016TAWADA, Yōko. エクソフォニー. 母語の外へ出る旅. Tóquio: Iwanami Shoten, 2016.: 90, tradução nossa).

O sotaque surge como tópos de criação para Tawada também em "Akzent" (2018TAWADA, Yōko. Akzent. In: HELD, Christoph; LÄNEMANN, Henrike; LLOYD, Alexandra (Eds.). Tawada Yoko in Dialogue. Oxford: Taylor Institution Library, 2018, 23-46.), quando lemos

Die Augen meiner Sprache enthalten Wasser aus dem Pazifik, wo zahlreiche Vokale als Inseln schwimmen. Ohne sie würde ich ertrinken.

Die deutsche Sprache bietet mir nicht genug Vokale. „Lufthansa“ spreche ich „Lufutohansa“ aus, damit fast jeder Konsonant mit einem Vokal versorgt ist. Wo soll ich sonst hin mit meinen Gefühlen, die nur in den Vokalen zu Hause sind? (TAWADA 2018TAWADA, Yōko. Akzent. In: HELD, Christoph; LÄNEMANN, Henrike; LLOYD, Alexandra (Eds.). Tawada Yoko in Dialogue. Oxford: Taylor Institution Library, 2018, 23-46.: 24)15 15 Em tradução nossa: "Os olhos da minha fala contém águas do Pacífico, nos quais nadam numerosas vogais, como ilhas. Sem elas, me afundaria. A língua alemã não me fornece vogais suficientes. Eu pronuncio Lufthansa como Lufutohansa, fazendo com que todas as consoantes tenham uma vogal como parceira. Caso contrário, para onde mais eu iria, se meus sentimentos só se sentem em casa em vogais?"

Sendo o sotaque um convite para a poesia, não uma descriminação, ressalta Tawada:

Der Akzent ist eine großzügige Einladung zu einer Reise in die geografische und kulturelle Ferne. In einer modernen Großstadt muss man stets darauf gefasst sein, mitten in der Mittagspause auf eine Weltreise geschickt zu werden. Eine Kellnerin öffnet ihren Mund, schon bin ich unterwegs nach Moskau, nach Paris oder nach Istanbul. Die Mundhöhle der Kellnerin ist der Nachthimmel, darunter liegt ihre Zunge, die den eurasischen Kontinent verkörpert. Ihr Atemzug ist der Orientexpress. Ich steige ein. (TAWADA 2018TAWADA, Yōko. Akzent. In: HELD, Christoph; LÄNEMANN, Henrike; LLOYD, Alexandra (Eds.). Tawada Yoko in Dialogue. Oxford: Taylor Institution Library, 2018, 23-46.: 34)16 16 Em tradução nossa: "O sotaque é um generoso convite para viajarmos a terras geográfica e culturalmente distantes. Em uma metrópole moderna, todos precisam estar preparados para serem enviados a uma viagem internacional, durante sua pausa para o almoço. Uma garçonete abre sua boca e já me encontro a caminho de Moscou, Paris ou Istambul. A sua cavidade bucal é o céu noturno e, embaixo de sua língua, corporifica-se o continente eurasiático. Em seus suspiros, o Expresso do Oriente. E eu embarco".

E, por fim:

Wer mit Akzent spricht, fühlt sich zu Hause. Der Akzent ist seine Eigentumswohnung im wahren Sinne des Wortes, denn er ist sein Eigentum, das ihm selbst in der Zeit der Wirtschaftskrise nicht abhandenkommt. Er trägt ihn immer mit sich im Mund und kann somit immer in den eigenen vier Wänden gemütlich seine Fremdsprache sprechen. Gäbe es keinen Akzent mehr, bestünde die Gefahr, dass man schnell vergisst, wie unterschiedlich die Menschen sind. (TAWADA 2018TAWADA, Yōko. Akzent. In: HELD, Christoph; LÄNEMANN, Henrike; LLOYD, Alexandra (Eds.). Tawada Yoko in Dialogue. Oxford: Taylor Institution Library, 2018, 23-46.: 36)17 17 Em tradução nossa: "Quem fala com sotaque, se sente em casa. O sotaque é a casa própria mantenedora do sentido das palavras, por ser seu patrimônio que, nem mesmo em tempos de crise econômica, foi abandonado. Por carregá-lo sempre dentro de sua boca, é possível falar confortavelmente em sua língua estrangeira nas quatro paredes dessa sua casa. Caso o sotaque não existisse, o risco seria o de, logo menos, esquecermo-nos de como as pessoas são diferentes umas das outras".

A criação de uma casa única, específica, partindo da união de várias generalizações possíveis, é o caminho a mostrar a junção de uma consequência da diferença. A abstração que cria a fala nativa como aquela desprovida de sotaque é geralmente estabelecida pelo fato de o padrão ser definido a partir de algo que, quando se torna padrão, também perde seu caráter de sotaque: na língua alemã, Hannover; na japonesa, Tóquio. Ambas são tanto regionais quanto nacionais, mas perdem a caracterização da primeira para se tornar a segunda e, assim, se falseia o raciocínio de que o diferente é, sempre, o outro.

Quando Tawada (2016TAWADA, Yōko. エクソフォニー. 母語の外へ出る旅. Tóquio: Iwanami Shoten, 2016.; 2018TAWADA, Yōko. Akzent. In: HELD, Christoph; LÄNEMANN, Henrike; LLOYD, Alexandra (Eds.). Tawada Yoko in Dialogue. Oxford: Taylor Institution Library, 2018, 23-46.) apresenta a ideia na qual a própria língua materna também tem sotaque e que, nessas idas e vindas, nas migrações e imigrações de um mundo cosmopolita, não é somente a língua estrangeira a qual se "sotaquiza", assim, podemos pensar que não é a artificialidade do raciocínio o quebrado, para demonstrar o quão fictícias são as categorias de nativo e alienígena e que, a partir dali, existiria alguma categorização mais honesta, tendo como espelho a anterior. Isso porque, tal qual a lei do gênero (DERRIDA 2019DERRIDA, Jacques. A lei do gênero. Tradução de Nicole A. Marcello e Carla Rodrigues. Tempo, Espaço e Linguagem (TEL), v. 10, n. 2, 250-281, 2019. ), a separação das categorias não cria a possibilidade de, posteriormente, se pensar que elas poderão, eventualmente, se misturar. A separação entre gêneros e, aqui, a separação entre as categorias já utilizadas (nativo, nacional, etc.), é posterior à percepção pela qual se entende algo já como contaminado, cuja existência de fenômenos diferentes se localiza em uma zona de não separabilidade. O limite, assim, surge como força de lei, como imposição dicotômica, para ser possível entender as categorias como diferentes e diferenciadas.

A partir daí, então, só se tem diferença. A exofonia enquanto força produtora de uma "desconstrução" (i.e., destruição) das categorias prévias não reconstrói nada, muito menos sugere um "passo adiante", em uma espécie de significação (não tão) dialética, na qual o etapismo das fórmulas prevê a sempre melhora do passo seguinte, assim como o atraso do anterior. As consequências, talvez, se estivéssemos falando com/em torno da desconstrução, levando também em consideração o cenário no qual a exofonia parece responder ao surgimento de um domínio de uma língua colonizadora pelo subalterno, invertendo a própria categorização de si como aquém da agência, seriam algumas, dentre elas: 1. a própria revalorização e salvaguarda da ideia do nativo; 2. a leitura exofônica de cenários fora da colonização, em um transporte metafórico do conceito, tal qual acontece com creole em japonês (FERRIER 2010FERRIER, Michäel F. Creole Japan; or, The Vagaries of Creolization. Tradução de Nadève Ménard. Small Axe, v. 14, n. 3, 33-44, 2010.; KABIR 2022KABIR, Ananya Jahanara. The Creolizing Turn and Its Archipelagic Directions. The Cambridge Journal of Postcolonial Literary Inquiry, v. 10, n. 1, 1-14, 2022.), reforçando o próprio cenário excludente do colonizado dos campos da agência, pela ideia na qual o mesmo é entendido como tabula rasa, aquém dos limites da fala possível.

Caso entendamos isso, como vem sendo sugerido, podemos pensar, por fim: o que fazer a partir de agora?

3 Considerações finais

A ideia segundo a qual um falante não-nativo pode chegar a ser laureado "na casa", ou seja, na nação, a partir de sua produção em outra língua parece pressupor a impossibilidade de se chegar a qualquer nível de domínio da mesma, a ponto de se ver tal fato sendo realizado. Ainda mais, caso pensemos, em situações nas quais se cria certa imagem do que é um centro metropolitano cosmopolita colonial cujos braços não estão, de fato, abertos para toda e qualquer pessoa a ali chegar, fazer morada, aprender os códigos sociais ali descritos e virá-los do avesso, ao não estar mais na categoria prevista (a subalternidade) e encontrar modos de agência.

Se o primeiro prêmio a constar na carreira de Tawada, em língua alemã, é o Förderpreis für Literatur der Hansestadt Hamburg, de 1990, a ideia de se autodescrever enquanto literatura exofônica viria mais de dez anos depois, quando da publicação, por exemplo, da primeira edição de Exofonia: uma viagem para fora da língua materna, em 2003. Ainda que seja sempre possível a atualização e recontextualização daquilo a ser pensado enquanto um conjunto possível de obras, a transposição do conceito apresenta uma chance e um perigo, ao menos. A chance é a da própria exposição do conceito em si, da ideia pela qual podemos entender a forma de ver o mundo sendo descrito não com a primazia de domínio da língua, somente possível por quem precisa ser entendido enquanto vinculado a um núcleo geopolítico, chamado nação. O perigo, no entanto, é, a partir desse próprio movimento, a chance de se manter segura a categoria do nativo e apagar da discussão cenas de submissão nas quais a língua falada pelo migrante/subalterno pós-colonial já é, também, advinda de um cenário violento: na máxima derridiana, só se possui uma língua e ela não é sua (DERRIDA 2017DERRIDA, Jacques. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Tradução de Fernanda Bernardo. Belo Horizonte: Chão da Feira, 2017.).18 18 E, como também já dito, aquilo a se tornar interessante de se pensar é se a categoria da exofonia, por fim, não complica, em termos de dar um nó em uma diferenciação a mais, a reforçar categorias analíticas, longe de dissolvê-las, a própria ideia anterior de subalternidade, sem que se reveja se a junção, por fim, transforma o subalterno em agente ou mantém sua exclusão. Ou, ainda, se estaríamos, mais uma vez, em outra aporia entre subalternidade, agência e fala na língua do outro.

Tawada, todavia, não deixa de impressionar, assim como também não se busca questionar qualquer validade ou possibilidade de laureamento de suas produções, muito menos a interrupção da leitura e estudo de seus textos por aqueles que, tal qual a autora, também se encontrariam em uma situação de aprendizado de segunda/terceira/quarta língua, para qualquer um dos lados apontados pela produção da autora. Os cuidados, no entanto, parecem ser múltiplos quando pensamos na possibilidade de observar o mundo como uma grande estrutura na qual as pessoas estão, o tempo todo, nos atravessando, migrando, produzindo teias subreptícias nas quais criamos sentidos outrora já sobrescritos, gerando palimpsestos em cima de palimpsestos.

A genealogia da Europa, tal qual a do Japão, atravessa dezenas de imbricamentos, nos quais a palavra violência, tal qual a colonização, tendem a estar em uma estrutura de esquecimento, apagamento, gerando uma possibilidade de se ver, na foraclusão do registro, exatamente os mesmos mecanismos mantenedores de certo elogio da historiografia do mundo como uma sucessão de encontros dialéticos, visando o progresso como fundamento. Repensá-las, portanto, seria também seguir os rastros e os restos deixados de lado, sem pressupor a possibilidade de, nessa certeza da busca, encontrarmos algo laudatório de uma certeza positiva, mas, ainda assim, a abrir outras tantas possibilidades de caminho, tal qual a desconstrução.

Referências bibliográficas

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  • YAMADE, Yuko. The Role of Translation in Yoko Tawada’s Exophonic and Intercultural Writings. 明治大学国際日本学部, 103-116, 2020.
  • 2
    Gostaria de agradecer os pareceres anônimos, em esquema duplo-cego, pelos comentários e pelas perguntas que, todavia, continuo na dúvida se consegui, da melhor forma possível, incorporar ao texto, assim como também pelo acolhimento da Pandaemonium. De certa maneira, as perguntas e os questionamentos se, ainda não totalmente respondidos, seguirão comigo em pesquisas futuras.
  • 3
    Em tradução nossa: “'Exofonia' é um dos conceitos desenvolvidos após o surgimento do pós-colonialismo. Na década de 1990, surgiram alguns conceitos para explicar as diversas condições do pós-colonialismo. Entre eles, 'Exofonia' era um conceito centrado na relação entre a língua materna e a migração.” A todos os títulos e textos que tiverem sido traduzidos por outras pessoas, deixarei evidente nas marcações das referências tais nomes; quando, todavia, realizar alguma mudança em traduções alheias, será também fornecido o original consultado na língua de partida.
  • 4
    Em tradução nossa: “A desconstrução tawadiana evidencia uma predileção pelo jogo de palavras, pela ironia e pelo humor, entre outras técnicas, a garantirem entrada e saída constantes de uma área linguística que não pode deixar de recordar o próprio ato de tradução”.
  • 5
    Em tradução nossa: “Logo, se as línguas não podem conter uma identidade, como é possível existir um autor e o que é permitido pela categoria ao se criar algo bastante concreto nesta imprecisão? Que posição eles* podem assumir enquanto se distanciam da linguagem?” O uso de linguagem neutra no texto de Roussel (they*) foi adaptado aqui como nas traduções recentes de Spivak (2022SPIVAK, Gayatri C. Crítica da razão pós-colonial: por uma história do presente fugidio. Tradução de Lucas Carpinelli. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2022. ): tachando a marcação masculina como universalizada e neutra.
  • 6
    Em tradução nossa: “[n]ão exatamente uma oposição, mas uma continuidade na prática da exofonia tawadiana, esta ambivalência deve ser considerada como um meio de ilustrar a tradução constante com a qual os personagens lidam. [...] Controle, como sinônimo de convenção, não existe mais. A rematerialização responde à desconstrução, cujo objetivo é reconstruir a linguagem de maneira estranha, esquisita”. A dicotomia criada entre desconstrução e reconstrução, como se ali existisse um antônimo, é o que buscaremos questionar aqui, enquanto seguimos no raciocínio da fortuna escolhida para diálogo.
  • 7
    Há de se perguntar, também, se há etnologia sem ficção, sem ficcionalização da realidade ali observada por alguém que seja um outsider, na literatura ou no outro campo do conhecimento. Esse que, inclusive, aparentemente, entra em uma composição dicotômica com a literatura, como se ela fosse a institucionalização da mentira, da dúvida da natureza do real, e a etnologia, mero instrumento de tradução, via alguém que não é visto como um outsider da realidade ali observada.
  • 8
    O texto citado pelos autores é Wright, Chantal. “Exophony and literary translation: What it means for the translator when a writer adopts a new language”. Target 22.1 (2010): 22-39.
  • 9
    Defende-se, no entanto, que tal movimento não está presente no original, a menos que se lembre do feito até então: estamos lendo textos críticos, analíticos, ou seja, há um movimento a se naturalizar a partir da pressuposição da criação de um argumento a ser provado quando se toma algo como "natural", "prescrito" (i.e., a impossibilidade, quiçá, do dissenso), sendo necessário, talvez, o movimento reiterante de nos relembrarmos de que é nesta esfera (a crítica) que estamos.
  • 10
    Reforço, também, a intenção de testarmos os limites da aplicabilidade sem levarmos em consideração, de certa forma, que Tawada não é uma migrante pós-colonial, sendo necessário balizar as pontes de contato entre sua obra e a maneira com a qual a fortuna crítica, rapidamente, salta da "origem" da exofonia e passa a utilizar o conceito para pensar a obra tawadiana.
  • 11
    Para críticas à formulação e invenção do informante nativo como condição da colonização e manutenção da diferença pós-colonial, ver Spivak (2022SPIVAK, Gayatri C. Crítica da razão pós-colonial: por uma história do presente fugidio. Tradução de Lucas Carpinelli. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2022. ).
  • 12
    Nesse sentido, mais uma vez, parece ser reiterado e reforçado o movimento da violência como apagamento nos cenários em que o aprendizado da língua estrangeira, nesse caso, o alemão, se dá como imposição de fora, pela colonização versus o aprendizado para migração e morada na casa alheia, como parece ser o caso de Tawada. E que, ainda, como veremos, nos textos da autora se mostre a manutenção da diferença, não o apagamento, o aparentemente possível a partir disso não é a equalização de Tawada à exofonia do subalterno, mas sim uma espécie de "outra coisa", a depender da maneira como a mesma é lida e vista pelo "informante nativo" da metrópole. Chegaremos neste ponto.
  • 13
    Bhubaneswari Bhaduri é quem tem a história de seu suicídio recontada por Spivak, em Pode o Subalterno Falar?, a partir do testemunho cedido por sua mãe.
  • 14
    Nesse sentido, interpretar a subalternidade exofônica como derivada da pós-colonial pode, de certa maneira, exigir da composição dos termos uma revisitação do que é a subalternidade em si. Se tomadas como ponto de partida as palavras de Spivak, seria estranha, ou ao menos necessariamente produtora de estranhamento, prever em Tawada uma espécie de subalternidade exofônica e/ou pós-colonial, dado que sua relação com a Alemanha não é derivada do evento da colonização. A ideia mesma da exofonia, portanto, parece complicar o argumento no qual tal situação se escreve nas linhas da subalternidade, dado que a mesma pressupõe o lado oposto da agência, i.e., a ausência da fala como instrumento de ação política coletiva. Tawada, mais uma vez, para ser entendida como subalterna e/ou subalterna exofônica, na fortuna crítica, precisa de saltos argumentativos a determinarem os conceitos utilizados a partir de uma quase-citação deslocada que, nesse movimento de reescrever a partir de outro contexto a determinação do que é subalternidade e/ou exofonia, além do pensamento no qual também reside a consequência da junção dos dois, impede a união dos termos em si, exigindo, talvez, uma realocação do papel e/ou caracterização de Tawada como uma espécie de migrante outra, que se encaixaria em algum outro cenário derivado da (re)delimitação das fronteiras para acolhimento do migrante, ainda quando consideramos a migração de seu cenário de partida, um país industrializado cuja relação com o Ocidente passa por diversas ressignificações, a serem pensadas e desenvolvidas com mais profundidade alhures.
  • 15
    Em tradução nossa: "Os olhos da minha fala contém águas do Pacífico, nos quais nadam numerosas vogais, como ilhas. Sem elas, me afundaria. A língua alemã não me fornece vogais suficientes. Eu pronuncio Lufthansa como Lufutohansa, fazendo com que todas as consoantes tenham uma vogal como parceira. Caso contrário, para onde mais eu iria, se meus sentimentos só se sentem em casa em vogais?"
  • 16
    Em tradução nossa: "O sotaque é um generoso convite para viajarmos a terras geográfica e culturalmente distantes. Em uma metrópole moderna, todos precisam estar preparados para serem enviados a uma viagem internacional, durante sua pausa para o almoço. Uma garçonete abre sua boca e já me encontro a caminho de Moscou, Paris ou Istambul. A sua cavidade bucal é o céu noturno e, embaixo de sua língua, corporifica-se o continente eurasiático. Em seus suspiros, o Expresso do Oriente. E eu embarco".
  • 17
    Em tradução nossa: "Quem fala com sotaque, se sente em casa. O sotaque é a casa própria mantenedora do sentido das palavras, por ser seu patrimônio que, nem mesmo em tempos de crise econômica, foi abandonado. Por carregá-lo sempre dentro de sua boca, é possível falar confortavelmente em sua língua estrangeira nas quatro paredes dessa sua casa. Caso o sotaque não existisse, o risco seria o de, logo menos, esquecermo-nos de como as pessoas são diferentes umas das outras".
  • 18
    E, como também já dito, aquilo a se tornar interessante de se pensar é se a categoria da exofonia, por fim, não complica, em termos de dar um nó em uma diferenciação a mais, a reforçar categorias analíticas, longe de dissolvê-las, a própria ideia anterior de subalternidade, sem que se reveja se a junção, por fim, transforma o subalterno em agente ou mantém sua exclusão. Ou, ainda, se estaríamos, mais uma vez, em outra aporia entre subalternidade, agência e fala na língua do outro.
  • 1
    Desenvolve pesquisa de Doutorado no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada (DTLLC), na Universidade de São Paulo (USP), com financiamento concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 2022/15480-7.
Editora: Érica Schlude Wels

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2023
  • Aceito
    25 Abr 2024
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
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